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Algumas considerações sôbre o problema da rubéola no município de São Paulo

Resumos

Fazem-se algumas considerações sobre o problema da rubéola no município de São Paulo. São apresentados os 287 casos de rubéola notificados de 1951 a 1966. A distribuição sazonal destes casos parece indicar que a maior ocorrência dá-se nos meses de setembro e outubro, correspondentes à primavera, conforme têm sido descrito para outros países. O aumento do número de casos notificados em 1955 e 1962 pareceria mostrar que os ciclos de maior incidência de casos nesta comunidade também guardam o intervalo de 7 anos, embora se apresente nôvo aumento em 1966. São feitas recomendações sôbre a necessidade de se realizar inquéritos sôro-epidemiológicos para um melhor conhecimento da distribuição desta doença no município de São Paulo.


The present paper considers some problems related to rubella in the city of São Paulo, S.P., Brazil. The cases reported over the period of 1951 to 1966 (287) are presented and analysed. Seasonal distribution shows a higher incidence during September and October, that is, during Spring, agreeing with what has been observed in other countries. The increase in incidence in 1955 and 1962 seems to suggest that 7 year cycles present themselves here too, although there was also an increase in 1966. Epidemiologic surveys based on serum examination are recomended so that a better knowledge of the distribution of rubella may be achieved in our city.


ARTIGO

Algumas considerações sôbre o problema da rubéola no município de São Paulo1 1 Da Cadeira de Microbiologia Aplicada e da Cadeira de Administração Sanitária da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP

Luís G. Cotillo Z.I; José Antonio Alves dos SantosII

IDa Cadeira de Microbiologia da FHSP e da Cadeira de Microbiologia da Facultad de Farmacia y Bioquímica, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima, Perú

IIDa Cadeira de Administração Sanitária da FHSP

RESUMO

Fazem-se algumas considerações sobre o problema da rubéola no município de São Paulo. São apresentados os 287 casos de rubéola notificados de 1951 a 1966. A distribuição sazonal destes casos parece indicar que a maior ocorrência dá-se nos meses de setembro e outubro, correspondentes à primavera, conforme têm sido descrito para outros países. O aumento do número de casos notificados em 1955 e 1962 pareceria mostrar que os ciclos de maior incidência de casos nesta comunidade também guardam o intervalo de 7 anos, embora se apresente nôvo aumento em 1966. São feitas recomendações sôbre a necessidade de se realizar inquéritos sôro-epidemiológicos para um melhor conhecimento da distribuição desta doença no município de São Paulo.

SUMMARY

The present paper considers some problems related to rubella in the city of São Paulo, S.P., Brazil. The cases reported over the period of 1951 to 1966 (287) are presented and analysed. Seasonal distribution shows a higher incidence during September and October, that is, during Spring, agreeing with what has been observed in other countries. The increase in incidence in 1955 and 1962 seems to suggest that 7 year cycles present themselves here too, although there was also an increase in 1966. Epidemiologic surveys based on serum examination are recomended so that a better knowledge of the distribution of rubella may be achieved in our city.

INTRODUÇÃO

A chegada da Segunda Grande Guerra, com a movimentação de enormes massas populacionais, alterou no mundo inteiro a epidemiologia de algumas doenças, fazendo aparecer mesmo grandes epidemias. Assim é que em 1941 um oftalmologista australiano, Gregg (WELLER & NEVA11, 1965) publicou as suas observações sôbre uma epidemia de rubéola, que atingindo as gestantes nos primeiros meses de gravidez, condicionou o aparecimento de muitos casos de catarata e outras malformações congênitas.

Êste fato deu lugar a uma nova orientação clínica e de Saúde Pública sôbre esta doença exantemática. Mas, uma vez que não se contava com o auxílio de técnicas adequadas para isolar o vírus assim como determinar a presença ou ausência de anticorpos nos indivíduos afetados, foi só recentemente, graças às técnicas descritas por PARKMAN, BUESCHER, ARTENSTEIN6 (1962) e por WELLER & NEVA10 (1962), que simultaneamente descreveram dois métodos para o isolamento do vírus da rubéola, que se pôde, através do laboratório, elucidar quadros clínicos duvidosos, verificar a incidência desta infecção nas comunidades e, sobretudo, determinar a participação do vírus da rubéola nas malformações congênitas.

Na atualidade estão quase perfeitamente definidas as probabilidades de ocorrerem estas malformações quando a rubéola materna se dá no primeiro trimestre da gestação, o que acontece em cerca de 17 a 20% dos casos.

CAMPBELL2 (1961) indica que os riscos de abôrto e malformações congênitas estão por volta de 30 a 70% para as gestantes expostas durante as primeiras 4 semanas de gravidez, declinando para 10 a 25% durante as 4 semanas seguintes. TARTACOW8 (1965) estima as porcentagens de crianças nascidas com defeitos após a infecção materna ocorrida no primeiro mês de gestação como sendo de 10 a 50%; para o segundo mês, de 14 a 25% e para o terceiro mês, de 6 a 17%.

Tudo isto torna necessária a realização de estudos epidemiológicos no intuito de determinar a incidência desta doença – e, principalmente, das suas conseqüências – em cada comunidade, a fim de se poder estabelecer as bases para a sua profilaxia.

Uma vez que não se têm notícias de nenhum inquérito epidemiológico dêste tipo no Brasil e dada a importância que vêm adquirindo, dia a dia, os estudos sobre a infecciosidade do vírus, resolvemos realizar o presente trabalho, baseados nos dados fornecidos pela Seção de Epidemiologia e Profilaxia Gerais (S.E.P.G.) da Secretaria da Saúde Pública do Estado de São Paulo e referentes aos casos notificados exclusivamente na Capital.

Casos registrados de rubéola no município de São Paulo por distritos e sub-distritos, de 1951 a 1966

Apresentamos na Tabela 1 os dados obtidos na S.E.P.G., sôbre os 287 casos notificados de rubéola nos diversos distritos e sub-distritos do município de São Paulo de 1951 a 1966. A observação dos dados apresentados nesta tabela nos mostra que esta doença foi notificada na maioria dos distritos e sub-distritos neste período.

Distribuição sazonal dos casos notificados de rubéola de 1951 a 1966

Com a finalidade de verificar a distribuição mensal dos casos de rubéola notificados no município de São Paulo de 1951 a 1966, apresentamos a Tabela 2, na qual pode ser observado que o número de casos notificados é sensìvelmente maior nos meses de agôsto, setembro, outubro e novembro, especialmente em outubro. Neste, foram conhecidos 59 casos, número muito maior que a média mensal, que foi de pràticamente 28 casos. Esta distribuição se encontra gràficamente na Figura 1.


Esta distribuição está em concordância com o afirmado por INGALLS 5 (1960) que a rubéola, nos Estados Unidos, se apresenta principalmente na primavera. O mesmo autor refere que, naquêle país, 2/3 dos casos notificados de rubéola, nos anos de 1906 a 1938, ocorreram nos meses de abril a junho, que correspondem precisamente a esta estação do ano. Do mesmo modo, na Austrália, para 1955, a maioria dos casos registrados foi durante os meses de setembro e outubro, ou seja exatamente a estação da primavera para o hemisfério sul o que está em concordância com os dados por nós apresentados.

Distribuição dos casos notificados de rubéola de 1951 a 1966, segundo o grupo etário e sexo

A distribuição dos casos de rubéola nos anos estudados, segundo os diversos grupos etários, se encontra na Tabela 3 na qual pode ser observado que no grupo de 0 a 4 anos se notificaram 73 casos desta doença, no de 5 a 9 anos, 50 casos, no de 10 a 14, 30 casos e no grupo de 15 a 19 se encontram 42 casos. Os grupos etários mais altos apresentam menor número de casos.

Êstes resultados não acompanham a distribuição assinalada por INGALLS 5 (1960) que indica que os grupos etários mais atingidos são os compreendidos até os 15 anos de idade, especialmente naqueles que compreendem os indivíduos em idade escolar, uma vez que na distribuição dos casos notificados no município de São Paulo o grupo etário de 15 a 19 anos apresenta maior número de casos que o de 10 a 14. Todavia, o pequeno número de casos de ambos os grupos não permite concluir definitivamente sôbre esta distribuição, fazendo-se necessário estudar esta população por um período mais longo.

No que se refere ao sexo a notificação dos casos no município de São Paulo, apresenta o seguinte comportamento: de 1951 a 1966 ocorreram 122 (42,5%) notificações de casos de rubéola no sexo masculino e 165 (57,5%) no sexo feminino. A distribuição por ano segundo o sexo pode ser observada na Tabela 4.

A Figura 2 apresenta a distribuição anual dos casos notificados de rubéola considerados separadamente por sexo ou em conjunto. Neste gráfico pode ser verificado que há uma primeira elevação dos casos notificados em 1955 e outra mais acentuada em 1962, as quais guardam entre si o intervalo de 7 anos observado em outros países. Entretanto, observa-se novo aumento acentuado em 1966.


DISCUSSÃO

Sendo a rubéola urna doença benigna, para a qual, geralmente, não se recorre à assistência médica, e sabendo-se que, para doenças dêste tipo, a notificação deixa muito a desejar, os dados aqui apresentados deverão ser tomados com a devida cautela, uma vez que acreditamos que êles representam apenas uma parcela da realidade, mas parece não restar dúvida que, embora deficitários, acompanham as flutuações reais da incidência da rubéola neste município.

O pequeno número de casos notificados no município de São Paulo (para uma população atualmente calculada em quase 5 milhões de habitantes) nos leva a afirmar que a notificação desta doença deve ser muito precária, pois a rubéola é, como se sabe, uma doença bastante comum e a incidência no município de São Paulo deve ser muito maior, COTILLO 3 (1967) encontrou que 79,4% das mulheres grávidas de 15 a 19 anos mostravam anticorpos neutralizantes em níveis protetores e nos grupos de 20 a 29 e 30 a 39, 76,4% e 79,9%, respectivamente, de gestantes revelaram anticorpos.

Se considerarmos que para o município da Capital, no grupo populacional de 15 a 19 anos, foram estimados para 1967, 491.091 habitantes pelo Departamento de Estatística do Estado de São Paulo e se para exemplificarmos tomarmos como índice de contatos com o vírus da rubéola a porcentagem de 79,4% das gestantes com anticorpos desse estudo, poderiamos esperar que nestes 19 anos (de 1948 até 1967) teriam ocorrido, neste grupo, 389.926 infecções aparentes ou inaparentes de rubéola, supondo-se que a incidência tivesse sido a mesma para ambos os sexos. Levando-se em conta que, segundo alguns, existem 9 casos aparentes por 1 inaparente em epidemias ou ainda 7 inaparentes por 1 aparente em épocas interepidêmicas (BRODY1, 1965) e tomando-se como verdadeira esta última hipótese, teríamos, ainda assim, casos de rubéola clínica.

Se êstes 48.740 casos se tivessem distribuídos uniformemente, durante os 19 anos, de 1948 até 1967, encontrar-se-iam 2.565 casos por ano, ùnicamente para êste grupo etário, sem levar em consideração que os outros grupos populacionais, ao que tudo parece indicar, estão sujeitos a riscos semelhantes de contrair a doença, o que demonstra que, de fato, a notificação não acompanha a incidência desta doença na comunidade.

Por outro lado, tivemos comunicações pessoais de diretores de escolas, de inúmeros casos de rubéola ocorridos no ano passado e no corrente ano, principalmente nos meses de agôsto, setembro e outubro. Neste ano, ùnicamente no Centro de Aprendizado Urbano da Faculdade de Higiene e Saúde Pública, tivemos oportunidade de estudar 25 casos de rubéola, confirmados no laboratório. (COTILLO et alii4).

Podemos tomar ainda como exemplo o caso de algumas comunidades de vários países em que aparentemente a incidência pareceria ser muito mais elevada que em nosso meio. Só no estado de Massachusetts (WELLER, ALFORD, NEVA 9, 1965) dos Estados Unidos, após 4 anos de baixa prevalência da doença, quando o númeroro anual máximo alcançado foi de 6.443 casos, o referido número passou para 11.739 em 1963 e 37.105 em 1964, indicando que pelo menos 10% da população desse estado (aproximadamente 500.000 pessoas) tiveram contato primário com este agente, neste período de 1963 a 1964.

SIGURJONSSON 7 apresenta para a Islândia, com cerca de 150.000 habitantes, os seguintes dados sôbre notificação de casos de rubéola: em 1951, 75 casos; 1952, 41; 1953, 38; 1954, 2.453; 1955, 1.442; 1956, 353 e 1957, 73 casos, verificando-se que mesmo para uma população relativamente pequena como esta a incidência de rubéola em determinados períodos é bastante grande.

Os dados apresentados evidenciariam claramente a extrema precariedade da notificação dos casos, de rubéola no município de São Paulo. Tornam patente a necessidade da realização de inquéritos sorológicos em amostras representativas de sua população para se ter idéia da verdadeira magnitude do problema. Por outro lado, constituindo as notificações um dos meios mais práticos de se saber da ocorrência de novos casos numa população é imprescindível que as autoridades sanitárias envidem o máximo de esforços no sentido de obter a cooperação da classe médica para uma mais completa notificação dos casos de rubéola. Sòmente após a verificação do estado imunitário da comunidade em relação à rubéola e um melhor conhecimento da incidência desta doença, através das notificações, é que se poderá determinar, com maior segurança, a sua participação sôbre as malformações congênitas que se apresentam nesta localidade e determinar, portanto, a necessidade de se vacinar ou não os grupos suscetíveis, principalmente os indivíduos do sexo femínimo antes do início da puberdade.

CONCLUSÕES

Das considerações apresentadas no presente trabalho pode-se concluir que:

1) A incidência da rubéola no município de São Paulo não é conhecida, uma vez que o número de notificações deve estar muito abaixo do número real de casos.

2) A distribuição sazonal dos 287 casos notificados desde 1951 até 1966 neste município parece acompanhar a distribuição assinalada em outros países para esta doença, isto é, incidência marcadamente maior na primavera.

3) A distribuição por grupo etário pareceria não concordar com as observações apresentadas por outros pesquisadores.

4) Sòmente inquéritos sôro-epidemiológicos em larga escala, que abranjam todos os grupos etários; desta comunidade, permitirão saber da verdadeira prevalência desta infecção.

4. ________ et alii – Isolamento do vírus da rubéola em casos clinicamente diagnosticados em São Paulo, Brasil, (em vias de publicação).

7. SIGURJONSSON apud INGALLS5.

  • 1. BRODY, J. A. et alii Rubella epidemic on St. Paul Island in the Pribilofs, 1963. I. Epidemiologic, clinical and serologic findings. J.A.M.A., 191(8):619-623, Feb., 1965.
  • 2. CAMPBELL, M. Place of maternal rubella in the aetiology of congenital heart disease. Brit. med. J., 1(5227):691-696, Mar. 1961.
  • 3. COTILLO Z., L. G. Nível de anticorpos neutralizantes contra rubéola num grupo populacional de gestantes de São Paulo. São Paulo, 1967. (Tese Doutoramento Fac. Farm. Bioq. U.S.P.)
  • 5. INGALLS, T. H. et alii Rubella: its epidemiology and teratology. Amer. J. med. Sci., 239(3):363-383, Mar. 1960.
  • 6. PARKMAN, P. D.; BUESCHER, E. L.; ARTENSTEIN, M. S. Recovery of rubella virus from army recruits. Proc. Soc. exp. Biol. Med., 111(1):225-232, Oct. 1962.
  • 8. TARTAKOW, I. J. The teratogenicity of maternal rubella. J. Pediat., 66 380-391, 1965.
  • 9. WELLER, T. H.; ALFORD Jr., C. A.; NEVA, F. A. Changing epidemiologic concepts of rubella, with particular reference to unique characteristics of the congenital infection. Yale J. Biol. Med., 37(3):455-472, Jun. 1965.
  • 10. _______ & NEVA, F. A. Propagation in tissue culture of cytopathic agents from patients with rebella-like illness. Proc. Soc. exp. Biol. Med., 111(1):215-225, Oct., 1962.
  • 11. _______ & NEVA, F. A. "Rubella virus". In: HORSFALL Jr, F. L. & TAMM, I. Viral and rickettsial infections of man. 4th ed. Philadelphia, Lippincott, 1955. p. 802-809.
  • 1
    Da Cadeira de Microbiologia Aplicada e da Cadeira de Administração Sanitária da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1967
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