Acessibilidade / Reportar erro

Investigações sôbre o comportamento de formas adultas de mosquitos Silvestres no Estado de Sao Paulo, Brasil

Resumos

Apresentaram-se os resultados das observações sobre o comportamento de formas adultas de Culicidae silvestres na área de Casa Grande, de zona de florestas primitivas situada na parte nordeste do Estado de São Paulo, Brasil. As investigações focalizaram os mosquitos de hábitos diurnos e crepusculares-noturnos, durante o período de 1963 a 1966. Foram obtidos dados concernentes à composição especifica, distribuição, ciclo anual da densidade, estratificação vertical na floresta e possíveis relações com o ambiente doméstico. A região estudada é considerada como bioma ou ecossistema do Anopheles (Kerteszia) cruzii e, dessa maneira, êsse mosquito compareceu de maneira predominante nas observações, merecendo por isso especial atenção. As outras espécies distribuiram-se predominantemente entre os Sabethini, além de alguns Culicini. No que concerne à domesticidade, o Anopheles cruzii apresentou-se como apreciável freqüentador das casas, seguido pelo Aedes serratus. Além disso, aquele anofelino mostrou-se acentuadamente acrodendrófilo, parecendo ser dotado de alguma ornitofilia.


This work reports observations on adult Culicidae activities for diurnal and crepuscular-nocturnal forest species occurring in the area of Casa Grande, located at the Northeast region of the State of São Paulo, Brazil. These investigations, were carried out during the 1963 to 1966 period. They recorded the specific composition, distribution, year cycle of abundance, vertical stratification in the forest, and the possible relationship of these forest mosquitoes to the housekold environment. Since these region is considered a biome of the Anopheles (Kerteszia) cruzii particular attention was dedicated to this species, considered as an important malaria vector. Beside this, several Sabethini species proved to be considerably abundant and, along with some culicines as Aedes serratus, showed activities that may put these mosquitoes in relation with humans and domestic animals. Regarding the domesticity of these mosquitoes, Anopheles cruzii proved to be a considerable house visitor and this suggest that it may be incriminated for the transmission of forest virus and other infectious agents to humans and domestic animals. This mosquito proved to be of the acrodendrophilic species and some preference of it by avian blood is suggested.


ARTIGO ORIGINAL

Investigações sôbre o comportamento de formas adultas de mosquitos Silvestres no Estado de Sao Paulo, Brasil11 Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP; Do Laboratório de Arbovírus do Instituto «Adolfo Lutz» da Secretaria da Saúde Pública do Estado de São Paulo; Do Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. 2 Lopes, O. de S. et alii – Dados inéditos.

Oswaldo Paulo ForattiniI; Oscar de Souza LopesII; Ernesto Xavier RabelloIII

IDo Departamento de Epidemiologia da FHSP

IIDo Instituto "Adolfo Lutz" da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo

IIIDo Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo

RESUMO

Apresentaram-se os resultados das observações sobre o comportamento de formas adultas de Culicidae silvestres na área de Casa Grande, de zona de florestas primitivas situada na parte nordeste do Estado de São Paulo, Brasil. As investigações focalizaram os mosquitos de hábitos diurnos e crepusculares-noturnos, durante o período de 1963 a 1966. Foram obtidos dados concernentes à composição especifica, distribuição, ciclo anual da densidade, estratificação vertical na floresta e possíveis relações com o ambiente doméstico. A região estudada é considerada como bioma ou ecossistema do Anopheles (Kerteszia) cruzii e, dessa maneira, êsse mosquito compareceu de maneira predominante nas observações, merecendo por isso especial atenção. As outras espécies distribuiram-se predominantemente entre os Sabethini, além de alguns Culicini. No que concerne à domesticidade, o Anopheles cruzii apresentou-se como apreciável freqüentador das casas, seguido pelo Aedes serratus. Além disso, aquele anofelino mostrou-se acentuadamente acrodendrófilo, parecendo ser dotado de alguma ornitofilia.

SUMMARY

This work reports observations on adult Culicidae activities for diurnal and crepuscular-nocturnal forest species occurring in the area of Casa Grande, located at the Northeast region of the State of São Paulo, Brazil. These investigations, were carried out during the 1963 to 1966 period. They recorded the specific composition, distribution, year cycle of abundance, vertical stratification in the forest, and the possible relationship of these forest mosquitoes to the housekold environment. Since these region is considered a biome of the Anopheles (Kerteszia) cruzii particular attention was dedicated to this species, considered as an important malaria vector. Beside this, several Sabethini species proved to be considerably abundant and, along with some culicines as Aedes serratus, showed activities that may put these mosquitoes in relation with humans and domestic animals. Regarding the domesticity of these mosquitoes, Anopheles cruzii proved to be a considerable house visitor and this suggest that it may be incriminated for the transmission of forest virus and other infectious agents to humans and domestic animals. This mosquito proved to be of the acrodendrophilic species and some preference of it by avian blood is suggested.

INTRODUÇÃO

A existência de ciclos naturais de arbovírus passíveis de serem veiculados ao homem, tem sido objeto de pesquisas em várias regiões. Para tanto, a fauna de Culicidae vem merecendo atenção especial, pois encerra o maior número de espécies até o momento incriminadas como vetoras. Com êsse objetivo, foi programada série de observações visando obter dados sobre o comportamento desses dípteros em área natural previamente escolhida. Esta situou-se em região considerada como ecossistema do qual o Anopheles (Kerteszia) cruzii participa essencialmente. Por conseguinte, a presença dessa espécie tornou-se aspecto constante e as informações obtidas a seu respeito, perfizeram grande parte dos resultados. Assim sendo, foi possível dar especial atenção a êsse mosquito, que é considerado como vetor epidemiològicamente importante de malária, nesta região meridional do Brasil.

O presente trabalho reune, portanto, os dados conseguidos durante o período compreendido entre o segundo semestre de 1963 e o primeiro de 1966. Dizem respeito ao comportamento das formas adultas. Òbviamente as informações que mais interessaram foram as concernentes aos hábitos desses transmissores. As atenções foram concentradas na verificação da densidade, atividade, distribuição local e regional dos adultos das várias espécies. As observações foram levadas a efeito tanto no meio natural como também no doméstico. Dessa maneira, foi tentado levantar dados dessa dinâmica populacional, que pudessem elucidar algo sôbre o provável papel desempenhado por êsses mosquitos. Tanto nos possíveis ciclos enzoóticos naturais, como na transferência de agentes infecciosos ao homem e seu ambiente em geral.

CARACTERÍSTICAS DA REGIÃO

A intenção de levar a efeito pesquisas em ambiente natural, levou-nos à procura de áreas que apresentassem, o mais possível, o seu aspecto primitivo inalterado. Foi em obediência a tais requisitos que a nossa escolha voltou-se para a área de Casa Grande. Acha-se ela situada, em grande parte, no Município de Salesópolis e dista, por estrada de rodagem, pouco mais de 100 quilômetros da Cidade de São Paulo.

Além de ocupar boa parte do supracitado Município, a região inclui partes de Biritiba-Mirim e de Santos. Situa-se no nordeste do Estado de São Paulo, no início do planalto que se sucede à Serra do Mar litorânea. Pode ser localizada ao redor das coordenadas geográficas de 23o40' de latitude sul e 45o50' de longitude oeste. Os mapas constantes das figuras 1 e 2 dão idéia dessa situação.



O relevo topográfico dessa área é acidentado, em vista de sua localização no alto da Serra do Mar e apenas no início da parte paulista do planalto meridional do Brasil. A altitude oscila ao redor de 800 metros acima do nível marítimo, sendo de 855 a correspondente ao reservatório da Barragem do Rio do Campo. Tal aspecto corresponde ao perfil relativamente simples que o litoral do Estado de São Paulo apresenta ao norte de Santos. Alí, após a baixada costeira, segue-se o desnível abrupto constituído pelo paredão da citada Serra. No alto forma-se o rebordo do planalto, o qual vai caindo lentamente em direção oeste. A nossa região encontra-se justamente nessa borda e, em vista disso, a distância em linha reta para o oceano é apenas pouco maior de dez quilômetros. Isso permite a fácil visualização do mar, do alto da escarpa.

A Serra do Mar constitui-se em divisor entre as águas que correm para o Rio Paraná, a oeste, e aquelas que se dirigem diretamente para o Oceano Atlântico, a leste. A área de Casa Grande compreende, pois, a bacia hidrográfica do rio Claro, assinalando-se o Ribeirão Grande e o rio do Campo como seus afluentes principais. Aquêle, por sua vez, é o primeiro tributário de vulto do rio Tietê, pertencente ao primeiro dos mencionados sistemas. Acham:se também incluídas as cabeceiras do rio Guaratuba, o qual, descendo a escarpa marítima, lança-se diretamente no mar. Como essas águas se destinam ao abastecimento da cidade de São Paulo, tôda a área é protegida e constitui propriedade do Departamento de Águas e Esgotos (DAE) da Secretaria de Obras do Estado de São Paulo. A extensão da mesma é de aproximadamente 6800 alqueires, ou seja, ao redor de 160 quilômetros quadrados ( NOVAES, 26 1927). Todavia, sob o ponto de vista geográfico e ecológico, ela continua-se com a Serra do Mar, atingindo assim extensão considerável.

O tipo climático desta área corresponde ao designado pelo símbolo Cfb do sistema internacional de KOEPPEN 23 (1948), temperado úmido sem estiagem. Ou então, ao tiU°l de SEREBRENICK 30 (1942), modificado por SETZER 31, 32 (1946, 1949), denominado temperado super-úmido sem estação sêca, sendo o verão o período mais chuvoso e a primavera (o) e o outono ( 1 ) dotados de pluviosidades equivalentes.

As encostas do planalto que, como vimos, nesta região são formadas pela Serra do Mar, constituem zona que apresenta os maiores índices pluviométricos. E isso porque, além das chuvas de verão, a mencionada serra provoca a precipitação da umidade trazida pelos ventos da Frente Polar Atlântica. Esta, em virtude de sua elevada densidade, freqüentemente, não consegue ultrapassar a escarpa montanhosa. Assim sendo, fica retida ali, precipitando-se em forma de chuvas contínuas ou denso nevoeiro, mormente nos meses de inverno. Em vista disso, a pluviosidade pode atingir valores excepcionalmente elevados, chegando a ultrapassar os 4500 mm anuais.7 Para Casa Grande e Poço Preto registraram-se valores médios equivalentes a 1774 e 3058 mm por ano, respectivamente ( SETZER31, 1946).

Com os elementos pluviométricos fornecidos pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), foi-nos possível o cálculo das precipitações mensais ocorridas durante dois anos e referentes às localidades de Casa Grande e Boracéia. Êsse espaço de tempo corresponde ao decorrido entre setembro de 1963 e agôsto de 1965. Os resultados encontram-se expostos na Tabela 1 e por êles pode-se verificar que, os totais anuais em milímetros, foram de 1437 e 1598 para a primeira, e de 2736 e 3519 para a segunda. Como se vê, a proximidade da escarpa marítima, neste caso representada pela situação de Boracéia, condiciona sensível aumento na pluviosidade. Dessa maneira, embora haja certo decréscimo invernal, não ocorre distinção nítida entre a estação seca e chuvosa. Tal é o aspecto de nossa região, onde as chuvas são abundantes e os nevoeiros costumam descer em cortinas espêssas, cobrindo o ambiente no decorrer de poucos minutos (Figs. 3 e 4).


Quanto à temperatura, como já foi dito, a oscilação não chega a atingir valores médios superiores a 22o C. É o que demonstram os dados apresentados por SETZER 31 (1946), referentes às médias mensais de treze anos em Casa Grande e de seis em Poço Preto. E é também o que tivemos oportunidade de verificar em nossas medidas, levadas a efeito em Boracéia, com os dados fornecidos pela estação meteorológica ali instalada pelo DAEE. Os resultados estão representados na Tabela 2 e referem-se ao mesmo período mencionado para a pluviometria. Verifica-se que o maior valor médio mensal não ultrapassou o de 19,8.o C, embora tenham sido registradas temperaturas máximas acima de 30,0o C.

Pelos elementos expostos, concluímos facilmente que, a classificação climática de nossa região, encontra-se nos supramencionados tipos, temperados desprovidos de estação sêca. Compulsando os dados mensais constantes das Tabelas 1 e 2, construímos o gráfico da Fig. 5. Com êsse climagrama podemos observar as relações das temperaturas e precipitações, de acôrdo com os meses. Verifica-se ali que a estação mais quente e chuvosa inclui os períodos de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro. De outro lado a mais fria e de menores precipitações compreende junho, julho e agosto.


Dados microclimáticos: Em florestas semelhantes à que é sede dêste trabalho, as condições microclimáticas tem sido estudadas com minúncias. Essas investigações foram levadas a efeito em matas da região endêmica de "Bromélia-malária" do Estado de Santa Catarina, Brasil (ARAGÃO2, 3, 4 1958, 1959, 1960). Com elas verificou-se que a temperatura do ar na mata, via de regra, apresenta-se com médias mais baixas do que no descampado. Todavia, durante o inverno, especialmente em ocasiões de céu limpo, pode dar-se o contrário. Quanto à umidade, mostrou-se ela na dependência da topografia, sendo maiores os valores encontrados em lugares baixos e menores os das elevações. Da mesma forma, a umidade revelou-se menor na copa das árvores do que ao nível do solo, na altura dos arbustos. Além disso, em geral os abrigos de qualquer tipo tendem a prolongar o tempo durante o qual a umidade permanece inalterada após o nascer do sol.

Êsses e outros dados têm sido medidos pelos autores, com o objetivo de correlacioná-los a observações referentes ao comportamento de, principalmente, mosquitos. Na impossibilidade material de levarmos a efeito estudo detalhado do microclima de nossa região, limitamo-nos a colher informações sôbre a temperatura e umidade. Para tanto, seguimos o sistema empregado por TRAPIDO & GALINDO34 (1957) utilizando um par de aparelhos termohigrógrafos tipo "Lambrecht". Foram postos em funcionamento na estação de Boracéia, tendo-nos sido possível compulsar os dados referentes ao período de setembro de 1963 a novembro de 1964. Um dêles funcionou em situação pouco acima do solo, enquanto o outro foi instalado na plataforma situada ao nível da copa arbórea.

Os resultados dessas medidas encontram-se expostos na Tabela 3, onde se pode observar as médias calculadas pelas leituras feitas nos gráficos obtidos semanalmente.

Observando-se tais dados, verifica-se que as temperaturas não foram sensìvelmente diferentes daquelas do clima em geral, expostas na Tabela 2. Apesar das determinações de ARAGÃO 2 (1958), já citadas, as médias na mata não diferiram daquelas obtidas no descampado. Contudo, deve-se assinalar que em nosso caso os dados referentes a êste último são os da estação metereológica instalada pelo DAEE na própria localidade de Boracéia. Assim sendo, além de se tratar do mesmo local de nossas determinações, a êle não se aplica pròpriamente a característica de descampado. Trata-se, porém, de pequena abertura em situação elevada do terreno, rodeada de floresta. Dessa maneira, era de se esperar que o aparelho colocado na copa das árvores, não registrasse informações muito diferentes daqueles instalados nessa clareira.

No que concerne aos dois níveis, pudemos observar que também neste caso, as temperaturas registradas não diferiram. Os valores ligeiramente menores referentes ao solo, não podem ser realmente considerados como traduzindo diferença relevante. Tal semelhança, provàvelmente, resulta da influência, pelo menos parcial, da topografia. Com efeito, a localização da plataforma, na qual foram instalados os aparelhos, acha-se em depressão da encosta de elevação do terreno. Isso faz com que, nesse local, as mudanças das condições climáticas sejam menos acentuadas. Quanto aos efeitos das temperaturas extremas, não nos foi possível calculá-los por não dispormos de suficiente aparelhagem.

Quanto à umidade, os dados relativos ao solo e à copa, mostraram pequenas diferenças, com valores ligeiramente maiores para aquêle nível. Tal resultado se pode conceber, pelo menos em parte, pelo mesmo motivo explanado em relação à temperatura. A situação de nossa plataforma, colocou-a ao abrigo de mudanças acentuadas e o aspecto microclimático da umidade pouco diferiu nos meses mais secos de julho, agôsto e setembro. Todavia, pràticamente, os valores da umidade relativa não desceram de 90,0%.

ARAGÃO 4 (1960), realizou observações sôbre o número de horas do dia durante as quais a umidade se mantinha elevada, e o período de tempo decorrido entre o nascer do sol e o início da queda dessa última. Verificou êsse autor que, pela manhã, o ar na floresta permanece saturado por mais tempo. Além disso, tanto nos níveis superiores como nos inferiores, essa saturação prolonga-se mais na mata da encosta do que naquela situada no alto de elevações. Embora não tenhamos podido realizar observações análogas, por não dispormos de dados de heliógrafos, acreditamos que essas observações em florestas de Santa Catarina poderiam ser aplicadas em nossa região. De maneira geral, as nossas medidas mostram que o grau de umidade encontra-se sempre próximo da saturação. Na Tabela 4 encontram-se os resultados a que chegamos no cálculo do número médio de horas por dia em que a umidade relativa se manteve acima de 95%. Seguindo a orientação do supracitado autor, êsse dado foi obtido medindo-se a parte do traçado do higrógrafo situada acima dêsse valor.

Observando-se êsses resultados, juntamente com os da Tabela 3, verifica-se que em relação à umidade, as diferenças entre os dois níveis não são acentuadas. Nesse sentido, as maiores foram aquelas observadas durante as horas mais luminosas do dia, pois é sabida a ação dêsse fator. Com efeito, o céu encoberto influi na oscilação do estado higrométrico do ar (ARAGÃO 4, 1960). Quando êsse estado ocorre pela manhã, provoca a demora na queda da umidade, graças à intercepção dos raios diretos do sol. Nas tardes encobertas o que se observa é o contrário, pois, em tais situações, o retardo no esfriamento noturno faz com que fato análogo ocorra com a elevação da umidade. Essa situação inverte-se quando os dias apresentam céu claro sem nebulosidade. Dessa maneira, os valôres pouco inferiores, em relação à copa arbórea são devidos principalmente à insolação que sempre se faz sentir de maneira mais acentuada nesse nível. Daí, pois, o fato de observar-se ali sempre maior amplitude de oscilação do que no solo. De resto, as consideráveis precipitações atmosféricas e os freqüentes nevoeiros, fazem com que a situação em ambos os estratos, tenda a certa uniformização.

Vegetação: Considerando o aspecto geral do revestimento vegetal brasileiro (SANTOS29 1943, WARMING40 1947, CHEVALIER10 1949, VELOSO37 1962), a área que escolhemos para sede de nossos estudos possui, nesse particular, feição que é peculiar à extensa região sul do Brasil, ocupada pelas Serras do Mar e Geral.

Os solos pertencem aos tipos 1 e 2 de SETZER32 (1949), e têm como característica, o fato de não serem muito profundos (IBGE22, 1958). São forrados com apreciável camada de detritos, daí resultando elevada concentração de matéria orgânica. Como resultante disso, aliado ao acentuado teor de umidade, dá-se o crescimento de vegetação arbórea e arbustiva de certo porte. Constituem-se assim florestas escuras e úmidas, cujas árvores apresentam raízes pouco profundas que se entrelaçam na superfície. Desde que a camada do solo, rica em matéria orgânica, seja delgada e, por sua vez, se assente sôbre outra de pouca permeabilidade, a erosão pode fazer sentir seus efeitos. Em tais casos, nos locais de acentuado declive, as chuvas fortes e prolongadas podem provocar o escorregamento da primeira sobre a segunda. Daí resulta a formação de áreas de campo e cerrado, rodeadas de matas. Em nossa área observa-se com certa freqüência a existência de tais terrenos, de extensão limitada, no meio do revestimento florestal contínuo. A presença dêles poderá ter essa explicação (SETZER32 1949).

A cobertura vegetal primitiva desta região é constituída pelo tipo de floresta latifoliada tropical, característico da encosta atlântica ( VELOSO37 1962). Seu aspecto é bastante uniforme, dominando as árvores um tanto finas e relativamente baixas, pois só excepcionalmente ultrapassam os 25 metros de altura. Nesta área da escarpa e alto da Serra, tais indivíduos arbóreos são predominantemente representantes de Lauraceas, assinalando-se também os vegetais menores Myrtaceae e Rubiaceae, além de numerosos pteridófitos (Figs. 6 e 7).



O que de início chama a atenção de todo aquele que percorre essas matas, vem a ser o grande número de Bromeliaceae e Orchidaceae. Estas famílias apresentam-se de maneira constante nesta região. Daí resultam paisagens uniformes, com árvores repletas dessas plantas epífitas e com o chão da floresta forrado de bromélias terrestres (Figs. 8 e 9). A elevada densidade dêsses vegetais deve-se, segundo ARAGÃO 5 (1961), não somente às características de alta pluviosidade da região, mas também e principalmente ao aspecto constante de umidade elevada. Êste último, sendo conseqüência dos tipos locais de circulação atmosférica e iluminação.



Ao lado da floresta, como mencionamos linhas atrás, verifica-se a presença de áreas abertas com o aspecto de campos cerrados (Fig. 10). Nelas predomina a vegetação arbustiva do tipo restinga (VELOSO, MOURA & KLEIN 38, 1956), além de revestimento rasteiro de gramíneas e abundância de pteridófitos e bromélias terrestres. As soluções de continuidade da camada fértil dêsse solo, dão origem a coleções líquidas. Isso revela a dificuldade de infiltração da água e traduz a pouca permeabilidade da camada subjacente.


Nos arredores da reserva de Casa Grande, a vegetação primitiva tem sofrido acentuadas alterações. Deve-se isso às atividades carvoeiras e à substituição da antiga floresta pelo plantio de espécies de interêsse econômico. Entre elas ressalta o eucalipto (Eucalyptus sp.), cobrindo atualmente extensas áreas que limitam com a nossa região. Além dêsses eucaliptais consideráveis, observam-se pequenos pinheirais (Pinus sp. e Araucaria sp.) de caráter experimental.

REGIÃO DE CASA GRANDE

Como vimos, é a extensão de terras de propriedade do DAE, protegida e conservada em seu aspecto natural, para constituir-se na demominada Adutora do Rio Claro. Nela se encontra a sede administrativa que leva o mesmo nome da região, além de algumas outras localidades onde residem e trabalham alguns dos funcionários do mencionado Departamento. Dentro dela situa-se, ainda, pequena área de propriedade do Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo (DZ) onde se acha instalada estação para investigações biológicas. Dessa forma, nas linhas que seguem, descreveremos os aspectos principais desta região. Para melhor compreensão, as descrições poderão ser acompanhadas pela observação do mapa constante da Figura 2.

Casa Grande: Está situada no local do antigo "Acampamento" onde, em 1926, teve lugar a instalação do primeiro serviço de captação de águas da região, para o abastecimento da cidade de São Paulo (NOVAES 26 1927). Atualmente acham-se ali sediados os serviços administrativos da Adutora do Rio Claro, bem como as casas que servem de residência à maioria dos funcionários locais.

O núcleo encontra-se às margens do rio Claro e de um lago artificial. Êste último é resquício do que deveria ter sido a primitiva barragem, de acôrdo com o projeto original (Fig. 11). Aos edifícios administrativos, sucedem-se as casas dos funcionários. Estas são bem construídas e de alvenaria, dispondo-se em fileira ao longo da única rua do núcleo (Fig. 12). Pela figura citada pode-se verificar que a floresta se situa bastante próxima dos limites desta localidade. Isso condiciona facilidades de contato recíproco, entre a população e o ambiente silvestre. Pode-se verificar que, a maioria das habitações se encontra ao alcance de vôo de mosquitos procedentes da mata. Por sua vez, esta recebe a freqüente visita dos habitantes. E não sòmente por parte dos indivíduos masculinos que exercem boa parte de suas atividades profissionais nesse meio, mas também de mulheres e crianças que estão amiúde em contato com o ambiente. No que concerne aos trabalhadores, seus misteres dizem respeito às múltiplas funções relacionadas com a conservação de instalações da Adutora, da estrada de acesso, do sistema de condução elétrica e outras, grande parte delas levadas a efeito dentro da reserva florestal (Fig. 15).




Adutora: Nesta área situa-se o sistema de captação e condução de água até os filtros, localizados na proximidade do núcleo de Casa Grande. A captação é realizada em dois pontos, um para cada bacia hidrográfica. O primeiro, na localidade de Poço Preto, retira o líquido do rio Claro que ali se encontra parcialmente represado. Essa localidade também foi sede de primitivo projeto de barragem, o qual foi abandonado pelo definitivo do rio do Campo. Tanto em Poço Preto, como na Barragem do Rio do Campo (Fig. 13) encontram-se casas de funcionários que ali residem e trabalham. O que foi dito a respeito da proximidade florestal em relação ao núcleo de Casa Grande, vale com ênfase ainda maior no que diz respeito a estas casas. Com efeito, elas se situam pràticamente dentro do ambiente silvestre (Fig. 14).



O segundo ponto de captação acha-se situado às margens do rio Guaratuba próximo da escarpa marítima. Ali estão instaladas as bombas para retirada da água e, em vista de seu funcionmento não ser contínuo, não houve necessidade da manutenção permanente de guardas no local. Assim sendo, essa região não apresenta casas de residentes. Recentemente, em princípios de 1966, estabeleceu-se ali acampamento de pessoal empregado em atividades topográficas. Pertence ele à emprêsa particular contratada para o levantamento de dados nesse sentido. Destinam-se à futura construção da estrada de ferro para a cidade de São Sebastião, no litoral.

Êsse sistema de adução é acompanhado por estrada de rodagem a qual saindo de Casa Grande, chega até a Barragem do Rio do Campo e ao ponto de captação de Guaratuba. Essa rodovia estende-se pela reserva, no meio do ambiente natural, bifurcando-se depois da segunda ponte sôbre o rio Claro e totalizando cêrca de 20 quilômetros até a Barragem. Durante o seu percurso, o panorama é o de constantes florestas, exceto em trecho do ramo destinado ao Guaratuba que atravessa área de campo cerrado. A maior elevação topográfica da região é representada por bloco granítico conhecido pelo nome de Pedra da Boracéia, cujo perfil sobressai no alto da escarpa da Serra do Mar.

Estação Biológica de Boracéia: Dentro da reserva de Casa Grande foi delimitada área com cêrca de 40 alqueires (96 hectares), de propriedade do DZ. A partir de 1954 foi ali instalada a Estação Biológica de Boracéia (EBB), destinada a propiciar a realização de investigações dessa natureza em geral (TRAVASSOS Fo & CAMARGO35, 1958).

A EBB dispõe de instalações adequadas para cumprir a sua finalidade. Situam-se ao lado da rodovia que leva à Barragem. Encontram-se ali as residências dos funcionários do DZ encarregados da manutenção, bem como os edifícios para o laboratório, escritório e hospedagem dos biologistas (Fig. 16). A área total da Estação estende-se por faixa que vai desde o espigão divisor das águas das duas bacias hidrográficas, até as margens do rio Claro.


Em local próximo à sede, encontra-se instalado posto metereológico do DAEE. Alguns dos dados ali registrados foram objeto de considerações em parágrafos anteriores.

Pelas mesmas razões de proximidade com a floresta, as pessoas ali residentes, encontram-se em constante contato com ela.

Arredores: Limitando com a reserva de Casa Grande, situam-se várias propriedades rurais. Algumas delas conservam ainda parte do revestimento florestal primitivo. É o caso da área que se estende na margem norte do rio Claro, a jusante do núcleo de Casa Grande.

A maior parte, todavia, já foi sede de atividades agrícolas, com as modificações profundas dai resultantes. Dessa maneira, o aspecto freqüente é o de apresentarem boa porção de sua superfície coberta por vegetação arbustiva ou arbórea de segunda formação. Ao lado disso, ressaltam as plantações de eucaliptos, que constituem a principal atividade econômica local. Na atualidade, os mais extensos eucaliptais podem ser encontrados na parte norte da região, abrangendo as localidades de Ribeirão Grande, Fazenda Palma e Pedra Queimada. Ali se observa a existência de população reduzida, cuja função é a de guardar tais plantações. Os habitantes residem em casas de madeira localizadas dentro ou na periferia dos eucalptais. Neste último caso, com freqüência essas residências situam-se junto aos limites da floresta de Casa Grande (Figs. 17 e 18). Esta população sòmente sofre sensíveis aumentos, por ocasião do corte dessas árvores. Nessa oportunidade controem-se casas de caráter transitório, destinadas a servir de abrigo temporário aos trabalhadores empregados nessa atividade.



A oeste e sudoeste de Casa Grande, verifica-se a existência de várias localidades habitadas. A conhecida pelo nome de Serengue, foi anteriormente sede de considerável plantação de eucaliptos, que foram submetidos a corte em época anterior. Atualmente encontram-se ali alguns eucaliptais de menor extensão, além de casas esparsas, muitas delas desabitadas.

MÉTODOS EMPREGADOS

As coletas de culicideos foram realizadas obedecendo a três tipos fundamentais, ou seja, com iscas humana e luminosa, e em ambiente domiciliar. Para tôdas elas foi adotado uniformemente o uso sistemático de tubos aspiradores (FORATTINI15, 1962) e, com a finalidade de transporte, foram empregados frascos gessados.

ESTAÇÕES

Para as capturas no ambiente natural da floresta, foram estabelecidas estações obedecendo ao mesmo tipo empregado por vários autores (CAUSEY & SANTOS9 1949; GALINDO, TRAPIDO & CARPENTER 17 1950; DEANE, DAMASCENO & AROUCK12 1953 e GROOT, MORALES & VIDALES 21 1961). Cada unidade dessas, incluia uma árvore da mata, adrede escolhida, em cuja copa se procedia à instalação de plataforma, acessível mediante escada construída ao longo do tronco (Figs. 19 a 22). Assim sendo, cada estação destinava-se a permitir a coleta simultânea de mosquitos na copa arbórea e no solo da floresta. Para isso, empregou-se equipe constituída por dois homens previamente treinados. Ambos trabalhavam concomitantemente, um dêles na plataforma e outro no solo. Os homens procuravam capturar todos os culicideos que vinham sugá-los ou que se aproximassem para tal fim. Dessa maneira, o coletor desempenhou também o papel de isca humana. Com a finalidade de uniformizar possíveis causas individuais de êrro, procedeu-se ao revesamento de hora em hora, passando aquêle que estava em baixo a trabalhar em cima e vice-versa. Suspendeu-se o trabalho nas vêzes em que a ocorrência de intensa pluviosidade ou condições adversas tornavam impraticável a sua realização nesse dia. As horas assim perdidas eram substituídas pelas correspondentes em outro dia da semana. Caso isso também não fôsse possível, procedia-se ao desconto dêsse período no cálculo final da média horária mensal.


O plano de trabalho dessas estações, visava o processamento de coletas diurnas e noturnas, tendo sido iniciado em outubro de 1963. Cada uma delas executada uma vez por semana, em horário preestabelecido. Para as capturas diurnas estipulou-se o de 10:00 às 15:00 h, totalizando cinco horas dentro do período mais luminoso do dia. Para as noturnas estabeleceu-se das 18:00 às 20:00 h no inverno e das 19:00 às 21:00 h no verão, em ambos os casos, com duas horas de duração e incluindo o período do crepúsculo e início da noite. Com isso, objetivamos conhecer a fauna culicidiana atraída pela isca humana e suas possíveis variações em relação ao local, nível e horário das capturas. A localização e o modo de operação das estações são os seguintes:

1) Estação de Boracéia (EBB): Localizada na Estação Biológica de Boracéia, em pequena grota situada na encosta do divisor hidrográfico. Foi construída em árvore junto à nascente do ribeirão Venerando, pequeno curso de água afluente direto do rio Claro. A plataforma está localizada a doze metros acima do solo (Fig. 19).

2) Estação da Barragem (BRR): Instalada em ponto situado a cêrca de 500 m da margem da reprêsa conseqüente à Barragem do Rio do Campo. Tal situação corresponde ao lado opôsto da citada Barragem e para atingí-lo, torna-se necessário o uso de barco para atravessar o lago artificial. A estação foi construída em árvore de elevado porte para esta região, estando a plataforma situada a quinze metros acima do solo (Fig. 21).

3) Estação de Guaratuba (GT) : Está situada à margem da picada que, da estrada de Guaratuba, leva até a escarpa da Serra. A árvore escolhida encontra-se na encosta que precede o alto escarpado. A plataforma foi construída a 10 m do solo (Fig. 20). O funcionamento da estação teve início em outubro de 1963 e prolongou-se até dezembro de 1964. Motivou essa interrupção o surgir de dificuldades crescentes para o transporte regular da equipe de capturadores, uma vez que nessa área não existiam habitantes. Em vista disso, a partir de janeiro de 1965, foi substituída pela seguinte.

4) Estação de Casa Grande (CG) : Teve sua instalação efetuada em ponto situado a pequena distância da margem do rio Claro, nos arredores do núcleo de Casa Grande. A plataforma foi construída na copa de uma árvore, correspondendo a altura de 10 m (Fig. 22). O seu funcionamento regular teve início, como mencionado, em janeiro de 1965.

ISCA LUMINOSA: Com o objetivo de aumentar o rendimento do material destinado às tentativas de isolamento de agentes virais, levamos a efeito também coletas com isca luminosa. Para tanto, empregamos a armadilha de Shannon, dotada de lampião de querosene de 500 velas, de acordo com técnica conhecida e já descrita (FORATTINI15, 1962).

Estas capturas foram executadas uma vez por semana, por ocasião da primeira metade da noite, ocupando período de duas horas, compreendido entre as 20:00 e 22:00 h. Todavia, o ritmo não teve a regularidade rígida que foi exigida para as coletas efetuadas com isca humana, nas estações supradescritas. Tal exigência deixou de ser feita, uma vez que, para as nossas observações biológicas, esta captura não apresentava o mesmo interêsse daquelas outras. De qualquer maneira, porém, os resultados globais assim obtidos, contribuiram para os conhecimentos sôbre a fauna culicidiana local.

A realização das coletas com isca luminosa foi levada a efeito em três pontos do ambiente florestal. Um dêles, na Barragem do Rio do Campo em mata próxima à casa de residência do guarda local, outro na Estação Biológica de Boracéia e o terceiro nos arredores de Casa Grande, em floresta vizinha à casa de um dos homens empregados na captura.

CAPTURAS DOMICILIARES: Como vimos, êste trabalho tem por objetivo verificar a possibilidade de agentes infecciosos silvestres poderem passar para o ambiente doméstico. Assim sendo, despertou-nos apreciável interêsse a investigação da possível freqüência de mosquistos transmissores aos domicílios humanos. Por conseguinte, no rol de nossas observações, incluímos aquelas destinadas à verificação desse aspecto, através da execução de capturas domiciliares.

A proximidade que a floresta apresenta em relação às casas da região, fêz-nos crer na possibilidade das residências serem visitadas com freqüência por mosquitos silvestres. Evidentemente, no que concerne a essa domesticidade de culicídeos, interessa ao epidemiologista conhecer o hábito que êsses animais têm, de penetrar nas habitações, e até que ponto possuem tendência a ali permanecer, e escolher os seus locais de abrigo (FORATTINI 15, 1962). Contudo, ao se realizarem capturas intradomiciliares, deve-se considerar que elas, por si só, fornecerão dados sòmente sôbre os exemplares existentes dentro do domicílio, por ocasião da coleta. O ideal seria, por conseguinte, a combinação dêsse tipo de captura com o uso de artifícios que permitissem obter dados sôbre o número de espécimens que tendem a abandonar a casa num determinado espaço de tempo. Para tanto, empregam-se armadilhas especialmente construídas e que, colocadas nas janelas, permitem a entrada de mosquitos, capturando os que tentam sair. Em nossos trabalhos, devido a dificuldades várias, não se tornou possível o emprêgo dêsses recursos. Restou-nos, portanto, a possibilidade de verificar a freqüência das espécies que penetram nas casas em determinado período. Para isso, levamos a efeito capturas semanais em casas pré-escolhidas. Tais coletas foram executadas durante duas horas, na primeira metade da noite, com início logo após o crepúsculo. Com isso tencionamos observar a fauna noturna que, ou prolonga a sua atividade pela noite a dentro, ou a inicia por ocasião do pôr do sol. Embora com evidentes falhas, êste procedimento pôde orientar-nos em outras investigações, com meios mais eficientes.

Para a execução destas capturas domiciliares escolhemos três casas. Uma delas foi a residência do funcionário guarda da Barragem do Rio do Campo (BRR) (Fig. 14). A outra está localizada na Estação Biológica de Boracéia (EBB) (Fig. 16), enquanto a terceira foi a casa no 98 do conjunto residencial do núcleo de Casa Grande (CG) (Fig. 12).

Médias Horárias: Gomo norma geral, adotamos o processo de relacionar os exemplares apreendidos ao respectivo período de capturação. Para tanto, utilizamos o cálculo das médias horárias, ou seja, o número de mosquitos dividido pelo de horas e de homens empregados na captura (FORATTINI15, 1962). Com isso, torna-se mais fácil observar a existência de possíveis variações da densidade da fauna culicidiana nas várias coletas.

RESULTADOS OBTIDOS

Na fase preliminar destas investigações, tornou-se necessário adquirir familiaridade com a fauna culicidiana local. Para isso, tivemos de estabelecer caracteres eficientes para a identificação das fêmeas. A finalidade era tornar viável a determinação de considerável número de exemplares, como é imprescindível em investigação de significado epidemiológico. Os problemas surgidos nesse particular, constituiram objeto de estudos que foram e serão publicados separadamente. Para a presente investigação podemos afirmar que, com boa margem de confiança, conseguimos diferenciar as espécies que ocorrem na região, dentro das atividades válidas até o presente momento.

Com os métodos supracitados, tivemos o objetivo de medir a densidade dos culicídeos adultos constatados na região. Os dados obtidos possibilitaram os conhecimentos sôbre as variações dessa densidade, em relação a vários fatôres. No meio natural silvestre tivemos a intenção de observar a distribuição vertical, com a possível existência de mosquitos dotados de hábitos arbóreos ou acrodendrófilos. Interessou-nos, também, neste particular, as oscilações diurnas e noturnas, além daquelas que constituem o ciclo estacional. Finalmente, tivemos a preocupação de verificar a freqüência dêsses insetos no ambiente domiciliar. O mapa constante da Figura 23, oferece aspectos geral dos locais onde tiveram lugar as supracitadas coletas.


As considerações que serão apresentadas a seguir, são concernentes somente aos espécimens fêmeas, não tendo sido incluídos os poucos exemplares machos que se aproximaram o suficiente para figurarem, embora de maneira esporádica, nas capturas.

OBSERVAÇÕES NO MEIO SILVESTRE

Como nos referimos, as investigações no ambiente florestal foram levadas a efeito com isca humana nas estações, e com isca luminosa em armadilhas de Shannon. Os dados obtidos em ambas serão considerados separadamente, nas linhas que seguem.

Estações de Captura: De acordo com o que descrevemos linhas atrás, as estações operaram em períodos diurnos e noturnos ou crepusculares. Durante o espaço de tempo decorrido de outubro de 1963 a março de 1966, tais coletas totalizaram, para as diversas estações, os seguintes números de horas:

Com isso, pudemos conseguir dados sôbre as possíveis diferenças na composição específica, densidade e distribuição.

Composição Específica: As Tabelas 5 e 7 sumariam os resultados globais destas capturas diurnas e noturnas, em relação às várias espécies encontradas. Pode-se verificar que foram obtidos 64777 exemplares nas primeira, e, 28239 nas segundas, totalizando 93016 mosquitos. Êsse total correspondeu a cerca de 43 espécies das quais, 4 de Anophelini, 16 de Culicini e 23 de Sabethini. Nas Tabelas 6 e 8 encontram-se os dados sobre as proporções no comparecimento das espécies mais freqüentes.

Anophelini: Os anofelinos foram representados, praticamente em sua totalidade, pelo Anopheles cruzii do subgênero Kerteszia. Pôde-se observar que essa espécie representou, por si só, 21% das coletas diurnas e cêrca de 70% das crepusculares. Êsse aspecto dominante se revelou, pois, em ambas capturas e em tôdas as estações, com exceção de CG onde sòmente foi sobrepujado pelo Aedes serratus nas noturnas. Quanto aos demais representantes da tribo, assinalou-se reduzido número de Anopheles lutzii e alguns raros exemplares de Anopheles evansae e Chagasia fajardoi.

Culicini: De maneira geral, os representantes dêste grupo foram os menos abundantes. Sòmente constituiram exceção a esta regra, as capturas noturnas em CG, nas quais êstes mosquitos contribuíram com maior contingente. Por outro lado, notou-se que sua presença foi desprezível em ambas as coletas levadas a efeito em EBB.

O gênero Aedes compareceu com seis espécies, três para cada um dos subgêneros Finlaya e Ochlerotatus. De tôdas a mais abundante foi Aedes serratus que chegou a sobrepujar os demais culicídeos nas capturas noturnas de CG, comparecendo também de maneira relevante nas coletas diurnas da mesma estação. Quanto às outras espécies dêste gênero, Aedes leucocelaenus e A. terrens foram obtidas em pequeno número, acrescido de raros espécimens de Aedes taeniorhynchus e A. fluviatilis.

Das espécies de Psorophora, destacou-se Psorophora ferox a qual, exceto em EBB, sempre foi conseguida em quantidade regular, especialmente na estação CG. Nas coletas diurnas desta última, compareceu também determinado número de Psorophora discrucians. As espécies Psorophora albipes e P. lanei apenas forneceram alguns exemplares.

No que concerne ao gênero Culex, como se sabe, a identificação das fêmeas reveste-se de dificuldades nem sempre superáveis com facilidade. De qualquer maneira, o comparecimento nas coletas, tanto diurnas como noturnas foi negligenciável. Identificamos alguns espécimens do subgênero Microculex, capturados em EBB, como pertencentes às espécies Culex aureus e C. worontzowi.

Outros representantes dos Culicini foram constituídos por raros exemplares de Mansonia albifera e de Orthopodomya albicosta que compareceram às capturas noturnas.

Sabethini: Esta tribo contribuiu consideràvelmente no volume global do material coletado. Seu comparecimento se fêz sentir principalmente nas coletas diurnas, nas quais alcançou 74,1% do total obtido. Nas notrunas, a participação destes mosquitos foi sensìvelmente menor, chegando apenas a 23,4%. Naquelas notou-se que a sua presença foi constantemente alta para tôdas as estações, com exceção de CG onde, embora elevada, não chegou ao nível das demais.

O gênero Phoniomya compareceu de maneira constante e contribuiu com grande contingente para o resultado geral. Com efeito, do total de espécimens conseguidos nas coletas diurnas, 30439 foram representantes dêste grupo, perfazendo assim 47,0%, o que significa quase a metade do material obtido nessas horas. Em ambas capturas a espécie dominante foi Phoniomyia pilicauda. Esteve ela constantemente presente, de maneira relevante, em todas as estações, exceção feita de pequeno número de exemplares com que compareceu nas coletas noturnas de GT e CG. Das outras espécies, Phoniomyia longirostris e P. palmala foram obtidas em número digno de nota nos períodos diurnos de EBB, BRR e GT, além dos noturnos de BRR. O outro representante do gênero foi Phoniomyia davisi, cujo comparecimento apenas mereceu certo destaque na coleta diurna de BRR.

Os representantes do gênero Trichoprosopon foram também coletados com abundância, chegando a sobrepujar as Phoniomyia nas capturas noturnas. Sua presença se fêz sentir principalmente nas estações EBB e BRR, sendo sempre menos numerosos nas outras duas. A dominância coube a Trichoprosopon reversum que compareceu com certo número também nas coletas noturnas de CG. As espécies Trichoprosopon cerqueirai e T. frontosum, participaram também com contingente apreciável nas coletas diurnas em EBB, BRR, GT, e noturnas da segunda dessas estações. As demais espécies obtidas foram Trichoprosopon digitatum, T. pallidiventer e T. theobaldi cuja presença, porém, se fêz apenas discretamente ou mesmo a custa de raros exemplares.

Conseguiu-se sete espécies de Wyeomyia distribuídas em três subgêneros. O aspecto dominante coube a Wyeomyia confusa, que participou de maneira relevante nas coletas diurnas em EBB e CG, e em ambas de BRR. Nesta última estação, fizeram-se presentes durante o dia, também Wyeomyia aporonoma e W. sabethea. Das demais, Wyeomyia leucostigma, W. lutzi e W. rooti sòmente foram conseguidos poucos espécimens.

Em relação a Sabethes, observou-se a participação de três componentes do subgênero Sabethes e um de Sabethinus. Os mais abundantes foram Sabethes albiprivus e S. intermedius. Todavia, seu número não foi grande, atingindo certo valor somente na estação BRR e apenas nas capturas diurnas. Quanto aos outros dois representantes, Sabethes quasicyaneus e S. tarsopus, foram êles obtidos em quantidade pequena ou mesmo desprezível.

A única componente do gênero Limatus, foi a espécie Limatus flavisetosus a qual, embora em reduzido número, mostrou-se mais abundante em EBB e BRR, e nas capturas diurnas.

Considerando-se as espécies que foram coletadas em, pelo menos uma das quatro estações, em proporção não inferior a 1,0% do total, verificamos os resultados constantes das Tabelas 6 e 8. Pode-se observar, em relação às duas capturas, uma como que inversão nas proporções de Sabethini e Anophelini, ou melhor, Anopheles cruzii. Com efeito, nos períodos diurnos verificamos o franco predomínio dos primeiros, perfazendo 74,1% e com prepodenrância dos gêneros Phoniomyia, Trichoprosopon e Wyeamyia. Nessas ocasiões, o Anopheles cruzii se fêz representar com 21,0%. Nas capturas crepusculares-noturnas, a situação pràticamente se inverteu, passando êsse anofelino a quase 70,0% e os sabetinos a 23,4%. Note-se o papel dominante do Anopheles cruzii, desempenhando-o como única espécie da tribo na composição específica de todo o conjunto de culicídeos capturados.

Os culicinos se fizeram representar pobremente, chegando apenas Aedes serratus e Psorophora ferox a merecer algum destaque. Êstes mosquitos se mostraram mais freqüentes na estação CG do que nas outras, onde os sabetinos foram sempre mais abundantes. Isso talvez possa sugerir o caráter acentuadamente selvático dêstes, com menos tendência a se aproximarem do ambiente humano que, no caso particular de CG, seria representado pelo núcleo habitado de Casa Grande.

É de se assinalar também a escassez ou mesmo ausência de certas espécies de interesse epidemiológico na transmissão de alguns vírus, como o da febre amarela. Assim é que, ao lado da inexistência de representantes da Haemagogus, foi insignificante o comparecimento de Aedes leucocelaenus e pobre, o de Sabethes. Tais resultados sugerem portanto que, mediante o emprêgo de isca humana nesta região, a fauna atraída é composta principalmente por Anopheles cruzii e várias espécies de Sabethini. Deve-se admitir que a atividade e a antropofilia dêsses culicídeos são suficientes para se tornarem dominantes. Ê lícita, portanto, a suposição de que esta região se constitui em nicho ecológico de tais mosquitos e que êles deverão manter relações com outros componentes, entre os quais, os arbovírus locais. Compreende-se por conseguinte que nas considerações a serem feitas nos parágrafos seguintes, as atenções se concentrem nesses representantes.

Resumindo, de 93016 mosquitos capturados nas quatro estações, as espécies mais freqüentes distribuiram-se da seguinte forma:

Distribuição Vertical: Desde as observações iniciais com o gênero Haemagogus na Colômbia (BUGHER et alii.8 1944, BATES 6 1944), sabe-se que certos mosquitos na floresta, denotam evidente estratificação ou distribuição vertical. Algumas espécies mostram marcada preferência em exercer suas atividades no nível da copa elevada das árvores, propriedade para a qual foi proposto o nome de acrodendrofilia, por GARNHAM, HARPER & HIGHTON18 (1946).

Em vista disso, a finalidade das coletas executadas nas plataformas das estações, destina-se a possibilitar a obtenção de amostra passível de ser comparada com aquela conseguida concomitantemente no solo. As informações sôbre a fauna culicidiana dos altos níveis apresentam particular interêsse, pois os hospedeiros vertebrados de certos vírus possuem hábitos arborícolas. Daí a possibilidade de relacionar as espécies de mosquitos ali encontradas, com o ciclo enzoótico natural dêsses agentes. Assim, pois, seguindo a orientação levada a efeito por vários pesquisadores, estabelecemos tais níveis de coletas, nos períodos diurnos e crepusculares-noturnos já citados (BATES6 1944; CAUBEY & SANTOS 9 1949; GALINDO, TRAPIDO & CARPENTER17 1950; DEANE, DAMASCENO & AROUCH12 1953; TRAPIDO, GALINDO & CARPENTER33 1955; TRAPIDO & GALINDO34 1957; ALVARADO et alli 1 1959; GROUT, MORALES & VIDALES 21 1961 e MORALES & VIDALES 25 1962).

Nas Tabelas 9 e 10 encontram-se os resultados gerais da distribuição vertical, observados nas capturas diurnas e noturnas. Para a avaliação dessa distribuição, consideramos sòmente as espécies que compareceram com 50 ou mais espécimens em, pelo menos, uma das estações. Dessa maneira, as percentagens e as médias horárias foram calculadas separadamente para cada um dêsses postos de coleta.

O critério para separar os mosquitos, sob o ponto de vista de sua estratificação vertical na mata, apresenta certa variação de acôrdo com os investigadores. Nas Américas, os trabalhos iniciais levados a efeito em ambiente silvestre tropical úmido de regiões do Panamá, consideraram predominantemente arbóreos aquêles cuja proporção de coleta na copa das árvores fôsse de 80 a 100% (GALINDO, TRAPIDO & CARPENTER 17 1950 e TRAPIDO, GALINDO & CARPENTER33 1955).

Em conseqüência, seriam predominantemente terrestres os que revelassem proporções análogas em relação ao solo, e mais ou menos indiferentes, com possíveis preferências para um ou outro, os que apresentassem valores inferiores a êsses para qualquer um dos níveis. Contudo, deve-se assinalar que essa distribuição vertical pode apresentar-se com maior ou menor evidência, de acôrdo com o tipo de floresta. Ela geralmente se mostra mais nítida nas matas tropicais úmidas, onde as copas das árvores são altas e densas, e assim o solo é acentuadamente sombreado e protegido das condições climáticas gerais. Naquelas menos espêssas e onde ocorrem estações sêcas prolongadas, tais diferenças tendem a diminuir. Como vimos, em nossa região, embora as copas arbóreas sejam apreciàvelmente densas, a altura florestal não é grande. Além disso, observou-se que a variação da umidade e da temperatura microclimáticas, referentes aos dois pontos, não se mostrou acentuadamente diferente. Por conseguinte, quer nos parecer que o critério supracitado para a discriminação das espécies capturadas, poderia ser menos rigoroso. Resolvemos, pois, considerar o valor de 60%, como limite para a separação. Aliás, aquêles mesmos autores, já o tinham adotado em suas ulteriores investigações (TRAPIDO & GALINDO34 1957).

No que concerne aos possíveis fatôres orientadores desta distribuição vertical, em linhas gerais atribui-se papel de relêvo às condições microclimáticas. Estas, por sua vez, são diretamente influenciadas pelas características locais de topografia, tipo de floresta e clima. Dessa maneira, compreende-se que para as quatro estações de coletas, teremos de levar em consideração êsses diferentes aspectos, os quais não foram os mesmos para tôdas. Pondo-se de lado a influência relativamente uniforme do clima, os demais foram necessàriamente diferentes, como se depreende da descrição dêsses locais de trabalho, feita linhas atrás. Acresce ainda a presença ou ausência de população humana próxima. Com efeito, enquanto a estação CG encontrava-se nas vizinhanças do núcleo de Casa Grande, as BRR e GT situavam-se em pontos da mata virgem, completamente afastados de zonas habitadas. Contudo, o tipo de floresta, principalmente no que concerne à altura da copa das árvores, foi diferente. O mesmo pode ser dito em relação à EBB. Assim sendo, acreditamos difícil considerar o comportamento de mosquitos, baseados em resultados globais das quatro estações de coleta. Preferimos descrever os resultados para cada uma delas e, com êles, passar às considerações gerais das prováveis causas influenciadoras na estratificação observada.

Fauna arbórea: Compulsando-se os dados constantes das Tabelas 9 e 10, verifica-se certa variação para os mosquitos arbóreos. E não sòmente em cada estação como também em relação às capturas diurnas e noturnas. As proporções conseguidas na copa, encontram-se representadas pelos histogramas das Figs. 24 a 27. Êles foram ordenados de maneira decrescente para as primeiras e comparados, para cada espécie, em relação às últimas.


Das quinze espécies encontradas na estação EBB, cinco compareceram na copa com mais de 60% dos exemplares. Das demais, oito forneceram percentagens variáveis de 40 a 60% nesse nível. Aquelas que podemos considerar como arbóreas, foram constituídas por quatro representantes do gênero Phoniomyia e o Anopheles cruzii. Contudo, êsse aspecto foi observado nas capturas diurnas pois nas noturnas sòmente êsse último mosquito manteve, e acentuou o caráter arborícola, passando de 65,8 a 74,4%. Os demais deixaram de comparecer no período de coleta crepuscular-noturno, exceto Phoniomyia pilicauda a qual todavia, teve a sua presença diminuída. As outras oito espécies foram, na sua grande maioria, encontradas apenas nas coletas diurnas. Entre elas, a única que esteve presente nas noturnas, foi Trichoprosopon reversum. Êste mosquito aliás, aumentou o seu comparecimento nessas capturas, sem porém ultrapassar os 54,7%. Assim sendo, nesta estação EBB mostraram-se com hábitos diurnos arbóreos os mosquitos Phoniomyia davisi, P. palmala, P. pilicauda, P. longirostris e Anopheles cruzii. Êste último, não apenas manteve, como aumentou a sua presença nesse nível, por ocasião das coletas noturnas. Oito outros culicídeos forneceram também substanciais capturas de 40 a 60% na copa. Foram eles, Sabethe intermedius, S. albiprivus, Trichoprosopon frontosum, T. pallidiventer, T. reversum, T. cerqueirai, Wyeomyia aporonoma e W. confusa.

No que concerne à estação BRR, foram coletadas e compulsadas dezoito espécies na copa arbórea. Tôdas elas compareceram nas capturas diurnas, mas sòmente Sabethes intermedius o fêz com mais de 60%, em tais ocasiões. Ainda nessas coletas, registrou-se a presença de nove mosquitos com substanciais situações de 40% a 60% nesse nível. Nas noturnas observou-se o desaparecimento de vários dêles, entre os quais a própria espécie supracitada. Contudo, o Anopheles cruzii aumentou sensìvelmente a sua presença, passando a 83,3% dos espécimens conseguidos nessas coletas noturnas. Em linhas gerais, portanto, repetiu-se aqui o observado na estação anterior, com êsse anofelino reafirmando o seu hábito arbóreo por ocasião do crepúsculo e início da noite. É de se notar o elevado valor de 52,6 atingido pela média horária em tais oportunidades indicando, positivamente, acentuada atividade da espécie nesse nível. Os outros oito culicídeos que, embora sem predominante caráter arbóreo, apresentaram-se substancialmente nas capturas diurnas efetuadas na copa foram, Phoniomyia palmata, P. longirostris, P. pilicauda, P. davisi, Sabethes albiprivus, Trichoprosopon pallidiventer, T. frontosum e Wyeomyia oblita. De noite, porém, como mencionamos, desaparecem ou diminuem o seu comparecimento, havendo alguns casos de aumento, mas sem atingir o limite de 60%.

Na estação GT foram assinaladas doze espécies na copa, durante as capturas diurnas. Três delas, a saber, Anopheles cruzii, Phoniomyia palmata e P. longirostris, fizeram-se presentes a êsse nível, com mais de 60% dos totais obtidos no pôsto de coleta. De noite, contudo, sòmente o primeiro dêsses mosquitos continuou presente, e na considerável porcentagem de 73,0%. Os outros dois desapareceram, o mesmo ocorrendo com quase todos os demais. Destes, foram assinalados Phoniomyia pilicauda, P. davisi e Sabethes albiprivus como fornecendo 40 a 60% de espécimens nesse nível. Os outros estiveram abaixo disso e apenas o Aedes serratus esteve presente em reduzido número na oportunidade da captura crepuscular-noturna. Em suma, também aqui o Anopheles cruzii mostrou o seu caráter arbóreo, acentuando-se por ocasião do início do período noturno.

Finalmente, as coletas levadas a efeito na copa da estação CG, mostraram o comparecimento, de dia, de Phoniomyia longirostris, P. pilicauda e Anopheles cruzii com mais de 60% dos exemplares obtidos. De noite, as duas primeiras espécies desapareceram dêsse nível e a terceira diminuiu a sua presença, continuando porém a comparecer substancialmente, com 50,1% dos espécimens coletados. Foram conseguidas mais sete espécies, tôdas elas porém ocorrendo em percentagens abaixo de 40% e, nas coletas noturnas, chegando a desaparecer, diminuir ou aumentar de maneira insignificante. De qualquer forma, o Anopheles cruzii teve outra oportunidade para reafirmar o caráter arbóreo de seus hábitos, tanto de dia como no início da noite.

Resumindo os resultados obtidos na copa das diversas estações, podemos dizer que, nas capturas diurnas, a fauna de mosquitos arbóreos foi constituída por algumas espécies de Phoniomyia, Sabethes intermedius e Anopheles cruzii. Êste último compareceu de maneira constante com êste hábito, em todos os quatro postos, ao passo que aquêles sabetinos variaram de acôrdo com a estação. Nas coletas crepusculares-noturnas esta fauna restringiu-se apenas ao Anopheles cruzii. Em tais ocasiões, êste mosquito não sòmente manteve o seu caráter arbóreo, como também aumentou-o. Isso foi observado em pràticamente tôdas as estações. Em algumas delas o comparecimento noturno desse anofelino foi muito pronunciado, fornecendo elevadas médias horárias neste nível.

Fauna do solo: Compulsando ainda os dados constantes das Tabelas 9 e 10, poderemos ter idéia, para os diversos postos de coleta, das espécies que preferiram exercer a sua atividade ao nível do solo da floresta.

Na estação EBB verificou-se que das quinze espécies diurnas, sòmente duas, Limatus flavisetosus e Wyeomyia oblita, compareceram com mais de 60% ao nível do solo. Contudo, boa parte delas contribuiu substancialmente para essa coleta, como Trichoprosopon cerqueirai e T. reversum, para os quais pouco faltou para atingirem aquêle limite. Nas capturas noturnas nenhum mosquito se mostrou nìtidamente terrestre, sendo mais ou menos indiferentes as duas espécies de sabetinos ali conseguidos.

Em BRR observou-se que oito dos dezoito mosquitos capturados de dia, mostraram preferência pelo solo, com percentagem acima de 60% de comparecimento. Foram êles, Aedes leucocelaenus, Ae. serratus, Psorphora ferox, Limatus flavisetosus, Trichoprosopon cerqueirai, T. reversum, Wyeomyia aporonoma e W. confusa. M ereceram atenção também as substanciais coletas de Trichoprosopon frontosum, T. pallidiventer e Phoniomyia davisi. Nas capturas noturnas compareceram, como preferencialmente do solo. com mais de 60%, Psorophora ferox, Phoniomyia palmata, Trichoprosopon reversum, Wyeomyia aporonoma e W. confusa, e forneceram também apreciável contingente para êste nível, Phoniomya longirostris, Trichoprosopon cerqueirai, T. pallidiventer e Ae. serratus.

Nas capturas diurnas em GT, mostraram-se decididamente terrestres, Aedes serratus, Psorophora ferox, Trichoprosopon reversum, T. cerqueirai, T. frontosum e Wyeomyia confusa. Nas noturnas, Aedes serratus foi a única especie predominante no solo, comparecendo a êsse nível com 92,8% dos espécimens obtidos.

No que concerne a CG, os mosquitos diurnos do solo foram Aedes serratus, Wyeomyia confusa, Psorophora ferox, Ps. discrucians, Sabethes intermedius, Trichoprosopon cerqueirai e T. reversum. Nas coletas noturnas, embora ocorresse certa participação do Anopheles cruzii, as espécies nitidamente terrestres, foram Aedes serratus, Psorophora ferox e Trichoprosopon reversum.

Em resumo, os resultados obtidos nas capturas efetuadas no solo das várias estações, revelaram fauna um tanto variável. Com presença nìtidamente constante acima de 60%, foram assinalados Aedes serratus, Psorophora ferox, Limatus flavisetosus, Wyeomyia confusa e Trichoprosopon cerqueirai. Outras espécies limitaram-se a comparecer de maneira predominante, ou substancial, de acôrdo com o pôsto de coleta. Dessa forma, alguns mosquitos variaram nesse particular, contribuindo numa estação para a fauna do solo e em outra para a arbórea. Foi o caso de alguns representantes de Wyeomyia e Trichoprosopon. Assinalou-se o comportamento de Sabethes intermedius como culicídeo do solo na estação CG, tendo se mostrado essencialmente arbóreo em BRR, conforme citamos linhas atrás. Notou-se também a presença de Aedes leucocelaenus sòmente na estação BRR, sendo ali coletado no solo, de maneira predominante.

CONSIDERAÇÕES: Os aspectos supradescritos mostram a estratificação vertical observada nas horas de coletas e mediante o uso de isca humana. Nas diurnas verificou-se que, em geral, certos sabetinos disputam com o Anopheles cruzii a predominância na copa arbórea. Tal aspecto modifica-se por ocasião do crepúsculo e início da noite, quando aqueles mosquitos declinam ou desaparecem e êste passa então a predominar. Isso sugere que os representantes noturnos de Phoniomyia e Trichoprosopon sejam meros componentes da população diurna que estendem a sua atividade até o início da noite. Tudo indica que, nessa oportunidade, aquela espécie anofélica não predomine sòmente por falta das outras, mas sim também através do incremento de sua própria atividade.

A presença desses mosquitos com hábitos arbóreos encontra explicação, possìvelmente em vários fatôres. Um dêles seria o concernente aos criadouros situados em bromélias epífitas e ocos de árvores. Nesse particular, resultados semelhantes foram obtidos em outras regiões, como en Trinidad e Panamá, onde outras espécies do subgênero Kerteszia, Anopheles bellator e Anopheles neivai, forneceram substanciais coletas nesse nível ( DOWNS & PITTENDRIGH 13 1946 e TRAPIDO, GALINDO & CARPENTER 33 1955). É interessante assinalar que na região de Passos, Estado de Minas Gerais, no sul do Brasil, investigações análogas efetuadas em pequenas áreas de florestas residuais, revelaram baixa proporção de sabetinos na copa, não indo além de 35,4% o máximo observado ( CAUSEY & SANTOS 9 1949). Por sua vez, na região de Brusque, Estado de Santa Catarina, não foi encontrada variação significante nas capturas de três espécies de Kerteszia em três níveis diferentes, correspondentes ao solo e duas plataformas arbóreas (VELOSO et alii.39 1956).

Por outro lado, boa parte de representantes de Sabethini, juntamente com Aedes e Psorophora, apresentaram-se com grande comparecimento no solo. Inclusive o Aedes leucocelaenus, embora se trate de mosquito que se cria em buracos de árvores.

Outro fator ao qual se tem atribuído influência na estratificação vertical, vem a ser aquêle representado pelas condições microclimáticas locais e climáticas gerais. Desde as observações de BATES 6 (1944) na Colômbia, tem se verificado a possibilidade desssa distribuição sofrer alterações durante as diferentes horas do dia e as épocas sêcas e úmidas do ano. Tais variações são devidas às modificações no microclima em conseqüência da presença de condições climáticas gerais, tornando ou não, sensìvelmente diferentes a temperatura e a umidade na copa e no solo das matas. Essas diferenças atingem valores mais acentuados nas florestas úmidas do que naquelas constituídas por vegetação decídua. Nestas últimas o microclima tende a se uniformizar e a estratificação a se tornar menos evidente do que naquelas onde as diferenças entre copa e solo são mais pronunciadas (TRAPIDO & GALINDO 34, 1957). Em outras palavras, a ação das condições climáticas gerais se faz sentir mais acentuadamente nas florestas decíduas do que naquelas formadas por plantas latifoliadas e de ambiente úmido. Contudo, mesmo nestas, o aspecto microclimático não é o mesmo para tôdas. No sul do Brasil, a época sêca do ano coincide também com a mais fria, e a tal fato atribuem CAUSEY & SANTOS 9 (1949) o não terem observado diferença apreciável na estratificação de mosquitos durante tais períodos, na zona de Passos, Estado de Minas Gerais. Ainda no Brasil meridional, região de Brusque, Estado de Santa Catarina, as observações de VELOSO et alli39 (1956) com três espécies de Kerteszia concluiram que o vôo desses anofelinos parecia estar ìntimamente ligado à umidade relativa. Dessa maneira, tanto a distribuição anual como diurna tenderiam a aumentar com a diminuição dêsse fator. Contudo, como já assinalamos, nessas investigações não se detectou variação significante entre o solo e os níveis arbóreos.

Como já tivemos ocasião de mencionar, a floresta na qual realizamos essas observações é do tipo tropical úmido. Contudo, difere ela em múltiplos aspectos da equatorial. E isso devido, em boa parte, não apenas àquêles concernentes à temperatura e precipitações, mas também à insolação e ao estado higrométrico do ar (ARAGÃO5 1961). Com efeito, nesta encosta atlântica, é bem mais prolongado o período de tempo em que o céu se apresenta encoberto e também mais freqüentes os nevoeiros. Isso condiciona maiores valores da umidade do ar, o que pode explicar as variações que se observam na vegetação. É o caso da riqueza em epífitas nesta região sul e a pobreza dessas plantas em matas amazônicas. Por conseguinte, é de se esperar que, como mencionamos, as diferenças microclimáticas da copa e do solo, não sejam acentuadas em nossa região.

Todavia, além dessa possível uniformidade microclimática, deve-se levar em conta que a altura média da copa das árvores não é grande. Tal aspecto torna viável a suposição de que seja ainda maior a influência do clima geral nas condições correspondentes aos dois níveis florestais.

Com o objetivo de observar a distribuição vertical em diversas épocas do ano, levamos em conta o espaço de tempo constituído pelos 24 meses decorridos de março de 1964 a fevereiro de 1966. Baseados nos dados climáticos já conhecidos e explanados no segundo capítulo dêste trabalho, consideramos como secos os intervalos correspondentes aos meses de março a agôsto, e úmidos os de setembro a fevereiro. Assim sendo, êles representaram os conjuntos de outuno-inverno e primavera-verão, respectivamente, com as temperaturas mais baixas acompanhando o primeiro e as mais altas o último (Tabelas 1 e 2). Dessa maneira, pudemos dispor de dois períodos secos e dois úmidos para os quais calculamos as percentagens das capturas diurnas e noturnas, na copa e no solo, concernentes aos postos EBB e BRR. Para os outros dois, só foi possível levar em consideração um só dêsses períodos para CG, pois em GT as atividades foram suspensas em dezembro de 1964. Os resultados constam das Tabelas 11 a 14. Ali se encontram compulsados somente os dados das espécies que apresentaram médias horárias não inferiores a 1,0, pelo menos em um dos níveis, e cujo comparecimento no período considerado, não se fêz com número inferior a 50 espécimens.

Verifica-se portanto que, em ambos os períodos o Anopheles cruzii, manteve o seu caráter arbóreo. Com efeito, a percentagem de 60% foi ultrapassada na maioria das coletas efetuadas nesse nível. Fizeram exceção algumas variações que podem ser atribuídas a fatôres locais. Foi o caso das coletas diurnas referentes ao 1o período sêco em EBB e 2o úmido em BRR e CG, além das noturnas do 2o sêco em CG. Contudo, em tôdas elas o seu comparecimento foi substancial, nunca inferior a 40,0% dos exemplares coletados. Como regra geral, verificou-se também o incremento da presença arbórea dêste mosquito, por ocasião das capturas noturnas. Como exceção apresentaram-se aquelas referentes ao 2o período sêco em CG, em que houve decréscimo do comparecimento do anofelino na copa.

Portanto, considerando o Anopheles cruzii como mosquito acrodendrófilo, julgamos de interêsse a observação de possíveis variações dessa qualidade, segundo os locais (estações), as coletas (diurnas e noturnas) e as condições climáticas gerais (períodos secos e úmidos). Para tanto lançamos mão do procedimento de GOLD19, 20 (1960, 1962), que permite a realização simultânea, a um nível de significância global prefixado, de todos os testes de hipóteses relativos à comparação de proporções em sua forma mais geral (contrastes), numa distribuição multinomial. Dessa maneira, os dados relativos a essa acrodendrofilia, encontram-se expostos na Tabela 15. Nela estão incluídos todos os elementos necessários para as comparações que julgamos necessárias.

x i = número de exemplares capturados na copa

n i = número total de exemplares capturados

Quanto aos locais de coleta, os dados globais das várias estações forneceram os resultados:

Observa-se significância nas últimas duas comparações, o que permite supor que a estação CG difere das outras duas, no que concerne ao total do material coletado. Com efeito, como vimos assinalando em páginas anteriores, êste pôsto se situa próximo ao núcleo habitado de Casa Grande e isso talvez possibilite maior ação por parte do homem, no sentido de introduzir modificações no primitivo ambiente natural. Por outro lado, pode ocorrer a presença de peculiaridades locais, não estudadas. Seria o caso de diferenças na densidade de bromélias e na composição da fauna e flora. De qualquer forma, embora o Anopheles cruzii conserve em nível apreciável o seu caráter acrodendrófilo, em CG êle se comporta de maneira um tanto diferente do que em EBB e BRR. Quanto a estas duas últimas estações, sob o ponto de vista dos resultados globais, elas aparentemente não diferem.

Em relação aos dados gerais das coletas diurnas e noturnas, as comparações forneceram os resultados seguintes:

Observa-se significância para o rendimento total nas coletas noturnas da copa arbórea, em EBB e BRR. Mais uma vez, verifica-se a discrepância da estação CG, pois as diferenças observadas não foram expressivas.

Finalmente, se compararmos os dados obtidos nos períodos secos e úmidos para as capturas diurnas e noturnas, obteremos o seguinte:

Constata-se que em períodos secos ocorreu aumento relevante das proporções arbóreas noturnas em EBB e diurnas em BRR. Não houve diferença significante em relação aos demais períodos e na estação CG. É claro que a explicação dêsse aspecto, no estado atual de nossos conhecimentos, não passará do terreno das hipóteses. Contudo, cremos que em virtude de fatôres locais, a uma menor densidade que ocorra no período sêco e frio do ano, corresponda, proporcionalmente, maior número de exemplares desse anofelino no alto das árvores. Em outras palavras, diminuindo o número total de mosquitos pode acontecer que, em circunstâncias independentes do dia ou da noite, os exemplares capturados venham a ser, em sua maior proporção, encontrados na copa arbórea. Nesse caso, teríamos o hábito acrodendrófilo determinando maior acúmulo nesse nível, em tais ocasiões. De resto, as outras comparações não revelaram significância, mostrando assim que tais discrepâncias adquirem aspectos de peculiaridades locais.

Em suma, o Anopheles cruzii mostrou-se mosquito essencialmente acrodendrófilo, apesar de em CG, ter revelado êsse caráter em menor grau. Todavia, mesmo ali êle contribuiu substancialmente para as coletas a êsse nível. Tal hábito parece acentuar-se nas capturas noturnas e, como regra geral, não sofreu influência por parte das condições climáticas gerais.

Em relação aos demais culicídeos, pôde-se observar variações. Foram elas, em linhas gerais, semelhantes àquelas descritas em parágrafos anteriores, para os resultados globais das coletas nos dois níveis da mata. Dessa maneira, verifica-se entre os sabetinos, a manutenção da preferência arbórea por parte dos representantes de Phonianvyia, com a contribuição substancial de alguns Trichoprosopon. Por sua vez, Wyeomyia confusa conservou caráter predominantemente terrestre, bem como alguns representantes do último daquêle gênero. O que se verifica é variação em relação aos locais de coleta. No que diz respeito aos culicinos, o caráter terrestre das capturas de Aedes serratus e de Psorophora ferox parece também não ter sofrido mudanças com as épocas consideradas.

No que pesem tais variações, o aspecto geral da distribuição vertical manteve-se tanto nos períodos secos, como nos úmidos. Portanto, no estado atual de nossos conhecimentos, acreditamos ser difícil atribuir às mudanças climáticas alguma influência marcante na estratificação. O que se poderá observar em decorrência delas, será o aumento, diminuição ou mesmo desaparecimento de algumas espécies. Mas o caráter arbóreo ou do solo, pelo menos para o Anopheles cruzii, parece não depender do clima em geral ou do microclima, em particular. Êste aliás, no seu aspecto global, não se mostrou acentuadamente diferente nos dois níveis da floresta. Em conclusão a estas observações, acreditamos que êsse mosquito tenha acrodendrofilia que se intensifica por ocasião do início da noite. Por conseguinte, é lícito pensar que o fator determinante de tal comportamento seja o da procura de animais sôbre os quais êsse anofelino tenha alguma preferência hematófaga. Isso sugere fortemente que tais vertebrados sejam constituídos por aves, pois são elas que no fim da tarde procuram abrigar-se na copa das árvores, onde passam a noite.

Ciclo anual da densidade: Às variações anuais de temperatura e umidade, corresponde fenômeno análogo em relação à densidade populacional de mosquitos. Contudo, como assinalamos em trabalho precedente (FORATTINI 15, 1962), essa densidade constitui talvez fator epidemiológico dos mais difíceis de ser medido. O que se faz comumente, e adotamos neste trabalho, é a realização de capturas contínuas em determinados períodos de tempo e com técnica preestabelecida. É bem verdade que, com isso, não se pode evitar certa ação seletiva. Contudo, na impossibilidade de adoção de melhores métodos, êste fornece dados aceitáveis para o estudo dessa variação ou distribuição estacional. Deve-se porém ter sempre em mente que êles se referem a coletas em determinadas horas e com o emprêgo de isca humana. Os resultados são pois, reduzidos à expressão de médias horárias.

Desta forma, entre os motivos que nos levaram à realização dessas coletas contínuas por tempo prolongado, está o desejo de conseguir o quadro do ciclo anual dessa densidade. É de se notar, contudo, que certas espécies desaparecem das capturas, após terem comparecido de maneira substancial. Tal comportamento, na aparência independente da variação estacional, pôde ser observado com vários mosquitos. Assim sendo, isso parece indicar a existência, para tais culicídeos, de ciclos maiores envolvendo vários períodos anuais. Nesse caso, sòmente as capturas continuadas através de considerável espaço de tempo, poderão surpreender êsse fenômeno. Na fase atual de nossos trabalhos, dispomos de resultados relativos a 24 meses, de março de 1964 a fevereiro de 1966, para as estações EBB e BRR e 12 meses para a CG. Pelas mesmas razões já expostas, deixamos de considerar os resultados concernentes ao pôsto de GT, pois as suas atividades tiveram de ser interrompidas em dezembro de 1964, não chegando assim a completar um ciclo inteiro análogo aos demais.

Como dissemos, ocorreram espécies que, considerando o espaço de tempo de dois anos, desapareceram das coletas durante longo período. Como o que pretendemos atualmente é a observação do ciclo anual da densidade, deixamos de levar em conta tais mosquitos. Assim sendo, dedicamos a nossa atenção para aquêles que compareceram nas capturas, de maneira a poder evidenciar a sua variação estacional. Além disso, restringimos as nossas atenções àquêles que forneceram número de exemplares não inferior a 100, no período considerado. Compreende-se que tenhamos sido levados a isso, uma vez que se trata de observar variações durante espaço de tempo bastante longo.

Nas tabelas 16 e 17, encontram-se expostas as médias horárias mensais obtidas nas coletas diurnas e levadas a efeito nessas estações de captura. Considerando-se os períodos correspondentes ao outono, inverno, primavera e verão, observa-se como aspecto geral, a diminuição daqueles valores nos dois primeiros, e seu aumento nos dois últimos. Contudo, essa regra é apenas geral, porque podem ser verificadas variações, não sòmente em relação às espécies, como no que concerne ao posto de coleta.

Para o Anopheles cruzii, verificou-se ciclo correspondente ao supradescrito, tanto nas capturas diurnas como noturnas das estações EBB e BRR. Se considerarmos as médias horárias referentes aos períodos trimestrais supracitados, obteremos os dados constantes da Tabela 18.

Verifica-se que, embora as médias observadas variem de acôrdo com o pôsto de coleta e sejam maiores à noite do que durante o dia, o ciclo anual obedece ao esquema citado. Os meses mais secos e frios pertencentes ao outono e inverno, são acompanhados de diminuição da densidade, chegando mesmo ao desaparecimento do mosquito. O contrário ocorre naqueles mais úmidos e quentes da primavera e verão, quando a densidade atinge seus maiores valores. Essa flutuação pode ser notada também nas coletas noturnas em BRR, onde foram observadas elevadas médias horárias, mesmo nos períodos secos e frios. Na estação CG, o comportamento da distribuição anual dêste anofelino foi um tanto irregular, embora esboçando ciclo semelhante. Tudo leva a crer que fatôres locais possam influir com eficácia na diminuição ou aumento da densidade, além do clima pròpriamente dito.

Quanto aos demais mosquitos, observou-se distribuição estacional análoga. Alguns chegaram mesmo a desaparecer nas capturas, durante as épocas frias e sêcas. Êsse fenômeno verificou-se da maneira mais evidente com Aedes serratus e Psorophora ferox em CG. É o que se pode observar pela Tabela 19. Para tais culicinos, notou-se a presença de meses completamente negativos, enquanto em outros, a densidade elevou-se bruscamente.

Outras espécies mostraram apreciável variação, inclusive em relação a períodos correspondentes nos dois anos. É claro que o próprio clima é passível de sofrer alterações no seu ciclo, de ano para ano. Contudo, mesmo assim não se pode afastar a influência de fatôres locais outros, ainda não suficientemente conhecidos. De qualquer maneira, observou-se como linha geral, o aumento da densidade culicídica por ocasião do advento da primavera, chegando ao máximo nos meses estivais de dezembro a janeiro.

ARMADILHA DE SHANNON

Como já foi dito, as coletas com a armadilha de Shannon dotadas de isca luminosa, foram levadas a efeito em três locais, correspondentes às estações EBB, BRR e CG. Em linhas gerais, foram realizadas na primeira metade da noite, uma vez por semana, desde setembro de 1964. O objetivo principal foi conseguir material de culicídeos para as tentativas de isolamento. Em vista disso, essas capturas foram suficientemente irregulares para não permitirem considerações além daquelas referentes à composição específica. Assim sendo, deixaremos de levantar dados relativos à densidade e suas variações. Contudo, julgamos conveniente assinalar que, em investigação anterior realizada em EBB, foi observada a média horária total de 82,6 para o Anopheles cruzii, durante os meses de XI.1960 a II.1961 (FORATTINI et alii16 1961).

Composição Específica: A Tabela 20 resume o material obtido nestas capturas. Por ela se pode verificar que o total de 30843 espécimens distribui-se por cêrca de trinta e seis espécies, das quais cinco pertencentes a Anophelini, quinze a Culicini e dezesseis a Sabethini.

À semelhança do que foi geralmente observado nas outras coletas, notou-se o franco predomínio do Anopheles cruzii. Êste anofelino que compareceu em todos os locais e, com o total geral de 26919 exemplares, por si só constituiu 87,3% de todo o material capturado. Como se pode ver, trata-se de mosquito que mantém o caráter dominante, parecendo incrementá-lo no período noturno.

No que concerne aos culicinos, pôde-se assinalar a presença de Aedes serratus e de Psorophora ferox, devido principalmente às capturas realizadas em CG. Alguns gêneros se fizeram representar com maior número de representantes do que nas coletas diurnas, como foi o caso de Mansonia e Uranotaenia. Mas, mesmo assim em número negligenciável.

Quanto aos sabetinos, como que numa reafirmação do caráter predominantemente diurno de seus hábitos, contribuiram com a menor parcela. Alguns dêles, como o Trichoprosopon reversum, parecem ter certa tendência a prolongarem a atividade após o advento da noite. Todavia, os dados disponíveis não são de molde a sugerir que isso corresponda a aumento substancial dêsse aspecto, como se verifica com o anofelino supracitado.

OBSERVAÇÕES NO AMBIENTE DOMÉSTICO

Desde que o aumento da densidade culicidiana, em linhas gerais, ocorre no verão, decidimos considerar os resultados obtidos durante os meses que incluem êsse período. Com efeito, as coletas domiciliares executadas nas épocas frias, ou foram totalmente negativas ou forneceram número limitado de exemplares. Isso nos levou à conclusão, sob o ponto de vista prático, da nulidade dessa freqüência domiciliar por parte dos culicídeos em tais períodos. Por sua vez, é lícito supor que essa visita aos domicílios deva se tornar mais evidente quando do aumento da densidade. Por conseguinte, para a investigação epidemiológica interessou-nos saber se, em tais épocas, ao aumento da atividade na floresta seguiu-se fenômeno análogo em relação à procura de casas. Dessa maneira, levamos em consideração os dados referentes ao espaço de tempo decorrido entre o fim da primavera e início do outono. Em outras palavras, consideramos os meses de novembro a março, a exemplo do que foi feito em investigações anteriores (FORATTINI et alii16 1961, FORATTINI14 1961).

Da maneira como já foi descrita, as coletas domiciliares foram levadas a efeito após o crepúsculo, com a duração de duas horas. Nos supracitados períodos, totalizaram os seguintes números de horas:

COMPOSIÇÃO ESPECÍFICA

A análise da Tabela 21 mostra a presença de cêrca de vinte e duas espécies de culicídeos encontrados dentro das casas pesquisadas. Tais representantes distribuiram-se entre 5048 exemplares, incluindo 5 Anophelini, 13 Culicini e 4 Sabethini. Todavia, chama logo a atenção o franco predomínio do Anopheles cruzii o qual, contribuiu com 4270 espécimens, o que significa 84,6% do total coletado. Merece também algum destaque, o Aedes serratus, principalmente em CG. Êsse culicino compareceu com 419 representantes, o que equivale a 8,3% do material obtido. Como se vê, pois, essas duas espécies representaram cêrca de 93% das capturas domiciliares, restando sòmente 7% para as outras 20.

Compreende-se pois, que sob o ponto de vista epidemiológico, as atenções devam convergir sôbre êsses dois mosquitos. Os demais deverão ser tidos como meros visitantes causais das residências, pelo menos nos períodos considerados. Com efeito, observou-se a captura de alguns sabetinos nas residências de EBB e BRR, as quais são justamente as que estão em contato mais estreito com a floresta. Por outro lado, verificou-se que entre os mosquitos que se apresentaram discretamente nestas coletas, existem alguns que já foram encontrados com apreciável freqüência aos domicílios. É o caso de Aedes scapularis que em período análogo de 1960/61, mostrou-se regularmente presente nessas capturas (FORATTINI14, 1961). Isso, a nosso ver, evidencia mais uma vez, fenômeno comumente observado pelos investigadores que se dedicam a estas pesquisas. Trata-se da possível modificação na composição faunística numa mesma região, com o correr do tempo. Em outras palavras, isso seria devido à existência de ciclos de abundância, maiores do que aquêle que inclui apenas um ano climático.

ANOPHELES CRUZII

A freqüência dêste anofelino a domicílios de Casa Grande e Boracéia, já tinha sido objeto de investigações levadas a efeito em 1960/61, em época correspondente a estas (FORATTINI et alli16 1961). Nessa ocasião verificou-se apreciável densidade domiciliar maior na segunda daquelas localidades. As médias globais para as duas, foram de 3, 9 e 21, 7 respectivamente. As observações atuais feitas três anos após, revelaram em linhas gerais, situação semelhante, como se depreende pelos dados da Tabela 22.

Observou-se que as médias horárias foram mais baixas em CG do que nos outros locais. Contudo, verificou-se também a existência de variações dignas de nota, de ano para ano. Com efeito, em EBB notou-se aumento considerável dessa freqüência, a qual atingiu elevado valor no início de 1966. O contrário ocorreu nas outras duas localidades, onde se registrou relativa diminuição em relação ao ano anterior. Observando-se porém cada mês em particular, pode-se ver que essa flutuação se fêz em ambos os sentidos.

De qualquer maneira, a freqüência desta espécie aos domicílios da região, continua a se fazer sentir. A exemplo do verificado em outras áreas do sul do Brasil, como em Florianópolis, Estado de Santa Catarina, onde as médias horárias para os períodos noturnos chegaram a 33,5 (RACHOU 27, 28 1946, 1958). Contudo, tais valores sofrem alterações de acôrdo com fatôres locais. Entre êles se situam os que dizem respeito à situação da casa em relação à floresta. Em nossas observações notamos que as menores densidades obtidas em CG, corresponderam ao núcleo urbano de Casa Grande, o qual não se encontra em tão íntima proximidade com a mata, quando comparado com EBB e BRR. Outros fatôres podem ser responsabilizados pelas alterações dessas médias. De fato, embora a nossa região não tenha sido submetida à dedetização domiciliar, os moradores de Casa Grande lançam mão do uso de inseticidas, mesmo de maneira irregular. É de se supor pois, que isso constitua fator passível de provocar certa diminuição nas visitas anofélicas (FORATTINI et alii14 1961).

Em resumo, o Anopheles cruzii constitui espécie que, respeitadas as variações devidas a fatôres locais, freqüenta as casas da área de Casa Grande, com apreciável densidade. Esta pode chegar a atingir níveis elevados, especialmente em residências localizadas em íntimo contato com o ambiente silvestre. É o caso da habitação situada na Barragem do Rio do Campo (BRR).

AEDES SERRATUS

Esta espécie também foi encontrada dentro das casas, embora com densidade bem menor do que a anterior. Sua presença nesse ambiente foi digno de nota somente na localidade CG, sendo desprezível nas demais. A Tabela 23, resume os resultados obtidos.

Verifica-se, pois, que as médias horárias totais foram de 6,2 e 3,2 para os dois períodos, respectivamente. Contudo, observando-se, separadamente os valores mensais, nota-se que em alguns dêles, conseguiu-se os níveis mais altos de 11,9 e 10,8, correspondentes aos meses de II.65 e XI.65. Ocorreu, portanto, apreciável variação dessa média, o que de certo modo, está de acôrdo com os hábitos dos representantes dêste gênero, que se caracterizam pelo aspecto explosivo de seu aparecimento. De qualquer maneira, trata-se de culicino cuja visita aos domicílios, em CG e nessa época mostrou-se digna de nota. Suas médias horárias, em algumas ocasiões, chegaram a atingir valores apreciáveis.

Outras espécies: Como foi assinalado, os demais culicídeos foram coletados dentro das casas, em pequeno número. Poderia parecer de algum significado as capturas de Psorophora ferox em CG. Todavia, êste mosquito apenas foi coletado em alguns meses e sòmente em XII.64 a sua média horária forneceu valor de 4,0. Acreditamos, pois, na suposição de que juntamente com os outros, faça parte do contingente dos visitantes ocasionais.

Seria interessante ressaltar aqui dois aspectos. Em primeiro lugar, o desaparecimento quase total do Aedes scapularis que, em período análogo de 1960/61 compareceu com regularidade dentro do domicílio de CG, embora com médias horárias baixas (FORATTINI14, 1961). Já tivemos ocasião de tecer considerações sôbre êste fato, linhas atrás. Em segundo lugar, a ausência do Culex pipiens fatigans. Com efeito, tratando-se de mosquito essencialmente doméstico, não esperávamos, de início, encontrá-lo em EBB e BRR. Contudo, como CG representa núcleo habitado há bastante tempo, era de se supor que êle viesse a comparecer nessas coletas. Isso não ocorreu, a exemplo do que aconteceu nas observações de 1960/61, e tal fato pode dar margem a várias hipóteses. Estas irão desde a sua inexistência no local, até a presença de formas com hábitos, no máximo, peridomiciliares.

Em resumo, das observações no ambiente domiciliar, verificamos que as casas desta região podem ser freqüentadas regularmente por culicídeos silvestres. Entre êles, ressalta-se o Anopheles cruzii, com apreciável densidade. O Aedes serratus parece comportar-se com certa regularidade, embora em menor densidade, no núcleo de Casa Grande. Quanto aos outros, mesmo representando considerável número de espécies, podem ser encarados como simples visitantes acidentais.

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

O aspecto global dos dados obtidos ressalta sobremaneira a presença marcante do Anopheles cruzii, além de prováveis papéis desempenhados por alguns representantes de Culicini e Sabethini. Por esta razão, nossos comentários focalizarão diretamente êsses mosquitos.

No meio silvestre: Sendo o Anopheles cruzii espécie florestal, a sua dominância nesse meio se revela através dos consideráveis valores que podem atingir as médias horárias. Em nossas observações com isca humana, apresentou-se êle com densidade elevada, tanto nas capturas diurnas, como nas crepusculares-noturnas. Nesta região da encosta atlântica meridional do Brasil, situa-se o bioma natural dêsse anofelino, em cujas matas predomina ( VELOSO, MOURA & KLEIN 38 1956, RACHOU 28 1958, FORATTINI 15 1962).

Em nossas investigações, o Anopheles cruzii revelou-se mosquito dotado de apreciáveis tendências acrodendrófilas. Tal encontro está um tanto em desacordo com observações levadas a efeito em Brusque, Estado de Santa Catarina, Brasil. Com efeito, nessa região, VELOSO et alii39 (1956) considerando de maneira global o subgênero Kerteszia, levaram a cabo investigações em estações dotadas de duas plataformas para cada árvore, a primeira entre 7 e 9 metros e a segunda entre 12 e 17 metros de altura. Êsses autores não encontraram diferença significante entre o solo, a primeira e a segunda plataformas de duas dessas estações e certa variação, para mais, nos níveis elevados da terceira. Todavia, deve-se ter presente que essas capturas foram executadas com a finalidade de observar, especìficamente, o vôo dêsses mosquitos e portanto, com a preocupação de evitar a influência excessiva do fator "isca-humana". Dessa maneira, foi determinado como sendo de 30 minutos o tempo máximo para que o homem capturador não exercesse atração acentuada sôbre mosquitos situados mais distantes a níveis sensìvelmente diferentes do que aquêle em que estava situado. Com êsse tempo, as coletas foram feitas em vários pontos, sucessivos e em rodízio, perfazendo período total de 24 horas contínuas, das 12:00 de um dia até o mesmo horário do dia seguinte. Compreende-se pois que êsse processo foi totalmente diferente do que utilizamos. Ocorre que tínhamos interêsse em focalizar a nossa atenção essencialmente sôbre a hematofagia dos mosquitos. Poderíamos tê-la dirigido não sòmente em relação ao homem, como também a diversas espécies animais. Em virtude de dificuldades várias, até agora isso não foi realizado, bem como deixamos de efetuar coletas de 24 horas sucessivas. Contudo, apesar dessas omissões, somos de parecer que, à semelhança de outros investigadores que levaram a efeito pesquisas idênticas, o método que empregamos é capaz de fornecer idéia razoável dessa atividade. Se não, vejamos. O emprego de apenas dois níveis estabeleceu a diferença necessária para julgar do caráter acrodendrófilo, e as capturas simultâneas em ambos, possibilitaram razoàvelmente essa observação. O revezamento dos homens capturadores, procedido de hora em hora, reduziu ao mínimo as possíveis influências individuais. Finalmente, desde que nos interessava observar a hematofagia, a permanência mais prolongada da isca no local vinha ao encontro dêsse objetivo. De resto, as nossas verificações concordam com as de VELOSO et alii39 (1956) no que concerne, de maneira geral, ao aumento dessa atividade com o cair da noite.

Quanto à periodicidade anual, o rendimento de nossas coletas aumentou nos meses em que registramos maiores valores da umidade relativa. Tais resultados parecem constituir o inverso do observado ainda por VELOSO et alii39 (1956). Quer nos parecer que tal fato deva ocorrer por conta de diferenças regionais das áreas em que foram realizadas as duas pesquisas. Com efeito, como já assinalamos em capítulos precedentes, a nossa região situa-se no alto de terreno montanhoso da Serra do Mar, tudo parecendo indicar a presença de certa uniformidade microclimática durante apreciável período do ano. Deve-se lembrar também que, nossas coletas não cobriram as 24 horas seguidas. Ainda mais, enquanto as investigações naquela região são concernentes só ao subgênero Kerteszia, para as três espécies ali existentes (VELOSO36 1958), as nossas se referem apenas a uma delas, o Anopheles cruzii, mas incluem também os demais membros locais da família Culicidae.

De qualquer forma, de nossas investigações no meio silvestre de Casa Grande, acreditamos poder afirmar o que segue. Nas estações de coleta situadas em áreas escassamente habitadas ou mesmo despovoadas, como foi o caso de EBB, BRR e GT, a maior densidade de mosquitos diurnos repartiu-se entre vários representantes de Sabethini e Anopheles cruzii. Por outro lado, nas capturas noturnas, ocorreu sensível diminuição dos primeiros e aumento considerável por parte do segundo. Na estação CG, situada próximo ao núcleo habitado de Casa Grande, os resultados foram também semelhantes, mas ali pudemos notar também a presença um tanto marcada de alguns Culicini. Possìvelmente as diferenças de ordem local determinaram tais variações em relação aos outros dois postos de captura. É de se supor também ali a influência da atividade humana, em virtude da proximidade do núcleo habitado.

O caráter acrodendrófilo parece ser evidente em relação ao Anopheles cruzii além de, embora com certa irregularidade, para alguns Sabethini. O hábito arbóreo daquêle anofelino tende a acentuar--se com o início da noite. Êsse aspecto poderia dar margem a algumas considerações sobre a possível motivação para êsse comportamento. A nosso ver, desde que êle parece não depender do clima ou microclima, é lícito supor que papel de significante influência venha ser desempenhado pelas possíveis fontes para o repasto sanguíneo. Em outras palavras, a presença de vertebrados arbóreos seria hipótese bastante viável na determinação dessa acrodendrofilia. E, ao se levar em conta que no início da noite as copas arbóreas servem de abrigo para a fauna aviária da região, não seria descabido supor que êsses animais pudessem vir a ser importantes fontes para a atividade hematófaga do Anopheles cruzii. Nesse particular, chama necessàriamente a atenção a presença de apreciável número de galinhas encontradas com positividade para o vírus Boracéia21 Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP; Do Laboratório de Arbovírus do Instituto «Adolfo Lutz» da Secretaria da Saúde Pública do Estado de São Paulo; Do Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. 2 Lopes, O. de S. et alii – Dados inéditos. o qual é agente isolado dêsse anofelino (LOPES et alii24 1966).

No ambiente doméstico: Foi ainda o Anopheles cruzii que desempenhou papel de relêvo em nossas observações sôbre a freqüência aos domicílios da região. Em alguns casos, como no da residência situada em BRR, a densidade intradomiciliar chegou a atingir considerável valores. Convirá assinalar que o comportamento dessa espécie nesse sentido, parece ter se mantido de maneira constante nesta região. E isso porque as nossas atuais observações confirmam outras, levadas a efeito anteriormente na mesma área (FORATTINI et alii16 1961).

O mesmo, contudo, parece não ter ocorrido com outros mosquitos. Foi o caso de Aedes scapularis que, coletado com certa freqüência em época anterior (FoRATTINI 14 1961), desapareceu praticamente das capturas atuais. Êsse mosquito, como que foi substituído pelo Aedes serratus cujo comparecimento, em algumas ocasiões, acusou mesmo apreciáveis níveis nas médias horárias. É possível pois que, as populações de tais culicídeos estejam sujeitas a ciclos mais longos do que o anual, no intervalo dos quais, podem chegar a diminuir muito de densidade. Outra explicação seria a ocorrência de modificações na composição da mesma população específica, levando-se em conta que tais hábitos poderiam obedecer a comando genético. De tôdas as maneiras, são assuntos interessantes para pesquisa.

O que importa considerar para a atual investigação é que desde nossas anteriores observações (FORATTIN et alii16 1961)), até as atuais, o Anopheles cruzii manteve o seu caráter de freqüentador de domicílios. Nestes últimos dois anos e, especificamente, no núcleo de Casa Grande, foi-nos possível notar inclusive a atividade nesse sentido, por parte do Aedes serratus.

É interessante notar que o Anopheles cruzii consegue alcançar, com boa densidade, mesmo casas situadas a certa distância de seus criadouros. Foi o caso da habitação no 98 do núcleo de Casa Grande, e que se encontra instalada a mais de 200 metros da margem florestal, tendo ainda o rio Claro de permeio. Isso pode encontrar explicação, pelo menos em parte, no apreciável alcance de vôo dêsse anofelino. Algumas observações têm revelado êsse fato. É o caso daquelas levadas a efeito em Cananéia, Estado de São Paulo, Brasil, onde exemplares marcados foram recapturados a distâncias superiores a 1000 metros do local de soltura. E note-se que, nessas investigações, foi possível verificar a capacidade de travessia, em ambos os sentidos, de canal de água salgada com largura mínima de 800 metros ( CORRÊA et alii11 1961).

Por conseguinte, essa freqüência aos domicílios da região, permite considerar importante fator epidemiológico no possível mecanismo de transporte de vírus e outros agentes, do meio silvestre para o doméstico.

Desde o início, chamou-nos a atenção a ausência da espécie doméstica Culex pipiens fatigans. Com efeito, nas capturas a sua presença foi absolutamente nula, mesmo naquelas levadas a cabo no núcleo habitado de Casa Grande. Na tentativa de trazer alguma explicação para êsse fato, programamos a pesquisa de criadouros domiciliares. Até o momento, os resultados foram negativos para essa espécie, exceção feita de alguns reduzidos focos no próprio núcleo de Casa Grande. Dessa maneira, até que o possível prosseguimento das investigações nos traga maiores dados, sòmente podemos supor que êsse mosquito se encontre ainda em fase de adaptação ao ambiente doméstico desta área. É possível que ela ainda não se tenha processado de maneira eficaz.

AGRADECIMENTO

Cumprimos o grato dever de agradecer ao Prof. Rubens Murillo Marques, da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a inestimável colaboração que nos prestou na análise estatística dos dados coletados.

Recebido para publicação em 9-8-1968

  • 1. ALVARADO, C. A. et alii Contribución al conocimiento de la biologia de vectores selvaticos de fiebre amarilla en el noroeste argentino. In: Jornadas Entomoepidemiologicas Argentinas, 1a, Buenos Aires, 1959, v. 1, p. 183-200.
  • 2. ARAGÃO, M. B. Algumas medidas microclimáticas, em mata da região "Bromélia-Malária", em Santa Catarina, Brasil. I. Temperatura do ar, umidade relativa e evaporação. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 56(2):415-451, dez. 1958.
  • 3. ________________ Ibid. II. Efeito do abrigo, temperaturas extremas, amplitude térmica diária, temperatura do solo, radiação global, velocidade do vento e deficit de saturação. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 57(1) :45-72, out. 1959.
  • 4. ARAGÃO, M. B. Ibid. III. Condições de umidade medidas com higrógrafos. Rev. bras. Malar., 12(3/4):395-414, jul./agô. 1960.
  • 5. ________________ Sôbre a vegetação de zonas úmidas do Brasil. Rev. bras. Biol, 21 (3) : 317-324, out. 1961.
  • 6. BATES, M. Observations on the distribution of diurnal mosquitoes in a tropical forest. Ecology, 25:159-170, 1944.
  • 7
    BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA – Atlas pluviométrico do Brasil (1914-1938). Rio de Janeiro, 1948 (Sec. Hidrologia, Boletim 5).
  • 8. BUGHER, J. C. et alii Epidemiology of jungle yellow fever in Eastern Colombia. Amer. J. Hyg., 39(1):16-51, Jan. 1944.
  • 9. CAUSEY, O. R. & SANTOS, G. V. dos Diurnal mosquitoes in an area of small residual forests in Brazil. Ann. en. Soc. Amer., 42(4):471-482, Dec. 1949.
  • 10. CHEVALIER, A. Observações sôbre a flora e a vegetação do Brasil. Bol. Geog., 7(78):623-625, 1949.
  • 11. CORRÊA, R. R. et alii Observações sôbre a dispersão de anofelinos Kerteszia no Estado de São Paulo, Brasil. Arq. Hig., S. Paulo, 26 (90): 333-342, 1961.
  • 12. DEANE, L. M.; DAMASCENO, R. G. & AROUCK, R. Distribuição vertical de mosquitos em uma floresta dos arredores de Belém, Pará. Folia clin. biol., S. Paulo, 20(2): 101-110, set. 1953.
  • 13. DOWNS, W. G. & PITTENDRIGH, C. S. Bromeliad malaria in Trinidad, British West Indies. Amer. J. trop. Med., 26(1): 47-66, 1946.
  • 14. FORATTINI, O. P. Some data on the domesticity of Aedes scapularis (Rondani) in São Paulo, Brazil. Mosquito News, 21 (4):295-296, Dec. 1961.
  • 15. ________________ Entomologia Médica. São Paulo, Fac. Hig. Saúde Públ., 1962, v. 1.
  • 16. ________________ et alii Algumas observações sobre a densidade de anofelinos Kerteszia no Estado de São Paulo, Brazil. Arq. Hig., S. Paulo, 26(89):249-256, Set. 1961.
  • 17. GALINDO, P.; TRAPIDO, H. & CARPENTER, S. J. Observations on diurnal forest mosquitoes in relation to sylvan yellow fever in Panama. Amer. J. trop. Med., 30(4): 533-574, Jul. 1950.
  • 18. GARHAM, P. C. C.; HARPER, J. O. & HIGHTON, R. B. The mosquitoes of the Kaimosi forest, Kenya colony, with special reference to yellow fever. Bull. ent. Res., 36:473-496, 1946.
  • 19. GOLD, Z. Inference about non-stationary Markov chain. Ann. Math. Statist., 31:533-539, 1960.
  • 20. ________________ On comparing multinomial probabilities. Brooks Air Force Base, Texas, USAF Aerospace Medical Division, 1962.
  • 21. GROOT, H.; MORALES, A. & VIDALES, H. Virus isolations from forest mosquitoes in San Vicente de Chucuri, Colombia. Amer. J. trop. Hyg., 10(3) :397-402, May 1961.
  • 22
    INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE) – Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro, 1958, v. 10.
  • 23. KOEPPEN, W. Climatologia. México, D. F., Fondo Cultura Economica, 1948.
  • 24. LOPES, O. de S. et alii Boracéia virus. A new virus related to Anopheles B Virus. Proc. Soc. exp. Biol., New York, 23 (2): 502-504, nov. 1966.
  • 25. MORALES, A. & VIDALES, H. Distribución de mosquitos selvaticos en San Vicente de Chucuri, Colombia. Lozania (Acta Zool. colomb.), (13), ag. 1962.
  • 26. NOVAES, H. de Relatório da Comissão de Obras Novas de Abastecimento de Água da Capital. São Paulo, Secretaria da Agricultura, 1927.
  • 27. RACHOU, R. G. Da domesticidade dos anofelinos do subgênero Kerteszia no litoral do Estado de Santa Catarina. Folha méd., 27(1): 1-8, jan. 1946.
  • 28. ________________ Anofelinos do Brasil: comportamento das espécies vectoras da malária. Rev. bras. Malar., 10(2):145-181, abr. 1958.
  • 29. SANTOS, L. B. Aspecto geral da vegetação do Brasil. Bol. Geog., 1(5):68-73, 1943.
  • 30. SEREBRENICK, S. Aspectos geográficos do Brasil (O clima, a terra e o homem.) Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, 1942.
  • 31. SETZER, J. Contribuição para o estudo do clima do Estado de São Paulo. São Paulo, Escolas Profissionais Salesianas, 1946.
  • 32. ________________ Os solos do Estado de São Paulo. Rio de Janeiro, IBGE, 1949 (Bibliografias geográficas brasileiras Série A, 6).
  • 33. TRAPIDO, H.; GALINDO, P. & CARPENTER, S. J. A survey of forest mosquitoes in relation to sylvan yellow fever in Panama isthmian area. Amer. J. trop. Med. Hyg., 4(3):525-542, May 1955.
  • 34. ________________& GALINDO, P. Mosquitoes associated with sylvan yellow fever near Almirante, Panama. Amer. J. trop. Med. Hyg., 6(1): 114-144, 1957.
  • 35. TRAVASSOS FILHO, L. & CAMARGO, H. F. de A. A estação biológica de Boracéia. Arq. Zool. Est. S. Paulo, 11 (10): 1-21, out. 1956.
  • 36. VELOSO, H. P. Considerações gerais sobre os biótopos e habitats dos anofelineos do sub-gênero Kerteszia. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 56(1): 163-179, fev. 1958.
  • 37. ________________ Os grandes clímaces do Brasil. I. Considerações sobre os tipos vegetativos da região sul. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 60(3): 175-194, 1962.
  • 38. ________________; MOURA, J. V. de & KLEIN, R. M. Delimitação ecológica dos anofelíneos do sub-gênero Kerteszia na região costeira do sul do Brasil. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 54(3):517-548, dez. 1956.
  • 39
    ________________ et alii – Os anofelinos do sub-gênero Kerteszia em relação à distribuição das bromeliáceas em comunidades florestais do município de Brusque, Estado de Santa Catarina. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 54(1): 1-86, jun. 1956.
  • 40. WARMING, E. Da vegetação na América tropical. Bol. Geog., 4(46):1308-1316, 1947.
  • 1
    Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP; Do Laboratório de Arbovírus do Instituto «Adolfo Lutz» da Secretaria da Saúde Pública do Estado de São Paulo; Do Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo.
    2
    Lopes, O. de S.
    et alii – Dados inéditos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1968

    Histórico

    • Recebido
      09 Ago 1968
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br