Acessibilidade / Reportar erro

Experiências sôbre a transmissão do Trypanosoma cruzi por sanguessugas e de tripanosomas de vertebrados de sangue frio por triatomíneos

Experiments of the transmission of Trypanosoma cruzi by leechs and cold blooded vertebrate trypanosomas by triatominae

Resumos

Observou-se que o Trypanosoma cruzi não se multiplica na sanguessuga (Haementeria lutzi Pinto); os tripanosomas sugados degeneram após algum tempo; outros permanecem aparentemente normais, porém 48 horas após a ingestão infectante acabam morrendo. Observou-se ainda que os tripanosomas parasitas da rã (T. rotatorium e T. leptodactyli) bem como o T. hogei, parasita da serpente Rachidelus brazili, não se multiplicam no intestino dos triatomíneos. O mais resistente (o T. leptodactyli), permanece vivo até 72 horas após a ingestão infectante, porém as outras duas espécies (T. rotatorium e T. hogei) não resistem mais de 24 horas após serem sugadas pelos triatomíneos.


Trypanosoma cruzi does not reproduce itself in the leech (Haementerm lutzi Pinto); the ingested trypanosomes degenerate after some time; other organisms remain apparently normal, however dying 48 hours after the feeding of the leechs. The parasite trypanosomas of the frog (T. rotatorium and T. leptodactyli) as well as those parasiting the ophidian Rachidelus brazili (T. hogei) do not multiply in the intestine of the triatominae. The most resistent species (T. leptocbactyli) remains alive 72 hours after the feeding of the triatominae; the other two, however, do not survive more than 24 hours.


ARTIGO ORIGINAL

Experiências sôbre a transmissão do Trypanosoma cruzi por sanguessugas e de tripanosomas de vertebrados de sangue frio por triatomíneos1 1 Do Instituto Butantan – São Paulo, Brasil. Realizado com o auxílio financeiro do Fundo de Pesquisas do Instituto Butantan

Experiments of the transmission of Trypanosoma cruzi by leechs and cold blooded vertebrate trypanosomas by triatominae

Samuel B. Pessôa

RESUMO

Observou-se que o Trypanosoma cruzi não se multiplica na sanguessuga (Haementeria lutzi Pinto); os tripanosomas sugados degeneram após algum tempo; outros permanecem aparentemente normais, porém 48 horas após a ingestão infectante acabam morrendo. Observou-se ainda que os tripanosomas parasitas da rã (T. rotatorium e T. leptodactyli) bem como o T. hogei, parasita da serpente Rachidelus brazili, não se multiplicam no intestino dos triatomíneos. O mais resistente (o T. leptodactyli), permanece vivo até 72 horas após a ingestão infectante, porém as outras duas espécies (T. rotatorium e T. hogei) não resistem mais de 24 horas após serem sugadas pelos triatomíneos.

SUMMARY

Trypanosoma cruzi does not reproduce itself in the leech (Haementerm lutzi Pinto); the ingested trypanosomes degenerate after some time; other organisms remain apparently normal, however dying 48 hours after the feeding of the leechs. The parasite trypanosomas of the frog (T. rotatorium and T. leptodactyli) as well as those parasiting the ophidian Rachidelus brazili (T. hogei) do not multiply in the intestine of the triatominae. The most resistent species (T. leptocbactyli) remains alive 72 hours after the feeding of the triatominae; the other two, however, do not survive more than 24 hours.

I – EXPERIÊNCIAS SOBRE A TRANSMISSÃO DO TRYPANOSOMA CRUZI POR SANGUESSUGAS

SOLTYS & WOO10 (1968), tendo conseguido uma certa evolução do Trypanosoma brucei em sanguessugas, levantaram a hipótese da possibilidade da transmissão de tripanosomas de mamíferos por meio de hirudíneos.

Esta hipótese não é nova, pois em 1920 BASSEWITZ 3 afirmou ter conseguido a transmissão do T. equinum (agente causal de uma doença de cavalos, o "mal de cadeiras"), por meio de sanguessugas. PINTO 8 (1922) tentou repetir estas experiências, com resultados negativos. O autor citado 8 fez sanguessugas (Haementeria lutzi) sugar o sangue de cobaias infectadas com o T. equinum e verificou que 2 horas após a ingestão contaminante, todos os tripanosomas estavam mortos, parecendo-lhe que o T. equinum sofre uma verdadeira ação tripanolítica no aparelho digestivo de sanguessuga.

Pensamos haver interêsse sôbre tais experiências em relação ao T. cruzi, devido ao fato de certas espécies de ratos viverem em estreito contato com a água como o "rato d'água" (Nectomys squamipes amazonicus) o "rato pixuna" (Zigodontomys pixuna), os quais foram encontrados naturalmente infectados pelo T. cruzi, a primeira espécie por DEANE 5 (1960), e a segunda por ALENCAR1 (1965). Êstes roedores, por freqüentarem a água também foram encontrados infectados pelo Schistosoma mansoni, em altas percentagens, por AMORIM 2 (1953) e por outros investigadores brasileiros.

Para verificarmos a possibilidade de haver evolução do T. cruzi em sanguessugas, dois camundongos fortemente infectados pelo flagelado em aprêço e cujos abdomens foram raspados, foram colocados em uma redoma de vidro com pouca água. Em seguida colocamos 12 sanguessugas (Haementeria lutzi), criadas em laboratório, as quais foram deixadas sugar os camundongos. Oito delas se encheram de sangue; as outras não sugaram, ou sugaram tão pouco que foram postas de lado no decurso da experiência. As sanguessugas foram conservadas em água a 29-30°C e dissecadas a partir de 2, 7, 20, 30 e 48 horas após a alimentação para verificar se teria havido multiplicação do tripanosoma. O sangue, retirado da sanguessuga era examinado, primeiramente a fresco, entre lâmina e lamínula, e outros esfregaços após secos eram fixados pelo metanol e corados pelo Giemsa. Enquanto que nas experiências dos autores britânicos com o T. brucei, as sanguessugas dissecadas 2 horas após a alimentação, já mostravam muitos tripanosomas em divisão, nas nossas experiências com 2 e 7 horas após a alimentação, podiam-se ver tripanosomas normais, movimentando-se no sangue, a fresco e exibindo, após coloração, estruturas normais, e também vários outros organismos já em vias de degeneração, formas arredondadas, vacuolizadas e com tendência a se aglomerarem (Figs. 1 e 2). Com 7 e 20 horas podia-se ainda verificar a existência de organismos aparentemente normais, e dotados de mobilidade característica da espécie. Ao lado destes, porém, e após coloração verificamos a existência de organismos já em caminho de degeneração, sendo um dos sinais a modificação da estrutura do cinetoplasto, dando a impressão de estar sendo êle expulso (Figs. 3 e 4). Após 20 e 30 horas ao lado de algumas formas aparentemente normais e móveis, apareciam com mais profusão as formas degeneradas, e enfim, com 48 horas após a sucção não mais conseguimos focalizar tripanosomas móveis. Não conseguimos ver nenhum organismo em divisão.


Fig. 5


Fig. 6


Em conclusão: o T. cruzi não se multiplica na sanguessuga (Haementeria lutzi Pinto). Os tripanosomas sugados começam a degenerar-se 2 horas após a ingestão contaminante, mas muitos organismos permanecem móveis e aparentemente normais até 30 horas após a alimentação do hirudíneo; 48 horas depois da sucção não mais se encontram organismos vivos. Não verificamos nenhuma ação lítica do hirudíneo sôbre o flagelado.

II – EXPERIÊNCIAS SOBRE A TRANSMISSÃO DE TRIPANOSOMAS DE VERTEBRADOS DE SANGUE FRIO POR TRIATOMÍNEOS

Os triatomíneos picam, freqüentemente vertebrados de sangue frio, alimentando-se de seu sangue, como foi observado, há muitos anos por BRUMPT 4 (1927) e, posteriormente, por WOOD 11 (1944), RYCKMAN9 (1954), etc.

Os vertebrados de sangue frio são todos parasitados por várias espécies de hemoparasitas e sabemos que uma espécie de hemogregarina de lagarto (Tupinambis teguixin), a Haemogregarina triatomae, evolui no Triatoma rubrovaria, como foi demonstrado por OSIMANI 6 (1942) na Argentina. Como os animais de sangue frio são freqüentemente parasitados por tripanosomas, resolvemos verificar se há multiplicação dêstes flagelados nos triatomíneos.

Em primeiro lugar fizemos vários exemplares do triatomíneo – Rhodnius prolixus, picar rãs (Leptodactylus ocellatus) parasitadas pelo Trypanosoma rotatorium e pelo T. leptodactyli Carini, considerado, hoje como uma das formas do T. rotatorium. O comportamento de ambos no R. prolixus mostrou-se bem diverso, pois no caso do T. rotatorium, 24 horas após a sucção, êles começam a degenerar-se e perdem os movimentos, transformando-se em uma massa clara, homogênea e arredondada (Fig. 7). A membrana ondulante e o núcleo desaparecem. No caso do Trypanosoma leptodactyli, ao contrário, o parasita permanece vivo e móvel no intestino do "barbeiro", sem mostrar nenhum sinal de degeneração, até 72 horas após a alimentação do inseto. Depois não vimos mais formas móveis do flagelado. Em nenhum dos casos há qualquer indício de que o tripanosoma tende a multiplicar-se.

Também fizemos experiências com um tripanosoma da falsa muçurana (Rachidelus brazili), por nós descrito e denominado T. hogei7. Êste protozoário também nunca mostrou tendência a multiplicar-se no intestino dos barbeiros, Rhodnius prolixus e Triatoma infestans que sugaram a cobra parasitada. Conservou-se vivo até 24 horas após a ingestão contaminante do "barbeiro", para, algumas horas após, perderem os movimentos e morrerem (Fig. 7). Os tripanosomas têm tendência, após serem sugados a aglutinar-se no intestino do triatoma e às vêzes encontrávamos 8 a 9 indivíduos aglomerados em um só ponto da lâmina que estávamos examinando.

Em resumo: O Trypanosoma rotatorium e o T. leptodactyli parasitas da rã, bem como o T. hogei parasita da serpente, não evoluem no intestino de triatomíneos. O T. rotatorium morre cêrca de 24 horas após a ingestão contaminante; já o T. leptodactyli, é mais resistente e permanece vivo no intestino do barbeiro até 72 horas após a alimentação do inseto.

O T. hogei, parasita de uma serpente resiste até 24 horas à alimentação do triatomíneo.

AGRADECIMENTOS

À Dra. Maria Deane pelos camundongos infectados com o T. cruzi e ao senhor Joaquim Cavalheiro, técnico do Instituto Butantan, pelo auxílio técnico prestado.

Recebido para publicação em 24-1-1969

  • 1. ALENCAR, J. E. Estudos sôbre a epidemiologia da doença de Chagas no Ceará. III Região do Baixo Jaguaribe. Rev. bras. Malar., 17:149-158, abr./ /set. 1965.
  • 2. AMORIM, J. P. Infestação natural e experimental de murídeos pelo Schistosoma mansoni. Rev. bras. Malar., 5:219-222, jul. 1953.
  • 3. BASSEWITZ, E. von A sanguessuga Haemeteria officinalis transmissora da Piroplasmose eqüina sul-americana. Brasil-méd., 34:283-285, maio, 1920.
  • 4. BRUMPT, E. Écletisme alimentaire des réduvidés vecteurs du Trypanosoma cruzi. Presse méd., 35:1161, sept. 1927.
  • 5. DEANE, L. M. Sobre um tripanosoma do tipo Cruzi, encontrado num rato silvestre no Estado do Pará. Rev. bras. Malar., 12:87-102, jan. 1960.
  • 6. OSIMANT, J. J. Haemogregarina triatomae N.Sp. from a South American lizard Tupinambis teguixin, transmitted by the reduviid Triatoma rubrovaria. J. Parasit., 28:147-154, Apr. 1942.
  • 7. PESSÔA, S. B. Trypanosoma hogei N.sp. parasita da falsa muçurana (Rachidelus brazili Baul.). Hospital, Rio de Janeiro, 73:1257-1262, abr. 1968.
  • 8. PINTO, C. Ensaio monográfico dos mirudineos. Rev. Museu paul., 13:853-1118, 1923.
  • 9. RYCKMAN, R. F. Lizards: a laboratory host for Triatominae and Trypanosoma crusi (Hemipterus: Reduvidae) (Protomonadidae Trypanosomidae). Trans. Amer. Microbiol. Soc., 73:215-218, 1954.
  • 10. SOLTYS, M. A. & WOO, P. T. K. Leechs as possible vectors for mammalian trypanosomes. Trans. roy. Soc. trop. Med. Hyg., 62:154-156, Jan. 1968.
  • 11. WOOD, S. F. Notes on the feeding of cone-nosed bugs (Hemiptera, Reduvidae). J. Parasit., 30:197-198, June, 1944.
  • 1
    Do Instituto Butantan – São Paulo, Brasil. Realizado com o auxílio financeiro do Fundo de Pesquisas do Instituto Butantan
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1969

    Histórico

    • Recebido
      24 Jan 1969
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br