Acessibilidade / Reportar erro

Infeccão tuberculosa natural e o uso do BCG oral e intradérmico em escolares de Laranjal Paulista, SP, Brasil

Tuberculosis infections and the use of oral and intradermic BCG in school children from Laranjal Paulista, S. Paulo, Brazil

Resumos

Foi pesquisado no 2.° semestre de 1969, o índice de infecção tuberculosa nos escolares de nível primário da sede municipal de Laranjal Paulista, SP, com faixa etária de 7 a 15 anos. Utilizou-se PPD RT23 com 2UT (0,04 mcg) de acordo com a 2.ª recomendação do Serviço Nacional de Tuberculose, sendo encontrado nível de 8% de reatores fortes o que sugere necessidade de intensificação local do controle da tuberculose. Houve diferenças significativas a 5% quanto à cor e grupo etário, predominando nos "não brancos" e nos de 11 a 15 anos, o mesmo não ocorrendo, entretanto, quanto ao sexo. Os reatores e seus conviventes foram encaminhados ao Dispensário de Tuberculose. Foi também pesquisada a viragem tuberculínica pelo BCG oral e intradérmico, comparados com grupo controle, encontrando-se resultados significantes. O resultado verificado no grupo que tomou BCG por via intradérmica foi quase duas vezes maior que os observados no grupo de BCG oral. Não houve diferenças quanto ao sexo e grupo etário, mas o grupo "não branco" mostrou-se mais reativo. Não foram definidas estatisticamente as reações pós-vacinais e a expectativa populacional foi considerada dentro da esperada para atividades desse tipo.

Vacinação BCG; Escolares; Infecção tuberculosa


The rate of tuberculosis infections was studied in 92.1% of all the 7 to 15 years old school children from the District of Laranjal Paulista, Sp. Tests were made with PPd-RT23 with 2UP (0.04mcg), as recomended by the "Serviço Nacional de Tuberculose". Strong positive reactions (10 or more mm in diameter) were obtained in 8% of the tested children, an indication of the necessity of improvement in the local efforts to control tuberculosis. Positive results were significantly (P 0,05) more frequent in non whites as well as in the 11 - 15 years old group; no significant differences were observed related to sex. Samples of PPd negatives received oral or intradermic BCG; positives PPd's atfer intradermic BCG were almost two times more frequent than oral BCG. No sex or age influence were observed, altering the response to BCG but non were more reactive. Pos vaccinal reactions were not statistically evaluated. Intradremic BCG was accepted by the children as well as were other parenteral vaccines.

BCG Vacination; School children; Tuberculosis infection


ARTIGO ORIGINAL

Infeccão tuberculosa natural e o uso do BCG oral e intradérmico em escolares de Laranjal Paulista, SP, Brasil* * Trabalho feito em colaboração com o Dispensário Regional de Tuberculose da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo

Tuberculosis infections and the use of oral and intradermic BCG in school children from Laranjal Paulista, S. Paulo, Brazil

Eurivaldo Sampaio de AlmeidaI; Tarcísio BarbieriII; Messias GomesIII; Eloisa GuedesIV; Luiza SoaresIV

IDo Departamento de Medicina Preventiva, Social e Saúde Pública da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB) Botucatu, SP – Brasil

IIDo Departamento de Genética da FCMBB

IIIDo Departamento de Física (Disciplina de Bioestatística) da FCMBB

IVDo Hospital das Clínicas da FCMBB

RESUMO

Foi pesquisado no 2.° semestre de 1969, o índice de infecção tuberculosa nos escolares de nível primário da sede municipal de Laranjal Paulista, SP, com faixa etária de 7 a 15 anos. Utilizou-se PPD RT23 com 2UT (0,04 mcg) de acordo com a 2.ª recomendação do Serviço Nacional de Tuberculose, sendo encontrado nível de 8% de reatores fortes o que sugere necessidade de intensificação local do controle da tuberculose. Houve diferenças significativas a 5% quanto à cor e grupo etário, predominando nos "não brancos" e nos de 11 a 15 anos, o mesmo não ocorrendo, entretanto, quanto ao sexo. Os reatores e seus conviventes foram encaminhados ao Dispensário de Tuberculose. Foi também pesquisada a viragem tuberculínica pelo BCG oral e intradérmico, comparados com grupo controle, encontrando-se resultados significantes. O resultado verificado no grupo que tomou BCG por via intradérmica foi quase duas vezes maior que os observados no grupo de BCG oral. Não houve diferenças quanto ao sexo e grupo etário, mas o grupo "não branco" mostrou-se mais reativo. Não foram definidas estatisticamente as reações pós-vacinais e a expectativa populacional foi considerada dentro da esperada para atividades desse tipo.

Unitermos: Vacinação BCG *; Escolares (Laranjal Paulista, Brasil) *; Infecção tuberculosa *.

SUMMARY

The rate of tuberculosis infections was studied in 92.1% of all the 7 to 15 years old school children from the District of Laranjal Paulista, Sp. Tests were made with PPd-RT23 with 2UP (0.04mcg), as recomended by the "Serviço Nacional de Tuberculose". Strong positive reactions (10 or more mm in diameter) were obtained in 8% of the tested children, an indication of the necessity of improvement in the local efforts to control tuberculosis. Positive results were significantly (P 0,05) more frequent in non whites as well as in the 11 – 15 years old group; no significant differences were observed related to sex. Samples of PPd negatives received oral or intradermic BCG; positives PPd's atfer intradermic BCG were almost two times more frequent than oral BCG. No sex or age influence were observed, altering the response to BCG but non were more reactive. Pos vaccinal reactions were not statistically evaluated. Intradremic BCG was accepted by the children as well as were other parenteral vaccines.

Uniterms: BCG Vacination *; School children (Laranjal Paulista, SP, Brazil) *; Tuberculosis infection *

INTRODUÇÃO

É bem conhecido o fato de que a tuberculose ainda continua sendo um dos grandes problemas de saúde pública, em todo o mundo. Segundo dados referidos pela OMS, os casos de tuberculose ativa são de aproximadamente 10 a 15 milhões, com incidência anual de 2 a 3 milhões de casos e mortalidade específica de 1 a 2 milhões, também anualmente 1, 2, 5.

O Brasil não foge a esta regra e a tuberculose é também grave e importante doença em nossa problemática de saúde, estimando-se em cerca de 400.000 a 500.000 o número de casos de tuberculose ativa para nosso meio. O coeficiente médio de mortalidade para as capitais brasileiras foi de 50 por 100.000 habitantes, em 1967 1, 5.

São assim necessários e justificados os estudos que se façam nesse campo, no qual é reconhecida a importância da prova tuberculínica, quer na apreciação epidemiológica da doença, quer no encaminhamento de medidas visando seu controle 3,12. Além disso, recomenda-se estudos relativos a imunização pelo BCG e, em nosso meio, iniciam-se estudos pilotos para a possível introdução do BCG intradérmico 6.

Nesse sentido foi realizado o presente trabalho, concomitantemente com pesquisa patrocinada pela OMS sobre a possível utilização do BCG no controle da hanseníase, cujos objetivos foram os seguintes:

a) pesquisa do índice de infecção tuberculosa na população estudada;

b) encaminhamento dos indivíduos positivos e seus conviventes ao órgão de saúde, para as medidas adequadas;

c) estudo da viragem tuberculínica pela imunização oral e intradérmica com o BCG;

d) apreciação genérica da aceitação do BCG intradérmico pela população.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi desenvolvido no 2.° semestre de 1969, nos escolares de nível primário da sede do Município de Laranjal Paulista, SP, com idades de 7 a 15 anos, exclusive. Estes escolares foram estratificados aleatoriamente, com utilização da tabela de números equiprováveis em 3 sub-grupos, A, B e C (Tabela 1). Esses 863 escolares examinados correspondem a 92,1% dos 937 inscritos à época do estudo.

Foram usados PPD – RT23, em diluição, do laboratório de referência da Campanha Nacional Contra Tuberculose (CNCT); BCG para uso oral fabricado no Instituto Butantã, São Paulo e BCG para uso intradérmico fabricado no Staten Seruminstitut, da Dinamarca. Os dois primeiros foram fornecidos pelo Dispensário Regional de Tuberculose de Butucatu, São Paulo, e o último através da OMS. Em todas as etapas do trabalho as recomendações de proteção e conservação foram seguidas com o máximo rigor. O BCG para uso intradérmico era apresentado em forma liofilizada acompanhado com diluente, sendo preparada a diluição no momento de ser aplicado, fornecendo cada ampôla, 10 doses de 0,1 ml..

As seringas e agulhas utilizadas eram do tipo "tuberculína" padronizadas, assim como as réguas milimetradas usadas para a leitura das provas.

O pessoal encarregado da execução da leitura das provas estava devidamente treinado, segundo programa encetado pelo Serviço Nacional de Tuberculose (SNT), OMS e Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, requisito para a necessária padronização e comparabilidade dos resultados12.

Todos os escolares foram submetidos à prova tuberculínica com 0,1 ml de diluição do PPD-RT23, contendo 2UT (0,4 mcg); a leitura foi feita com 72 horas, com resultados classificados em não reatores, reator fraco e reator forte, segundo o diâmetro de induração estivesse compreendido nas faixas de 0 a 4 mm; 5 a 9 mm e 10 + mm, respectivamente, de acordo com as padronizações em vigor3.

Os não reatores foram vacinados com BCG, exceção dos pertencentes ao grupo C, que serviu de controle. Os do grupo A foram vacinados com 0,1 ml de BCG aplicados por via intradérmica na região deltoidea esquerda e os do grupo B com 3 doses de 20mg de BCG oral intercaladas de uma semana. Esta dosagem se explica por ter sido a escolhida para a já referida pesquisa em Leprologia que se realizaria simultaneamente.

Após 90 dias utilizando-se o mesmo material, técnicas e pessoal, foi realizada nesses reatores nova prova tuberculínica.

Para análise dos resultados foi utilizado o teste de X2, com nível de significância de 5%.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1, temos a distribuição dos escolares pelos respectivos sub-grupos na qual foi obtida hemogeneidade satisfatória quanto aos atributos a serem considerados.

Pelos dados das tabelas 2, 3, 4 e 5, verificamos que o índice de infecção tuberculosa (reação com 10 ou + mm) se situa ao nível de 8%. Embora elevado – nas regiões onde o controle da tuberculose é satisfatório, encontramos índices muito mais baixos – parece não ser dos mais altos considerando nossa realidade. Assim, por exemplo, recentemente, estudo na Guanabara6 constatou também em escolares desta faixa etária índice médio de infecção de 30%. Em Pirapora, Minas Gerais, o mesmo trabalho demonstrou resultados de 11% de reatores fortes.

Em relação aos atributos considerados constatamos diferenças significantes quanto a idade (Tabelas 2 e 3) e côr, (Tabela 4) e não significantes quanto ao sexo (Tabela 5).

Esses dados são compatíveis com os de outros trabalhos que nos mostram não haver diferença quanto ao sexo na infecção tuberculosa, a qual, pelo aumento do risco de contágio, se manifesta mais intensa nos menos jovens.

Quanto a côr é possível que a diferença encontrada possa estar relacionada com fatores ambientais, que favoreciam maior transmissibilidade, conforme também relatos da literatura médica2. Entretanto, não pesquisamos essas possíveis causas.

A Tabela 6 mostra-nos os resultados relativos à prova tuberculínica após aplicação do BCG. Vemos que houve acentuada viragem tuberculínica, com diferenças estatisticamente significantes dos grupos A e B em relação ao grupo C controle. A diferença entre os grupos A e B submetidos, respectivamente, à vacinação por via intradérmica e oral é também significante. Esses resultados são compatíveis com os encontrados em outros trabalhos que também indicam mais fraco estímulo alérgico ao BCG oral4, 7, 8, 9, 11, 13.

O índice de viragem pelo BCG intradérmico ao nível de 82% aproxima-se bastante do obtido por NUTELS & MIRANDA 10, em tribos indígenas brasileiras, com resultados de 85%, embora, acentue-se, tenha trabalhado com grupos etários diferentes. Por outro lado, aquele índice difere totalmente dos resultados de trabalho realizado em escolares de Pirapora, MG., no qual os reatores fortes ficaram em apenas 5% do total examinado após a vacinação intradérmica6. Considerando a comparabilidade da metodologia utilizada, talvez possamos pensar que a diferença dos resultados seja devido à diferença na potência da vacina utilizada.

Os dados das Tabelas 7, 8 e 9 mostram-nos os resultados obtidos nos não reatores à primeira prova, após a segunda prova tuberculínica, segundo idade, sexo e côr, respectivamente. Esses dados mostram diferenças significantes quanto ao sexo e grupos etários.

Não fizemos, por falta de condições, estudo sistemático da reação vacinal resultante da inoculação intradérmica, razão porque, embora tenhamos estabelecido um sistema de atendimento para os que porventura apresentassem reações mais intensas, não podemos definir quantitativa e qualitativamente este aspecto.

A conduta da população também nos parece ter sido favorável, exigindo trabalho educativo em nível semelhante ao que ocorre com as demais vacinas aplicadas por via parenteral.

Todos os positivos da primeira prova tuberculínica e os dos grupos controle da segunda e seus conviventes foram encaminhados ao Dispensário de Tuberculose.

CONCLUSÕES

a) O índice de infecção tuberculosa encontrado é relativamente elevado, sugerindo necessidade de intensificação da luta anti-tuberculosa local.

b) Houve diferença estatística significante do índice de infecção para o grupo menos jovem (11 – 15 anos) e para a côr "não branca", o que não foi observado quanto ao sexo.

c) Houve significante viragem tuberculínica após a aplicação de BCG, com resultados significantes em relação ao grupo controle. A viragem observada no grupo vacinado por via intradérmica foi quase duas vezes maior em relação ao BCG oral.

d) Esta viragem não se revelou significativa quanto ao sexo e grupo de idade (7 a 11 e 11 a 15 anos) e significante quanto a côr, ao nível de 5%.

e) Não definimos quantitativa e qualitativamente as reações pós vacinais, embora tenhamos estabelecido sistema para atendimento dos que o necessitassem.

f) A reação da população quanto a utilização da via intradérmica não diferiu muito da apresentada às demais vacinações por via parenteral.

Recebido para publicação em 24-4-1973

Aprovado para publicação em 10-7-1973

  • 1. ALMEIDA, A. P. & MARAGÃO, M. F. Situação do problema da tuberculose no Brasil. Rev. Serv. nac. Tub., 13:219-34, 1969.
  • 2. BARCLAY, W. La tuberculosis in los paises desarrollados. Bol. Ofic. sanit. panamer., 8:25-36, 1965.
  • 3. CAMPANHA NACIONAL CONTRA A TUBERCULOSE. Comissão Nacional. Prova tuberculínica em saúde pública. Rev. Serv. nac. Tub., 12:219-30, 1968.
  • 4. CARVALHO, A. de Esquema atual de vacinação BCG, no Brasil. Arq. bras. Tub., 27:174-6, 1968.
  • 5. EDITORIAL Gravidade da tuberculose como problema de saúde pública. Rev. Serv. nac. Tub., 13:217-8, 1969.
  • 6. FERREIRA, E. Vacinação BCG intradérmica Ensaio de aplicação e métodos. Rev. Serv. nac. Tub., 13:377-84, 1969.
  • 7. GARCIA, A. R. O BCG por via parenteral: resultados do seu emprego. Arq. bras. Tub., 27:177-89, 1968.
  • 8. KAHN, I. Produção de BCG no Brasil. Arq. bras. Tub., 27:156-60, 1968.
  • 9. MIRANDA, P. P. de A vacinação BCG intradérmica e oral. Rev. Serv. nac Tub., 13:283-315, 1969.
  • 10. NUTELS, N. & MIRANDA, J. A. N. de Viragem tuberculínica em grupos indígenas vacinados com BCG intradérmico. Rev. Serv. nac. Tub., 13:255-64, 1969.
  • 11. PEREIRA, W. G. Vacinação BCG por via oral no Brasil. Arq. bras. Tub, 27:161-73, 1968.
  • 12. RUFFINO NETO, A., et al. Análise dos erros nas leituras de provas tuberculínicas, I e II. Rev. Serv. nac. Tub., 15:350-65, 1967.
  • 13. SILVEIRA, J. Vacinação BCG nos alérgicos. Arq. bras. Tub., 27:190-4, 1968.
  • *
    Trabalho feito em colaboração com o Dispensário Regional de Tuberculose da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Set 1973

    Histórico

    • Aceito
      10 Jul 1973
    • Recebido
      24 Abr 1973
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br