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Emprego de anticoncepcionais por uma população brasileira

Use of contraceptive practices by a Brazilian population

Resumos

Um grupo de 245 mulheres moradoras em Mogi das Cruzes (Estado de S. Paulo, Brasil) foi questionado com relação ao uso de anticoncepcionais, história obstétrica, mortalidade infantil e atitudes correlacionadas com a limitação da natalidade. As respostas foram classificadas segundo idade e nível de renda da informante. Apenas 49% das mulheres empregavam medidas anticoncepcionais, das quais 42% recorriam aos anovulatórios. Esta prática era mais freqüente entre as mulheres jovens, e aquelas pertencentes às famílias melhores situadas economicamente. Não só era mais baixa a natalidade nas mulheres que se valiam de anticoncepcionais, mas esta prática acompanhava-se de sensível redução no número de abortos e da mortalidade infantil. O efeito foi mais pronunciado entre aquelas que empregavam os anovulatórios.

Anticoncepcionais; Planejamento familiar


A group of 245 married women from Mogi das Cruzes (State of S. Paulo, Brazil were questioned about the use of contraceptive practices, past obstetric history, child mortality, and attitude toward birth control. Answers were classified according to age and family earnings. Only 49% of these women practiced contraception, 42% of which used the "pill". There was a positive correlation between the practice of birth control and wage levels, and contraception was like-wise more common in the younger age groups. The natality was reduced considerably in those women who availed themselves of contraception and also it was observed a drastic decrease in the number of abortions and in child mortality. This effect was more pronounced in those who used the anovulatory drugs.

Contraception; Family planning


ARTIGO ORIGINAL

Emprego de anticoncepcionais por uma população brasileira

Use of contraceptive practices by a Brazilian population

Célia Leitão RamosI; Keiko OguraI; Daisy A. C. SouzaI; Catherine Laura BeniczkyII; Eliana BediniII; Elizabeth Guedes de MedeirosII; Maria do Carmo Dias dos SantosII; Maria Eliza Fernandes CunhaII; Marilena CastaldelliII; Miriam Gomes TornanteII; Regina Helena Corazza PelosiniII; Rosalina NapolitanoII; Sonia Maria Freitas FerreiraII

IDo Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes – Rua Senador Dantas, 326 – Mogi das Cruzes, SP, Brasil

IIAcadêmicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes

RESUMO

Um grupo de 245 mulheres moradoras em Mogi das Cruzes (Estado de S. Paulo, Brasil) foi questionado com relação ao uso de anticoncepcionais, história obstétrica, mortalidade infantil e atitudes correlacionadas com a limitação da natalidade. As respostas foram classificadas segundo idade e nível de renda da informante. Apenas 49% das mulheres empregavam medidas anticoncepcionais, das quais 42% recorriam aos anovulatórios. Esta prática era mais freqüente entre as mulheres jovens, e aquelas pertencentes às famílias melhores situadas economicamente. Não só era mais baixa a natalidade nas mulheres que se valiam de anticoncepcionais, mas esta prática acompanhava-se de sensível redução no número de abortos e da mortalidade infantil. O efeito foi mais pronunciado entre aquelas que empregavam os anovulatórios.

Unitermos: Anticoncepcionais *; Planejamento familiar*.

SUMMARY

A group of 245 married women from Mogi das Cruzes (State of S. Paulo, Brazil were questioned about the use of contraceptive practices, past obstetric history, child mortality, and attitude toward birth control. Answers were classified according to age and family earnings. Only 49% of these women practiced contraception, 42% of which used the "pill". There was a positive correlation between the practice of birth control and wage levels, and contraception was like-wise more common in the younger age groups. The natality was reduced considerably in those women who availed themselves of contraception and also it was observed a drastic decrease in the number of abortions and in child mortality. This effect was more pronounced in those who used the anovulatory drugs.

Uniterms: Contraception*; Family planning*.

INTRODUÇÃO

Embora a questão do "planejamento familiar" tenha-se constituido, no decorrer das últimas décadas, num dos problemas mais controvertidos da atualidade, não somente na esfera da biologia mas da ética, geo-política, sociologia e economia, são escassas as informações concretas sobre a sua prática, em nosso meio.

Ao tentar contribuir, mesmo que em escala modesta, para o preenchimento deste vazio, a equipe manteve-se rigorosamente apartidária, evitou qualquer tomada de posição durante as entrevistas, e se limitou a uma desapaixonada coleta de dados referentes ao uso de anticoncepcionais, e atitudes correlatas.

Tratando-se de mera estatística sociológica, não será tentado neste trabalho uma discussão mais pormenorizada dos resultados obtidos.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi levado à efeito na área urbana de Mogi das Cruzes (Estado de S. Paulo), onde foram entrevistadas, a domicílio, um total de 245 donas de casa, selecionadas através de uma amostragem casual em dois estágios, repetida para cada um dos 42 quadrados em que foi subdividida a planta da cidade.

Em se tratando de um questionário constituído, principalmente, de "perguntas abertas" (ver Anexo Anexo ), não só o questionário mas a própria atitude dos entrevistadores foram previamente testados em 20 famílias (aqui não incluídas). Esta rigorosa padronização da conduta de inquérito assegura, a nosso ver, a exatidão das conclusões apresentadas.

Um segundo grupo de mulheres, em número de 100 (e que não foi incluído nas tabelas), foi entrevistado na sala de espera de um dos ambulatórios do INPS, sem qualquer critério de seleção. Quanto à idade e demais variáveis (exceto nível de renda) este segundo grupo aproximava-se surpreendentemente da amostra de 245 mulheres, já discutida. O total de 50 pacientes referia uso de medidas anticoncepcionais.

Esta população de 100 mulheres foi utilizada para investigar a receptividade à um hipotético ambulatório, especializado em "planejamento familiar", e cujos serviços seriam inteiramente gratuitos.

RESULTADOS

Setenta e oito por cento das mulheres eram casadas no civil e religioso, 14% apenas no civíl, e a quase totalidade das restantes eram viuvas ou desquitadas (apenas 3 confessaram ser amasiadas). Vinte e cinco por cento eram analfabetas, 31% tinham curso primário incompleto, 30% o haviam completado, tendo as demais nível de instrução mais avançado. Com respeito à religião, 62% eram católicas, 24% não sabiam informar a crença( !), as restantes distribuindo-se por 10 diferentes religiões ou seitas.

A distribuição etária está reproduzida na Tabela 1.

A Tabela 2, por seu turno, fornece a distribuição segundo idade do matrimônio.

Com respeito ao nível de renda da família, a sua distribuição consta da Tabela 3.

A Tabela 4 reproduz a história obstétrica destas 245 mulheres, sendo classificada segundo o nível de renda.

Com respeito ao emprego de métodos anticoncepcionais, 120 mulheres (49%) informaram utilizar-se de algum dos recursos disponíveis, conforme discriminado na Tabela 5.

Uma atitude favorável ou contrária à limitação da natalidade não é uniformemente distribuída através da população; sua relação com as duas variáveis idade e nível de renda está exposta nas Tabelas 6 e 7.

DISCUSSÃO

Grande parte destas questões parecem tão óbvias que dispensariam maiores comentários, podendo os resultados mesmo serem antecipados. Assim, não causa espécie que o uso de anticoncepcionais é mais comum entre os 20 e 40 anos, justamente quando é mais ativa a vida sexual da mulher. Pode igualmente parecer banal a constatação de que esta prática é mais difundida entre as classes mais abastadas, que não somente tem mais fácil acesso ao aconselhamento médico, mas para as quais a despesa com medicamentos ou dispositivos não representa ônus apreciável.

Mas o raciocínio apriorístico é perigoso, particularmente quando as conclusões parecem por demais óbvias. Examinemos, por exemplo, um dos postulados: serão, efetivamente, os obstáculos de ordem econômica aqueles responsáveis pelo não emprego dos anovulatórios em fração tão considerável dos grupos C e D?

Perguntando-se às mulheres que não praticavam o controle de natalidade (6 das quais desconheciam inteiramente a existência de semelhantes recursos) qual o motivo de sua abstenção, verificou-se que em somente 6% esta atitude devia-se a motivos econômicos. Por outro lado, 38% acreditavam que a prática anticoncepcional prejudicava a saúde, 24% queriam ter mais filhos, 4% apelavam à considerações religiosas, enquanto que nas restantes 16% existiam motivos de ordem psicológica, um mal definido "medo", não especificamente ligado à saúde.

Mas as variáveis econômicas constituiam o argumento mais freqüentemente lembrado pelas mulheres que desejavam evitar gestações futuras, constituindo 60% do total de respostas. O bem-estar econômico é, pois, critério relativo, já que a limitação da natalidade é mais comum entre as classes em melhor situação financeira.

Verificou-se, no segundo grupo de mulheres, que 35% se desinteressavam totalmente por um serviço gratuito de "planejamento familiar", cifra evidentemente maior (70%) entre aquelas que não empregavam medidas anticoncepcionais.

O emprego de medidas anticoncepcionais não é uma prática empreendida aleatoriamente – novamente uma afirmação que se poderia fazer a priori. Enquanto que 36% das mulheres que não usam anticoncepcionais desejam ter mais filhos, apenas 22% daquelas que usam estes métodos expressaram semelhante vontade.

É mais do que natural, também, que a prática da limitação da natalidade venha a traduzir-se em prole menos numerosa, como é ilustrado através da Tabela 8.

Surgirá, evidentemente, a suspeita de que também estes dados são absolutamente previsíveis, não constituindo qualquer surpresa. Com efeito, se o emprego de medidas anti-concepcionais é menos freqüente nas mulheres com mais de 40 anos (Tabela 6), uma prole mais numerosa neste grupo de mulheres que não procura limitar a natalidade não falaria a favor da eficiência dos métodos usados, mas traduziria, muito simplesmente, uma história obstétrica mais prolongada.

Mas esta relação de causa efeito é apenas aparente. Em primeiro lugar, apenas 32% das 245 mulheres contava com mais de 40 anos, e não é total neste grupo a abstenção de anticoncepcionais. Em segundo lugar, é mais ou menos idêntica a distribuição etária nos quatro grupos de nível de renda (dados aqui não reproduzidos), embora tenha sido constatada acentuada disparidade em sua história obstétrica (Tabela 4). E nota-se outra diferença: enquanto que o número de filhos vivos para as mulheres que empregam anovulatórios é 55% daquele das mulheres que não empregam nenhum dos métodos, o número de filhos morto é de 24% e o número de abortos 37% do grupo tomado como base (Tabela 8).

Os dados da Tabela 8 permitem, efetivamente, diferentes interpretações, a mais óbvia das quais lembra que o uso de medidas anticoncepcionais é fator determinado pela cultura, e que esta mesma cultura também é propícia à utilização de serviços médicos (pré-natal, puericultura). A mulher suficientemente motivada para empreender a limitação da natalidade também teria propensão para valorizar mais intensamente a saúde dos filhos, cuja existência é devida a um ato de conciente escolha. Aceitar semelhante tese refutaria o postulado, a nosso ver bastante ingênuo, de que bastaria fornecer anticoncepcionais a uma população para resolver, como por encanto, todos os problemas ligados à saúde materno-infantil.

No presente trabalho, os autores deliberadamente se omitiram a uma discussão mais pormenorizada de seus achados, bem como evitaram traçar um paralelo entre os mesmos e a literatura mundial, primeiro por acreditarem pisar em terreno ainda inseguro, segundo por estarem conscientes de que uma comparação seria infrutífera enquanto estudos de cunho mais amplo não puderem ser levados a efeito.

CONCLUSÕES

1. Das 245 mulheres questionadas, apenas 49% empregavam medidas anticoncepcionais, cuja prática era mais freqüente entre as mulheres jovens, e aquelas pertencentes às famílias melhores situadas economicamente.

2. A baixa natalidade nas mulheres que usavam anticoncepcionais era acompanhada de sensível redução do número de abortos e de mortalidade infantil.

Recebido para publicação em 4-9-1973

Aprovado para publicação em 21-1-1974

Anexo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Mar 1974

Histórico

  • Aceito
    21 Jan 1974
  • Recebido
    04 Set 1973
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