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Efeitos sobre o homem das emanações de veículos automores

Effects on human organism by automobile exhaust

Resumos

Revisão dos atuais conhecimentos sobre os efeitos sobre o organismo humano dos principais agentes tóxicos existentes na atmosfera de grandes cidades e produzidos por veículos automotores.

Poluição ambiental; Agentes tóxicos; Automóveis


Review of the effects on the human organism of the big cities major atmospheric pollutants produced by automotive emissions.

Environmental pollution; Toxic agents; Environmental hazards; Automobile exhaust


ATUALIZAÇÕES CURRENT COMMENTS

Efeitos sobre o homem das emanações de veículos automores

Effects on human organism by automobile exhaust

Sérgio Colacioppo

Do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

RESUMO

Revisão dos atuais conhecimentos sobre os efeitos sobre o organismo humano dos principais agentes tóxicos existentes na atmosfera de grandes cidades e produzidos por veículos automotores.

Unitermos: Poluição ambiental*; Agentes tóxicos*; Automóveis, efeitos das emanações.

SUMMARY

Review of the effects on the human organism of the big cities major atmospheric pollutants produced by automotive emissions.

Uniterms: Environmental pollution*; Toxic agents*; Environmental hazards; Automobile exhaust *.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade atual está irreversivelmente comprometida com os veículos automotores, desfrutando de indiscutíveis benefícios, porém, estes mesmos veículos introduzem no meio ambiente substâncias nocivas à saúde humana que podem originar efeitos que vão desde simples incômodo até a morte.

Analisamos as ações dos principais agentes tóxicos que são emanados por veículos que utilizam derivados de petróleo como combustível, procurando fazer uma síntese dos atuais conhecimentos sobre a matéria.

2. AÇÕES DOS PRINCIPAIS AGENTES TÓXICOS EMANADOS POR VEÍCULOS AUTOMOTORES

2.1. Monóxido de Carbono

O monóxido de carbono oriundo das emanações dos veículos automotores possui grande importância ambiental, visto que grande parte do monóxido de carbono existente no meio ambiente é originado nesta fonte. No mundo todo são lançadas anualmente na atmosfera cerca de 200 milhões de toneladas de CO, sendo que cerca de 60% são produzidos por veículos automotores 17.

O efeito do monóxido de carbono sobre o homem também asume lugar de destaque, pois cerca de 50% das intoxicações fatais são devidas a este agente 32.

Após a absorção, que se faz por via pulmonar, a principal ação tóxica se faz por asfixia química ao combinar-se com a hemoglobina, originando a carboxihemoglobina, mais estável que a oxihemoglobina cerca de 300 vezes e incapaz de transportar oxigênio. Como é de se esperar, a concentração de carboxihemoglobina no sangue de um indivíduo exposto é proporcional à concentração de monóxido de carbono no ambiente e ao tempo de exposição. Assim, a dosagem de carboxihemoglobina varia de acordo com a hora do dia, com as condições ambientais e outros fatores como fumo, ventilação pulmonar, etc., sendo que a concentração de carboxihemoglobina aumenta no final da jornada diária, e é também maior nos fumantes18.

A maioria dos autores concorda que os efeitos da intoxicação por monóxido de carbono aparecem quando a carboxihemoglobina atinge de 10 a 20%, provocando a equivalente deficiência no transporte de oxigênio, havendo casos de aparecimento de grandes concentrações de carboxihemoglobina sem o efeito que era de se esperar, como no caso relatado por GOLDSMITH 8, em que bombeiros expostos a monóxido de carbono por 5 min. apresentaram níveis de até 44% de carboxihemoglobina sem grandes problemas para metade deles, conforme verificado através de eletroencefalograma.

A carência de oxigênio provoca lesões no sistema nervoso central e no coração, que são os órgãos mais necessitados e sensíveis a esta falta. Assim, pessoas com males crônicos do pulmão e coração, com anemia, ou sujeitos a ambientes onde a presão de oxigênio é baixa, são mais susceptíveis à intoxicação por monóxido de carbono.

Uma taxa de carboxihemoglobina elevada pode prejudicar o desenvolvimento do feto, daí a necessidade de afastamento da gestante, das fontes de monóxido de carbono10. Há também relação entre a concentração de monóxido de carbono na atmosfera e o aumento da mortalidade conforme se verifica nos episódios agudos de poluição, ressalvando-se que nestas ocasiões o monóxido de carbono não é o único agente tóxico presente11.

Os principais sintomas do excesso de carboxihemoglobina são: fraqueza, cefaléia, diminuição da memória e do controle muscular, e conforme aumenta a concentração pode aparecer diminuição da capacidade visual e da acuidade mental, o que pode ocorrer com um indivíduo na direção de um veículo, originando acidentes que por vezes são atribuídos a outras causas como o sono e a falta de atenção.

STEWART et al.28 demonstraram que não há correlação entre absorção de monóxido de carbono e percepção do tempo.

O monóxido de carbono tem a propriedade de acumular-se no tecido muscular o que pode explicar a permanência de sintomas após vários dias da exposição.

Secundariamente à ação tóxica principal de asfixia química, tem-se realizado vários estudos no sentido de melhor compreender a ação do monóxido de carbono. Assim ASTRUP 2, trabalando com coelhos expostos a 200-300 ppm de monóxido de carbono por 8 a 10 semanas, verificou alterações nos vasos sanguíneos e aumento do colesterol depositado nas paredes. GRUT9 verificou que o dano causado ao coração não é necessariamente ocasionado pela falta de oxigênio mas pode ser atribuído também ao efeito tóxico do próprio monóxido de carbono.

Há muito já se sabe que a ação tóxica do monóxido de carbono sobre o sistema nervoso central se faz pela privação de oxigênio, o que provoca desmielinização e degeneração celular em várias regiões deste, porém, esta ação não é única. SATO & HASEGAWA22 descrevem alterações bioquímicas no que se refere a velocidade de formação da carboxihemoglobina e a relacionou com alterações metabólicas do lactato, creatinina fosfato, amônea, fosfato inorgânico, glutamina e adenosina fosfato; estudam ainda a relação entre exposição ao monóxido de carbono e a formação de tubocurarina, fosfolipídeos e colesterol, mostrando que há relação entre a absorção de monóxido de carbono e o metabolismo destas substâncias. MAZALESKI et al. 15, trabalhando com ratos expostos a 50 ppm que é correntemente aceito como limite de tolerância, verificaram alterações no metabolismo do zinco, cobre, cobalto, ferro e magnésio.

A dermatologia tem-se interessado pela intoxicação por monóxido de carbono, a qual condiciona aparecimento de coloração característica da pele, originando eritema que tende a formar uma vesícula e a desaparecer em 2 a 3 semanas. Uma exposição prolongada ao monóxido de carbono pode originar uma descoloração das unhas indicando uma má circulação sangüínea.

Com o advento de método simplificado de análise estuda-se atualmente o grau de oxigenação de um tecido, cuja baixa pode ser originada não só pela ação do monóxido de carbono mas também pelo cianeto, pelo dióxido de nitrogênio e outros. Tal método é baseado na dosagem do D-2,3-difosfoglicerato nos glóbulos vermelhos, o que nos indica a capacidade de transporte de oxigênio deste 16.

Tem-se estudado muito a respeito da intoxicação aguda provocada pelo monóxido de carbono, por ser mais comum e por apresentar sinais e sintomas mais evidentes, porém quanto à intoxicação crônica a baixas concentrações, ou em concentrações até o limite de tolerância, poucos estudos há, e é justamente a baixas concentrações que está exposta a grande maioria da população urbana e industrial.

2.2. Bióxido de nitrogênio

Há pouca informação a respeito dos efetios sobre o homem provocado pelo bióxido de nitrogênio oriundo dos veículos automotores, apesar da magnitude do problema pois mais de 20 milhões de toneladas são lançadas anualmente na atmosfera, somente nos Estados Unidos, 40% das quais produzidas por veículos automotores 32.

Muito embora o bióxido de nitrogênio possa produzir de 30 a 40% de metahemoglobina (hemoglobina com ferro oxidado), sendo que o normal vai de 0 a 8%, bloqueando o transporte de oxigênio, a maior ação deletéria localiza-se ao nível do aparelho respiratório. O bióxido de nitrogênio sendo pouco solúvel em água, passa pelas vias aéreas superiores indo solubilizar-se nos alvéolos, originando assim o ácido nitroso e ácido nítrico, ambos muito irritantes e corrosivos para o revestimento mucoso do pulmão.

O homem pode perceber o odor do bióxido de nitrogênio em concentrações de 1 a 3 ppm, sendo que 5 ppm por 10 min. produz um aumento temporário da resistência das vias aéreas; a 13 ppm aparecem irritações das mucosas e de 100 a 150 ppm por 30 a 60 min. torna-se fatal, provocando edema da laringe e asfixia. Quanto à intoxicação crônica há poucos dados disponíveis, visto que a lesão do tecido pulmonar desenvolve-se lentamente e dificilmente o bióxido de nitrogênio encontra-se isolado na atmosfera 29.

Conforme a intensidade e a duração da exposição, o efeito sobre o aparelho respiratório varia desde uma pequena irritação, ardor, dor de garganta e do peito, até uma tosse violenta com respiração rápida e curta. Na União Soviética observou-se "doença pulmonar crônica" e alterações nos basófilos em 127 operários de uma fábrica de ácido sulfúrico expostos por 3 a 5 anos a mais de 2,6 ppm de bióxido de nitrogênio 30. Nos Estados Unidos, na cidade de Chatanooga, foram feitas medições do bióxido de nitrogênio atmosférico obtendo-se uma faixa de 0,06 a 0,1 ppm com uma média de 3,8 mg/m3 de nitratos, verificando-se alta incidência de bronquite aguda em escolares durante o mesmo período 24.

Há que ressaltar ainda a interação do bióxido de nitrogênio com outros poluentes atmosféricos, como o bióxido de enxofre, que posue um efeito aditivo sobre a lesão pulmonar. Os fumantes também apresentam maior suceptibilidade aos efeitos deletérios do bióxido de nitrogênio, visto que o cigarro, o cachimbo e o charuto produzem respectivamente cerca de 300, 950 e 1.200 ppm de bióxido de nitrogênio 14.

Em animais foram já realizados vários trabalhos visando melhor conhecer a ação tóxica do bióxido de nitrogênio. Hamsters expostos a 15 ppm de bióxido de nitrogênio e em seguida expostos à fumaça de tabaco, apresentaram alterações irreversíveis do revestimento dos brônquios e demais vias aéreas. Em ratos expostos de 30 a 1.000 ppm por 10 min. a várias horas pode originar até edema pulmonar e pneumonite, sendo que uma longa exposição a pequenas doses produz uma condição pré-enfisematosa. Vários efeitos sobre a mucosa foram observados com atmosferas de 2 ppm e até mesmo de 0,5 ppm onde apareceram distenções dos alvéolos e tendência ao enfisema, com alterações no conteúdo proteico do fluido de lavagem do pulmão obtido dos ratos expostos 25. Além disto predispõe o organismo a infecções secundárias devido a falta de capacidade de remover os microrganismos dos macrófagos.

Em animais foram observados efeitos sobre os rins, fígado e coração relacionados com a exposição ao bióxido de nitrogênio, observando-se também perda de peso, aumento da concentração de hemácias e aumento da metahemoglobina. Ainda em macacos estuda-se a resistência ao vírus da gripe (adaptado ao macaco) e exposição a bióxido de nitrogênio o que indica uma correlação de sensibilidade, necessitando, porém, de mais estudos para uma afirmação neste sentido e uma extrapolação dos resultados para o homem.

2.3. Bióxido de Enxofre

Estima-se a produção mundial de bióxido de enxofre lançada ao meio ambiente em cerca de 100 milhões de toneladas anuais e cerca de 20% produzido por veículos automotores 32.

No meio ambiente o bióxido de enxofre pode transformar-se em trióxido de enxofre e posteriormente em ácido sulfúrico que aparece como neblina. Da mesma forma, nas vias aéreas superiores também há o aparecimento de ácido sulfúrico e sulfatos formados em virtude da grande solubilidade do bióxido de enxofre na água. e cerca de 90% do inalado é absorvido pela mucosa das vias aéreas superiores.

O grau de irritação do bióxido de enxofre, do ácido sulfúrico e dos sulfatos depende grandemente da concentração e do tamanho das partículas (quando se apresentam como neblina). O tamanho que maior irritação causa é de 1 mm de diâmetro, porém com partículas maiores, mesmo não alcançando as vias aéreas profundas, há irritação brônquica e tosse violenta.

Foram detectados efeitos sobre o aparelho respiratório humano com 0,06 ppm de bióxido de enxofre. FRANK 7 afirma que a 20 ppm o dano produzido ao trato respiratório ainda pode ser reversível com a suspensão da exposição, e a concentrações maiores já há tendência a produção de edema e eventualmente de parada respiratória; afirma ainda que o dano causado ao pulmão parece ser mais dependente da concentração de bióxido de enxofre na atmosfera do que do tempo de exposição.

A dificuldade de ser feito um estudo epidemiológico dos danos causados pelo bióxido de enxofre no meio ambiente está justamente no fato de que este não se apresenta isoladamente na atmosfera e sim sempre acompanhado de outros agentes que alteram a morbidade e a mortalidade. No episódio de poluição aguda de Londres em 1952 a média das concentrações de bióxido de enxofre não foi além de 1,7 ppm. Recorda-se que o limite de tolerância para oito horas de trabalho diário e constante é 5 ppm tornando-se difícil atribuir-se exclusivamente ao bióxido de enxofre alguns dos efeitos observados na ocasião.

Existe nítida correlação entre fumo e exposição a bióxido de enxofre promovendo uma potencialização do efeito, conforme foi demonstrado por CARNOW & MEIER4.

Há possibilidade ainda do bióxido de enxofre atuar como agente alergênico originando asma e bronquite crônica, porém, há risco de confusão com o quadro clínico observado na ação direta do agente sobre a mucosa pulmonar.

A interação do bióxido de enxofre com outros agentes é notada não somente no meio ambiente como também dentro do organismo, por exemplo, aerosóis de sais de ferro, manganês e vanádio em concentrações de 0,7 a 1 mg/m3 formam pequenas gotas na umidade da mucosa o que permite uma maior dissolução do bióxido de enxofre, atuando ainda como catalizadores da oxidação do bióxido de enxofre para ácido sulfúrico, aumentando assim a irritação. Uma mistura de ácido sulfúrico a 8 mg/m3 com 9 ppm de bióxido de enxofre produz um dano muito maior que a soma dos dois agentes isolados; este mesmo efeito sinergético aparece com neblinas de bióxido de enxofre e água oxigenada a 0,3 mg/m3 e partículas de 4,7 mm desaparecendo com partículas de 11,8 mm32.

A maioria dos experimentos tem sido levada a efeito com animais e em virtude de dificuldades técnicas e de resposta fisiológica, os resultados nem sempre são extrapoláveis para o organismo humano.

Em Detroit a 22 de janeiro de 1970, usou-se cloreto de sódio para derreter a neve e o gelo e ocorrendo condições atmosféricas favoráveis houve produção de gotículas de solução de cloreto de sódio (neblina) ; devido ao intenso tráfego local na ocasião houve uma produção de bióxido de enxofre superior ao dobro da média e o ácido sulfúrico assim formado reagiu com o cloreto de sódio originando o ácido clorídrico o que produziu grande irritação das vias aéreas. No Episódio de Londres, animais que se encontravam em condições precárias de limpeza pouco sofreram o que não aconteceu com animais que se encontravam em locais bem asseados. A explicação proposta foi que a amônea que exala dos excretas dos animais neutralizou a ação do bióxido de enxofre e o ácido sulfúrico dando o sulfato de amôneo menos irritante. Daí a indicação da vaporização domiciliar com bicarbonato de sódio para a prevenção contra os efeitos do bióxido de enxofre 1.

2.4. Chumbo

Conquanto o saturnismo, como doença profissional, seja um dos males mais antigos que afeta o trabalhador, é nos tempos atuais que o efeito do chumbo se faz notar em todo o meio ambiente. Uma das principais fontes de chumbo ambiental são os veículos automotores: somente nos Estados Unidos são lançadas anualmente cerca de 180 mil toneladas de chumbo ao meio ambiente 32.

O chumbo encontra-se largamente distribuído no meio ambiente, sendo que um indivíduo normal de uma grande cidade ingere diariamente com a alimentação 310 mg de chumbo, das quais 5 a 10% são absorvidas pelo organismo; com a água 20 mg, sendo 5 a 10% absorvidas pelo organismo e com o ar 20 mg sendo absorvidas pelo organismo 30 a 50%. Alguns autores crêem que seja maior a quantidade de chumbo introduzida no organismo por via respiratória em grandes cidades. Vemos assim que devido ao fato da via respiratória favorecer uma maior absorção, este assume grande importância, podendo até levar a intoxicações agudas com concentrações mais elevadas. Como é de se esperar existe correlação entre nível de chumbo no sangue e urina, com local de residência, ou seja, este nível será maior nos indivíduos que moram nas grandes cidades do que nos residentes no campo.

Numa intoxicação crônica o chumbo age principalmente sobre os glóbulos vermelhos, retardando sua maturação na medula óssea, provocando o aparecimento de hemácias com ponteado basófilo, e sobre a biossíntese da hemoglobina, bloqueando-a em dois pontos, provocando os conhecidos aumentos de excreção urinaria de ALA (ácido detal-amino-levulínico) e CPU (coproporfirina urinária) 27. Sendo que a ação tóxica principal se manifesta no sistema nervoso em decorrência de inibição enzimática, principalmente devida à ligação do chumbo com radicais SH das proteínas.

Numa intoxicação aguda, que normalmente não é provocada por emanações de veículos automotores, a manifestação mais grave é o envolvimento do sistema nervoso, indo os sintomas desde simples sonolência até convulsões epilépticas.

O chumbo pode originar várias outras alterações no organismo, visto poder distribuir-se com facilidade, podendo ainda originar um sinal característico do saturnismo que é o punho caido, provocado por paralisia do nervo mediano que comanda os músculos extensores da mão; pode provocar cegueira por lesão do nervo ótico, além de aumentar a pressão do líquido céfalo-raquidiano com aumento da concentração de proteínas e leucócitos 12,13.

Em mulheres o chumbo pode originar esterilidade e distúrbios no ciclo menstrual, sendo a gestante suceptível aos efeitos do chumbo, provocando aborto, natimortalidade e prematuros, havendo poucos dados de como concentrações iguais às encontradas no meio ambiente possam atuar sobre o feto.

Uma medida em que se pode pensar é a substituição do chumbo tetra-etila da gasolina por outro aditivo que não possua chumbo, porém, segundo REINEHART 20 tal substituição provocaria um aumento da concentração de hidrocarbonetos irritantes, o que também não é recomendável.

2.5. Hidrocarbonetos

Anualmente são lançadas à atmosfera 32 milhões de toneladas de hidrocarbonetos, sendo 50% originárias de veículos automotores (dados dos Estados Unidos em 1968)32. Dentre os vários hidrocarbonetos lançados pelos veículos automotores destacam-se pela sua ação sobre o homem o formaldeido e a acroleina que são originados na atmosfera por reação fotoquímica, produzidos diretamente na queima de combustível.

O formaldeido age tanto irritando as mucosas nasais e oculares ou como agente alergênico. A irritação da mucosa ocular inicia-se a concentrações de 0,01 a 0,1 ppm, sendo que na presença de aerossóis de partículas de diâmetro de 1,8 a 3,3 m notou-se um efeito sinergético14. Após exposição por 18 h a vapores de formaldeido a 3,5 ppm, os ratos ensaiados apresentaram a fosfatase alcalina aumentada e os cílios da árvore brônquica tornaram-se inativos. Em conseqüência a concentrações maiores surgem, a 10 a 20 ppm, dificuldades respiratórios e intensa irritação da traquéia podendo, com concentrações ainda maiores, originar broncopneumonia e edema pulmonar.

A acroleina produz sintomas semelhantes aos produzidos pelo formaldeido, porém esta é considerada muito mais tóxica pois os sintomas aparecem em concentrações bem mais baixas que com o formaldeido; o edema pulmonar pode ocorrer imediatamente após a exposição a atmosfera com 21 ppm de acroleina. Conforme alguns pesquisadores a detecção pelo cheiro e por irritação da mucosa ocular inicia-se com 0,3 ppm para a acroleina e a 0,06 ppm para o formaldeido 31. Voluntários expostos a concentrações de 0,22 a 0,24 ppm de acroleina apresentaram uma diminuição da sensibilidade à luz, o que indica uma ação sobre o córtex cerebral. Em ratos foram observados efeitos a uma concentração de 0,06 a 0,57 ppm de acroleina, para uma exposição de 24 dias5.

2.6. Agentes Cancerígenos

Embora não esteja cabalmente provado que uma substância isolada, existente na atmosfera, possa originar câncer do pulmão, há nítida correlação entre este tipo de câncer e a poluição atmosférica. Estima-se que o câncer do pulmão pode aparecer devido à interação de vários agentes e não por decorrência da ação de apenas um. Verificando-se, por exemplo, o aparecimento de determinados tipos de carcinomas em animais produzidos por uma combinação de alfa benzopireno e bióxido de enxofre, efeito este que não se verifica com a administração separada dos dois agentes, respeitadas as demais condições. Uma exposição crônica a vapores de gasolina e ozona também aumenta a incidência de tumores19.

O carbono e outras substâncias de baixa periculosidade existentes na fuligem, podem contribuir para originar o câncer, agindo como adsorvedores de agentes cancerígenos, especialmente os aromáticos polinucleares. Este efeito da adsorção está intimamente ligado ao tamanho das partículas do adsorvente, assim partículas de 0,3 m não posuem este efeito o que já acontece com partículas de 0,01 m.

Muitos irritantes das vias respiratórias contribuem para a instalação do câncer, interferindo na atividade dos cílios e na secreção brônquica, o que aumenta a retenção de substâncias cancerígenas.

A atividade carcinogênica de várias substâncias ainda é questionável e outras ainda não foram identificadas como principalmente carcinogênicas devido a ser necessária uma concentração muitas vezes superior àquela encontrada na atmosfera. Os meios atuais são ainda insuficientes para se classificar um poluente atmosférico como especialmente cancerígeno.

Dentre as substâncias emanadas por veículos automotores interessa-nos, neste particular, os aromáticos polinucleares que são originados na combustão incompleta dos combustíveis dos motores a explosão. CARNOW & MEIER 4 estimam que o aumento de 1 mg por 1.000 m3 de atfosmera de alfa benzo pireno, tomado como índice de poluição, aumenta em 5% a incidência de morte por câncer pulmonar.

No grupo de substâncias inorgânicas interessa-nos particularmente o asbesto que, sendo um material resistente ao calor e ao atrito, encontra grande aplicação nos veículos automotores, nos sistemas de freio e embreagem, levando ao meio ambiente partículas de asbesto originadas pelo desgaste destas peças. O asbesto pode provocar pneumoconiose (asbestose) permanecendo no pulmão sem ser absorvido ou expelido; mais significativa, porém, é a produção de câncer pulmonar. Na Inglaterra, em 1947, mais de 50% dos pacientes com asbestose faleceram vítimas de câncer pulmonar provocado pelo asbesto, porém recentemente relacionou-se o aparecimento do câncer pulmonar provocado pelo asbesto e sem asbestose 23,24. Outras poeiras quando associadas ao asbesto podem aumentar a incidência de câncer pulmonar, como no caso do fumo em que foi verificado ser 90 vezes maior a incidência de câncer pulmonar por asbesto em fumantes; há possibilidade ainda de o asbesto aparecer como contaminante de alimentos, originando o câncer do aparelho digestivo32. Porém, não se pode afirmar até que ponto o asbesto originado pelos veículos automotores possam produzir tal efeito. O mesmo pode ser dito com relação ao mesotelioma pleural que é igualmente causado pelo asbesto.

3. COMENTÁRIOS

Como vimos pelo estudo isolado dos principais agentes tóxicos produzidos pelos veículos automotores, há uma dificuldade muito grande em se afirmar que determinado efeito observado em uma determinada população urbana ou industrial tenha sido provocado por um determinado agente, pois no meio ambiente é grande o número de variáveis que devem ser consideradas, desde as propriedades físico-químicas do agente até o caráter genético do organismo sobre o qual está agindo. Além disto, se já se sabe alguma coisa a respeito da intoxicação aguda, ou provocada em laboratórios de pesquisa 3, pouco se sabe a respeito de como os veículos automotores podem agir como fontes poluidoras, lançando no meio ambiente pequenas concentrações dos agentes tóxicos, estes, por sua vez agem durante vários anos sobre uma população humana praticamente indefesa, havendo então necessidade de estudos epidemiológicos mais amplos para sabermos até que ponto o homem está sendo prejudicado pelas emanações dos veículos automotores.

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Recebido para publicação em 27/3/1974

Aprovado para publicação em 22/4/1974

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1974

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 1974
  • Aceito
    22 Abr 1974
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