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Aspectos ecológicos da Tripanossomíase americana: VI - Persistência do Triatoma sordida apósalteração ambiental e suas possíveis relações com a dispersão da espécie

Ecological aspects of South American trypanosomiasis: VI. Permanence of Triatoma sordida after environmental alteration and its possibles relation to dispersion

Resumos

São relatadas as observações sobre a persistência do Triatoma sordida em área onde foi procedida alteração temporária da cobertura vegetal. Os resultados obtidos demonstram a capacidade de resistência do triatomíneo a esse fator. Procurou-se relacionar esse aspecto à distribuição da espécie no Estado de São Paulo, Brasil. Existe certa semelhança entre os dados disponíveis a esse respeito e a evolução da atividade agrícola na região. Finalmente são considerados também os aspectos climáticos que podem influir na dispersão da espécie.

Tripanossomíase americana; Triatoma sordida; Triatomíneos; Ecologia médica; Panstrongylus geniculatus


Studies about permanence of Triatoma sordida after temporary alteration of the local vegetation are related. Results reached showed a bug resistence to the devastation of shrubby vegetation by fire. An attempt is made for to relate this particular aspect with species distribution in the S. Paulo State, Brazil. There are some analogies between the available data about this and the development of agrarian activities. Beside the climatic one, this factor may be considered as favorable to the Triatoma sordida dispersion, by the natural environmental alteration who if follows.

Trypanosomiasis, South American; Triatoma sordida; Triatomids bugs; Medical ecology; Panstrongylus geniculatus


ARTIGO ORIGINAL

Aspectos ecológicos da Tripanossomíase americana. VI – Persistência do Triatoma sordida apósalteração ambiental e suas possíveis relações com a dispersão da espécie

Ecological aspects of South American trypanosomiasis. VI. Permanence of Triatoma sordida after environmental alteration and its possibles relation to dispersion

Oswaldo Paulo ForattiniI; Octávio Alves FerreiraII; Eduardo Olavo da Rocha e SilvaII; Ernesto Xavier RabelloI

IDo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – São Paulo, SP – Brasil

IIDa Diretoria de Combate a Vetores da Superintendência do Saneamento Ambiental (SUSAM) do Estado de São Paulo – Rua Tamandaré, 649 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

São relatadas as observações sobre a persistência do Triatoma sordida em área onde foi procedida alteração temporária da cobertura vegetal. Os resultados obtidos demonstram a capacidade de resistência do triatomíneo a esse fator. Procurou-se relacionar esse aspecto à distribuição da espécie no Estado de São Paulo, Brasil. Existe certa semelhança entre os dados disponíveis a esse respeito e a evolução da atividade agrícola na região. Finalmente são considerados também os aspectos climáticos que podem influir na dispersão da espécie.

Unitermos: Tripanossomíase americana*; Triatoma sordida*; Triatomíneos (distribuição, dispersão e alteração ambiental) *; Ecologia médica; Panstrongylus geniculatus.

SUMMARY

Studies about permanence of Triatoma sordida after temporary alteration of the local vegetation are related. Results reached showed a bug resistence to the devastation of shrubby vegetation by fire. An attempt is made for to relate this particular aspect with species distribution in the S. Paulo State, Brazil. There are some analogies between the available data about this and the development of agrarian activities. Beside the climatic one, this factor may be considered as favorable to the Triatoma sordida dispersion, by the natural environmental alteration who if follows.

Uniterms: Trypanosomiasis, South American*; Triatoma sordida*; Triatomids bugs (distribution, dispersion and environmental alteration) *; Medical ecology; Panstrongylus geniculatus.

INTRODUÇÃO

O estabelecimento espontâneo de colônias de Triatoma sordida em ecótopos artificiais, pôde ser observado em ambientes sensivelmente modificados pelo homem. Este fator parece favorecer a densidade daquele triatomíneo pois, a alteração do meio natural exerceria influência nociva sobre as populações predadoras, diminuindo, ou mesmo eliminando, este elemento competitivo. Em conseqüência, surgiriam condições propícias para a ocupação de maior número de ecótopos, inclusive os artificiais, por parte do hemíptero (FORATTINI et al.4, 1973).

Claro está que, a comprovação dessa hipótese reveste-se de dificuldades nem sempre contornáveis. E tanto maiores quanto mais numerosos os fatores intervenientes. Na verdade são múltiplas as variáveis cuja ação, no comportamento do inseto em foco, deve ser levada em conta. Ao lado da supracitada atividade humana, avulta a influência das condições do meio, principalmente as de natureza climática. Assim pois, ao se pretender observar a tendência invasiva desse triatomínio em relação aos ecótopos artificiais, procurou-se verificar a sua persistência frente a possíveis alterações do ambiente.

Em publicação anterior relatou-se a colonização do Triatoma sordida obtida espontaneamente em galinheiros experimentais, instalados em área de pastagens abertas e situadas na localidade denominada Bairro do Campinho, no distrito de Gavião Peixoto, município de Araraquara, Estado de São Paulo, Brasil (FORATTINI et al. 4 1973). Na mesma oportunidade, verificou-se a baixa densidade desse hemíptero nos terrenos dotados de cobertura vegetal, natural ou desbastada, alí representada por formações do tipo cerrado. Procurou-se pois verificar o seu comportamento, face à presença de ecótopo artificial instalado nesta última situação. Ao mesmo tempo, pretendeu-se verificar sua persistência após alterações alí introduzidas. Finalmente, baseados nas informações assim obtidas, tentou-se analisar o aspecto atual da distribuição do Triatoma sordida no Estado de São Paulo, Brasil, com o objetivo de estabelecer seu relacionamento com as atividades humanas e as condições de clima. Os resultados dessas observações, constituem o objetivo da presente publicação.

MATERIAL E MÉTODOS

O local onde foram levadas a efeito as observações constitui a denominada área C, já descrita em publicação anterior (FORATTINI et al.4, 1973). Situada no mesmo Bairro do Campinho, é caracterizada pela presença de cobertura do tipo cerrado desbastado com vegetação baixa predominante. Nela foi instalado um galinheiro experimental que representou o centro de círculo de 200 m de raio, no qual procedeu-se ao reconhecimento dos possíveis ecótopos naturais alí existentes (Fig. 1).


Na primeira etapa, esse ecótopo artificial foi objeto de observações análogas às dos outros dois instalados em pastagens aberta, ou seja, os correspondentes às áreas A e B. Nessa mesma oportunidade, incluiu-se o uso dos abrigos tipo "calha".

Numa segunda fase, o galinheiro experimental C foi demolido e a superfície da área totalmente roçada, com o corte integral da vegetação arbustiva, a qual foi subseqüentemente queimada. Após completar essa alteração do ambiente, o ecótopo artificial foi reconstruído na mesma situação e procedeu-se à instalação de novos abrigos tipo "calha" (Figs. 2 a 5).


RESULTADOS

A apreciação dos dados coletados deverá ser feita tendo em conta as duas etapas supra mencionadas. Na primeira, as observações dizem respeito aos ecótopos em época anterior à modificação do ambiente. A segunda, referem-se àquelas levadas a efeito posteriormente à queimada alí realizada.

Primeira etapa

Ecótopos naturais – Os resultados das pesquisas em vários tipos destes habitáculos já foram apresentados no mencionado trabalho anterior, tendo-se verificado predominância do Triatoma sordida em troncos de árvores (FORATTINI et al.4. 1973). Com a mesma orientação adotada nessa oportunidade, foram distribuídos 17 abrigos tipo "calha" os quais, com início em março de 1972 passaram a ser inspeccionados, com freqüência mensal, pelo período de cinco meses. Os dados obtidos encontram-se apresentados na Tabela 1. Pode-se ver a presença contínua da população do inseto, embora em pequena densidade, como era de se esperar face às características locais já descritas.

Ecótopo artificial (galinheiro experimental) – Com o mesmo objetivo de detectar possível invasão ativa por parte do triatomíneo, este ecótopo foi edificado em fevereiro de 1971 e, a partir de setembro do mesmo ano, foi inspeccionado a cada três meses. Nessa ocasião procedia-se à identificação dos insetos em relação ao seu estádio evolutivo e os resultados obtidos encontram-se na Tabela 2. Verificou-se pois que, embora de maneira mais lenta, também houve nítida tendência à invasão do ecótopo e colonização espontânea.

Segunda etapa

Em vista dos resultados conseguidos nas observações da primeira fase, julgou-se oportuno utilizar esta área para verificar possível persistência do triatomíneo após atividade que redundasse em certa alteração do ambiente. Para tanto, como foi dito, no decurso do mês de setembro de 1972, a vegetação foi cortada dentro dos limites permitidos pela propriedade do terreno, e subseqüentemente queimada. Logo após, foram recolocados os 17 abrigos tipo "calha" e reconstituído o galinheiro experimental. Decorrido o período de um mês da modificação ambiental pretendida, passou-se ao exame periódico desses habitáculos com ritmo trimestral. No que concerne aos primeiros, os resultados de sete exames seguidos encontram-se na Tabela 3. Pode-se verificar que, embora somente fossem encontradas ninfas, elas persistiram nos ecótopos n.os 6, 7 e 8 e infestaram os de n.os 11 e 16 que se mostraram negativos na primeira observação (Tabela 1).

Com a finalidade de verificar o aparecimento de novos ecótopos naturais na área, foram retirados esses 17 abrigos iniciais e instalados outros 28, em árvores diferentes. A observação desses artefactos iniciou-se em junho de 1973 e prolongou-se, com a mesma periodicidade, até março de 1974. Durante esse período foi possível obter positividade, na inspeção levada a efeito em janeiro de 1974, de dois dos esconderijos utilizados. Nessa oportunidade, encontrou-se uma ninfa em um deles, e outras três dessas formas imaturas além de duas exúvias, no outro.

Em relação ao ecótopo representado pelo galinheiro experimental, não foi possível detectar nova colonização. Durante todo o período incluído entre novembro de 1972 e março de 1974, somente foi observada a presença de um exemplar adulto masculino de Triatoma sordida, além de dois espécimens de cada sexo de Panstrongylus geniculatus.

Quanto à permanência e possível mobilidade dos exemplares marcados, os dados coletados serão objeto de futura publicação.

COMENTÁRIOS

De acordo com os resultados descritos acima, torna-se lícito admitir a hipótese de que o Triatoma sordida possui certa capacidade de resistência às modificações do meio ambiente. Com efeito, as alterações provocadas pela queima da vegetação arbustiva da área C não foram suficientes para impedir a persistência do inseto em alguns dos ecótopos naturais nos quais já se encontrava anteriormente à essa queimada. Por sua vez, outros habitáculos também foram detectados albergando o hemíptero, embora com baixa densidade.

Quanto ao resultado negativo obtido com o galinheiro artificial, a sua interpretação não pôde ser conseguida apenas através desta observação. Com efeito, durante o período de pesquisa que se seguiu à alteração do meio, a vegetação arbustiva reconstituiu-se com grande rapidez. Como resultado, em curto espaço de tempo, a cobertura vegetal da área C mostrou-se mesmo mais densa do que anteriormente à queimada. Esse fato pode ter voltado a favorecer a proliferação de populações competitivas, ao lado da inevitável destruição de certo número de formas do próprio Triatoma sordida. Tudo leva a crer, pois, que a alteração ambiental poderá beneficiar esta última espécie desde que seja suficientemente significante para não permitir a reconstituição da primitiva vegetação.

De qualquer forma tornou-se evidente que vários componentes da população local do triatomíneo puderam resistir, permanecer e mesmo, possivelmente, ocupar outros ecótopos naturais, não obstante certa alteração do ambiente, nesta pesquisa representada pela destruição temporária da vegetação arbustiva. Tudo indica que a derrubada total das árvores e a instalação de gramíneas, provocará o aumento no número de habitáculos disponíveis representados pelos troncos de indivíduos vegetais, vivos ou secos. Por seu lado, a semeadura de pastagens (gramíneas), impedirá o crescimento de arbustos e assim, possivelmente, diminuirá o aspecto favorável à proliferação de predadores.

Reconhecendo-se a existência, no Estado de São Paulo, de grandes áreas econômicas, a distribuição atual do Triatoma sordida inclui considerável parte daquelas destinadas a atividades predominantemente agrícolas ou equilibradas (Secretaria de Economia e Planejamento 7, 1 973). Até o momento, constitui fenômeno isolado e de significação epidemiológica discutível, o encontro desse inseto em zonas de maior desenvolvimento industrial. Por outro lado, considerando-se a divisão administrativa (Fig. 6), pode-se verificar que essa espécie foi encontrada na totalidade dos municípios integrandes das regiões n.os 6, 8 e 9 e que correspondem a Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Araçatuba, respectivamente. Tais aspectos fornecem idéia panorâmica da existência desse hemíptero nesta parte do Brasil, encontrando-se representados no mapa da (Fig. 7).



Já tinha sido anteriormente assinalada a persistência e mesmo a aparente ascenção desse "barbeiro" em território paulista, no que pese a campanha encetada visando o combate aos triatomíneos domiciliados (ROCHA E SILVA et al.6, 1969). Com efeito, se forem observados os números totais de municípios encontrados infestados, e correspondentes às três supracitadas regiões, será possível verificar sua pequena variação. Para tanto, pode-se considerar como estáveis as unidades municipais existentes em 1960 e a elas reportar os achados subseqüentes relativos aos novos municípios criados até agora. Com essa orientação nota-se que, a partir de 1965, época que marcou o início da campanha intensiva, a redução foi pequena ou mesmo inexistente, como se deduz pela análise da Tabela 4. Por sua vez, levando-se em conta apenas a região de Ribeirão Preto e computando-se os dados a partir de 1960, verifica-se a persistência do número de unidades infestadas (Fig. 8).


Face aos resultados obtidos nas atuais investigações, torna-se lícito supor que o Triatoma sordida seja, de algum modo, favorecido pela alteração do meio ambiente processada pelo homem. Ao lado disso, condições de vegetação e clima, constituem outros fatores cuja ação pode-se somar à daquela, influindo na distribuição do triatomíneo.

No que concerne à ação do homem, os dados atuais sobre o desenvolvimento agrícola no Estado de São Paulo, indicam que, de maneira geral, durante o qüinqüênio 1967-1971, essa atividade apresentou acréscimo variável de 9 a 50% da área explorada. Tais percentuais, distribuídos pelas regiões administrativas, encontram-se na Tabela 5.

Com tais dados, verifica-se que aquelas com maior incremento da área explorada predominam na região sul do Estado principalmente na correspondente à n.° 4 – Sorocaba. Por conseguinte, fora da distribuição maciça do Triatoma sordida. Contudo, esse aspecto pode ser conseqüente a fenômeno relativamente recente, como é o período de 1967 a 1971. Tal não seria o caso na região norte, onde mais freqüentemente ocorre a presença do inseto e na qual essa atividade vem sendo desenvolvida há mais tempo. Considerando-se o valor atual da área totalmente explorada com culturas e pastagens nas mesmas regiões, obtém-se os percentuais constantes da Tabela 6.

Pode-se verificar que, deixando de lado a região n.° 2 – Santos, representante do litoral, as demais apresentam grande percentual de área explorada. Contudo, pode-se observar que todas possuem, como utilizado, acima de 75% do respectivo terreno, estando a n.° 6 – Ribeirão Preto, com percentual de 95%. Por sua vez, a região n.° 4 – Sorocaba, correspondente à parte meridional do território estadual, dispõe de 73% de área aproveitada. Tal diferença não seria suficientemente grande para poder ser sugestiva, não fosse outro aspecto a ser levado em conta. Refere-se ele ao fato de que, nos terrenos dessa região, explorados para a pecuária, existe predomínio de pastagens naturais, da ordem de 60%. Trata-se de campos já existentes e, nos quais, as alterações devidas à ação humana são, forçosamente, menos significantes do que as resultantes do processo de formação de pastagens semeadas (Secretaria de Economia e Planejamento7, 1973). Dessa maneira é de supor que para ela deva ser sensivelmente menor do que 73% a área total utilizada, a ser levada em corta como medida da atividade do homem O mapa da Fig. 9, dá idéia do que foi exposto. Verifica-se pois que, as zonas de maior ocorrência de T. sordida correspondem àquelas também de maior e de mais antiga exploração agrícola. O incremento relativo dessa atividade, que, nestes últimos anos, está ocorrendo em várias regiões, poderá talvez propiciar o aumento na distribuição desse inseto. É o que parecem sugerir os já mencionados encontros isolados alí levados a efeito. Contudo, outros fatores deverão também ser levados em conta, como a vegetação existente e as condições climáticas.


No que concerne à cobertura vegetal trata-se, evidentemente, de uma resultante da interação de vários fatores entre os quais ressaltam, pelo seu papel preponderante, o clima e o solo. De maneira geral, considerando-se o território do Estado de São Paulo, pode-se reconhecer dois grandes tipos de vegetação, ou sejam, as florestas e os campos e cerrados, deixando de lado os aspectos típicos da costa marinha que não tem maior significado para este estudo. A distribuição primitiva dessas formações mostrava apreciável predomínio de matas da ordem de 77,4%, comparado com 16,9% de campos e cerrados (TROPPMAIR 9, 1973). Como se pode ver pelo mapa da Fig. 10 a cobertura florestal era densa na região norte, ao passo que as outras formações passavam a ocorrer ao longo de uma faixa de direção nordeste-sudeste. Contudo, esse aspecto original sofreu a ação de intensa atividade depredatória e seu aspecto atual traduz a ocorrência de profundas alterações. Estas dizem respeito principalmente à distribuição das matas, com o objetivo de dar lugar às atividades de cultivo, numa primeira fase, e de formação de pastagens, em etapa posterior. A situação atual da cobertura florestal, no Estado de São Paulo, pode ser apreciada pelo mapa da Fig. 11. Por ele, verifica-se que a região norte mostra destruição praticamente total dessa formação primitiva, ao passo que a zona meridional constitui a menos atingida. Pode-se pois admitir que as áreas que sofreram maior alteração das matas devem ter, conseqüentemente, dado lugar à formação de maior número de troncos vegetais secos. Acresce que, na região sul, a ocorrência de apreciáveis extensões de campos naturais, deve ter contribuído para tornar menor o número desses possíveis ecótopos do Triatoma sordida. Assim pois, é lícito supor que a antiga presença de cobertura vegetal alta, em seguida destruída pelo homem, pode contribuir para explicar a maior freqüência do triatomíneo em áreas que primitivamente eram florestais, como é o caso de grande parte da região norte do Estado.



Considerando-se os aspectos climáticos, várias tentativas têm sido feitas no sentido de relacionar a distribuição de triatomíneos com esses fatores. Podem ser citadas as observações relativas às espécies Triatoma infestans e Panstrongylus megistus para o Brasil e Psammolestes tertius para a região nordeste do Estado de São Paulo (ARAGÃO & DIAS 2, 1956; ARAGÃO1, 1961; BARRETO & CARVALHEIRO 3, 1967). De maneira geral, foi dada importância à umidade, representada pelos regimes de precipitações atmosféricas. Assim, em relação ao primeiro daqueles insetos, a distribuição parece obedecer à ocorrência de clima mesotérmico mais seco e fora da ação dos ventos marítimos da frente polar atlântica que tendem a aumentar a umidade e abaixar a temperatura. Este último fator faz com que o inverno seja mais chuvoso resultando na distribuição mais regular das precipitações, que é o que se observa na parte meridional do nosso país. Tais diferenças, entre o Brasil Central com chuvas no verão e seca no inverno, e a parte sul com as características supramencionadas, ocorrem ao nível do Estado de São Paulo. Essa circunstância tem sido invocada como tentativa de explicação da existência de dois comportamentos diferentes do P. megistus, colonizando-se em domicílios, ao norte, e com hábitos silvestres ao sul. De maneira análoga, a distribuição do P. tertius foi relacionado às áreas de maior precipitação pluvial na região nordeste do território paulista. Torna-se lícito pois tentar introduzir o fator clima, entre aqueles que possivelmente influiriam também na distribuição do Triatoma sordida.

Como foi citado, o Estado de São Paulo constitui região que, a grosso modo, pode ser considerada como de transição entre duas unidades climáticas. A do norte, caracterizada pela ocorrência de períodos secos e úmidos alternados, e a do sul onde predomina regime pluvial mais regular, de maneira a não ocorrer, ou serem pouco freqüentes, os períodos de seca. As duas encontram-se sob a influência de massas tropicais, somando-se a ação de outras como a equatorial na primeira e a polar na segunda. Esta última faz com que a umidade se eleve comumente com baixa da temperatura. A essas duas divisões fundamentais segue-se subdivisões como as de MONTEIRO 5 (1973) ou as do Sistema de Köppen. No primeiro desses critérios pode-se distinguir três climas regionais:

A – Sob controle de massas equatoriais e tropicais:

A1 – Climas úmidos com precipitações anuais de 1.100 a mais de 2.000 mm, e com freqüente ausência de período seco.

A2 – Climas tropicais, alternadamente secos e úmidos, com totais anuais de chuvas variando de 1.100 a 1.500 mm.

B – Sob controle de massas tropicais e polares:

Climas úmidos, com apreciável pluviosidade no inverno, podendo ocorrer período seco, mas com precipitações anuais variando de 1.100 a mais de 4.500 mm.

Na classificação de Köppen, a área de clima com períodos secos e úmidos alternados. A2 corresponderia aos subtipos Aw e Cw. Ao passo que, as que não apresentarem essa alternância e mesmo com ausência de estação seca, A1 e B, seriam identificadas aos Af e Cf. Assim pois, por esta última classificação, o Estado divide-se em climas A e C. ambos com mais de 1.000 mm de chuva por ano e com os citados subtipos assim definidos:

A – Clima tropical, com temperatura média do mês mais frio (julho) superior a 18°C:

Af = tropical úmido sem estiagem.

Aw = tropical úmido com estiagem.

C – Clima temperado úmido (mesotérmico), com temperatura média do mês mais frio (julho) inferior a 18°C:

Cf = temperado úmido sem estiagem.

Cw = temperado úmido com estiagem.

O mapa da Fig. 12 mostra a divisão dessas áreas climáticas principais.


Seja como for, ao ser levado em conta o fator relativo aos regimes pluviais, mais significante seria considerar a precipitação efetiva. Esta constitui índice de umidade climática levando-se em conta a temperatura. Com efeito, a mesma quantidade de chuva pode dar lugar a diferentes valores de umidade. Esta será mais elevada nos locais de temperaturas mais baixas, pois a evapotranspiração será menor, com conseqüente maior quantidade de água residual no solo (SETZER8. 1966). Assim pois, com esse ponto de vista, as áreas do Estado podem ser divididas por isoietas que indiquem a diferença, entre a precipitação e a evapotranspiração potencial no semestre seco (abril a setembro). No mapa da Fig. 13, a correspondente ao valor zero constitui limite demarcatório entre as regiões com e sem estiagem. Em outras palavras, ao norte o clima mostra total de evapotranspiração superior ao da precipitação correspondente ao semestre seco, ao passo que ao sul dessa linha, nesse mesmo período não evapora mais do que chove e portanto a umidade é mais persistente. Comparando esses dados com a distribuição, já descrita, do Triatoma sordida, pode-se verificar apreciável concordância desta com as áreas de menor umidade residual.


Tudo indica pois que a distribuição geográfica deste triatomíneo deva sofrer a influência, ao lado de outros fatores, da atividade humana e das condições do clima. Estas últimas, à semelhança do que ocorre com outras espécies, parecem fornecer a instalação do inseto à medida que o ambiente passa a condições mais secas. É o que parece indicar a ocorrência maciça do Triatoma sordida nas áreas que contam com períodos regulares de estiagem anuais. Ao lado disso, a atividade do homem aparentemente também desempenha papel significante. Face às observações relatadas, pode-se supor que. no ambiente natural, esse triatomíneo sofra sensivelmente a ação competitiva de outras populações, principalmente de predadores. Contudo, a destruição das vegetações por ação humana, faz com que diminuam sensivelmente estas últimas, ao passo que a do triatomíneo, graças à sua capacidade de resistência ao jejum e de procura de esconderijos, terá maiores oportunidades de sobrevivência. Assim, com a diminuição da competição, dá-se o aumento da população de Triatoma sordida. Aliando a isso a sua apreciável valência ecológica, esse hemíptero tenderá a invadir os ecótopos artificiais, que constituem o meio humano. Todavia, a alteração cada vez mais intensa do ambiente, com a finalidade de exploração agrícola, deverá atingir etapa que será desfavorável ao inseto. Tais são, a destruição completa da antiga cobertura vegetal e a plantação intensiva do tipo de monocultura como cana-de-açúcar e feijão soja. Nessas situações, o triatomíneo possivelmente tenderá a se refugiar nas casas. Na dependência do padrão destas últimas, poderá alí instalar-se, ou então não conseguir adaptação suficiente o que acarretará o seu desaparecimento da área. Contudo, a comprovação destas últimas hipóteses dependerá de futuras observações.

CONCLUSÕES

Face ao exposto em relação à sobrevivência e possível dispersão desta espécie, concluimos:

1 – O Triatoma sordida constitui população de pouca capacidade competitiva em ambiente natural. Contudo resiste com sucesso às modificações desse meio, possuindo apreciável capacidade de adaptatação.

2 – A alteração da vegetação natural, processada pelo homem, propicia o desenvolvimento do Triatoma sordida, pela eliminação de seus competidores. A sua valência ecológica permitirá a sobrevivência, graças à invasão e instalação em ecótopos diversos.

3 – As condições de clima menos úmido parecem propiciar a distribuição deste inseto. Tudo indica que, nesse sentido, exerça ação favorável a existência de períodos alternados anuais, secos e chuvosos.

4 – Desde que os ecótopos extradomicialiares são mais abundantes em pastagens, a atividade pecuária em ambiente climático favorável deve constituir o melhor meio de desenvolvimento da espécie.

5 – Possivelmente os climas úmidos sem estiagem e sujeitos à ação das massas polares, constituem barreira à dispersão do inseto.

5. MONTEIRO, C. A. de F. – A dinâmica climática e as chuvas no Estado de São Paulo apud São Paulo (Estado). Secretaria de Economia e Planejamento 7.

9. TROPPMAIR, H. – A cobertura vegetal primitiva do Estado de São Paulo apud São Paulo (Estado). Secretaria de Economia e Planejamento7.

Recebido para publicação em 16-4-1974

Aprovado para publicação em 9-8-1974

Realizado com o auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Proc. C. Médicas 72/770)

  • 1. ARAGÃO, M. B. Aspectos climáticos da doença de Chagas. II Área de ocorrência do Panstrongylus megistus (Burmeister, 1935). Rev. bras. Malar., 13:171-93, 1961.
  • 2. ARAGÃO, M. B. & DIAS, E. Aspectos climáticos da doença de Chagas. I Considerações sobre a distribuição geográfica do Triatoma infestans. Rev. bras. Malar., 8:633-41, 1956.
  • 3. BARRETTO, M. P. & CARVALHEIRO, J. R. Estudos sobre reservatórios silvestres do "Trypanosoma Cruzi". XVIII Observações sobre a ecologia do "Psammolestes Tertius" Lent & Jurberg, 1965 (Hemiptera, Reduviidae). Rev. Bras. Biol., 27:13-25, 1967.
  • 4. FORATTINI, O. P. et al. Aspectos ecológicos da tripanossomose americana. V Observações sobre colonização espontânea de triatomíneos silvestres em ecótopos artificiais, com especial referência ao Triatoma sordida. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 7: 219-39, 1973.
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  • 8. SETZER, J. Atlas climático e ecológico do Estado de São Paulo. São Paulo, Com. Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai/CESP, 1966.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Set 1974

    Histórico

    • Aceito
      09 Ago 1974
    • Recebido
      16 Abr 1974
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