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Aspectos demográficos da realidade brasileira e problemas de assistência médica no Brasil

Demographic aspects and health problems of Brazilian population

Resumos

São apresentados dados demográficos básicos, que certamente interferem, com os níveis de saúde da população brasileira. Enquanto 28% da população moram em municípios com menos de 20.000 habitantes, 34% habitam cidades de população superior a 100.000; trata-se de extremos além dos quais há dificuldades para atendimento sanitário satisfatório da população. Foi observado que 35% da população brasileira permanece a descoberto dos esquemas previdenciários, o que significa, na prática, extrema dificuldade de atendimento médico, juntando-se a esse número a população rural, muito deficientemente atendida, chegou-se a um resultado de cerca de 63% da população brasileira total, com assistência que pode ser definida como precária.

População; Assistência médica


Basic Brazilian demographic data, were presented and its relation with population health standards were postulated. In Brazil, 28% of the population live in counties that have less than 20,000 inhabitants and 34% dwell in large towns, with over 100,000 people, and it should be stressed that those are the limits compatible with the maintenance of adequate health facilities. It was also pointed out that 35% of the urban Brazilian population are not covered by social security, a fact that implies in very poor medical care. If one adds to this fraction the rural population, one reaches to the conclusion that about 63% of the Brazilians are provided with substandard medical care.

Population; Medical care


ATUALIZAÇÕES / CURRENT COMMENTS

Aspectos demográficos da realidade brasileira e problemas de assistência médica no Brasil

Demographic aspects and health problems of Brazilian population

Ernesto Lima Gonçalves

Do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP – Av. Dr. Arnaldo, 455 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

São apresentados dados demográficos básicos, que certamente interferem, com os níveis de saúde da população brasileira. Enquanto 28% da população moram em municípios com menos de 20.000 habitantes, 34% habitam cidades de população superior a 100.000; trata-se de extremos além dos quais há dificuldades para atendimento sanitário satisfatório da população. Foi observado que 35% da população brasileira permanece a descoberto dos esquemas previdenciários, o que significa, na prática, extrema dificuldade de atendimento médico, juntando-se a esse número a população rural, muito deficientemente atendida, chegou-se a um resultado de cerca de 63% da população brasileira total, com assistência que pode ser definida como precária.

Unitermos: População (Brasil)*; Assistência médica*.

SUMMARY

Basic Brazilian demographic data, were presented and its relation with population health standards were postulated. In Brazil, 28% of the population live in counties that have less than 20,000 inhabitants and 34% dwell in large towns, with over 100,000 people, and it should be stressed that those are the limits compatible with the maintenance of adequate health facilities. It was also pointed out that 35% of the urban Brazilian population are not covered by social security, a fact that implies in very poor medical care. If one adds to this fraction the rural population, one reaches to the conclusion that about 63% of the Brazilians are provided with substandard medical care.

Uniterms: Population (Brazil) *; Medical care.

INTRODUÇÃO

Inicialmente, vale esclarecer que iremos abordar aqui apenas alguns aspectos demográficos, representados pela urbanização, pela população de municípios, pela distribuição por regiões geográficas e por faixas etárias e por atividades econômicas, comparando-se os dados dos quatro últimos censos.

As Tabelas 1 e 2 procuram retratar o crescimento da população e a evolução da urbanização, nas diferentes regiões brasileiras e no Brasil, em conjunto.

Outro problema importante a analisar é a evolução do fenômeno da urbanização da população brasileira; sua expressão em valores percentuais talvez permita melhor compreensão dos fatos. É o que representa a Tabela 3.

O porte da comunidade urbana tem importância para a definição de princípios básicos de política da saúde; daí o interesse dos dados representados na Tabela 4.

Verifica-se, então, que 28% da população brasileira mora em municípios de porte inferior a 20.000 habitantes, o que coloca dificuldades a seu atendimento de saúde. De outro lado, no extremo oposto encontram-se os habitantes das grandes comunidades urbanas, onde, excedidos certos limites, multiplicam-se igualmente os obstáculos a uma assistência eficiente; é o que acontece com mais de 1/3 da população brasileira, uma vez que 34,5% habitam municípios de porte superior a 100.000 habitantes.

O fato fica ainda mais patente pela análise dos dados da Tabela 5, onde se representam valores relativos às grandes regiões metropolitanas brasileiras.

Outro aspecto demográfico de interesse para nossa análise é o referente à distribuição da população segundo a faixa etária. Na Tabela 6 aparecem as distribuições da população por faixas etárias e, dentro de cada faixa, segundo o sexo e de acordo com a fixação ou não na região urbana.

Alguns dados da Tabela 6 devem ser postos em relevo: em primeiro lugar, o fato de que mais de metade (51,9%) da população brasileira é menor de 20 anos, sendo que 29,4% têm menos de 10 anos; na mesma linha de elaboração, saliente-se que apenas pouco mais de 10% têm mais de 50 anos de idade. Em segundo lugar, aspecto interessante é o predomínio do sexo masculino nas faixas etárias mais baixas, distribuição que se inverte com o passar do tempo.

Outro dado importante, destinado este a avaliar as necessidades de investimentos financeiros no campo assistencial, refere-se à atividade econômica da população brasileira, com sua capacidade de trabalho. É o que nos apresenta a Tabela 7.

A análise da Tabela 7 permite algumas observações: a primeira é que a população economicamente ativa ...... (29.545.293) representa apenas 31% da população brasileira total. Retirando-se deste total a população acima de 70 anos e abaixo de 20, que não deve obrigatoriamente inserir-se no processo produtivo, restam 64.310.831; em relação a estes, a população economicamente ativa representa apenas 45%, porcentual extremamente baixo, como é fácil imaginar.

A segunda observação refere-se ao nível de desenvolvimento global retratado pelas parcelas da população economicamente ativa inseridas nos diferentes setores da produção; sabe-se, na verdade, que, na medida em que se processa o desenvolvimento, ocorre a transferência da mão de obra do setor primário para o secundário e o terciário. A elevação da produtividade na agricultura libera trabalhadores que são atraídos pelos melhores salários que as indústrias oferecem; quando o consumo de bens manufaturados atinge determinados níveis, realiza-se a passagem de mão de obra para o ramo de serviços, característica do setor terciário de atividades econômicas. Nesse sentido, os valores de distribuição pelos três setores básicos no Brasil (44,5-17,7-37,8) contrastam com os dos Estados Unidos (5-33-62), Canadá (8-31-61) e Suécia (9-40-51), para tomar apenas alguns exemplos, como nos aponta a Tabela 7.

Outro dado interessante que se pode deduzir da Tabela 7 refere-se à cobertura assistencial de que goza parte da população brasileira, graças aos recursos previdenciários. Alguns números globais do censo de 1970 * * Segundo o Anuário Estatístico do Brasil – IBGE, 1972. devem ser aqui invocados; assim, para uma população residente de 93.204.374 habitantes, moram em zonas urbanas e suburbanas 52.098.495 pessoas, isto é, 56% do total. Deste último grupo, 20.120.793 são menores de 15 anos, o que corresponde a 38% de toda a população urbana; de outro lado, a análise do estado civil da população brasileira indica um total de 30.801.910 pessoas casadas, para 54.338.606 habitantes maiores de 15 anos, o que dá um índice de 56% de pessoas casadas para o grupo populacional referido.

Assumindo agora que podemos transpor esses índices percentuais para a população brasileira como um todo, podemos voltar aos dados da Tabela 7. Do número total dos que alí figuram como inseridos em atividade econômica do setor terciário, vamos subtrair os que desempenham atividades não especificamente definidas, obtendo um total de 9.711.720 pessoas (diferença entre 11.208.103 e 1.496.383). Este número pode-se considerar como coberto pelos recursos assistenciais previdenciários, pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) ou pelo Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado, a ele acrescentando-se os integrantes do grupo de participantes de atividades econômicas ligadas ao setor secundário igualmente assistidos pelo INPS. Chegamos, assim, a um total de 14.975.525 pessoas; aplicando-se a este o índice de 56%, podemos calcular que cerca de 8.400.000 dessas pessoas são casadas, o que estende a seus cônjuges a cobertura assistencial previdenciária. Esta compreende, pois, cerca de 23.400.000 habitantes da região urbana, maiores de 15 anos; este número corresponde a aproximadamente 44% da população urbana total. Aplicando-se este índice à população urbana menor de 15 anos (20.120.793), obtemos um valor estimado de 8.900.000 habitantes de idade inferior àquele limite e também sob proteção da cobertura previdenciária. Esta compreenderá, pois, cerca de 23.400.000 adultos e 8.900.000 crianças e adolescentes, num total estimado de 32.300.000 pessoas (cerca de 62% da população brasileira total).

Aceitando-se que o total das pessoas que exercem outras atividades econômicas têm independência suficiente para enfrentar, por sua conta, os compromissos envolvidos na assistência médica e que eles representam cerca de 3% da população urbana, restam 35% a descoberto; a estes acrescente-se toda a população rural, apesar dos esforços desenvolvidos ultimamente, chegando-se então a um total de cerca de 63% de toda a população brasileira, que conta com deficientes recursos para garantir sua assistência médica. É fácil imaginar a repercussão de todos os dados apresentados sobre a saúde do povo brasileiro: apenas a uma primeira vista é que os elementos apresentados são apenas de ordem demográfica. Na verdade eles escondem múltiplos e graves problemas, que pesam de maneira decisiva nos níveis de saúde da população brasileira e que representam fatores críticos limitantes na escolha de alternativas para um modelo assistencial que se pretenda montar.

Recebido para publicação em 7-6-1974

Aprovado para publicação em 9-8-1974

  • *
    Segundo o Anuário Estatístico do Brasil – IBGE, 1972.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Set 1974

    Histórico

    • Aceito
      09 Ago 1974
    • Recebido
      07 Jun 1974
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