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A eficácia do exame telerradiográfico de tórax como técnica de "screening" em população hospitalar

The efficacy of the chest X-Ray exam as a technique for screening hospital populations

Resumos

É analisada a eficácia da telerradiografía de tórax como técnica de "screening" em população hospitalar. Utilizando-se uma técnica prospectiva não concorrente, é evidenciado que pouco benefício traz ao paciente a chapa de tórax AP na internação, na primeira consulta ou no pré-operatório em geral. Para sete em cada 100 pacientes foi diagnosticado importante patologia assintomática. Nenhum paciente entre 0 e 19 anos teve anormalidade evidenciada pela chapa. Recomenda-se, para esta faixa, a eliminação do exame, e para pacientes acima de 20 anos a introdução da abreugrafia, ao invés da telerradiografia de tórax.

Raios X; Epidemiologia; Assistência médica; Diagnóstico de massa


The author analyses the efficacy of the AP chest telerradiograph as a screening technique in a Hospital - based population. It is shown that the AP chest X-Ray is of little value to the patient at the time of admission, first out-pacient visit and during pre-operatory evaluation. Only 7% of the patients studied showed a relevant assymptomatic pathology diagnosed by the examination. In patients aged 0-19 years, no abnormalities were identified by this procedure. The author suggests that AP chest X-Rays be discontinued for this age group and recommends its substitution by roentgen photography (35 mm) for older age groups.

X-Ray; Mass screening; Hospitals


ARTIGO ORIGINAL

A eficácia do exame telerradiográfico de tórax como técnica de "screening" em população hospitalar

The efficacy of the chest X-Ray exam as a technique for screening hospital populations

Reinaldo Felippe Nery Guimarães

Do Instituto de Medicina Social e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rua Teodoro da Silva, 48 – 5.° andar – Vila Isabel – ZC 11 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

RESUMO

É analisada a eficácia da telerradiografía de tórax como técnica de "screening" em população hospitalar. Utilizando-se uma técnica prospectiva não concorrente, é evidenciado que pouco benefício traz ao paciente a chapa de tórax AP na internação, na primeira consulta ou no pré-operatório em geral. Para sete em cada 100 pacientes foi diagnosticado importante patologia assintomática. Nenhum paciente entre 0 e 19 anos teve anormalidade evidenciada pela chapa. Recomenda-se, para esta faixa, a eliminação do exame, e para pacientes acima de 20 anos a introdução da abreugrafia, ao invés da telerradiografia de tórax.

Unitermos: Raios X. Epidemiologia. Assistência médica. Diagnóstico de massa.

ABSTRACTS

The author analyses the efficacy of the AP chest telerradiograph as a screening technique in a Hospital – based population. It is shown that the AP chest X-Ray is of little value to the patient at the time of admission, first out-pacient visit and during pre-operatory evaluation. Only 7% of the patients studied showed a relevant assymptomatic pathology diagnosed by the examination. In patients aged 0-19 years, no abnormalities were identified by this procedure. The author suggests that AP chest X-Rays be discontinued for this age group and recommends its substitution by roentgen photography (35 mm) for older age groups.

Uniterms: X-Ray, diagnosis. Mass screening. Hospitals.

INTRODUÇÃO

Uma das principais características da atenção médica, a partir do pós-guerra, é a do excepcional aumento dos seus custos. A importação de um modelo assistencial desadaptado às necessidades de Saúde da população, acompanhada de um real aumento das taxas de danos, não redutíveis na demanda, levaram, os países não desenvolvidos, à hipertrofia de um setor que certamente contribui para esse aumento de custos: o Setor Hospitalar (entendido como o setor de atendimento clínico-cirúrgico). Por outro lado, como um elemento acessório a estas condições estruturais, observa-se, neste setor, um alto grau de irracionalidade presidindo a execução de inúmeros atos médicos. Não estamos nos referindo àqueles desnecessários realizados como conseqüência à deformações do próprio sistema – cesáreas não indicadas, amidalectomias em dois tempos, etc. – mas aos que, reproduzidos por uma educação médica não reflexiva, transformam-se em atos cuja eficácia nunca é avaliada e adquirem uma dinâmica puramente tradicional.

Dentro desse conjunto adquirem particular relevância as requisições indiscriminadas de exames laboratoriais, e isto por vários motivos: são procedimentos caros, tendo, em seu conjunto, peso importante no preço total do cuidado do paciente; são, em muitos casos, atos de execução complexa, exigindo tempo, tendendo, portanto, a congestionar os departamentos responsáveis; a maioria é incômoda e alguns potencialmente danosos aos pacientes. Por outro lado, num hospital de ensino, este tipo de procedimento dá ao estudante uma falsa sensação de segurança, fazendo com que o hábito se reproduza em sua vida profissional.

Dentre as requisições laboratoriais, a que nos pareceu prioritária ser investigada, foi a de exames radiológicos, não só porque no Hospital de Clínicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), se constituem no principal ítem laboratorial do preço total dos cuidados1 1 Conferência de J. Landmann aos internos e residentes do Hospital de Clínicas da UERJ, em outubro de 1975. 2 J. R. Santos e I. P. Santos – Relatório interno. 3 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 4 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 5 Palestra de W. Spitzer para membros do Instituto de Medicina Social da UERJ, em novembro de 1975. , mas também porque estão entre os atos médicos potencialmente danosos ao paciente.

Num relatório do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas da UERJ, de julho a setembro de 742 1 Conferência de J. Landmann aos internos e residentes do Hospital de Clínicas da UERJ, em outubro de 1975. 2 J. R. Santos e I. P. Santos – Relatório interno. 3 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 4 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 5 Palestra de W. Spitzer para membros do Instituto de Medicina Social da UERJ, em novembro de 1975. pode-se observar que o exame radiológico mais requisitado, com 42,3% do total é a telerradiografia simples do tórax. Como sabemos ser prática corrente o pedido deste exame como rotina de admissão, primeira consulta ambulatorial e para os pacientes em pré-operatório, resolvemos estudar a eficácia deste procedimento.

Não se trata, evidentemente, de investigação cujos resultados possam ser extrapolados para outras populações hospitalares. Nossa preocupação fundamental foi dirigida no sentido de identificar para quais setores da população demandante ao Hospital de Clínicas da UERJ é eficaz a utilização, como "screening", da radiografia de torax por ocasião da admissão para internação, primeira consulta ambulatorial ou pré-operatório.

METODOLOGIA

Quanto à metodologia empregada, duas estratégias foram de início discutidas. A primeira é menos sujeita a erros de observação e apresenta resultados mais confiáveis. Por outro lado demanda quantidade bem maior de tempo e mão-de-obra. Em linhas gerais trata-se de acompanhar concorrentemente a elaboração das observações clínicas, os pedidos e os laudos das chapas de torax de uma população por período de tempo determinado. Nas condições existentes, o estudo concorrente era impossível, pois sua realização era parte de um programa docente do Curso de Epidemiologia para mestrado do Instituto de Medicina Social que, evidentemente, tinha um tempo limitado e curta duração. Decidimo-nos, portanto, por uma estratégia não concorrente (que associaremos vantagens das metodologias prospectiva e retrospectiva) e o estudo foi delineado da seguinte maneira:

A população foi definida como todos os pacientes matriculados no Hospital de Clínicas da UERJ, no ano de 1974, que. por ocasião da internação, primeira consulta ou pré-operatório realizaram uma radiografia simples de torax em PA. Desta foi extraída uma amostra sistemática adequada de cerca de 13% do total da população.

Os pedidos foram classificados em três categorias, a saber:

a) Rotina – Pacientes cujos pedidos tinham explicitamente anotados, rotina de internação, admissão, internação, primeira consulta ou cuja suspeita clínica não fosse direta ou indiretamente relacionada com Patologia Torácica. Além disso, incluiram-se também nesta categoria pacientes cujos pedidos foram feitos em função de marcação de cirurgia (pré-operatório). Cirurgias torácicas foram excluídas deste ítem.

b) Indicação por doença sistêmica ou extratorácica com razoável possibilidade de repercussões torácicas (Tipo II) – Pacientes cujos pedidos foram feitos em função de qualquer condição clínica que, embora não torácica, produza repercussões neste sítio em 20% ou mais dos casos. Para a identificação destas foi feita uma listagem a partir de consulta à literatura especializada 1,63 1 Conferência de J. Landmann aos internos e residentes do Hospital de Clínicas da UERJ, em outubro de 1975. 2 J. R. Santos e I. P. Santos – Relatório interno. 3 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 4 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 5 Palestra de W. Spitzer para membros do Instituto de Medicina Social da UERJ, em novembro de 1975. .

c) Indicação por suspeita de doença torácica (Tipo I) – Pacientes cujos pedidos foram feitos a partir de suspeita de doença torácica.

Os laudos foram também classificados em três tipos, a saber:

a) Normais – Quando o laudo não identificava qualquer anormalidade radiológica.

b) Anormal sem relevância clínica – Quando o laudo evidenciava alguma anormalidade radiológica sem significado clínico para o caso. Estas anormalidades compreenderam três tipos de achado:

– anormalidades não patológicas – quaisquer alterações ósseas ou parenquimatosas classificadas como dentro dos limites da variabilidade biológica (costela cervical, costela bífica, língula pulmonar, etc.) ;

– anormalidades patológicas inativas – quaisquer imagens ósseas ou parenquimatosas de caráter patológico que não apresentassem evidência de atividade ;

– anormalidades patológicas ativas sem relevância – neste grupo incluiam-se todos os achados radiológicos que, embora possuam características de atividade não são, normalmente, valorizados, principalmente em função da idade do paciente.

c) Anormal com relevância clínica – Quando o laudo evidenciava qualquer anormalidade com significado clínico para o paciente.

Além disso, a população foi categorizada em grupos etários e segundo a procedência do pedido, do seguinte modo:

a) grupos etários: de 0 a 19 anos; de 20 a 49 anos e de 50 anos e mais;

b) procedência do pedido: enfermarias clínicas, enfermarias cirúrgicas, ambulatórios clínicos, ambulatórios cirúrgicos e pediatria.

A coleta de informações foi realizada no Arquivo do Serviço de Radiologia e nos casos em que a informação era inexistente ou se tratava de pedido ou de laudo de difícil categorização, foram consultados os prontuários dos pacientes no Arquivo Central do Hospital. Com este procedimento, foi alcançado um nível aceitável de não respostas (5,1% do total da amostra). Analisando a distribuição etária e a procedência dos pedidos do grupo de não-respostas e comparando com a distribuição destas variáveis na população estudada observa-se que não há diferença quanto à procedência e a distribuição etária é possivelmente diferente (0.1 > p > > 0.05), com uma concentração de casos entre as não-respostas no grupo de 50 anos e mais.

Na apresentação dos resultados, cumpre observar que, além de levarmos em conta os três tipos de pedido (rotina, tipo I e tipo II) e os três tipos de laudo (normal, anormal sem relevância clínica e anormal com relevância clínica) em muitas ocasiões agregamos, nos pedidos, os tipos II e I, e nos laudos, os normais com os anormais sem relevância clínica. Tal procedimento pareceu-nos correto em função dos objetivos do trabalho: quanto aos pedidos, separar os rotineiros daqueles onde existia alguma indicação clínica, e quanto aos laudos, separar aqueles que – por confirmação diagnóstica ou achado radiológico relevante – trouxeram algum benefício para o paciente. Entedemos que esta seria a melhor maneira de avaliar a eficácia, enquanto técnica de '"screening ", das radiografias de tórax de rotina.

RESULTADOS

Nos 514 pacientes estudados, houve 41,8% (215) pedidos de rotina, 11,9% (61) pedidos do tipo II e 46,3% (238) pedidos do tipo I. Assim, podemos observar que cerca de 60% dos pedidos de RX de tórax foi feito com alguma indicação, e cerca de 40% foi de rotina (Tabela 1).

A proporção de pedidos de rotina, segundo a idade, mostra-nos um padrão similar no jovem e no velho, enquanto que nos adultos revela algo distinto. Nas faixas de 0 –| 19 e de 50 e mais anos há cerca de 1/3 de pedidos de rotina, enquanto na faixa de 20 –| 49 anos observa-se metade dos pedidos nesta categoria (Tabela 2).

Examinando agora a distribuição dos pedidos de rotina segundo a procedência, temos os ambulatórios cirúrgicos que apresentaram 83,3% (20) de seus pedidos nesta categoria, as enfermarias cirúrgicas 56,2% (68), os ambulatórios clínicos 46,9% (68), as enfermarias clínicas 27,2% (53) e a pediatria 20,7% (6). Agrupando os serviços clínicos e cirúrgicos, temos, nos ambulatórios, 52,1% (88) pedidos de rotina e nas enfermarias 38,3% (121) pedidos nesta mesma categoria. Por outro lado, agrupando ambulatórios e enfermarias, observamos uma proporção de 60,7% (88) pedidos de rotina nos serviços cirúrgicos, enquanto os clínicos tiveram 35,6% (121) de pedidos nesta mesma categoria (Tabelas 3 e 4).

Os laudos dos pedidos de rotina foram: 73,5% (158) normais; 19,5% (42) anormais sem relevância e 7,0% (15) anormais com relevância. Se agregarmos os normais aos anormais sem relevância, temos que 93,0% (200) das chapas de rotina não trouxeram benefício ao paciente (Tabela 5). A distribuição destes laudos segundo as faixas etárias, revelou que os pedidos de rotina dos pacientes de 0 a 19 anos, 100% (22); da faixa de 20 a 49 anos, 81,6% (102); e da faixa de 50 anos e mais, 50,0% (34) foram normais. Agregando os laudos normais aos anormais sem relevância, tivemos 100% (22), 94,4% (118) e 88,2% (60) de resultados negativos, em termos de achados radiológicos com relevância para o paciente (Tabela 6).

A distribuição dos laudos das chapas de rotina segundo a procedência do pedido mostra que as enfermarias possuem um padrão similar com cerca de 62% de normais. 25% de anormais sem relevância clínica e 13% de anormais com relevância. Diferentemente, os ambulatórios apresentam uma proporção maior de laudos normais (81,5%) e menor de anormais sem e com relevância (14% e 4,5% respectivamente ) . A pediatria teve todos os laudos de pedidos de rotina, normais. Além disso, se agregarmos os normais aos anormais sem relevância, observa-se diminuição das diferenças observadas anteriormente. Isto se deve ao fato da proporção de laudos anormais sem relevância ser significativamente maior entre pedidos oriundos das enfermarias, em conseqüência de uma maior idade média de pacientes internados em relação aos pacientes de ambulatório (Tabela 7). Em números, observamos, para as enfermarias, 87,6% (106) laudos sem anormalidades relevantes, e nos ambulatórios 95,4% de laudos nesta mesma situação (Tabela 8).

DISCUSSÃO

O universo proposto para a investigação não reflete, na realidade, a demanda ao Hospital de Clínicas. A classificação utilizada pela administração – novos para os pacientes recém-matriculados e antigos para todos os outros – dificulta a delimitação de um universo que contenha todos os pacientes que, mesmo atendidos a algum tempo estejam novamente – muitas vezes por outros problemas – demandando ao Hospital. Para os nossos objetivos, tão importantes quanto os pacientes novos (recém-matriculados), são estes outros que retornam apresentando outros problemas ou o mesmo problema tempos depois. Isto é assim porque, na maioria das vezes, apresentam-se para o médico como um "novo", a exigir nova observação clínica, terapêutica e outras, e portanto, novas requisições laboratoriais. Pode-se, grosseiramente, estimar para os ambulatórios que o número de pacientes nesta situação é próximo ao número de recém-matriculados (cerca de 10.000 em 1974).

A proporção dos exames pedidos por presunção de patologia torácica (46,3%) poderia levantar a suspeita de que a amostra ou a metodologia utilizada para a classificação dos pedidos não tivessem sido satisfatórias, pois parece anormal proporção tão alta. No entanto, o exame dos diagnósticos mais freqüentes em pacientes com diagnóstico definitivo e atendidos no Ambulatório de Medicina Social em 1973, mostra-nos que 41% da demanda teve um diagnóstico de doença do Aparelho Circulatório ou Respiratório4 1 Conferência de J. Landmann aos internos e residentes do Hospital de Clínicas da UERJ, em outubro de 1975. 2 J. R. Santos e I. P. Santos – Relatório interno. 3 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 4 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 5 Palestra de W. Spitzer para membros do Instituto de Medicina Social da UERJ, em novembro de 1975. , o que de certo modo, justifica aquela alta proporção.

Outro problema a ser discutido, diz respeito à validade do método empregado para definir uma requisição como rotineira ou não, isto é, a partir dos pedidos de raios X e não dos prontuários. No entanto, entendemos que para os objetivos propostos o método é válido.

Distribuindo as possibilidades de classificação de um pedido como rotineiro ou indicado segundo o prontuário e segundo o pedido, temos o seguinte quadro:

Se considerarmos que a classificação a partir do exame dos protuários reflete a realidade, temos:

a) Rotinas verdadeiras.

b) Falso-indicados. Exames que na realidade foram pedidos de rotina e foram incorretamente classificados como indicados.

c) Falso-rotinas. Exames que na realidade foram pedidos indicados e foram incorretamente classificados como de rotina.

d) Indicações verdadeiras.

O pressuposto que valida o método é que , isto é, que a proporção de exames incorretamente classificados como rotina entre o total de verdadeiramente indicados é maior que a proporção de incorretamente indicados entre as rotinas verdadeiras.

Tal pressuposto parece-nos correto, pois é muito mais provável que o médico, no pedido, deixe de escrever as razões da indicação, por falta de tempo ou algo semelhante, do que o inverso, isto é, que "invente" um quadro torácico na realidade inexistente.

Ocorre então que as proporções de laudos anormais nas chapas de rotina devem estar, se não corretas, superestimadas.

Os achados de Sagel e cols. 7 aliás, confirmam estes pressupostos. De 16,5% de anormalidades em chapas de rotina classificadas através do pedido, houve uma diminuição para 15% quando foram revistos os prontuários destes pacientes. A intenção destas considerações vai além de uma simples querela metodológica. Trata-se, a nosso ver, de uma necessidade importante, a de desenvolver procedimentos de investigação aplicáveis às nossas condições, que sabemos precárias. Normalmente os arquivos são incompletos e desorganizados, os recursos para investigação são limitados.

A distribuição dos pedidos de rotina, segundo a faixa etária, levanta algumas hipóteses explicativas. A formação dos pediatras poderia explicar um maior cuidado na requisição de exames radiológicos, em função dos danos potenciais das radiações nos tecidos em desenvolvimento. E uma evidência de que isto é verdade é que, de cada 100 exames de pacientes de 0 a 19 anos,46 foram oriundos da pediatria, enquanto que de cada 100 exames de rotina de pacientes de 0-19 anos somente 27 foram pedidos por este serviço. Além disso, num grupo de idade baixa como 0 a 19 anos, deve haver, por parte do médico, menor interesse em pedir o exame como "screening" para doenças torácicas.

No entanto, o mais intrigante é a discrepância entre a proporção de pedidos de rotina nos grupos de 20 a 40 anos e de 50 anos e mais. Como se pode observar, enquanto que na faixa de 20 a 49 anos, cerca de metade dos exames pedidos foi de rotina, no grupo de 50 anos e mais, somente 32,5% estava nesta categoria.

Uma explicação possível estaria relacionada com a história das doenças torácicas do adulto e do velho, isto é, aquelas que na faixa de 20 a 49 anos estariam em sua fase de patogênese precoce, assintomáticas e tenderiam a ser diagnosticadas num exame de rotina, enquanto que na ausência do diagnóstico precoce, apareceriam, na faixa de 50 anos e mais, sintomáticas e muitas vezes como a queixa principal do paciente. Neste caso, o pedido de raios X de tórax não mais seria classificado como de rotina. Isto parece verdadeiro para o câncer de pulmão, enfisema crônico obstrutivo, insuficiências cardíacas e outras.

Uma exceção importante, em se tratando do Brasil, seria a tuberculose pulmonar do adulto que costuma estar sintomática antes dos 50 anos. No entanto, os pacientes nesta situação, em sua maioria, demandam aos setores especializados do sistema de atenção médica e não ao hospital geral.

Além desta, haveria que pensar numa hipótese vinculada à hierarquização que a medicina faz de seus objetos. Do mesmo modo que a nosologia é hierarquizada, o médico atribui "valores" diferentes, a seus pacientes, segundo várias dimensões.

Certamente, uma das mais importantes, da qual a idade é apenas um indicador, é a capacidade laborai dos indivíduos. O fato citado por Friedmann apud Conti, L.3, nos mostra que o aumento da expectativa de vida, apta para o trabalho, representa quase o dobro do aumento da expectativa de vida ao nascer; a Europa, de cem anos para cá, evidencia este fenômeno. As ações médicas distribuem-se diferencialmente segundo os momentos da vida dos indivíduos. Este fato poderia contribuir para explicar o observado: o médico estaria mais inclinado a pedir uma chapa de rotina para um adulto jovem do que para um velho.

A maior freqüência de pedidos de rotina nos serviços cirúrgicos em relação aos clínicos e à pediatria deve-se, possivelmente, à prática tradicional de requisição de raios X torácicos de todos os pacientes a serem submetidos à anestesia geral. Por outro lado, a maior proporção de exames de rotina nos ambulatórios em relação às enfermarias pode ser resultante da função "'descongestionante" e "ansiolítica" do pedido de exames, de presença marcante nos ambulatórios.

Tal função é resultante ou da pressão individual do paciente sobre o médico no sentido de ser medicado, ou de uma natural reação de defesa deste em função de uma demanda que acredita ser excessiva em termos quantitativos. Uma forma de comprovar esta hipótese seria analisar a distribuição dos pedidos de rotina segundo as horas ou dias em que os ambulatórios se apresentam mais congestionados.

A análise global dos laudos das chapas de rotina mostra que, somente numa pequena proporção, o exame trouxe reais benefícios ao paciente. Sete em cada cem pacientes tiveram um laudo que revelou anormalidade torácica importante.

A taxa observada é menor do que as relatadas por Sagel 7 15%, e por Janower4, 11,1% em investigações similares. A nosso ver isto se deve ao fato de termos incluído no grupo das anormalidades sem relevância clínica, algumas alterações patológicas ativas, principalmente no velho, o que não foi feito nos estudos citados. Tal procedimento pareceu--nos correto, pois, uma evidência de discreto enfisema ou de pequeno aumento da área cardíaca em pacientes de mais de 60 anos, dificilmente são valorizados pelo médico e, mesmo que o fossem, pouco restaria a fazer.

O exame dos laudos segundo a faixa etária, com cem por cento de normais mostra que os exames de rotina em menores de 20 anos são injustificáveis se analisarmos o custo-benefício dessa técnica.

Na faixa de 20 a 49 anos e de 50 anos e mais, o problema se torna mais complexo. De um ponto de vista estrito, não podemos, em vista dos achados, propor a extinção do pedido de raios X de tórax como rotina de internação, primeira consulta ou do pré-operatório. Nas duas faixas houve 15 laudos efetivamente anormais, tendo sido observadas 7 imagens de hipotransparência( pneumopatias, atelectasia, obstrução de seio costofrênico e um laudo compatível com lesão tuberculosa em atividade), cinco cardiomegalias e quatro laudos compatíveis com doença pulmonar obstrutiva crônica (fibrose, enfisema e bronquiectasia). Por outro lado, no entanto, seria extremamente importante saber, para cada um destes pacientes, quais as conseqüências deste diagnóstico de doença assintomática, em termos de pronto tratamento ou de adiamento de cirurgia marcada e, numa etapa posterior, em termos de aumento de sobrevida. Embora estas considerações não digam respeito ao objetivo desta investigação – a eficácia de uma técnica – parecem-nos da maior relevância, pois tem sido discutido, tanto se o diagnóstico precoce faz com que o paciente procure tratamento precocemente 5, quanto se – ao menos para algumas doenças – este tratamento precoce aumenta significativamente a sobrevida destes pacientes 5 1 Conferência de J. Landmann aos internos e residentes do Hospital de Clínicas da UERJ, em outubro de 1975. 2 J. R. Santos e I. P. Santos – Relatório interno. 3 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 4 J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975. 5 Palestra de W. Spitzer para membros do Instituto de Medicina Social da UERJ, em novembro de 1975. .

Analisando o problema quanto aos custos, uma recomendação que nos parece imprescindível é a substituição, para indivíduos acima de 20 anos, das telerradiografias de rotina por abreugrafias.

Considerando a tabela de honorários médicos do INPS 2 podemos prever uma diminuição de custo de mais de duas vezes (de 12 para 5 Unidades de Serviço) caso a medida fosse efetivamente implantada.

O problema, no entanto, não é tão simples quanto à sua resolução, pois embora já há algum tempo vigore a norma de pedido de abreugrafia na primeira consulta, uma boa parte dos pacientes é submetida à telerradiografia.

A nosso ver, a medida deveria ser estendida à internação e ao pré-operatório e haver um efetivo controle de sua aplicação .

Participaram do planejamento e dos trabalhos em terreno os alunos do Mestrado: Alfredo Matta; Ana Tereza da Silva Pereira; Joel Birman; Lindemberg Rocha; Márcio José de Almeida; Maria do Espírito Santo T. dos Santos; Paulo Marchiori Buss; Ricardo Donato e Roberto Passos Nogueira.

Recebido para publicação em 29/06/1976

Aprovado para publicação em 10/09/1976

Realizado no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como treinamento do curso de Epidemiologia para mestrado em Medicina Social

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    Conferência de J. Landmann aos internos e residentes do Hospital de Clínicas da UERJ, em outubro de 1975.
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    J. R. Santos e I. P. Santos – Relatório interno.
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    J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975.
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    J. C. Noronha e colabs. Transformação de um ambulatório de medicina integral com vistas a um programa de atenção médica primária. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 1975.
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    Palestra de W. Spitzer para membros do Instituto de Medicina Social da UERJ, em novembro de 1975.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 1977

    Histórico

    • Recebido
      29 Jun 1976
    • Aceito
      10 Set 1976
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