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Nível sócio-econômico como uma variável geradora de erro em estudos de etnia

Socioeconomic level as an error generating variable in racial studies

Resumos

Foi estudada a influência do nível sócio-econômico (NSE) em variáveis biológicas que apresentam importância em estudos de etnia (peso ao nascer, idade gestacional e número de gestações) em 734 crianças normais nascidas em 5 maternidades brasileiras. Os recém-nascidos foram classificados em grupos étnicos de acordo com seus antecedentes raciais. Concluiu-se que o NSE está associado com as variáveis peso ao nascer e número de gestações, funcionando, portanto, como variável geradora de erro em estudos de etnia.

Fatores sócio-econômicos; Peso ao nascer; Idade gestacional; Número de gestações; Grupos étnicos


The influence of the socio-economic level on biologic variables such as birth-weight, gestational age and birth order was studied in 734 single live-born deliveries at five Brazilian maternities. Live-borns were classified into ethnic groups according to the races of their ancestors. Socio-economic level was found to be associated with birthweight and birth order, acting therefore as an error - generating variable in racial studies.

Socioeconomic factors; Birth weight; Gestational age; Birth order


ARTIGO ORIGINAL

Nível sócio-econômico como uma variável geradora de erro em estudos de etnia

Socioeconomic level as an error generating variable in racial studies

A. D. PassosI; J. C. CardosoI; J. E. PazI; E. E. CastillaII

IDo Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP – Fazenda Monte Alegre – 14100 – Ribeirão Preto, SP – Brasil

IIDo Departamento de Genética e Matemática Aplicada à Biologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP – Fazenda Monte Alegre – 14100 – Ribeirão Preto, SP – Brasil

RESUMO

Foi estudada a influência do nível sócio-econômico (NSE) em variáveis biológicas que apresentam importância em estudos de etnia (peso ao nascer, idade gestacional e número de gestações) em 734 crianças normais nascidas em 5 maternidades brasileiras. Os recém-nascidos foram classificados em grupos étnicos de acordo com seus antecedentes raciais. Concluiu-se que o NSE está associado com as variáveis peso ao nascer e número de gestações, funcionando, portanto, como variável geradora de erro em estudos de etnia.

Unitermos: Fatores sócio-econômicos. Peso ao nascer. Idade gestacional. Número de gestações. Grupos étnicos.

ABSTRACT

The influence of the socio-economic level on biologic variables such as birth-weight, gestational age and birth order was studied in 734 single live-born deliveries at five Brazilian maternities. Live-borns were classified into ethnic groups according to the races of their ancestors. Socio-economic level was found to be associated with birthweight and birth order, acting therefore as an error – generating variable in racial studies.

Uniterms: Socioeconomic factors. Birth weight. Gestational age. Birth order.

1. INTRODUÇÃO

Algumas variáveis biológicas características do recém-nascido apresentam interesse em estudos de etnia. As diferenças raciais para estas variáveis podem indicar a existência de diferenças genéticas possíveis de serem avaliadas. Assim sendo, são conhecidas as relações existentes entre peso ao nascer e fatores ambientais e genéticos, tanto maternos quanto fetais 1,4,5,6. Também são descritas diferenças raciais no peso ao nascer, sugerindo a ação dos fatores genéticos anteriormente citada 3. Das variáveis ambientais que estão associadas com o peso ao nascer e a paridade, o nível sócio-econômico (NSE) é a que apresenta provavelmente a maior importância. O papel desempenhado pelos fatores raciais não pode ser convenientemente determinado enquanto as raças não forem comparadas nos mesmos padrões de NSE 7. O presente trabalho visa estudar as diferenças raciais para a associação entre três variáveis biológicas (peso ao nascer, idade gestaciônal e a ordem de gestação) e uma ambiental (nível sócio-econômico) numa população de recém-nascidos brasileiros.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados 734 recém-nascidos vivos, produtos de partos simples, sem malformações externas diagnosticáveis nas primeiras 72 horas de vida. Todos os incluídos no trabalho são controles de crianças com malformações, por serem o produto do parto seguinte de igual sexo ao de um malformado nascido na mesma maternidade. Representam, assim, uma amostra dos 28.178 recém-nascidos vivos examinados no período compreendido entre 1° de agosto de 1972 e 31 de dezembro de 1975, em cinco maternidades brasileiras: duas na Região Nordeste (Recife e João Pessoa), duas na Região Sudeste (São Paulo e Ribeirão Preto) e uma na Região Sul (Curitiba), todas participantes de "Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas" (ECLAMC).

Para cada recém-nascido foi preenchida uma ficha, contendo as seguintes informações: estabelecimento onde ocorreu o parto, data do mesmo, data da última menstruação materna, idade gestacional, sexo, peso, número da gestação, antecedentes raciais e nível sócio-econômico. Foram utilizados somente aqueles casos em que todos os dados se achavam especificados.

A divisão em grupos étnicos foi feito levando-se em consideração quantos antecedentes raciais existiam para cada propósito e não apenas pela cor da pele. Os antecedentes raciais foram assim classificados:

a) Europeus latinos;

b) Europeus não latinos;

c) Judeus;

d) Nativos;

e) Turcos, Árabes, Sírios e Libaneses;

f) Negros;

g) Orientais;

h) Outros

Estes grupos raciais foram agrupados nos seguintes grupos étnicos:

1) Europeus latinos (sem outra mistura) ;

2) Nativos (que não se recordavam de nenhum ancestral nascido fora do Brasil) ;

3) Negros (sem outra mistura);

4) Negros e Nativos (sem outra mistura) ;

5) Negros, Nativos e Outros;

6) Nativos e Outros não Negros;

7) Negros e Outros não Nativos;

8) Antecedentes Raciais Restantes (simples ou misturados)

O nível sócio-econômico foi medido pela média aritmética obtida a partir de três valores numéricos, que numa escala de zero a oito atribui pontos para a escolaridade materna, escolaridade paterna e ocupação paterna, assim distribuídas:

Considerou-se NSE baixo aqueles que apresentaram uma média menor que 3; NSE médio entre 3 e 4,9 e NSE alto aqueles cuja média foi maior ou igual a 5. Maiores detalhes metodológicos já foram publicados em trabalho anterior2.

3. RESULTADOS

A Tabela 1 mostra os recém-nascidos classificados segundo o grupo étnico, NSE e sexo. A distribuição dos diferentes grupos étnicos segundo o NSE é mostrada na Figura. Verifica-se que os grupos que incluem antecedentes raciais negros e nativos estão concentrados nos níveis sócio-econômicos mais baixos (Teste de homogeneidade x2 = 179,46 p < 0,001).


Na Tabela 2 são apresentadas as medianas do número de gestações segundo o grupo étnico e NSE. Verifica-se que existe associação entre o número de gestações e o NSE.

Na Tabela 3 são mostradas as médias das idades gestacionais (em semanas) dos recém-nascidos, produtos da primeira gestação da mãe, classificados segundo grupo étnico e NSE. As diferenças nas médias de idades gestacionais entre os diferentes níveis sócio-econômicos não são significativas (F = 2,26). Eliminando o grupo dos restantes de NSE baixo, que apresentaram uma média anormalmente baixa, também não se verificam diferenças nas idades gestacionais entre os grupos raciais (NSE baixo: F = 1,52; NSE média: F = 0,62).

A Tabela 4 apresenta os mesmos dados da Tabela 3, agora aplicados a filhos de multíparas, com os mesmos resultados. (Para diferenças entre NSE: F = 0,56; diferenças entre grupos étnicos para NSE baixo: F = 2,04; NSE médio: F = 0,88).

A Tabela 5 mostra a média de peso (em gramas) dos recém-nascidos produtos de até a 3.ª gestação das mães, com idade gestacional entre 38 e 42 semanas, classificados segundo sexo, NSE e grupo étnico. Agruparam-se os níveis sócio-econômicos médio e alto e compararam-se as médias de peso em relação ao NSE baixo, obtendo-se resultados significativamente diferentes para ambos os sexos (t = 2,54, p < 0,025 para o sexo masculino e t= 2,31, p < 0,025 para o sexo feminino). Não foram demonstradas diferenças entre grupos étnicos nos mesmos níveis sócio-econômicos e sexo (para o sexo masculino: NSE baixo F = 0,63; NSE médio-alto F = 1,31; para o sexo feminino: NSE baixo F = 1,23; NSE médio-alto F = 1,10).

4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Em relação a distribuição dos recém-nascidos segundo o grupo étnico e NSE os dados obtidos permitem concluir que a variável NSE está associada com antecedentes étnicos e não com a cor da pele unicamente. Com efeito, observa-se a existência de grupos étnicos (nativos e nativos + outros) cuja cor da pele é diferente da apresentada pelo grupo 3 (negros) e provavelmente também daqueles que têm mistura de raça negra, mas que apresentam uma distribuição semelhante no que diz respeito à situação sócio-econômica. Verifica-se então uma estratificação sócio-econômica baseada nas diferentes etnias, com as que incluem antecedentes negros e nativos colocados nas posições mais inferiores, enquanto que os europeus latinos e os restantes ocupam as posições mais altas. Este fato poderia ser atribuído a imigrações diferenciadas no tempo, onde as mais recentes, representadas com a maior probabilidade por estes dois grupos sem mistura, tenham alcançado melhores condições sócio-econômicas.

Como a variável número de gestações apresenta uma distribuição muito assimétrica, os dados referentes a ela foram representados pela mediana. Verifica-se existir uma associação entre número de gestações e NSE, aumentando a primeira à medida que diminui a segunda. Não se verifica associação entre número de gestações e grupos étnicos.

No que se refere às idades gestacionais não foram encontradas diferenças em grupos padronizados segundo ordem de gestação, em relação a níveis sócio-econômicos diferentes e grupos étnicos.

Padronizando as variáveis número de gestações, idade gestacional e sexo, observam-se diferenças de peso ao nascer entre as diferentes categorias de NSE, o que não ocorre nos diferentes grupos étnicos.

O que foi exposto sugere que o NSE atua como uma variável de confusão ao se estudar peso ao nascer e número de gestações, pelo que esta situação deverá ser considerada sempre que se fizerem estudos de etnia que envolvam estas variáveis.

Recebido para publicação em 28/07/1977

Aprovado para publicação em 25/10/1977

Apresentado ao III Congresso Latinoamericano de Genética, Montevideo – Uruguai, realizado de 6 a 12 de fevereiro de 1977

  • 1. BABSON, G. et al. Liveborn birth weights for gestational age of white middle class infants. Pediatrics, 45:937-43, 1970.
  • 2. CASTILLA, E. et al. Estudio latinoamericano sobre malformaciones congénitas. Bol. Ofic. sandt. panamer., 76: 494-502, 1974.
  • 3. ERHARDT, C. I. et al. Influence of weight and gestation on perinatal and neonatal mortality by ethnic group. Amer. J. publ. Hlth, 54:1841-55, 1964.
  • 4. GRUENWALD, P. et al. Influence of environmental factors on foetal growth in man. Lancet, 1:1026-8, 1967.
  • 5. KARN, M. N. & PENROSE, L. S. Birth weight and gestation time in relation to maternal age, parity and infant survival. Ann. Eugen., 16:147-51, 1951.
  • 6. LOVE, E. J. & KINCH, R. A. H. Factors influencing the birth weight in normal pregnancy. Amer. J. Obstet. Gynec., 91:342-9, 1965.
  • 7. NAYLOR, A. F. & MYRIANTHOPOULOS, N.C. The relation of ethnic and selected socio-economic factors to human birth weight. Ann. hum. Genet., 31:71-83, 1967.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1978

Histórico

  • Aceito
    25 Out 1977
  • Recebido
    28 Jul 1977
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