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Alguns aspectos do comportamento de cepas silvestres de Trypanosoma cruzi em camundongos e Calomys callosus (Rodentia)

Some aspects of the behavior of wild strains of Trypanosoma cruzi in mice and Calomys callosus (Rodentia)

Resumos

Foram estudadas quatro cepas silvestres de T. cruzi: M226 isolada de Calomys callosus (Rodentia) e R52, R64 e R65 isoladas de Didelphis albiventris (Marsupialia). Estes animais foram coletados no município de Formosa, Goiás, Brasil. Os aspectos abordados, relacionados com o comportamento destas cepas em camundongos "swiss" 40 e C. callosus nascidos em laboratório, foram: parasitemia, prepatência, letalidade e histopatologia. Os resultados indicaram que as quatro cepas tinham baixa virulência para os animais testados. A parasitemia sempre se apresentou baixa e regular para os C. callosus. Nos camundongos, só raramente a parasitemia era patente. A prepatência nos C. callosus variou em média entre 9,2 a 10,2 dias, enquanto nos camundongos ficou entre 12-48 dias. A letalidade para C. callosus foi 7,7% e para camundongos 12,0%. Os estudos histopatológicos mostraram que somente 17,2% dos C. callosus apresentaram parasitismo tissular, enquanto em 25% dos camundongos foram encontrados pseudocistos íntegros ou rompidos. Houve um nítido miotropismo das quatro cepas tanto nos camundongos quanto nos C. callosus.

Trypanosoma cruzi; Animais de laboratório


Four wild strains of T. cruzi were studied for this paper: M226 isolated from Calomys callosus (Rodentia) and R52, R64, and R65 from Didelphis albiventris (Marsupialia). The animals were captured in the county of Formosa in the State of Goias. trypanosome strains were studied in 40 Swiss mice and in laboratory stock of C. callosus. The following aspects were focused: parasitemia, prepatent period, lethality, and histopathologic reactions. Results indicated that these strains have low virulence for inoculated animals. Parasitemia was always low and regular for C. callosus. In mice, however, parasites were seen only in a few instances in the peripheral blood. The prepatent periods were 9.2 to 10.2 days for C. callosus and 12 to 48 days for mice. Lethality was 7.7% for C. callosus and 12% for mice. The parasites were found in the tissues of the inoculated animals in the proportions of 17.2% for C. callosus and 25% for mice. Tissue reaction in both rodent species showed that all the T. cruzi strains had strong affinity for skeletal or cardiac muscle.

Trypanosoma cruzi; Animals, laboratory


Alguns aspectos do comportamento de cepas silvestres de Trypanosoma cruzi em camundongos e Calomys callosus (Rodentia)* * Trabalho realizado com auxílio do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq — PDE/02-1-06, FUB-CNPq, cadastro n o 81.961)

Some aspects of the behavior of wild strains of Trypanosoma cruzi in mice and Calomys callosus (Rodentia)

Dalva A. MelloI; Edna ValinII; Maria Lúcia TeixeiraI

IDo Departamento de Medicina Complementar da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília — 70910 — Brasília, DF — Brasil

IIBolsista do CNPq

RESUMO

Foram estudadas quatro cepas silvestres de T. cruzi: M226 isolada de Calomys callosus (Rodentia) e R52, R64 e R65 isoladas de Didelphis albiventris (Marsupialia). Estes animais foram coletados no município de Formosa, Goiás, Brasil. Os aspectos abordados, relacionados com o comportamento destas cepas em camundongos "swiss" 40 e C. callosus nascidos em laboratório, foram: parasitemia, prepatência, letalidade e histopatologia. Os resultados indicaram que as quatro cepas tinham baixa virulência para os animais testados. A parasitemia sempre se apresentou baixa e regular para os C. callosus. Nos camundongos, só raramente a parasitemia era patente. A prepatência nos C. callosus variou em média entre 9,2 a 10,2 dias, enquanto nos camundongos ficou entre 12-48 dias. A letalidade para C. callosus foi 7,7% e para camundongos 12,0%. Os estudos histopatológicos mostraram que somente 17,2% dos C. callosus apresentaram parasitismo tissular, enquanto em 25% dos camundongos foram encontrados pseudocistos íntegros ou rompidos. Houve um nítido miotropismo das quatro cepas tanto nos camundongos quanto nos C. callosus.

Unitermos:Trypanosoma cruzi. Animais de laboratório.

ABSTRACT

Four wild strains of T. cruzi were studied for this paper: M226 isolated from Calomys callosus (Rodentia) and R52, R64, and R65 from Didelphis albiventris (Marsupialia). The animals were captured in the county of Formosa in the State of Goias. trypanosome strains were studied in 40 Swiss mice and in laboratory stock of C. callosus. The following aspects were focused: parasitemia, prepatent period, lethality, and histopathologic reactions. Results indicated that these strains have low virulence for inoculated animals. Parasitemia was always low and regular for C. callosus. In mice, however, parasites were seen only in a few instances in the peripheral blood. The prepatent periods were 9.2 to 10.2 days for C. callosus and 12 to 48 days for mice. Lethality was 7.7% for C. callosus and 12% for mice. The parasites were found in the tissues of the inoculated animals in the proportions of 17.2% for C. callosus and 25% for mice. Tissue reaction in both rodent species showed that all the T. cruzi strains had strong affinity for skeletal or cardiac muscle.

Uniterms:Trypanosoma cruzi. Animals, laboratory.

INTRODUÇÃO

Durante estudos ecológicos sobre reservatórios de Trypanosoma cruzi em regiões do cerrado do Brasil Central, foram isoladas três cepas deste parasito de Didelphis albiventris (= azarae) (Marsupialia) e uma de Calomys callosus (Rodentia).

Sem dúvida, além da identificação específica de amostras de T. cruzi isoladas de animais silvestres, o estudo destes parasitos "in vivo" ou "in vitro" pode contribuir com dados importantes à compreensão da manutenção do ciclo silvestre e suas implicações epidemiológicas e clínicas. Neste último aspecto, Andrade3 (1976) chama atenção para o fato de que o quadro clínico da doença de Chagas pode estar relacionada com a cepa do T. cruzi.

Embora tenham sido realizadas várias observações experimentais sobre amostras de T. cruzi isoladas de marsupiais e roedores, muita coisa deixa a questionar. O presente trabalho tem por objetivo principal o estudo de alguns aspectos de comportamento "in vivo" das cepas silvestres mencionadas no primeiro parágrafo.

MATERIAL E MÉTODOS

Origem das cepas de T. cruzi

Foram estudadas quatro cepas de T. cruzi, isoladas de animais silvestres a saber: R52 e R65 isoladas de duas fêmeas de D. albiventris (Marsupialia), capturadas na mata do Abadio, região do Rio Canabrava, nordeste de Formosa, Goiás, respectivamente em 20 de agosto e 17 de setembro de 1975; R64, foi também isolada de uma fêmea de D. albiventris, capturada na mata do córrego da Picada, município de Mambaí, Goiás, em 2 de setembro de 1975; M226, isolada de uma fêmea de C. callosus (Rodentia), capturada em 10 de novembro de 1975, na mesma região que as duas primeiras acima mencionadas. As quatro cepas apresentaram formas sanguícolas predominantemente largas.

As cepas foram isoladas a partir de xenos com ninfas do III, IV e V estágios de Triatoma infestans, Triatoma sordida, Rhodnius neglectus e Panstrongylus megistus. A manutenção das cepas antes de serem iniciados os estudos experimentais, era feita em C. callosus nascidos em laboratório e camundongos albinos, através de inoculações de fezes de barbeiros positivos e xenos.

Estudos Experimentais "in vivo" com as cepas silvestres de T. cruzi

Estes estudos foram iniciados um ano após as capturas dos animais infectados naturalmente com o T. cruzi.

Para experiências "in vivo" foram utilizadas duas espécies de roedores: C. callosus, com 34-48 dias de idade, procedentes de uma colônia mantida em laboratório a partir de setembro de 1974 e Mus musculus (camundongos) albino cepa "swiss" 40 com 21-36 dias de idade. Para cada cepa os animais foram inoculados com fezes de barbeiros positivos com predominância de tripomastigotas, na proporção de 50% do material fecal com 50% de salina, o inóculo foi de 0,1 ml por via intraperitoneal. O número total de animais utilizados por cepa foi: R52 — 15 C. callosus e 20 camundongos, R64 — 15 C. callosus e 13 camundongos, R65 — 20 C. callosus e 20 camundongos e M226 — 15 C. callosus e 10 camundongos.

Após os 4 dias que se seguiram as inoculações, foram iniciados exames diários de sangue dos animais infectados, para observar o período de prepatência. Após a primeira detecção de tripomastigotas no sangue, os exames passavam a ser realizados em dias alternados com a contagem dos parasitos para seguir a evolução da parasitemia. A contagem dos parasitos foi feita de acordo com o método de Brener 9 (1961). A parasitemia foi acompanhada durante 63 dias após às inoculações.

O período de manutenção dos animais inoculados que sobreviviam à infecção foi de 90 dias, quando então eram todos submetidos a xeno com ninfas de III, IV e V estágios de T. infestans, R. neglectus e P. megistus. Os triatomíneos assim alimentados eram examinados após 30 dias do repasto sanguíneo. Após os xenos eram sacrificados, e fragmentos do coração, fígado, baço, esôfago, intestino grosso e músculo da coxa eram fixados em formol 10% para os estudos histopatológicos. Os tecidos assim fixados e incluídos em parafina eram coletados em secções de 5 µm de espessura e corados com hematoxilina-eosina.

RESULTADOS

As Tabelas 1 e 2 apresentam respectivamente os resultados obtidos sobre o período de prepatência em C. callosus e camundongos infectados com as quatro cepas de T. cruzi.

Na Tabela 3 encontra-se a evolução da parasitemia em C. callosus acompanhada durante 63 dias após as inoculações. Como pode ser observado, a parasitemia foi relativamente baixa com a elevação gradual da curva. Os picos mais elevados situam-se entre o 23o-33o dia para a cepa 31o dia para a cepa M226. Nas quatro cepas estudadas, foi observado que a partir do 39o dia após as inoculações a parasitemia decrescia. Apesar das diferenças nos dias dos picos mais elevados, pode ser observado, no entanto, uma nítida superposição na ampiltude observada, como mostram os dados da Tabela 3.

A evolução da parasitemia nos camundongos inoculados só foi possível ser acompanhada em dois animais inoculados com a cepa R52 e dois inoculados com a cepa R64 (Tabela 4). Os outros camundongos só raramente apresentaram parasitemia patente, sendo esta sempre em níveis muito baixos, variando entre 50 a 100 tripanosomas/5mm3.

Os dados apresentados sobre a letalidade nas duas espécies de animais infectados com as cepas silvestres de T. cruzi encontram-se registrados na Tabela 5. A letalidade no total de animais estudados foi significantemente maior para os camundongos (12,0%) do que para os C. callosus (7,7%). Considerando, entretanto, cada cepa isolada, a letalidade só foi significantemente maior para os camundongos inoculados com a R52 (P < 0,01).

Os resultados dos xenos aplicados em todos os animais inoculados foram positivos para T. cruzi, tendo sido encontradas formas epimastigotas e tripomastigotas.

Na Tabela 6 estão os dados sobre o número de C. callosus e camundongos encontrados com parasitismo tecidual para as quatro cepas silvestres de T. cruzi estudadas. No total de 29 C. callosus estudados só foi possível detectar pseudocistos contendo formas amastigotas em 5 indivíduos, i.e. em 17,2%. Entre os camundongos, só em 25% (9 animais) foram encontrados ninhos de amastigotas. Nas duas espécies de roedores o parasitismo tecidual encontrava-se na musculatura cardíaca e esquelética.

A Tabela 7 apresenta os resultados sobre o tropismo tecidual das quatro cepas de T. cruzi estudadas nas duas espécies de roedores experimentalmente infectados. Entre os C. callosus infectados e estudados do ponto de vista histopatológico, somente em 17 animais foram encontradas lesões com ou sem parasitismo tecidual. Entre os camundongos, somente 6 foram negativos para qualquer tipo de lesão ou reação. O quadro histopatológico tanto para o C. callosus quanto para o camundongo revelou reações inflamatórias, com ou sem parasito, consistindo de infiltrações de células mononucleares e destruição de miofibras e de células neuronais do plexo nervoso mioentérico de tubo digestivo. Áreas de fibrose foram também observadas em C. callosus e camundongos.

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

Tem-se demonstrado que existem diferenças morfológicas e biológicas de cepas de T. cruzi isoladas de humanos e animais silvestres.

Brener e Chiari10 (1963), Brener7,8 (1965 e 1969), Andrade2,3 (1974 e 1976) combinaram as variações morfológicas que ocorrem nas formas sanguícolas (largas, bojudas, delgadas) com o comportamento em meios acelulares e em camundongos. O último autor verificou uma nítida relação entre essas diferentes formas de tripomastigotas, a evolução da infecção em camundongos e as manifestações clínicas no homem. Mais recentemente Sogayar82 (1978) estudou n comportamento de 6 cepas de T. cruzi de humanos e de triatomíneos, em ratos, verificando resultados contraditórios aos então achados em camundongos. Todos esses trabalhos citados referem-se apenas a T. cruzi isolado de humanos ou triatomíneos.

Nussenzweig e col.27 (1963) ao estudarem aspectos imunológicos de amostras isoladas de D. albiventris e D. marsupialis, verificaram comportamento diferente com relação à amostras humanas. Nussenzweig e Goble 26 (1966) estudando amostras de T. cruzi de diferentes origens mostraram que elas poderiam ser agrupadas em três tipos imunológicos distintos: tipo A — 5 cepas humanas, 2 de morcegos e 1 de triatomíneo; tipo B — 3 de gambá, 2 de macacos e 1 de roedor; e tipo C — 1 de mustelídeo.

Miles e col.25 (1977) estudando isoenzimas, verificaram dois grupos padrões distintos de cepas de T. cruzi. Estes autores mostraram que este aspecto poderia ter importância epidemiológica, uma vez que a origem das amostras estudadas e agrupadas, no grupo I, haviam sido isoladas de ambiente doméstico, enquanto do grupo II, haviam sido isoladas do ambiente silvestre

Várias espécies de roedores e marsupiais têm sido incriminadas como reservatórios de T. cruzi. A literatura indica que entre os primeiros, 44 espécies foram encontradas alberbergando este parasito. Entre os marsupiais conta-se até o momento com 14 espécies incriminadas como reservatórios do T. cruzi.

No Brasil, citam-se entre outros, os trabalhos de Deane12 (1960), Ferriolli Filho e Barretto14,15,16 (1965 e 1966), Siqueira e col.31 (1967), Albuquerque e Barretto1 (1968), Funayama e Barretto17 (1969), Ribeiro30 (1973) e Mello e Teixeira24 (1977), sobre T. cruzi isolados de roedores. Os resultados desses trabalhos mostraram sempre que as amostras de T. cruzi dos roedores estudados apresentavam infecções leves em animais de laboratório (camundongos, ratos e cobaias). As parasitemias eram sempre baixas só raramente atingindo níveis superiores a 1.000' parasitos/mm3 entre os 18 — 50o dia de infecção. A letalidade, também baixa, de 0-14% a exceção de uma amostra isolada de C. tener que foi de 46,7%. A prepatência ficou entre 4-14 dias com uma média em torno de 7 dias.

Analisando-se os dados obtidos no presente trabalho com a cepa M226 (a qual foi caracterizada especificamente no seu isolamento original por Mello e Teixeira 24, 1977), verifica-se concordância com os dados apresentados na literatura referida no parágrafo acima sobre a baixa virulência das cepas isoladas de roedores. De fato, analisando-se as Tabelas 3 e 5 sobre os resultados obtidos com C. callosus nascidos em laboratório, verifica-se que os picos de parasitemia foram baixos, variando de 530-350 entre 25o - 29o dia após a infecção, enquanto a letalidade foi de zero. A prepatência (Tabela 1) foi em média de 9,80 dias. As infecções nos camundongos foram ainda mais leves do que as observadas em C. callosus, pois só raramente se detectava tripomastigotas no sangue circulante embora os xenos praticados nestes animais tenham sido positivos.

No que concerne à literatura sobre T. cruzi isolado de marsupiais, citam-se aqui os trabalhos de Correa e Barretto 11 (1964), Barretto e col.5,6 (1964, 1966), Funayama e Barretto18 (1971) que além de se referirem a estudos de amostras por eles isoladas, trazem uma extensa revisão bibliográfica sobre o assunto.

Os resultados obtidos com amostras de T. cruzi de D. albiventris e D. aurita, estudadas por Barretto e col.5 (1964), indicam baixa virulência tanto para camundongos quanto para ratos jovens. Como dizem os autores "a infecção é muito leve e as vezes inaparente". Os mesmos achados foram obtidos neste trabalho com as cepas R52, R64 e R65 quando inoculadas em camundongos. Como se vê na Tabela 4, entre 43 camundongos inoculados, apenas dois infectados com a cepa R52 e dois com R64 apresentaram uma parasitemia patente regular, embora baixa com picos de 250 a 300 parasitos/5mm3 e 3.400 a 4.750 parasitos/5mm3 respectivamente, A letalidade variou de 20%, 0 e 10% para as cepas R52, R64 e R65. Os resultados obtidos com os C. callosus inoculados com as três cepas de D. albiventris indicam que estes animais são mais sensíveis em adquirirem a infecção do que os camundongos. Sempre apresentaram parasitemia patente com picos de 7.632 parasitos/5mm 3 (R52) no 31o dia de infecção, 1.225 parasitos/5mm 3 (R64) no 17o dia e 1.450 parasitos/5mm3 (R65) no 37o dia. A letalidade para C. callosus foi, no entretanto, mais baixa: 6,6% (R52), 0 (R64) e 20% (R65).

Em trabalhos mais recentes, Zeledon e Ponce34 (1972) estudando amostras de T. cruzi isoladas dos marsupiais Philanderopossum, D. marsapialis e Marmosa alstoni, em camundongos, verificaram resultados concordantes com os aqui obtidos, i.e., infecções sempre moderadas.

Embora não tenha sido objeto de estudo no trabalho ora apresentado, vale salientar, no entretanto, que foram feitas infecções experimentais por via intracerebral em camundongos de 5 dias com a cepa R52. Estes experimentos não lograram êxito no sentido de se exarcerbar a virulência da cepa. Nesse experimento foram utilizados 17 camundongos "babies" em duas ocasiões (8,9 animais) diferentes. Os resultados obtidos com estes animais foram semelhantes aos acima descritos.

O encontro de pseudocistos como mostra a Tabela 6, contendo formas amastigotas de T. cruzi em fibras musculares estriadas, reconfirmou a infectividade das quatro cepas silvestres de T. cruzi estudadas nesta pesquisa, para C. callosus e camundongos. A predileção do parasitismo tecidual para musculatura cardíaca e esquelética evidencia o caráter miotrópico destas cepas. Outro aspecto histopatológico que chamou atenção neste trabalho, foi o encontro de lesões cardíacas, digestivas e da musculatura esquelética na ausência do parasito "in situ". Este achado e o encontro de fibras musculares destruidas por células mononucleares indicam que cepas de T. cruzi isoladas de animais silvestres são capazes de produzir reações imunes de hipersensibilidade retardada, responsável pelas lesões teciduais encontradas nos grupos infectados. Achados semelhantes aos descritos aqui foram encontrados em infecções naturais em humanos, ou experimentais em animais com cepas de origem humana (Andrade4, 1958 e Teixeira e col.33, 1975).

Espinoza 13 (1953) estudando amostras isoladas de D. albiventris, inoculadas em camundongos, embora não apresente descrições detalhadas, observou "lesões características e ninhos de amastigotas".

Zeledon e Ponce34 (1972), verificaram que uma amostra de T. cruzi isolada de D. marsupialis apresentava neurotropismo com invasão moderada do parasito no cérebro. A maioria dos camundongos apresentavam como sintomatologia evidente, sonolência, sugerindo encefalite.

Embora no trabalho ora apresentado não tenha sido objeto de estudo a observação em cativeiro dos animais naturalmente infectados, os D. albiventris, dos quais foram isoladas as cepas de T. cruzi R52, R64 e R65, foram mantidos vivos no laboratório até advir a morte espontânea. A sobrevivência destes animais foi a seguinte: animal infectado com a R52 sobreviveu 3 meses; com a R64, 1 ano e 6 meses e com a R65, 1 ano e 11 meses. Nestes animais foram realizados xenos e exames de sangue à fresco em períodos regulares até a morte. Os resultados dos xenos sempre foram positivos enquanto no sangue só raramente havia parasitemia patente e com níveis muito baixos.

Sem dúvida, estas observações embora preliminares, reforçam a importância de D. albiventris como reservatório de T. cruzi, considerando que em certas circunstâncias ecológicas estes marsupiais são freqüentadores assíduos do peridomicílio e domicílio. Espinoza13 (1953), Barretto e col.5 (1964), Barretto e col.6 (1966), Zeledon e col.35 (1970) e Pifano29 (1973), chamam atenção para o papel epidemiológico que espécies de marsupiais do gênero Didelphis possam ter na transmissão do T. cruzi.

No que se refere aos dados aqui obtidos com os experimentos realizados com C. callosus e camundongos chamar-se-ia atenção ao fato da primeira espécie manter uma parasitemia patente, regular e por períodos longos para as quatro cepas estudadas. Sem dúvida, considerando os problemas que existem sobre isolamentos de cepas silvestres de T. cruzi em animais habituais de laboratório, os resultados aqui obtidos para C. callosus, constituem um dado importante. Como mostraram os trabalhos de Petter e col.28 (1967), Justines e Johnson20 (1970), Mello21,23 (1977 e 1978), C. callosus é um animal de excelente adaptação em laboratório, podendo tornar-se um modelo para diferentes experimentos (Justines e Johnson 19, 1969 e Mello22, 1978).

Recebido para publicação em 16/04/1979

Aprovado para publicação em 19/06/1979

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    Trabalho realizado com auxílio do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq — PDE/02-1-06, FUB-CNPq, cadastro n
    o 81.961)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1979

    Histórico

    • Aceito
      19 Jun 1979
    • Recebido
      16 Abr 1979
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