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Avaliação dos critérios de triagem visual de escolares de primeira série do primeiro grau

Evaluation of the criteria of the visual screening of elementary school first graders

Resumos

Foram avaliados os resultados de triagem visual realizado por professores em alunos de primeira série do primeiro grau de uma escola estadual, considerando os critérios de encaminhamento a exame especializado preconizados no Plano de Oftalmologia Sanitária Escolar do Estado de São Paulo, Brasil. Entre 411 escolares examinados verificou-se a existência de 48 casos de falsos positivos (encaminhamentos desnecessários) e de 5 casos de falsos negativos (erroneamente não encaminhados). Evidenciaram-se 36 casos (75%) de falsos positivos ocorridos em alunos com acuidade visual acima do limite considerado para encaminhamento, concluindo-se que se faz necessário um reforço periódico na orientação desses aplicadores, visando à diminuição desse número. Foi analisado o critério de encaminhar crianças com acuidade visual igual ou menor do que 0,7, concluindo-se que dentro das limitações de recursos assistenciais, este é um critério conveniente, em se tratando de oftalmologia sanitária.

Visão; Oftalmologia sanitária; Saúde escolar; Acuidade visual


An evaluation of the results of a visual screening carried out by teachers of public elementary school children considers the referral criteria for a specialized examination recommended in the plan for Preventive Ophthalmology in schools in the State of S. Paulo (Brazil). Among the 411 school children examined, there were 48 over-referral cases and 5 under-referrals. In analysing the over-referrals, it became evident that 36 cases (75%) occurred in pupils with visual acuity above the referral limit considered and that periodic reinforcement in orientation of testers is needed to lessen the number of errors in referrals. Analysis of the referral criterion of 0.7 or less leads to the conclusion that, within the limitations of the resources of medical assistance, it is a convenient criterion in preventive ophthalmology.

Vision; Sanitary ophthalmology; School health; Visual acuity


Avaliação dos critérios de triagem visual de escolares de primeira série do primeiro grau* * Apresentado ao XX Congresso Brasileiro de Oftalmologia — São Paulo, setembro/1979.

Evaluation of the criteria of the visual screening of elementary school first graders

Newton Kara JoséI; Edméa Rita TemporiniII

IDo Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da USP — Av. Dr. Arnaldo, 455 — 01246 — São Paulo, SP — Brasil e da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

IIDo Departamento de Assistência ao Escolar da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação — Rua Piratininga, 85 — 03042 — São Paulo, SP — Brasil

RESUMO

Foram avaliados os resultados de triagem visual realizado por professores em alunos de primeira série do primeiro grau de uma escola estadual, considerando os critérios de encaminhamento a exame especializado preconizados no Plano de Oftalmologia Sanitária Escolar do Estado de São Paulo, Brasil. Entre 411 escolares examinados verificou-se a existência de 48 casos de falsos positivos (encaminhamentos desnecessários) e de 5 casos de falsos negativos (erroneamente não encaminhados). Evidenciaram-se 36 casos (75%) de falsos positivos ocorridos em alunos com acuidade visual acima do limite considerado para encaminhamento, concluindo-se que se faz necessário um reforço periódico na orientação desses aplicadores, visando à diminuição desse número. Foi analisado o critério de encaminhar crianças com acuidade visual igual ou menor do que 0,7, concluindo-se que dentro das limitações de recursos assistenciais, este é um critério conveniente, em se tratando de oftalmologia sanitária.

Unitermos: Visão, testes. Oftalmologia sanitária. Saúde escolar. Acuidade visual.

ABSTRACT

An evaluation of the results of a visual screening carried out by teachers of public elementary school children considers the referral criteria for a specialized examination recommended in the plan for Preventive Ophthalmology in schools in the State of S. Paulo (Brazil). Among the 411 school children examined, there were 48 over-referral cases and 5 under-referrals. In analysing the over-referrals, it became evident that 36 cases (75%) occurred in pupils with visual acuity above the referral limit considered and that periodic reinforcement in orientation of testers is needed to lessen the number of errors in referrals. Analysis of the referral criterion of 0.7 or less leads to the conclusion that, within the limitations of the resources of medical assistance, it is a convenient criterion in preventive ophthalmology.

Uniterms: Vision, tests. Sanitary ophthalmology. School health. Visual acuity.

INTRODUÇÃO

A preocupação em detectar problemas oculares em crianças é verificada, pelo exame da literatura específica, em várias partes do mundo. Com esta finalidade, observa-se o desenvolvimento de programas de triagem visual, desde o ingresso da criança à escola, no chamado jardim de infância, repetindo-se o processo na pré-escola e na escola primária 3,6,8,12,16.

Os especialistas concordam quanto à importância da descoberta precoce de problemas visuais, como forma decisiva para a correção e minimização de problemas futuros graves.

Ingram citado por Perkins13 (1973) na Inglaterra, ao realizar exame ocular de escolares triados, verificou que aproximadamente metade das crianças com desvios ou problemas de refração associados a estrabismo e ambliopia, estavam com cerca de 7 anos quando o problema foi detectado pela primeira vez. Nesta idade, a maioria das crianças já ultrapassou a fase de melhor resultado terapêutico.

Sabe-se que certos problemas oftalmológicos se não descobertos e tratados precocemente, como por exemplo a ambliopia e o estrabismo, podem ser causa de problemas permanentes e irreversíveis.

Segundo Brik3 (1971) "um paciente amblíope, normalmente, não tem consciência de sua condição, que se desenvolve precocemente na infância; muitas vezes, a ambliopia já está permanentemente estabelecida no início da idade escolar".

Dunlap 4 (1971), afirma que a ambliopia é uma das maiores causas de cegueira prevenível e, como tal, requer nossa atenção.

Estudos realizados por Von Noorden17 (1964) mostraram que o tratamento da ambliopia em crianças de grupo etário mais avançado deixa muito a desejar quanto aos resultados alcançados. Segundo ele, a ambliopia poderia ser eliminada se fosse descoberta e tratada na idade de 4 e 4,5 anos.

Do ponto de vista de saúde pública, é muito dispendioso e mesmo inexequível, pela falta de recursos especializados, a investigação de problemas oculares em crianças, por oftalmologistas, em exame de massa. Conforme afirmam Wick e Ricker18 "o especialista deve trabalhar num grau mais alto de competência, avaliando e corrigindo problemas e não pesquisando os normais".

Considera-se válido o exame oftalmológico de massa, apenas com finalidade de pesquisa, seja para levantamento de dados epidemiológicos, seja para controle das condições de atendimento de determinada população.

Dessa maneira, a solução ainda é a da aplicação de triagem oftalmológica por pessoal não-médico, treinado e supervisionado, em populações aglutinadas em escola, ou clientela que procura serviços pediátricos do Estado, dentro do grupo etário onde os problemas visuais se apresentam como prioridade1. Nesse enfoque, Temporini e col.16 (1977) afirmam que a aplicação de teste de acuidade visual e a observação de sinais e sintomas indicativos de problemas pelo professor em classe, apresentam-se como as formas mais aconselháveis para a detecção de problemas visuais, considerando a realidade do nosso meio.

Os estudiosos concordam em que a maioria dos métodos usados por leigos não são ainda suficientemente precisos, ocorrendo, em todos eles, uma percentagem de identificações incorretas, ou seja, de falsos positivos (crianças encaminhadas desnecessariamente ao oftalmologista) e de falsos negativos (crianças erroneamente não encaminhadas ao oftalmologista) 2,3,5,12,18.

North11 (1974) afirma que não há evidência suficiente para julgamento quanto ao custo aceitável de falsos positivos, num programa de triagem visual.

A "National Society for the Prevention of Blindness"10, em 1966, faz a seguinte recomendação: "Considerando as grandes diferenças de opinião sobre os testes que se deveriam utilizar num programa escolar, tanto a decisão como o método devem ser estabelecidos em nível local, fazendo valer o conhecimento e a experiência do administrador escolar, médico escolar, enfermeira escolar, educador em saúde, oftalmologista e outros profissionais ligados ao assunto".

Em nosso meio, José e col.8 (1977) enfatizaram constituirem-se os problemas oftalmológicos, na idade escolar, uma das prioridades que devem ser consideradas num programa de Saúde Escolar.

Atentando para esse aspecto, o Serviço de Saúde Escolar (atual Departamento de Assistência ao Escolar-DAE) — órgão da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo — vinha promovendo orientação educativa ao pessoal de ensino e assistência médica especializada aos escolares com problemas de visão, desde a década de 1950 8.

Em 1971, o Serviço de Ensino Primário, associado ao Serviço de Saúde Escolar e a Serviços da Secretaria de Saúde, propiciou aos orientadores pedagógicos de saúde, com atuação nas escolas de primeiro grau do Estado, um Seminário sobre oftalmologia sanitária escolar 8.

A partir desse embasamento dos técnicos visando à orientação de professores da rede de ensino e, conseqüentemente, dos alunos e pais, foi sentida a necessidade da sistematização das ações de oftalmologia sanitária nas escolas.

Um grupo de técnicos das Secretarias da Educação e da Saúde, constituído por médicos, enfermeiros, pedagogos e educadores de saúde pública, elaborou o Plano de Oftalmologia Sanitária Escolar (POSE) 14, que se desenvolveu no Estado de São Paulo, no período de 1973 a 1976.

O referido Plano atingiu as unidades escolares estaduais de primeiro grau das 18 Divisões Regionais de Ensino do Estado através da atuação dos técnicos do DAE.

A população-alvo da programação constituia-se de escolares de pré-escola, classes especiais e de primeira série do I grau.

Como primeira etapa do trabalho, em nivel de escola, era medida a acuidade visual dos alunos pelo professor, utilizando-se da tabela optométrica de Snellen. Após reteste e/ou mediante a observação de sinais e sintomas indicativos de problemas visuais, o professor encaminhava os casos identificados à assistência médica-oftalmológica existente na comunidade, representada por recursos oficiais ou particulares.

Verifica-se, portanto, que a atuação do professor se constituia em ponto-chave do POSE, desde a sua etapa inicial, contribuindo fundamentalmente para a detecção de problemas oftalmológicos do escolar.

Considerando que o POSE 14 previa nos seus objetivos a realização de estudos e pesquisas sobre a problemática oftalmológica em nosso meio e o interesse dos técnicos de educação em saúde, que orientavam os professores, em avaliar a aplicação de teste e os encaminhamentos realizados a nível de escola, um grupo de oftalmologistas e educadores de saúde pública propôs-se a estudar tais aspectos na população escolar de uma unidade estadual de I grau.

Considerando os critérios de triagem oftalmológica estabelecidos pelo POSE14 e a atuação do professor como agente triador8,16, o presente trabalho propõe-se a:

— analisar os encaminhamentos desnecessários (falsos positivos) e os encaminhamentos não realizados e que deveriam tê-lo sido (falsos negativos), na população estudada;

— avaliar que nível da acuidade visual (0.9 - 0.8 - 0.7 - 0.6 ou 0.5) deveria ser considerado para encaminhamento a exame especializado, com a ocorrência do menor número de falsos negativos e falsos positivos, na referida população.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo abrangeu população escolar de 411 alunos pertencentes a classes de primeira série da Escola Estadual de I Grau (EEPG) Cel. Domingos Quirino Ferreira, bairro de Vila Guarani, no município de São Paulo. Nessa escola, como preconizava o POSE14, os professores, devidamente orientados, aplicavam de rotina o teste de acuidade visual em seus alunos, utilizando a tabela de Snellen.

O grupo em estudo já havia sido testado e retestado pelos professores por ocasião da pesquisa e os casos considerados suspeitos de problemas visuais, através dos resultados do teste ou da observação de sinais e sintomas pelo professor, já haviam sido encaminhados e atendidos por especialistas.

A pesquisa foi planejada e executada no final do segundo semestre do ano, sendo portanto desconhecida a sua realização pelo pessoal da escola, na época da aplicação do teste e encaminhamento dos escolares.

Considerou-se para o presente trabalho apenas a população escolar sobre a qual se dispunha do registro de dados do professor relativos à medida da acuidade visual (teste e reteste) e aos encaminhamentos por ele realizados.

Conforme procedimentos descritos em pesquisa anterior16, foi constituída uma equipe de quatro oftalmologistas e duas educadoras de saúde pública, e elaborada ficha para registro dos dados necessários. A atuação das educadoras de saúde pública dirigiu-se para o esclarecimento sobre o que se pretendia realizar às autoridades de ensino da região e da escola, orientação aos professores quanto à natureza do exame, ao fichamento dos alunos, ao preparo do escolar e dos pais e providêncais relativas à organização funcional da escola, visando a não interrupção das suas atividades rotineiras.

Os escolares foram testados pelos oftalmologistas integrantes da equipe, dentro da própria escola, utilizando-se estes, da mesma forma que os professores, da técnica de aplicação do teste de acuidade visual preconizada pelo POSE14.

O exame oftalmológico foi realizado utilizando-se a mesma técnica descrita em trabalho anterior15, ou seja, após exame de acuidade visual com a tabela optométrica de Snellen, procedeu-se aos exames externo e da motilidade ocular extrínseca ("Cover-test"). Efetuou-se retinoscopia sob cicloplegia (cloridrato de ciclopentolato a 1,0%), seguindo-se teste estático e exame de fundo de olho, tendo-se prescrito tratamento nos casos necessários.

Para a análise dos critérios de encaminhamento utilizados pelo professor, nos casos em que este assim procedeu, tomou-se como ponto de referência os seguintes critérios de prioridade recomendados pelo POSE14:

1. Escolares portadores de menos de 0,3 de visão (ambos os olhos).

2. Escolares portadores de estrabismo.

3. Escolares com 0,3 a 0,5 de visão (ambos os olhos).

4. Escolares que apresentem sinais e sintomas de problemas visuais observados pelo professor, embora com acuidade visual normal quando submetidos à aplicação do teste.

5. Escolares portadores de diferença de 0,2 de visão, ou mais, entre um olho e outro.

6. Escolares portadores de cegueira monocular.

7. Escolares com 0,5 a 0,7 de visão.

8. Demais casos.

Esses critérios foram estabelecidos com a finalidade de orientar os professores quanto ao encaminhamento dos escolares testados, de acordo com a provável gravidade do caso e tendo em vista a limitação de recursos assistenciais existentes. Considerando que, no POSE 14, foi estabelecido como critério para encaminhamento a exame especializado, valor de acuidade visual igual ou menor do que 0,7, procurou-se investigar a validade desse critério em função dos casos falsos positivos e falsos negativos encontrados na população estudada.

RESULTADOS

Os dados obtidos neste estudo estão apresentados nas Tabelas 1 a 7.

Verifica-se na Tabela 1 o número de crianças triadas acertadamente pelo professor (358), em confronto com aquelas triadas de forma errônea (53), conforme verificação posterior da equipe de oftalmologistas.

A Tabela 2 apresenta os 358 escolares triados acertadamente, distribuídos em 56 positivos (15,64%), ou seja, aqueles encaminhados corretamente a exame oftalmológico e 302 negativos (84,36%), não encaminhamos corretamente por não terem apresentado problema visual.

Na Tabela 3 são apresentados os casos incorretamente triados. Procurou-se aqui demonstrar a dimensão do erro relativo em cada um dos seus sentidos, falsos positivos e falsos negativos. A proporção de erros resultantes de encaminhamentos desnecessários (falsos positivos) foi de 90,57%, bem superior à decorrente da falta de encaminhamento dos alunos com problemas visuais, ou seja, de 9,43% (falsos negativos). Deve-se ressaltar que tais resultados foram obtidos com base no número total de casos incorretos e não relativamente ao número total de casos estudados resultando daí uma proporção que, à primeira vista, afigura-se muito maior para os casos de encaminhamentos desnecessários.

A Tabela 4 mostra os 48 casos falsos positivos, distribuídos entre os que assim foram considerados, por falhas na aferição da acuidade visual (25%) e aqueles encaminhados por decisão incorreta do professor, uma vez que apresentavam acuidade visual igual ou superior a 0,8 no olho pior e sem diferença maior do que uma linha entre ambos os olhos (75%).

Aplicou-se aos dados apresentados na Tabela 5 o teste de McNemar (citado por Marques 9) por se tratar de populações não independentes, utilizando-se um c2 crítico com um grau de liberdade e ao nível de 0,05, ou seja, 3,84.

O c2 observado com correção para continuidade foi de 34,8 evidenciando uma discordância significativa (ao nível de 0,05) entre as classificações realizadas por professores e oftalmologistas. Admitindo-se que a discordância tenha ocorrido por erro de triagem do professor, procurou-se medir esse erro em termos de proporção de falsos positivos e de falsos negativos.

A Tabela 6 apresenta o número de falsos positivos e de falsos negativos que ocorreriam na população estudada se fossem aplicados pelo professor os critérios de acuidade visual de 0,9 a 0,5, para encaminhamento dos casos à atenção especializada.

Observa-se que em todos os critérios considerados ocorreriam casos de falsos positivos e de falsos negativos.

Todavia, a real situação é evidenciada na Tabela 7, que mostra a freqüência acumulada dos casos falsos positivos e falsos negativos. Assim, se o critério escolhido para determinar o encaminhamento fosse 0,9 apresentar-se-iam 60 falsos positivos e 2 falsos negativos; considerando o critério 0,7 haveria 14 falsos positivos e 11 falsos negativos; se considerado o critério 0,5 apareceriam apenas 3 falsos positivos, porém grande número de falsos negativos (32 casos).

As freqfreqüências apresentadas na Tabela 7 estão acumuladas, uma vez que os indivíduos falsos positivos, por exemplo, no critério de 0,5, somar-se-ão aos falsos positivos em 0,6 que, por sua vez, serão somados à freqüência em 0,7 e assim por diante. O mesmo raciocínio, porém em sentido inverso, aplica-se aos falsos negativos, ou seja, o número deles encontrado em 0,9 deverá ser somado aos falsos negativos detectados em 0,8 e assim cumulativamente.

DISCUSSÃO

A aferição da acuidade visual de escolares pelo professor foi sistematizada no Estado de São Paulo através do POSE14, que estabeleceu, ainda, critérios de encaminhamento do aluno para exame oftalmológico.

Temporini e col.16 (1977) encontraram uma concordância de resultados de 80,86% entre o professor e o oftalmologista, no que se refere à medida da acuidade visual.

Estudos têm demonstrado que idealmente toda criança deveria ser submetida a exame oftalmológico aos 4, 7 e 13 anos12. No Estado de Michigan, USA, desde 1968 é obrigatório por lei, a toda criança um exame oftalmológico quando do ingresso a qualquer escola pública, privada ou paroquial 7.

Do ponto de vista de Saúde Publica, em oftalmologia sanitária, é necessário que se considere a limitação de recursos assistenciais especializados existentes em nosso meio, estabelecendo critérios de prioridade para encaminhamento.

O exame da Tabela 1 indica que a triagem realizada pelos professores da unidade escolar estudada apresenta considerável percentual de acertos (87,10%). O resultado de 12,90% de casos triados incorretamente, considerando a já referida limitação de recursos para atendimento oftalmológico, traz alguma inquietação.

Tal fato é confirmado através do teste de McNemar (citado por Marques 9) aplicado aos dados da Tabela 5, onde se obteve uma discordância significativa entre as classificações realizadas por professores e olftalmologistas. Tendo em vista que 90,57% da triagem incorreta foi representada por falsos positivos (Tabela 3), a programação pode-se tornar dispendiosa em se tratando de saúde pública, embora do ponto de vista clínico, deva ser ressaltada a importância de evitar-se os falsos negativos.

Na população estudada, uma criança que apresentou 0,7 de acuidade visual dificilmente deixaria de necessitar de atendimento especializado. Ocorre, porém, que por falha na aplicação do teste de acuidade visual, seja por falha do aplicador, seja porque o indivíduo testado informou mal, crianças foram registradas com medida da acuidade abaixo da realidade, convertendo-se em falsos positivos (Tabela 4). Pelas mesmas razões, crianças tiveram seu resultado falseado para mais, convertendo-se em falsos negativos (Tabela 3).

É importante, no entanto, ressalvar que nenhum dos métodos de triagem usados até hoje é perfeito, aparecendo sempre falsos positivos e falsos negativos.

No estudo em questão, 75% dos falsos positivos ocorreram devido a provável erro de interpretação dos critérios estabelecidos pelo POSE por parte dos professores (Tabela 4), que enviaram para exame, alunos com mais de 0,7 de acuidade visual no olho pior e, principalmente, com acuidade 0,9. Isto parece revelar a preocupação de alguns professores em encaminhar qualquer aluno que não atingisse a linha de 1,0 da tabela de Snellen.

A comparação entre os resultados obtidos pelos professores e os obtidos pelos oftalmologistas mostrou que ocorreram mais erros de falsos positivos do que de falsos negativos. A esse respeito, pode-se levantar a hipótese de que os professores, em caso de dúvida, apresentam mais tendência a encaminhar em excesso do que em deixar de enviar a criança ao médico.

Estes resultados apresentam-se como sumamente importantes, pois mostram a necessidade de reforçar junto aos professores que uma criança com 0,8 de visão, sem diferença de acuidade entre os olhos, superior a duas linhas e sem queixas de astenopia visual, mesmo que necessitada de correção óptica, quase certamente não será prejudicada pela falta de encaminhamento, não se enquadrando dentro daqueles casos que podem ter seu prognóstico prejudicado pelo atraso no atendimento oftalmológico.

Uma melhor orientação nesse sentido pode levar à considerável diminuição do excesso de encaminhamentos e ao aperfeiçoamento do método de triagem, tendo em vista que "é altamente válida a aplicação do teste de acuidade visual em escolares pelo professor devidamente treinado"16.

Daí a necessidade de que o aplicador de teste de acuidade visual deve ser aferido regularmente, ao menos a cada 1 - 2 anos 12.

Um dos critérios de encaminhamento estabelecidos pelo POSE é o de acuidade visual igual ou menor do que 0,7 no olho pior 14. A Tabela 7 mostra que se o critério fosse, por exemplo 0,8, o número de falsos positivos seria maior do que o dobro encontrado no critério 0,7, ou seja, converter-se-ia em dispendioso exagero em programação de saúde pública. Caso o critério fosse 0,5, o número de falsos positivos — que é o principal erro a ser evitado em programas desse tipo — seria aumentado de quase três vezes. Assim, o critério 0,7 parece ser dos mais acertados.

CONCLUSÕES

— O estudo mostrou a ocorrência de casos falsos positivos e falsos negativos, na aplicação de teste de acuidade visual em escolares, pelos professores, com predominância dos falsos positivos.

— Os professores atuaram corretamente em 87,10% dos casos encaminhados, não obstante ter sido considerada significativa a discordância (ao nível de 0,05) entre as classificações realizadas por professores e por oftalmologistas.

— O critério de encaminhar-se crianças com acuidade visual de 0,7 a exame médico-oftalmológico é conveniente, em se tratando de programação de oftalmologia sanitária.

Face a essas conclusões, recomenda-se:

— O treinamento do professor para realizar triagem visual de escolares.

— O reforço periódico do treinamento desses professores, pelo menos a cada 2 anos.

— A realização periódica de pesquisas para a avaliação das técnicas utilizadas no programa.

AGRADECIMENTOS

À equipe de médicos-oftalmologistas formada pelos Drs. Francisco Martins da Silva, João Carlos Rodrigues de Mello, Alberto Taiar, Marinho Jorge Scarpi e à educadora de saúde pública D. Maria de Lourdes Guimarães, a colaboração prestada na fase de execução deste estudo; ao Dr. Oswaldo Galotti, Diretor do Serviço de Oftalmologia Sanitária da Secretaria da Saúde, o apoio e o incentivo; ao Prof. Jair Lício Ferreira Santos, do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, a assessoria nos aspectos estatísticos do trabalho; à direção e ao corpo docente da E.E.P.G. Cel. Domingos Quirino Ferreira, a colaboração e a compreensão demonstradas.

Recebido para publicação em 02/10/1979

Aprovado para publicação em 28/02/1980

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  • *
    Apresentado ao XX Congresso Brasileiro de Oftalmologia — São Paulo, setembro/1979.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1980

    Histórico

    • Aceito
      28 Fev 1980
    • Recebido
      02 Out 1979
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