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Aspectos de importância para a vigilância epidemiológica da poliomielite na cidade de São Paulo, Brasil

Important epidemiological aspects of poliomyelitis in the city of S. Paulo, Brazil

Resumos

São apresentados diversos aspectos epidemiológicos da poliomielite na Capital de São Paulo (Brasil). De sua análise resultaram algumas conclusões de importância para a manutenção do controle dessa doença em nosso meio. Verificou-se a absoluta necessidade de se manter continuamente a cobertura vacinal da população infantil, pois a diminuição de intensidade na aplicação da vacina Sabin poderá trazer o imediato recrudescimento da doença entre nós. Após um período de 4 anos de controle efetivo sobre a poliomielite, no qual ocorreram, em média, 58 casos de doença paralítica por ano, foram registrados no ano de 1971 195 casos. A situação somente voltou a ser efetivamente controlada no segundo semestre de 1975, quando os programas de imunização foram novamente incrementados. O estudo mostrou que a poliomielite continua apresentando entre nós as clássicas feições da paralisia infantil, ocorrendo cerca de 75% dos casos nos dois primeiros anos de vida das crianças. Este fato, juntamente com a evidência de que o poliovírus do tipo 1 continua prevalecendo em nosso meio, tendo causado a grande maioria dos casos de doença paralitica nos últimos anos, indica que a epidemiologia da virose ainda não foi essencialmente alterada pelos programas de vacinação. Verificou-se, que a vacinação Sabin tem sido menos eficiente em nosso meio do que nos países altamente desenvolvidos e de clima temperado, devido à interferência de uma série de fatores epidemiológicos e operacionais. No período de 1970 a 1977 8,9% dos pacientes investigados tinha recebido, no passado, 3 e 4 e mais doses de vacina oral trivalente e 43,3% tinha tomado pelo menos uma dose de vacina oral. Recomenda-se às autoridades sanitárias que o número de doses de vacina da série básica de imunização contra a poliomielite seja aumentado de três para cinco, com a finalidade de se compensar as falhas que ocorrem na prática da vacinação oral e de se poder superar o efeito antagônico dos fatores epidemiológicos desfavoráveis no controle de poliomielite em nosso meio.

Poliomielite; Vigilância epidemiológica


Several epidemiological aspects of poliomyelitis in the city of S. Paulo (Brazil) are discussed and related to measures that must be taken to maintain control of this disease. Results show the need of continued vaccination of the whole infant population, because a decrease in vaccination may permit an upraise of the disease. During four years of tight control, 58 new cases were registered per year. After that, in 1971, 195 cases appeared. Only in the second half of 1975, when immunization programs were again improved, was the situation controlled. This study shows that poliomyelitis still acts in the classical mode in that about 75% of the cases occur in children two years old or under. This, plus evidence that type 1 poliovirus is the type prevalent in S. Paulo, strengthens the idea that the epidemiology of this viral illness has not been essentially changed by the vaccination programs. Another finding is that the Sabin vaccine has been less efficient in our environment than in developed countries with temperate climates. This is due to epidemiological factors and operational conditions. In 1970-1977, 8.9% of the cases had received three, four, or more doses of the trivalent oral vaccine, and 43.3% had received at least one dose of the oral vaccine. The recommendation is herewith made that the number of doses of the basic series for immunization against poliomyelitis be increased from three to five in order to counterbalance mishaps in the act of oral vaccination and our environment's difficulties related with the epidemiology of the disease.

Poliomielitis; Epidemiologic surveillance


Aspectos de importância para a vigilância epidemiológica da poliomielite na cidade de São Paulo, Brasil

Important epidemiological aspects of poliomyelitis in the city of S. Paulo, Brazil

Victório BarbosaI; Klaus E. StewienII

IDo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil

IIDo Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil

RESUMO

São apresentados diversos aspectos epidemiológicos da poliomielite na Capital de São Paulo (Brasil). De sua análise resultaram algumas conclusões de importância para a manutenção do controle dessa doença em nosso meio. Verificou-se a absoluta necessidade de se manter continuamente a cobertura vacinal da população infantil, pois a diminuição de intensidade na aplicação da vacina Sabin poderá trazer o imediato recrudescimento da doença entre nós. Após um período de 4 anos de controle efetivo sobre a poliomielite, no qual ocorreram, em média, 58 casos de doença paralítica por ano, foram registrados no ano de 1971 195 casos. A situação somente voltou a ser efetivamente controlada no segundo semestre de 1975, quando os programas de imunização foram novamente incrementados. O estudo mostrou que a poliomielite continua apresentando entre nós as clássicas feições da paralisia infantil, ocorrendo cerca de 75% dos casos nos dois primeiros anos de vida das crianças. Este fato, juntamente com a evidência de que o poliovírus do tipo 1 continua prevalecendo em nosso meio, tendo causado a grande maioria dos casos de doença paralitica nos últimos anos, indica que a epidemiologia da virose ainda não foi essencialmente alterada pelos programas de vacinação. Verificou-se, que a vacinação Sabin tem sido menos eficiente em nosso meio do que nos países altamente desenvolvidos e de clima temperado, devido à interferência de uma série de fatores epidemiológicos e operacionais. No período de 1970 a 1977 8,9% dos pacientes investigados tinha recebido, no passado, 3 e 4 e mais doses de vacina oral trivalente e 43,3% tinha tomado pelo menos uma dose de vacina oral. Recomenda-se às autoridades sanitárias que o número de doses de vacina da série básica de imunização contra a poliomielite seja aumentado de três para cinco, com a finalidade de se compensar as falhas que ocorrem na prática da vacinação oral e de se poder superar o efeito antagônico dos fatores epidemiológicos desfavoráveis no controle de poliomielite em nosso meio.

Unitermos: Poliomielite, S. Paulo, Brasil. Vigilância epidemiológica.

ABSTRACT

Several epidemiological aspects of poliomyelitis in the city of S. Paulo (Brazil) are discussed and related to measures that must be taken to maintain control of this disease. Results show the need of continued vaccination of the whole infant population, because a decrease in vaccination may permit an upraise of the disease. During four years of tight control, 58 new cases were registered per year. After that, in 1971, 195 cases appeared. Only in the second half of 1975, when immunization programs were again improved, was the situation controlled. This study shows that poliomyelitis still acts in the classical mode in that about 75% of the cases occur in children two years old or under. This, plus evidence that type 1 poliovirus is the type prevalent in S. Paulo, strengthens the idea that the epidemiology of this viral illness has not been essentially changed by the vaccination programs. Another finding is that the Sabin vaccine has been less efficient in our environment than in developed countries with temperate climates. This is due to epidemiological factors and operational conditions. In 1970-1977, 8.9% of the cases had received three, four, or more doses of the trivalent oral vaccine, and 43.3% had received at least one dose of the oral vaccine. The recommendation is herewith made that the number of doses of the basic series for immunization against poliomyelitis be increased from three to five in order to counterbalance mishaps in the act of oral vaccination and our environment's difficulties related with the epidemiology of the disease.

Uniterms: Poliomielitis, S. Paulo, Brazil. Epidemiologic surveillance.

INTRODUÇÃO

Nos anos que antecederam a introdução da vacina Sabin em nosso meio, a cidade de São Paulo foi palco de graves surtos epidêmicos de paralisia infantil, os quais culminaram com o surto de 1960, ano em que 794 casos de poliomielite foram registrados, atingindo o coeficiente de morbidade a cifra de 20 casos por 100.000 habitantes. A exemplo do que ocorreu em outras regiões do mundo, a realização de uma campanha de vacinação em massa na Capital de São Paulo no ano de 1962, mediante o emprego da vacina de vírus vivos atenuados de Sabin, teve grande impacto sobre a epidemiologia da doença, conseguindo-se reduzir neste ano o número de casos de poliomielite para 180. Entretanto, sendo a estrutura epidemiológica muito favorável à intensa circulação dos vírus da poliomielite em nossa comunidade, o efetivo controle da doença na cidade de São Paulo somente foi alcançado quando intensas campanhas de vacinação em massa foram reiniciadas em 1966, sendo continuadas, além da vacinação de rotina, durante o ano de 1967. Barbosa (1968)2, em trabalho anterior, comentando o controle da poliomielite no município de São Paulo, fez recomendações no sentido de se manter a doença sob efetivo controle, que então resultaram na adoção sistemática, por parte das nossas autoridades sanitárias, de um duplo esquema de imunização contra a poliomielite.

Este esquema, o qual se fundamenta nas características sócio-econômicas e sanitárias da Capital, sobretudo nas de sua periferia, então consideradas altamente desfavoráveis à manutenção do controle alcançado, recomendava a aplicação intensiva e adequada de novas doses de vacina Sabin à população susceptível, mediante a realização de campanhas de vacinação em massa, corretamente intercaladas, bem como pela vacinação diária e rotineira pelas numerosas unidades sanitárias locais. Com a aplicação deste esquema foi possível manter a poliomielite sob efetivo controle na Capital de São Paulo durante os anos de 1967 a 1970. Entretanto, em decorrência de uma série de fatores, entre os quais se destaca a falta de educação sanitária da maioria de seus habitantes, parcelas ponderáveis de crianças não participaram dos programas de vacinação. Em conseqüência disso, um contingente apreciável de crianças, apesar dos sucessivos apelos das autoridades sanitárias, deixou de receber a vacina Sabin no ano de 1970, dando origem a formação de lacunas no estado imunitário da população infantil e, assim, tivemos, em 1971, recrudescimento do número de casos da doença, quando 195 casos de paralisia infantil foram registrados, correspondendo a um coeficiente de morbidade de 3,1 por 100.000 habitantes (Barbosa e Stewien, 1975)3. Nos anos seguintes os programas de imunização foram profundamente afetados na Capital de São Paulo pela problemática da epidemia de meningite, ocasionada pelos tipos A e C do meningococo, e que motivou intensa ação de combate à doença por parte dos órgãos públicos. A campanha de vacinação em massa, em que cerca de 10 milhões de pessoas foram vacinadas contra a meningite no período de 4 dias nesse município, em abril de 1975, surtiu ótimos resultados e teve grande impacto sobre a população local, a qual, já acreditando na eficácia e no valor de vacinas como agentes profiláticos, passou a participar intensivamente dos programas de imunização contra a poliomielite. Grande parte de sua faixa etária susceptível recebeu a vacina Sabin a partir do ano de 1975, quando campanhas de vacinação em massa puderam ser realizadas em períodos de um dia e com grande facilidade de acesso a cerca de 500 postos de vacinação estrategicamente instalados em todo o município, 3 vezes ao ano. Com isso, a poliomielite pôde ser novamente colocada sob efetivo controle.

O presente trabalho, teve o intuito de propor sugestões que visem o aprimoramento das medidas profiláticas contra a doença em nosso meio.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi feita revisão de determinados aspectos epidemiológicos da poliomielite na capital de São Paulo, para poder localizar e discutir, em detalhes, as suas causas.

Os dados sobre a população do município de São Paulo, utilizados para o cálculo dos coeficientes de morbidade por poliomielite, quer os anuais, quer os por idade e os dos Distritos Sanitários do Município, foram os oficiais do Departamento de Estatística do Estado. Os dados dos casos confirmados de poliomielite e os de vacinação antipoliomielítica são provenientes do Serviço de Epidemiologia do Departamento Regional de Saúde da Grande São Paulo da Secretaria de Estado da Saúde do Governo de São Paulo. A composição dos treze Distritos Sanitários do município de São Paulo é a seguinte: 1. BELENZINHO: Sub-distritos de Belenzinho, Brás, Moóca, Pari e Alto da Moóca; 2. SANTA CECÍLIA: Sub-distritos de Santa Cecília, Perdizes, Barra Funda, Cerqueira César, Bela Vista, Bom Retiro e Cambuci; 3. VILA MARIANA: Sub-distritos de Vila Mariana, Indianópolis, Ibirapuera e Jardim Paulista; 4. VILA MARIA: Sub-distritos de Vila Maria e Vila Guilherme; 5. PENHA DE FRANÇA: Sub-distritos de Penha de França, Cangaíba, Tatuapé, Vila Formosa e Vila Matilde; 6. SÃO MIGUEL PAULISTA: Distritos de São Miguel Paulista, Itaquera, Ermelino Matarazzo e Guaianazes; 7. JABAQUARA: Sub-distritos de Jabaquara e Saúde; 8. VILA PRUDENTE: Sub-distritos de Vila Prudente e Ipiranga; 9. LAPA: Sub-distritos de Lapa, Pirituba e Jaguara e os Distritos de Perus e Jaraguá; 10. SANTO AMARO: Sub-distritos de Santo Amaro e Capela do Socorro e o Distrito de Parelheiros; 11. BUTANTÃ: Sub-distritos de Butantã, Pinheiros, Vila Madalena e Jardim América; 12. NOSSA SENHORA DO Ó: Sub-distritos de Nossa Senhora do Ó, Casa Verde, Brasilândia, Vila Nova Cachoeirinha e Limão; 13. TUCURUVI: Sub-distritos de Tucuruvi e Santana (Fig. 1).


RESULTADOS

Os coeficientes de morbidade da poliomielite e sua relação com o número de doses de vacina Sabin distribuídas à população infantil da cidade de São Paulo são apresentados para o período de 1960 a 1977 na Figura 2. Verifica-se através do seu exame, que durante esse período a incidência da doença caiu dramaticamente no ano de 1967, quando se registrou um coeficiente de 0,6 por 100.000 habitantes, correspondente a 32 casos. Este ano marcou o início do controle da poliomielite entre nós (Barbosa, 1968)2. Desde então os coeficientes de morbidade permaneceram baixos durante o período de três anos consecutivos, oscilando em torno de 1 : 100.000 (Barbosa e Stewien, 1975)3. Entretanto, a incidência da doença sofreu novo aumento no ano de 1971, permanecendo relativamente elevada até 1975, como mostram os coeficientes de morbidade, que variam entre o mínimo de 1,8 (1972) e máximo de 3,8 (1973). Este fato mostrou que a poliomielite tinha escapado ao seu efetivo controle na Capital de São Paulo. No período de 1971 a 1975 foram registrados, em média, nada menos do que 200 casos de poliomielite, por ano, o que evidentemente contrasta com a média de 58 casos anuais do período de 1967 a 1970, e com os 47 e 28 casos ocorridos em 1976 e 1977, respectivamente.


A Figura 2 também mostra a existência de uma estreita relação entre os coeficientes de morbidade da poliomielite e o número de doses de vacina Sabin administradas no mesmo período. Observa-se que os coeficientes apresentaram valores baixos sempre que o número de doses de vacina foi elevado. Servem de exemplo os anos de 1967, 68, 69, 76 e 77, quando cerca de 2 milhões de doses anuais de vacina oral foram distribuídas à população infantil de São Paulo. Os coeficientes mostraram-se relativamente elevados nos anos de 1973, 74 e 75, período em que apenas 1 milhão de doses anuais de vacina foram aplicadas.

Verificamos que o biênio de 1970 e 1971 parece fugir à regra apresentada, de vez que não se verifica a relação entre o número de doses de vacina e a incidência da doença, mas a situação se explica pela interação de dois fatores, A baixa incidência da doença no ano de 1970 decorreu da cobertura vacinal da população infantil nos anos anteriores, ou seja, de 1967 a 1969. Em conseqüência, a maioria das crianças estava satisfatoriamente protegida naquele ano. Tendo sido deficiente a vacinação oral em 1970, houve no ano seguinte acúmulo de susceptíveis. Isto motivou um rápido e substancial aumento no número de casos de poliomielite no ano de 1971. De fato, 149 dos 195 casos ocorreram nos meses de janeiro a abril desse ano. Em face desta situação, as autoridades sanitárias intensificaram os programas de vacinação Sabin, sendo distribuídas naqueles meses aproximadamente 700.000 doses de vacina, o que corresponde a 40% do total de doses aplicadas no ano de 1971, ou seja, 1.704.802. A ocorrência de uma epidemia de maiores proporções pôde ser assim contida.

Como mostra a Figura 2, o coeficiente de morbidade do ano de 1975 é relativamente elevado, ou seja, de 3,1 por 100.000 habitantes, e não reflete a grande quantidade de vacina Sabin distribuída naquele ano, isto é, cerca de 1.700.000 doses. Isto se explica pelo fato de que a maior parte desta quantidade (1.100.811 doses de vacina) foi administrada no último trimestre daquele ano. Ficam assim esclarecidas as exceções da regra por nós antes apresentada.

Na Tabela 1 é apresentada a distribuição dos casos de poliomielite registrados no período de 1967 a 1977 na Capital de São Paulo, por grupos etários. Conforme se observa, a ocorrência de casos de doença é maior entre as crianças dos dois primeiros anos de vida, alcançando 75,3% (39,4% + 35,7%). A Figura 3 ilustra ainda melhor este fato, mostrando que os coeficientes de morbidade dos grupos etários de 0 — 1 e 1— 2 anos destacam-se dos demais.


Os resultados do diagnóstico laboratorial da poliomielite são apresentados para os anos de 1972 a 1976 na Tabela 2. O isolamento e a identificação de poliovírus se deu em 651 dos 850 casos examinados, ou seja, em 76,6%. Esta taxa de isolamento pode ser considerada satisfatória, levando-se em conta que o Instituto Adolfo Lutz, responsável pelo diagnóstico, não teve a seu dispor culturas de células primárias de rim de macaco, sendo os isolamentos feitos apenas em culturas de linhagens contínuas (Vero e HeLa), de sensibilidade menor. Os resultados mostram a predominância do poliovírus do tipo 1, tendo este tipo sido responsável pela elevada taxa de 94,8% dos casos examinados, com isolamento positivo. A ele se segue o poliovírus do tipo 3, isolado em apenas 4,3% dos casos investigados. O poliovírus do tipo 2 foi isolado em raras ocasiões, ficando sua freqüência abaixo de 1%.

Na Tabela 3 encontram-se classificados os casos de poliomielite segundo o histórico vacinal dos pacientes, sempre que foi possível obter essa informação. O exame destes casos não revelou nenhum que fosse associado à vacinação Sabin, durante todo o período de 1970 a 1977. Stewien e Lacerda (1977)14,15, realizando estudos sobre marcadores genéticos de estirpes de poliovírus isoladas de pacientes anteriormente vacinados, mostraram que as propriedades destas eram diferentes das estirpes vacinais de Sabin. Contudo, é preciso ressaltar o elevado número de pacientes que tinham sido anteriormente vacinados. Verifica-se que nada menos do que 8,9% dos pacientes tinha recebido, no passado, 3 e 4 e mais doses de vacina e 43,3% tinha tomado pelo menos 1 dose da vacina oral trivalente. Esta situação não mostrou melhoras ao longo do período examinado.

Finalmente, é apresentada na Tabela 4 a incidência da poliomielite nos diferentes Distritos Sanitários da Capital, durante o período de 1973 a 1976. Nota-se que os coeficientes de morbidade do grupo etário de 0 — 10 anos foram geralmente mais elevados naqueles distritos localizados na periferia da cidade, onde se encontra a maior parte da população de baixo nível sócio-econômico e sanitário.

DISCUSSÃO

Os resultados apresentados no presente trabalho sem dúvida mostram que a diminuição de intensidade na aplicação da vacina Sabin à população infantil da cidade de São Paulo poderá trazer o imediato recrudescimento do número de casos de poliomielite em nosso meio. Isto ficou particularmente claro em 1971, quando o coeficiente de morbidade da poliomielite sofreu um aumento da ordem de 4 vezes, em comparação com a média dos coeficientes registrados no período de 1967 a 1970. Na Figura 2 vimos que os coeficientes então permaneceram relativamente elevados durante um período de cinco anos, voltando a baixar somente quando os programas de vacinação foram novamente intensificados no Município a partir do último trimestre de 1975.

Fica assim evidente a absoluta necessidade de se manter continuamente a cobertura vacinal da população infantil, o que deverá ser conseguido através de programas de imunização intensivos e sistemáticos. A rápida perda do controle sobre a doença, antes verificada, resulta da interação de uma série de fatores epidemiológicos e operacionais, que ainda prevalecem em nosso meio. Dentre os primeiros, ressaltamos a grande densidade e o intenso crescimento populacional, o baixo nível sócio-econômico da maioria dos habitantes, a estrutura sanitária em geral precária, o clima sub-tropical, o confinamento das massas populacionais e os freqüentes movimentos migratórios que são observados entre os diferentes distritos e sub-distritos da Capital e entre esta última e o interior do Estado de São Paulo, além de outras regiões do país. Em seu conjunto, estes fatores favorecem de sobremaneira a circulação dos poliovírus "selvagens", aumentando deste modo o número de infecções e de casos de doença, sempre que se formam lacunas no estado imunitário da população 1,12. Esta situação é agravada pelas precárias condições operacionais que ainda persistem em grande parte das unidades sanitárias da Capital, porquanto estas se manifestam negativamente na eficiência da vacinação oral em nosso meio.

A ocorrência da maioria dos casos de doença nos primeiros anos de vida das crianças mostra que a poliomielite ainda continua apresentando entre nós as clássicas feições da paralisia infantil (Tabela 1)1,2,7,8. Este fato, juntamente com. aquele que evidencia a predominância do poliovírus do tipo 1 na determinação dos casos de doença paralítica, indica que a epidemiologia da poliomielite não foi essencialmente alterada em nosso meio pelos programas de vacinação. Nos países em que tal se verificou, a doença passou a ser causada pelos três tipos de poliovírus em proporções aproximadamente iguais, depois de atingido o controle sobre a virose 6,9. Isto mostra, também, que novos esforços serão necessários para se atingir idêntica situação na cidade de São Paulo.

Os resultados do presente trabalho mostram que especial atenção deverá ser dedicada pelas nossas autoridades sanitárias à região periférica da cidade, porquanto ali se formaram, no passado, os maiores focos da poliomielite, fato esse que motivou a realização de considerável número de campanhas de vacinação em massa para conter a doença sob controle. Como vimos na Tabela 4, os lugares mais atingidos foram: São Miguel, Lapa, N. Senhora do Ó e Santo Amaro. Em inquérito realizado em uma amostra representativa dos escolares do 1o grau da rede da Prefeitura Municipal de São Paulo, pôde ser mostrado que aproximadamente a metade das crianças de mães analfabetas e mais da metade das crianças que habitam em favelas e cortiços não tinham completado a série básica de 3 doses de vacina oral4. Isto mostra que maiores esforços deverão ser dirigidos à Zona Periférica da cidade.

A vigilância epidemiológica deve ser mantida dentro de um esquema rígido para que possam ser descobertas e corrigidas todas as falhas que ocorrem na prática da vacinação oral em nosso meio e que contribuem para reduzir a sua eficiência. Conforme vimos anteriormente na Tabela 3, é grande o número de pacientes paralíticos que tinham sido vacinados contra a poliomielite com até 4 doses de vacina. Podemos afirmar que fato semelhante nunca foi observado nos países altamente desenvolvidos 7,8,10. Com a finalidade de encontrar as causas deste fenômeno, foi realizada série de investigações em. nosso meio. Em dois inquéritos soro-epidemiológicos realizados na Capital de São Paulo, foi possível verificar que a prevalência de anticorpos protetores contra os três tipos de poliovírus era relativamente baixa nas crianças das camadas pobres da população, ficando o estado imunitário dos diferentes grupos etários examinados geralmente muito aquém do limite mínimo desejável de 75% de triplo-imunes, mesmo naqueles grupos de crianças que receberam 3 doses de vacina oral trivalente 3,4,13,15. Níveis de imunidade satisfatórios somente foram observados naqueles grupos de crianças que tinham recebido 5 e mais doses de vacina Sabin.

Em recente estudo sobre a resposta imunitária à vacina oral, pudemos mostrar que, em condições de vacinação bem controladas, um nível de imunidade de 75% foi alcançado contra os três tipos de poliovírus, após a administração de 3 doses de vacina oral trivalente5. Este trabalho confirma o resultado de outra investigação anteriormente realizada11. Verificou-se, desta forma, que existe ampla margem de diferença entre os resultados de imunidade observados nestes trabalhos e aqueles dos inquéritos soro-epidemiológicos anteriormente referidos, mostrando que os programas de vacinação oral levados a efeito na cidade de São Paulo conseguiram somente com 5 doses de vacina o que se consegue com 3 doses de vacina em condições operacionais bem controladas. Portanto, se considerarmos que um nível de imunidade em torno de 75% de triplo-imunes é o mínimo necessário para se manter a poliomielite sob efetivo controle na Capital de São Paulo e levarmos em conta que as condições operacionais existentes nas unidades sanitárias estão longe de corresponder às de uma experiência científica, é preciso reconhecer que 3 doses de vacina Sabin não são suficientes para se imunizar adequadamente a nossa população infantil.

De tudo o que foi exposto, os autores recomendam que o número de doses de doses de vacina da série básica de imunização oral contra a poliomielite seja aumentada de três para cinco, com a finalidade de se compensar as falhas que ocorrem na prática da vacinação e de se poder superar os efeitos antagônicos dos fatores epidemiológicos desfavoráveis ao controle da poliomielite em nosso meio. A fim de se evitar a formação de lacunas de imunidade em nossa população infantil e o conseqüente aparecimento de focos de doença, é absolutamente necessário que a série básica de imunização seja efetivamente iniciada de acordo com o calendário de vacinação estabelecido, ou seja, aos 2 meses de idade das crianças. Assim sendo, a propaganda a favor da vacinação oral e os programas de educação dirigidos ao público deverão dar ênfase a essa necessidade, para que os altos benefícios da vacina Sabin sejam realmente alcançados.

Esperamos que a leitura deste trabalho continue a manter a atenção das nossas autoridades sanitárias inteiramente voltada para o problema da poliomielite no município de São Paulo, principalmente no sentido de, ao lado de vacinar contínua e intensivamente, e sem esmorecimento, a população infantil susceptível, como aliás o vem fazendo, aja da mesma maneira, por meio de um longo e paciente trabalho de educação sanitária no sentido de não permitir que a nossa população venha se desinteressar, a exemplo do que ocorreu no passado, pela vacinação oral dos seus filhos. Esta atitude é, sem dúvida, absolutamente necessária, pois, se tal não for feito, talvez em futuro mais próximo do que possamos imaginar, venha o município a ser atingido novamente — pelas razões que apontamos — pela recrudescência da freqüência de casos da doença e por epidemias de poliomielite, o que é, indiscutivelmente nada desejável.

Recebido para publicação em 20/08/1980

Aprovado para publicação em 12/09/1980

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 1980

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 1980
  • Aceito
    12 Set 1980
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