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Ensaios de inseticidas sistêmicos para animais, usando cães e triatomíneos

Tests for systemic animal insecticides, using dogs and triatominae

Resumos

Foram incluídos em rações comerciais, e dados a cães, os seguintes inseticidas: Phoxim, Chlorphoxim, Themephos (Abate), Decametrina, Lindano e DDT. A ação inseticida, no sangue, foi testada com ninfas e adultos de Triatoma infestans. Foram obtidos bons resultados com o Phoxim e o Themephos. O Chlorphoxim e o Lindano, nas doses eficientes, mostraram-se pouco palatáveis e a Decametrina e o DDT, nas concentrações aceitas pelos cães, não tiveram ação letal sobre os insetos.

Inseticidas; Cães; T. infestans


The following insecticides were mixed with industrialized dog food: Phoxim, Chlorphoxim, Themephos (Abate), Decamethrin, Lindane, and DDT. The insecticidal effect in the blood was tested with Triatoma infestans nymphs and adults. Positive results were obtained with Phoxim and Themephos. Chlorphoxim and Lindane at efficient levels became unpalatable. Decamethrin and DDT had no lethal effect upon the insects at the levels of concentration tolerated by the dogs.

Insecticides; Dogs; T. infestans


ARTIGO ORIGINAL

Ensaios de inseticidas sistêmicos para animais, usando cães e triatomíneos

Tests for systemic animal insecticides, using dogs and triatominae

Mario B. AragãoI; Antônio Carneiro LopesII; Jair Rosa DuarteIII

IDa Escola Nacional de Saúde Pública – Rua Leopoldo Bulhões, 1480 - 21041 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

IIDo Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaistman – Av. Bartolomeu de Gusmão, 1120 – 20941 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

IIIDa Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente – FEEMA – Rua Amoroso Lima. 23 – 20211 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

RESUMO

Foram incluídos em rações comerciais, e dados a cães, os seguintes inseticidas: Phoxim, Chlorphoxim, Themephos (Abate), Decametrina, Lindano e DDT. A ação inseticida, no sangue, foi testada com ninfas e adultos de Triatoma infestans. Foram obtidos bons resultados com o Phoxim e o Themephos. O Chlorphoxim e o Lindano, nas doses eficientes, mostraram-se pouco palatáveis e a Decametrina e o DDT, nas concentrações aceitas pelos cães, não tiveram ação letal sobre os insetos.

Unitermos: Inseticidas. Cães. T. infestans.

ABSTRACT

The following insecticides were mixed with industrialized dog food: Phoxim, Chlorphoxim, Themephos (Abate), Decamethrin, Lindane, and DDT. The insecticidal effect in the blood was tested with Triatoma infestans nymphs and adults. Positive results were obtained with Phoxim and Themephos. Chlorphoxim and Lindane at efficient levels became unpalatable. Decamethrin and DDT had no lethal effect upon the insects at the levels of concentration tolerated by the dogs.

Uniterms: Insecticides. Dogs. T. infestans.

INTRODUÇÃO

O estudo dos inseticidas que tem a propriedade de circular no organismo dos animais, como é natural, foi iniciado visando controlar pragas dos bovinos, que são os animais domésticos de maior importância econômica. Tudo indica ter sido o Prof. Costa Lima o primeiro pesquisador a tentar o controle de pragas de animais com inseticidas sistêmicos, pois, ainda na década de 30, costumava relatar, em suas aulas, experiências feitas injetando rotenona em bois, para controlar o berne e o carrapato. Ainda hoje, é contra as pragas dos bovinos que se concentra o maior esforço de pesquisa 4,7, e só na década de 70 houve preocupação de utilizar essa tecnologia em saúde pública 15.

Em algumas áreas utilizadas, nos Estados Unidos, para recreação e onde existe peste silvestre, ocasionalmente, ocorriam infecções humanas. Não raro, esses casos tornavam-se fatais em virtude da doença vir se manifestar nas áreas urbanas em que as pessoas residiam, o que afastava a suspeita de peste e, portanto, medicação adequada. 15.

As primeiras técnicas utilizadas para controlar as pulgas dos roedores silvestres consistiam em polvilhar a área ou as tocas com inseticidas ou espalhar iscas contendo produtos de ação fumigante, para serem levadas, pelos próprios roedores, para seus ninhos.

O aparecimento de inseticidas fosforados, de baixa toxicidade para mamíferos, permitiu o seu emprego de mistura com um alimento, possibilitando sua ação através do sangue ingerido pelo inseto.

No Brasil amazônico existe um sério problema de infecção transferida de roedor ao homem, a leishmaniose tegumentar. Essa doença não causa maiores transtornos à população local, mas afeta as pessoas recém chegadas à floresta e tem implicações psicológicas devido à existência de manifestações tardias deformantes.

Acontece que não é fácil encontrar os ninhos dos roedores da floresta e, geralmente, eles não são em buracos, o que torna inviáveis as duas soluções convencionais, polvilhamento de tocas e iscas com inseticida fumigante. Em situações como a de abertura de uma estrada, é viável a aplicação de inseticidas que eliminem todos os insetos nos pontos onde houver trabalhadores, porém, há atividades exercidas na floresta em que isso, apesar de praticável, é inadmissível.

Um dos fornecedores de doentes de leishmaniose, para os ambulatórios de Manaus, é o campo de treinamento de guerra na selva, que ocupa uma grande extensão nas proximidades daquela cidade. Um exercício na floresta se estende por uma grande área e, sendo assim, parece que a única solução viável seria o emprego de iscas com inseticidas sistêmicos, capazes de serem comidas pelos roedores. Dessa forma, os flebótomos vetores, que sugassem esses animais, morreriam sem atingir o homem. Entretanto, para chegar a esse resultado, muito trabalho preliminar necessita ser feito.

Um inseticida, para ser um bom sistêmico para animais, além de ser um bom praguicida para o grupo de artrópodos visado, deve satisfazer duas condições. Circular no organismo do animal e não tornar impalatável o alimento utilizado como isca. À primeira condição quase todos os produtos satisfariam, não fosse o problema da relação entre dose eficaz e sua toxicidade para mamífero. A questão da palatabilidade é mais complexa, pois nela entram em jogo cheiro e gosto, sendo que, para aplicação na prática, a isca contendo inseticida deve ser mais atrativa do que o alimento encontrado, normalmente, na natureza. A solução desses problemas requer muito trabalho preliminar e o que se pretendeu foi desenvolver uma técnica mais simples do que as geralmente usadas. Os triatomíneos são insetos de mais fácil manuseio, do que as pulgas, os carrapatos e os dipteros parasitas de bovinos, com a vantagem de se alimentarem rapidamente, o que facilita a determinação das doses eficientes. O cão, por sua vez, também se alimenta rapidamente e é fácil determinar, de antemão, a quantidade de alimento que ingerem, em poucos minutos, o que permite fornecer uma dose conhecida de inseticida.

MATERIAL E MÉTODOS

Os cães utilizados nas experiências foram recolhidos nas vias públicas da cidade do Rio de Janeiro, pelo serviço de captura mantido pela Secretaria Municipal de Saúde.

A ação inseticida dos produtos, dados aos cães, foi testada com ninfas de 4° ou 5° estádio, e adultos de Triatoma infestans, provenientes das colônias da Escola Nacional de Saúde Pública e do Instituto Oswaldo Cruz.

Os inseticidas foram fornecidos pelas seguintes empresas ou instituições: Phoxim (Baythion EC 500) e Chlorphoxim (Baythion C UL 200) pela Bayer do Brasil; Decametrina (K-othrine 2,5) pela SARSA; Themephos (Abate) pela FEEMA; DDT pela SUCAM/MS; e Lindano por FARMANQUINHOS/FIOCRUZ. As formulações não emulsionáveis em água foram diluídas em acetona comercial.

Todos os inseticidas foram ministrados de mistura com rações balanceadas para cães, encontradas no comércio. Depois de molhadas com a emulsão ou a solução, elas eram deixadas a secar, à sombra, de um dia para o outro. As concentrações adiante mencionadas referem-se a peso de produto técnico, por peso de ração.

As rações, contendo inseticida, eram dadas aos cães pela manhã. Cerca de 5 h depois eram colocados para sugar, em caixas usadas para xenodiagnóstico, durante 20 min., 3 adultos e 5 ninfas de T. infestans. Somente eram levados em consideração os exemplares ingurgitados.

Em cada experiência um cão recebia mistura de ração com inseticida. No início do trabalho foi feito um ensaio em branco com cada um dos três cães utilizados nas experiências, alimentados unicamente com ração.

As doses iniciais foram escolhidas com base nos dados toxicológicos publicados nos "Data Sheets on Pesticides" da Organização Mundial da Saúde * * (VBC/DS 75,8; 75.12; 77.21; 78.31; 78.32). e em Fairchild 5

RESULTADOS

A acetona parece ser um bom solvente, uma vez que, depois de estar bem seca, os cães não mostram preferência entre uma ração que foi molhada na acetona e outra ao natural.

Todas as rações que receberam inseticida foram distinguidas pelos cães, o que torna necessário afastar qualquer alimento antes de dar a mistura.

Algumas concentrações de inseticida, que foram rejeitadas pelos cães, passaram a ser ingeridas depois de polvilhadas com queijo ralado.

A Tabela resume os resultados das observações.

O Phoxim, em concentrações superiores a 0,20%, não foi bem aceito pelo cão. A 0,40% provoca coceira no focinho e deixa o animal apático. Apesar de ter atuado, contra os triatomíneos, a 0,10%, a concentração mais adequada parece ser 0,15%. Revelou-se eficiente em doses superiores a 20 mg/kg.

O Chlorphoxim apresenta problema de palatabilidade e só foi eficiente a 0,40%, na dose de 48 mg/kg.

O Themephos (Abate), superado o problema do cheiro, torna-se um bom sistêmico. Em concentrações superiores a 50%, não se conseguiu que o cão comesse a ração, nem adicionando queijo ralado e essência de bacon. Foi eficiente a partir de 80 mg/kg e, mesmo na dose de 100 mg/kg, não se notou nenhuma perturbação no aspecto do animal.

A Decametrina tem boa palatabilidade mas, parece que a formulação disponível era muito tóxica para o cão. A 0,10% fez o animal vomitar várias vezes. Na dose de 12 mg/kg provoca a queda ("Knockdown") dos triatomíneos, porém, todos se recuperam.

A concentração mais elevada de Lindano, aceita pelo cão, foi de 0,20%. Esse inseticida, na dose de 25 mg/kg, matou unicamente as ninfas completamente ingurgitadas, as outras se recuperaram.

O DDT, nas concentrações que foram aceitas pelo cão, não provocou nenhum efeito visível nos triatomíneos.

Nenhum dos inseticidas fosforados provocou qualquer efeito, nos triatomíneos, no dia seguinte à ingestão. O Lindano, ao contrário, só foi eficiente depois de 24 horas de ingerido.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Uma das maneiras de minimizar o efeito das aplicações de inseticidas nas lavouras, sobre o equilíbrio biológico, é o emprego de produtos sistêmicos que só atuam, de maneira direta, nos insetos sugadores. Com os inseticidas sistêmicos para animais, o que se deseja é intoxicar os artrópodos hematófagos, sem prejudicar os animais em que eles se alimentam segundo e McGregor e Bushland 10, tornar os animais venenosos para insetos.

A técnica de inoculação da solução de inseticida ou de aplicação diretamente no estômago é simples e barata, e mesmo imprescindível nos estudos toxicológicos. Entretanto, deixa de lado o problema da palatabilidade. Por outro lado, os insetos comumente usados, mosquitos e motucas 8, ou parasitas do gado bovino 3, exigem apoio de laboratórios relativamente bem montados, o que é dispensável para algumas espécies de triatomíneos.

Clark e Cole 2 depositando, diretamente no estomago de cobaios, Phoxim na dose de 100 mg/kg, obtiveram 100% de mortalidade das pulgas que sugaram na primeira hora. Entretanto, essa eficiência decresceu, rapidamente, não ultrapassando 20%, 5 h depois da aplicação do inseticida. Com o Chlorphoxim foram necessários 400 mg/kg para provocar 95% de mortalidade na primeira hora, sendo que, depois de cinco horas, não foi observado nenhum efeito nas pulgas.

No campo, Miller e col.12 obtiveram bons resultados para a pulga Polygenis gwyni em Sigmodon hispidas berlandieri, com iscas a 0,24% de Phoxim. Esse mesmo grupo (Miller e col.13,14) usou com êxito, para pulgas de outros roedores, iscais de Phoxim a 0,24% e 0,36% e de Chlorphoxim a 0,24%.

Não conhecemos nenhuma informação sobre a ação sistêmica do Themephos (Abate), e os resultados obtidos com o T. infestans são da mesma ordem de grandeza dos observados com o Phoxim em pulgas de roedores.

Apesar de as piretrinas naturais terem sido dos primeiros inseticidas a serem experimentados como sistêmicos em animais 9, a Decametrina, como os demais piretróides, não devem ter futuro como sistêmicos. A dose letal, por via endovenosa, é muito baixa e, segundo Almeida 1, a degradação no tubo digestivo deve ser rápida.

Toledo e Sauer 16, injetando Lindano em cobaios, só obtiveram resultados razoáveis, contra o berne, com doses de 60 a 100 mg/kg. Com bovinos, 10 mg/kg deram resultados regulares, quando injetados, e bons quando aplicados por via oral. Em nossa experiência, entretanto, nem a dose de 25 mg/kg mostrou-se totalmente eficaz. O fato desse inseticida só passar a agir, como sistêmico, no dia seguinte à ingestão, já tinha sido observado por Meillon 11 e Garnham 6. Apesar de, atualmente, serem feitas restrições ao uso de inseticidas organoclorados, devido a se acumularem no organismo, quer nos parecer que o Lindano não deve ser desprezado, pois, para o emprego no campo, essa acumulação é vantajosa.

Os dados obtidos nos ensaios, aqui relatados, parecem sugerir que se deve concentrar a atenção em dois problemas: experimentar o Phoxim em outros ectoparasitas de cães e procurar substâncias atrativas que sejam capazes de tornar imperceptível o cheiro do Themephos. Esse inseticida, devido à sua baixíssima toxicidade para mamíferos, parece muito promissor.

Recebido para publicação em 06/10/1980

Aprovado para publicação on 27/01/1981

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  • *
    (VBC/DS 75,8; 75.12; 77.21; 78.31; 78.32).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 1981

    Histórico

    • Aceito
      27 Jan 1981
    • Recebido
      06 Out 1980
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