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Hipovitaminose A em pré-escolares internados em uma instituição na capital do Estado de São Paulo, Brasil

Vitamin A deficiency in institutionalized children in the capital of the State of S. Paulo, Brazil

Resumos

Estudou-se o estado nutricional, em relação à vitamina A, de crianças de 2 a 6 anos de idade, internadas em uma instituição para menores. Foram realizados exames clínicos e bioquímicos. Os exames clínicos revelaram alta prevalência de xerose cutânea (75,8%) e prevalência moderada de hiperceratose folicular (18,3%). Exames oftalmológicos realizados sem o auxílio de corante vital revelaram uma prevalência de 20,7% de xerose conjuntival, enquanto que aqueles realizados com auxílio de colírio de Rosa Bengala a 1%, nas mesmas crianças, revelaram 31,7% de xerose conjuntival. Os exames bioquímicos mostraram que 39,4% dos examinados apresentaram níveis plasmáticos de vitamina A de 10mig/100ml ou menos, e 73,9% de 20mig/ 100ml ou menos.

Vitamina A; Pré-escolares


Children from 2 to 6 years of age from an agency for the welfare of minors were studied clinically and biochemically for vitamin A deficiency. Clinical examinations showed a very high prevalence of cutaneous xerosis (75.8%) and not so high of follicular keratosis (18.3%). Unaided eye examinations showed a xerosis conjunctivae prevalence of 20.7% whereas with the aid of 1% Rose Bengal staining prevalence rose to 31.7%. Biochemical examinations showed that 39.4% of subjects presented vitamin A plasma levels of 10mug/100ml or less, and 73.9% 20mug/100ml or less.

Vitamin A; Child, preschool


ARTIGO ORIGINAL

Hipovitaminose A em pré-escolares internados em uma instituição na capital do Estado de São Paulo, Brasil

Vitamin A deficiency in institutionalized children in the capital of the State of S. Paulo, Brazil

Donald WilsonI; Maria José RoncadaI; Adamo Lui NettoII; Olderigo Berretta NettoIII

IDo Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – Av. Dr. Arnaldo, 715 – 01255 – São Paulo, SP – Brasil

IIDa Faculdade de Ciências Médicas dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – R. Dr. Cesário Mota Jr., 112 – 01221 – São Paulo, SP – Brasil

IIIDo Hospital Infantil da Cruz Vermelha Brasileira – Av. Moreira Guimarães, 699 – 04074 - São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

Estudou-se o estado nutricional, em relação à vitamina A, de crianças de 2 a 6 anos de idade, internadas em uma instituição para menores. Foram realizados exames clínicos e bioquímicos. Os exames clínicos revelaram alta prevalência de xerose cutânea (75,8%) e prevalência moderada de hiperceratose folicular (18,3%). Exames oftalmológicos realizados sem o auxílio de corante vital revelaram uma prevalência de 20,7% de xerose conjuntival, enquanto que aqueles realizados com auxílio de colírio de Rosa Bengala a 1%, nas mesmas crianças, revelaram 31,7% de xerose conjuntival. Os exames bioquímicos mostraram que 39,4% dos examinados apresentaram níveis plasmáticos de vitamina A de 10mg/100ml ou menos, e 73,9% de 20mg/ 100ml ou menos.

Unitermos: Vitamina A, deficiência. Pré-escolares, São Paulo, SP, Brasil.

ABSTRACT

Children from 2 to 6 years of age from an agency for the welfare of minors were studied clinically and biochemically for vitamin A deficiency. Clinical examinations showed a very high prevalence of cutaneous xerosis (75.8%) and not so high of follicular keratosis (18.3%). Unaided eye examinations showed a xerosis conjunctivae prevalence of 20.7% whereas with the aid of 1% Rose Bengal staining prevalence rose to 31.7%. Biochemical examinations showed that 39.4% of subjects presented vitamin A plasma levels of 10mg/100ml or less, and 73.9% 20mg/100ml or less.

Uniterms: Vitamin A, deficiency. Child, preschool, S. Paulo, SP, Brazil.

INTRODUÇÃO

O Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo tem estudado, nos últimos dez anos, através de inquéritos, o estado nutricional de diferentes grupos populacionais do Estado de São Paulo. Os inquéritos incluíam consumo de alimentos, bem como exames clínicos e bioquímicos, enfatizando-se a carência de vitamina A.

Com relação a esta carência, exames oculares revelaram uma prevalência mais alta de xerose conjuntival (X1A) em comparação com outros sinais oculares; manchas de Bitot (X1B) foram rarissimamente encontradas 4.

Entretanto, a xerose conjuntival é de difícil diagnóstico, mesmo quando é empregado pessoal altamente treinado, especialmente em condições de trabalho de campo. As dificuldades não são tão grandes quando se estudam grupos etários mais velhos (tais como, escolares e adultos), mas quando a população-alvo é a de pré-escolares, que é o grupo mais exposto ao risco em se tratando de hipovitaminose A, as dificuldades se multiplicam. Com o intuito de aperfeiçoar a nossa metodologia, foi realizado o presente estudo.

Sauter5, propõe o uso de corante vital para a detecção de xerose conjuntival e xerose corneal, com excelentes resultados. Isso nos induziu a testar o uso de corante vital em condições de campo, atingindo um grande número de pré-escolares. Como a fluoresceína e o azul de metileno não dão resultados adequados sem o auxílio de instrumentos óticos, os quais não podem ser usados nas condições mencionadas, e como a "lissamine green" não é encontrada entre nós, a presente pesquisa se limitou ao uso de Rosa Bengala a 1% e também a exames sem o auxílio de corante vital.

Além de testar o córente vital sob condições de campo, este trabalho visa determinar o estado nutricional de um grupo de pré-escolares internados em uma instituição, com relação à carência de vitamina A, com especial atenção para as lesões oculares.

MATERIAL E MÉTODOS

Examinaram-se clínica e bioquimicamente crianças de 2 a 6 anos de idade, de uma instituição para menores, visando a hipovitaminose A.

a) Exames clínicos

Pesquisaram-se sinais clínicos cutâneos e oculares, sendo estes últimos procurados tanto com, quanto sem o uso de colírio de Rosa Bengala a 1%; antes da aplicação do corante, procedeu-se à instilação de um colírio anestésico isotônico.

Os resultados dos exames oculares foram codificados de acordo com o critério da OMS/AID1. Os exames cutâneos e os exames oculares sem o auxílio de Rosa Bengala foram realizados em 240 crianças, das quais 218 foram examinadas também com Rosa Bengala.

Das crianças positivas para Rosa Bengala, 46 foram reexaminadas da seguinte forma: 21, dezesseis dias após receberem 200.000 U.I. de vitamina A, divididas em quatro doses diárias (50.000 U.I./dia); 25 delas não receberam vitamina A na ocasião. O número reduzido de reexaminadas deve-se ao fato de que 25 crianças foram transferidas para instituições em outras cidades, ou foram adotadas, de modo que não puderam ser examinadas.

Ao fim do estudo, todos os pré-escolares não tratados e que apresentaram sinais clínicos e/ou níveis sangüíneos baixos receberam 200.000 U.I. de vitamina A, também subdivididas em quatro doses diárias.

b) Exames bioquímicos

Colheu-se sangue de 142 crianças, procedendo-se à determinação de vitamina A e caroteno no plasma. O método de laboratório utilizado foi o de Carr-Price.

Os resultados foram classificados de acordo com a classificação proposta pelo interdepartmental Committee on Nutrition for National Defense (ICNND) e codificados de acordo com os critérios do ICNND 7: "existe um problema de Saúde Pública com relação à hipovitaminose A se 5% da população apresentar níveis plasmáticos de 10mg/100ml ou menos ("deficiente") e/ou 15% apresentar níveis de 20mg/100ml ou menos ("deficiente" + "baixo").

c) Método estatístico

A análise dos dados e o interesse da pesquisa envolveram comparações entre proporções. As diferenças foram testadas com o objetivo de evidenciar os resultados mais significativos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os exames cutâneos (Tabela 1) apresentaram uma prevalência muito elevada de xerose cutânea (75,8%). Entretanto, este sinal clínico pode ter outras etiologias, além da hipovitaminose A, mas a alta prevalência de níveis plasmáticos "baixo" e "deficiente" (73,9% – Tabela 4) sugere que, na grande maioria das crianças, a xerose cutânea era devida à hipovitaminose A.

A hiperceratose folicular também apresentou alta prevalência, embora esta fosse mais baixa do que a da xerose cutânea. Considerando a especificidade deste sinal clínico, em comparação com a da xerose, e considerando os dados relativos aos níveis plasmáticos da vitamina, podemos admitir que todos os casos de hiperceratose folicular eram devidos à hipovitaminose A, com pequena probabilidade de incidirmos em erro.

Os resultados apresentados na Tabela 1 concordam, em linhas gerais, com outros estudos por nós realizados, em localidades do Estado de São Paulo 3,4 e com informações obtidas de oftalmologistas brasileiros 2. Entretanto, não concordam com resultados apresentados por Simmons6, no Nordeste brasileiro, mas seu trabalho e os nossos não são comparáveis (prospectivos, os nossos e retrospectivo, o dele). Consideramos pertinente recomendar que se façam estudos em outras regiões do país.

Na Tabela 2, observamos um coeficiente de prevalência de 20,7% para xerose conjuntival quando os exames foram realizados sem o uso do Rosa Bengala; entretanto, com Rosa Bengala, o coeficiente cresceu para 31,7% e a diferença é altamente significante (p=0,009). Pode-se ainda observar nesta Tabela que cerca da metade dos casos de xerose conjuntival observados sem Rosa Bengala não se confirmaram, quando esta foi usada. Por outro lado, 47 indivíduos que foram considerados negativos sem o uso de Rosa Bengala, revelaram-se positivos quando o corante foi usado. Admitindo-se que o uso de Rosa Bengala apresenta uma proporção mais baixa de falsos negativos, achamos pertinente recomendar o seu uso, não obstante as dificuldades técnicas que apresenta.

Um fato que tem sido freqüentemente questionado é a especificidade do Rosa Bengala com relação à xerose conjuntival causada por hipovitaminose A8.

Examinando os nossos dados, verificamos que a maior parte dos pré-escolares com xerose conjuntival positiva apresentou também níveis plasmáticos de vitamina A "baixo" ou "deficiente", o que nos leva a crer que sua causa é a carência. Os demais apresentaram níveis classificados como "aceitável". Neste caso, a carência de vitamina A poderia ser a causa, se lembrarmos que a correção dos níveis plasmáticos de vitamina A e a remissão de sinais clínicos não são coincidentes, e este poderia ser o caso.

A Tabela 3, entretanto, mostra que um terço das crianças que receberam vitamina A ainda apresentavam xerose conjuntival 16 dias após sua administração. Como estas crianças, no início do trabalho, tinham níveis plasmáticos "deficiente" (média, 5,3mg/ 100ml), é possível que a quantidade de vitamina A administrada não fosse suficiente para a remissão do sinal clínico em um período de tempo tão curto, ou seja, 16 dias. Por outro lado, pouco mais da terça parte das crianças que não receberam vitamina A (36,0%) apresentou remissão do sinal clínico. Tal resultado sugere que a xerose conjuntival, nestes casos, foi causada por um fator outro que não a hipovitaminose A. Lamentavelmente, não foi possível colher sangue novamente.

Com relação ao inquérito bioquímico, a maioria das crianças examinadas apresentou alto risco de adquirir lesões oculares graves. Pode-se observar, na Tabela 4, que 39,4% das crianças apresentaram níveis plasmáticos de vitamina A de 10mg/100ml ou menos. Considerando os níveis "baixo" + "deficiente" (20mg/100ml ou menos) verificamos que 73,9% se incluem nesta categoria, isto é, quase três quartos das crianças. Como ainda se pode observar nessa Tabela, nenhuma criança apresentou nível plasmático "alto". Com relação ao caroteno, aproximadamente um quarto dos pré-escolares apresentou níveis abaixo do normal, de acordo com os critérios adotados, e apenas 3,5% das crianças puderam ser classificadas como "alto", o que indica diminuta ingestão recente de alimentos ricos na pró-vitamina.

CONCLUSÕES

1. Não obstante dificuldades técnicas e o fato de muitos casos positivos à Rosa Bengala encontrados não poderem ser atribuídos à hipovitaminose A, recomendamos o uso do corante vital para o diagnóstico de lesões oculares devidas à carência.

2. Os dados clínicos, bem como os bioquímicos, mostraram que o estado nutricional com relação à vitamina A é precário no grupo estudado, envolvendo um alto risco de lesões oculares graves.

AGRADECIMENTOS

Aos laboratórios Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos S/A, pelo fornecimento do Padrão de Vitamina A para as dosagens bioquímicas, e da Vitamina A em gotas para ser administrada a todas as crianças estudadas da instituição; Frumtost S/A Indústrias Farmacêuticas, pelo fornecimento do colírio anestésico; Alcon Laboratórios do Brasil Ltda., pelo fornecimento do colírio Rosa Bengala a 1%.

Recebido para publicação em 09/01/1981

Aprovado para publicação em 04/06/1981

Apresentado no XI Congresso Internacional de Nutrição, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1978

  • 1. REUNION CONJUNTA OMS/AID SOBRE CARENCIA DE VITAMINA A Y XEROFTALMIA, Yakarta, 1974. Informe. Ginebra, Organizacion Mundial de la Salud, 1976. (OMS Ser. Inf. tecn., 590).
  • 2. RONCADA, M.J.; WILSON, D.; LUI NETTO, A.; BERRETTA NETTO, O. & KALIL, A.C. Investigação sobre a prevalência de xeroftalmia, através de inquérito realizado junto a oftalmologistas brasileiros. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 12:151-6, 1978.
  • 3. RONCADA, M.J.; WILSON, D.; LUI NETTO, A.; BERRETTA NETTO, O.; KALIL, A.C.; NUNES, M.F. & OKANI, E.T. Hipovitaminose A em filhos de migrantes nacionais em trânsito pela Capital do Estado de São Paulo, Brasil. Estudo clínico-bioquímico. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 12:345-50, 1978.
  • 4. RONCADA, M.J. ; WILSON, D.; MAZZILLI, R. N. & GANDRA, Y. R. Hipovitaminose A em comunidades do Estado de São Paulo, Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 15:338-49, 1981.
  • 5. SAUTER, J.J.M. Xerophthalmia and measles in Kenia. Docum. ophtal., 42(1):1-235, 1976.
  • 6. SIMMONS, W.K. Xerophthalmia and blindness in Northeast Brazil. Amer. J. clin. Nutr. 29:116-22, 1976.
  • 7
    UNITED STATES. Interdepartmental Committee on Nutrition for National Defense. Manual for nutrition surveys. 2nd ed. Washington, D.C., Government Printing Office, 1963.
  • 8. WHITFIELD JR., R. & DEKKERS, N.W. H.M. A critique of Dr. Sauter's thesis. Bull. Xerophthal. Club, Oxford, (14):1-2, Jan., 1978.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 1981

Histórico

  • Aceito
    04 Jun 1981
  • Recebido
    09 Jan 1981
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