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Bactérias indicadoras de poluição fecal em águas de irrigação de hortas que abastecem o município de Natal - Estado do Rio Grande do Norte (Brasil)

Bacteria indicative of fecal pollution in irrigation water on vegetables farms which supply the city of Natal - State of Rio Grande do Norte, Brazil

Resumos

Foram coletadas 50 amostras de água usadas na irrigação de hortaliças em 10 hortas, situadas no município de Extremoz e de São Gonçalo do Amarante, RN (Brasil). A maior parte da produção destas hortas é destinada ao abastecimento do município de Natal. Todas as amostras de água analisadas mostraram-se com números elevados de bactérias coliformes totais e fecais e de estreptococos fecais. Em todas as hortas, as águas utilizadas na irrigação de hortaliças revelaram-se com poluição fecal e os valores dos NMP/100 ml, tanto de coliformes totais quanto de coliformes fecais ultrapassaram de muito os limites tolerados pela legislação brasileira vigente.

Água, poluição; Hortas; Bactéria


Fifty samples of water were collected from ten vegetable-producing farms, located in the municipalities of Extremoz and S. Gonçalo do Amarante, RN (Brazil). The larger part of the vegetables produced on these farms are consumed in the city of Natal (the State capital of RN). All samples revealed a high count of the bacteria (coliform and streptococci). Water used for irrigation on all the farms visited revealed fecal pollution and the MPN/100 ml for both total and fecal coliforms were much higher than the limits tolerated by Brazilian federal legislation.

Water pollution; Vegetable garden; Bacteria


ARTIGO ORIGINAL

Bactérias indicadoras de poluição fecal em águas de irrigação de hortas que abastecem o município de Natal – Estado do Rio Grande do Norte (Brasil)

Bacteria indicative of fecal pollution in irrigation water on vegetables farms which supply the city of Natal – State of Rio Grande do Norte, Brazil

Sérgio Dantas ChagasI; Sebastião Timo IariaII; João Pessoa de Paula CarvalhoIII

IDo Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Campus Universitário – 59000 – Natal, RN – Brasil

IIDo Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP "Setor Saúde Pública" Laboratório de Microbiologia de Alimentos – Av. Dr. Arnaldo, 715 – 01255 – São Paulo, SP – Brasil

IIIDo Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – 01255 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

Foram coletadas 50 amostras de água usadas na irrigação de hortaliças em 10 hortas, situadas no município de Extremoz e de São Gonçalo do Amarante, RN (Brasil). A maior parte da produção destas hortas é destinada ao abastecimento do município de Natal. Todas as amostras de água analisadas mostraram-se com números elevados de bactérias coliformes totais e fecais e de estreptococos fecais. Em todas as hortas, as águas utilizadas na irrigação de hortaliças revelaram-se com poluição fecal e os valores dos NMP/100 ml, tanto de coliformes totais quanto de coliformes fecais ultrapassaram de muito os limites tolerados pela legislação brasileira vigente.

Unitermos: Água, poluição, Natal, RN, Brasil. Hortas, contaminação. Bactéria.

ABSTRACT

Fifty samples of water were collected from ten vegetable-producing farms, located in the municipalities of Extremoz and S. Gonçalo do Amarante, RN (Brazil). The larger part of the vegetables produced on these farms are consumed in the city of Natal (the State capital of RN). All samples revealed a high count of the bacteria (coliform and streptococci). Water used for irrigation on all the farms visited revealed fecal pollution and the MPN/100 ml for both total and fecal coliforms were much higher than the limits tolerated by Brazilian federal legislation.

Uniterms: Water pollution, Natal, RN, Brazil. Vegetable garden. Bacteria.

INTRODUÇÃO

É impossível pensar-se na elevação dos padrões de vida de uma população sem se vincular a isto o fornecimento de água em quantidade suficiente e de boa qualidade, a fim de atender às necessidades básicas da existência e da sobrevivência humana.

Segundo Mageed 24 (1978), a escassez de água e a sua má qualidade são a origem de muitas doenças às quais a humanidade ainda está exposta. De outro lado, afirma ainda esse autor, que além da necessidade de água potável, deve ser considerada a necessidade de água de irrigação.

Na atualidade, a explosão demográfica e o crescente processo de industrialização em muitos países, vêm se constituindo como um dos principais problemas relativamente ao abastecimento e consumo de água para os seus diversos usos. A este respeito, segundo a Organização Mundial de Saúde 30 (1963), "todo o país muito industrializado e densamente povoado tem sofrido nos últimos anos um grau excessivo de contaminação das águas de superfície e subterrâneas".

O problema é ainda mais complexo, devido à progressiva queda da qualidade dos recursos de água doce existentes. Assim sendo, nada mais justo do que dar a devida atenção a este grave problema, através da adoção de medidas que assegurem as características físicas, químicas e microbiológicas da água, de modo que as condições sanitárias adequadas da água de consumo sejam alcançadas, partindo-se da premissa de que ela é um elemento indispensável à vida animal e pode veicular agentes patogênicos.

A água destinada ao consumo humano e animal deve ser isenta de contaminantes químicos e biológicos, além de apresentar certos requisitos de ordem estética. Quanto aos contaminantes biológicos, em particular, são citados organismos patogênicos, tais como vírus, bactérias, protozoários e helmintos que uma vez veiculados pela água podem, através de sua ingestão afetar o organismo humano ou animal (Branco,3 1977 e Oliveira 29, 1976).

Tanto as águas de abastecimento, quanto as de irrigação de hortaliças, do ponto de vista microbiológico, são de grande importância na veiculação de microrganismos patogênicos, em especial aos habitualmente eliminados com as fezes. Entretanto, as técnicas de isolamento e identificação, de todos os microrganismos patogênicos a partir da água, são muitas vezes complicadas e onerosas e a obtenção dos resultados demandaria muito tempo (Reinhardt 32, 1978, e Geldreich 13,16, 1974). Por esta razão, na verificação das condições sanitárias das águas, são pesquisados certos grupos de bactérias, denominados "indicadores de poluição fecal". A presença destes microrganismos, que são habitantes normais do intestino de animais de sangue quente, indica a presença de poluição de origem fecal e a possibilidade da existência concomitante de germes patogênicos de origem intestinal (American Water Works Association 2, 1970; Christovão 5, 1958; Christovão 6, 1974; Geldreich 13, 1974; Geldreich 15, 1976; Kabler 21, 1964; Organização Mundial da Saúde 31, 1972).

As principais bactérias usadas como indicadores de poluição fecal nas águas são os coliformes totais, os coliformes fecais, os estreptococos fecais (Christovão 6, 1974; Geldreich 14, 1967; Geldreich 16, 1974; Galvani 12, 1974; Leitão 23, 1971/1972; Organização Mundial da Saúde 31, 1972; American Public Health Association 1, 1975) e o Clostridium perfringens (Christovão 6, 1974). Cumpre salientar, porém, que na análise de águas as bactérias indicadoras de poluição fecal mais utilizadas são as pertencentes aos grupos dos coliformes totais e coliformes de origem fecal (Christovão 5, 1958; Geldreich 16, 1974; Organização Mundial da Saúde 31, 1972).

A determinação da concentração de coliformes assume muita importância por constituir não somente um parâmetro indicador da possibilidade de existência de microrganismos entéricos patogênicos, mas também da presença de qualquer outro componente normal de esgotos de origem doméstica (Branco e Rocha 3, 1977).

Outras bactérias de origem fecal, como por exemplo, as do gênero Streptoccoccus, têm sido investigadas como possíveis auxiliares de comprovação da poluição de águas (Branco e Rocha 3, 1977 e Geldreich 15, 1976).

As fezes de animais de sangue quente contêm estreptococos fecais em números relativamente altos, podendo este grupo de bactérias ser utilizado como indicador de poluição fecal no exame de águas (Gaglianone 11, 1976; Geldreich, 15 1976). A este respeito, Slanetz e Bartley 34, 1964 afirmam: "presença de estreptococos fecais em água é uma evidência definitiva de contaminação fecal de origem humana ou animal".

Estas bactérias têm sido criteriosamente usadas em estudos de correlação com os coliformes fecais em algumas investigações sobre poluição de cursos d'água. Tais estudos têm mostrado que conforme a razão coliformes fecais/estreptococos fecais observada em uma dada análise de água, os resultados podem sugerir poluição fecal de origem humana ou animal (Gaglianone 11, 1976; Geldreich 13, 1974; Geldreich 16, 1974; Geldreich 15, 1976).

Em nosso meio, foram realizados alguns estudos com a finalidade de constatar o grau de poluição fecal em hortaliças e em águas de irrigação de hortas.

Em 1944, ocorreu uma epidemia de febre tifóide em Recife onde foram diagnosticados 171 casos, com 23 óbitos. Estudando essa epidemia, Caldas 4 (1947 concluiu que tal surto relacionava-se com o consumo de hortaliças irrigadas e lavadas com águas altamente poluídas.

Christovão 5 (1958) realizou um amplo estudo das condições sanitárias de alface (Lactuca sativa), vendida em feiras livres da cidade de São Paulo. Este autor verificou que as densidades médias para bactérias coliformes nos diferentes lotes examinados eram muito elevados, assim como as de E. coli, indicando a presença de alto grau de poluição fecal.

Anos mais tarde, um estudo realizado também no município de São Paulo, por Christovão, Iaria e Candeias 7 (1967) revelou, por meio da determinação do NMP de coliformes totais e de E. coli, que as amostras de águas de irrigação de hortas por eles examinadas apresentavam um considerável grau de poluição fecal. Em um outro estudo realizado em paralelo por Christovão, Candeias e Iaria 7 (1967) foram isoladas cepas de vírus entéricos, a partir das mesmas amostras de águas analisadas no trabalho acima referido.

Gelli e col.17 (1979), em pesquisa efetuada, também no município de São Paulo, verificaram através de exames microbiológicos que de 125 amostras de diferentes hortaliças de 18 localidades de São Paulo, 93 (74,40%), revelaram a presença de Escherichia coli. Por outro lado, de 113 amostras submetidas a exames parasitológicos, 67 (59,20%) foram positivas para ovos e/ou larvas semelhantes às de ancilostomídeos e 6 (5,30%) positivas para Strongyloides. Assim, estes autores mostraram as condições precárias das amostras examinadas quanto ao aspecto sanitário.

Investigações semelhantes foram realizadas também no município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. Assim, Marzochi 27 (1970) constatou a presença de enteroparasitas em águas de córregos desta cidade, as quais eram utilizadas na irrigação de hortaliças. As águas desses mesmos mananciais foram também analisadas por Costa e col.9, 10 (1972), os quais constataram que as mesmas se mostravam com altos números de bactérias coliformes e de E. coli. Estes últimos autores em um outro estudo, realizado na mesma época, verificaram que a alface vendida no mercado municipal de Ribeirão Preto, cultivada no próprio município, apresentou também elevado índice de poluição fecal.

Marques 25 (1974) analisando amostras de alface, irrigadas com águas dos córregos acima referidos, verificou a presença de números elevados de bactérias coliformes e de E. coli.

Satake e col.33 (1976), analisando águas de irrigação de hortas situadas também em Ribeirão Preto, constataram alto grau de poluição fecal nas amostras examinadas. No mesmo período, Marques e col.26 1976, verificaram elevado grau de poluição fecal em amostras de alface irrigadas com a água de mananciais analisados por Satake e col.33 (1976).

Tendo em vista o exposto, pode-se depreender que o controle de qualidade de águas de irrigação de hortas é de fundamental importância para adequada condição sanitária das hortaliças, especialmente daquelas consumidas cruas pela população.

Por outro lado, cumpre salientar que na região nordeste do país faltam informações de ordem microbiológica acerca de águas de irrigação e de hortaliças, razão pela qual decidimos estabelecer uma linha de pesquisa a respeito. O presente estudo, que é o primeiro desta linha tem por objetivos:

1. Verificar através da determinação dos NMP de bactérias coliformes totais e fecais, as condições sanitárias das águas de irrigação de hortas que abastecem o município de Natal, Estado do Rio Grande do Norte.

2. Comparar os resultados obtidos, nas determinações de coliformes totais e fecais, com os parâmetros exigidos pelo padrão nacional do Brasil.

3. Determinar as razões de coliformes fecais para estreptococos fecais, tendo em vista que os dados podem sugerir a origem da poluição fecal, humana ou animal.

MATERIAL E MÉTODOS

1. Área de estudo – Nesta investigação procurou-se inicialmente localizar as hortas que abastecem o município de Natal e quais as que apresentavam maior produção de hortaliças. Assim, foi constatado que grande parte das hortaliças consumidas pela população do município de Natal provinha de 25 hortas que, quanto à produtividade, podem ser consideradas semelhantes. Em seguida, por um processo equiprobabilístico de amostragem, foram sorteadas 10 das 25 hortas referidas. Das hortas sorteadas, 6 situavam-se no município de Extremoz, distantes da Capital cerca de 15 km e 4 no município de São Gonçalo do Amarante, distantes, aproximadamente, 20 km.

A água utilizada na irrigação das hortaliças, feita por aspersão ou manual, era retirada de escavações a céu aberto denominadas cacimbas * * Têrmo empregado na região e que significa: Escavação em baixadas úmidas ou no leito de um rio, na qual a água se acumula como num poço. , as quais funcionam como tanques de armazenagem de água.

2. Colheita e transporte – No período de março a junho de 1979 foram colhidas amostras de água de irrigação, obtidas das cacimbas das 10 hortas sorteadas. De cada cacimba foram colhidas 5 amostras de água sendo uma por semana. Das hortas estudadas obteve-se um total de 50 amostras de água, sendo 30 de hortas localizadas no município de Extremoz e 20 no de São Gonçalo do Amarante.

Para a colheita das amostras foram utilizados frascos de vidro com tampa de vidro esmerilhado, com capacidade de 250 ml, devidamente lavados e, em seguida, esterilizados em estufa a 170-180oC por duas horas, de acordo com as recomendações da American Public Health Association 2 (1975) e de Souza e Deríso 35 (1977).

No ato da colheita das amostras, a qual era realizada entre 6:30 e 8:00 h da manhã, era retirada a tampa do frasco e a água era obtida diretamente da cacimba, por imersão do mesmo, tendo o operador o cuidado de não provocar contaminações acidentais.

Em seguida os frascos eram tampados e colocados em uma caixa isotérmica contendo cubos de gêlo e aí mantidos até o início do exame bacteriológico. O tempo decorrido entre a colheita das amostras e o início do exame em nenhum caso ultrapassou três horas.

3. Exame bacteriológico – A partir de cada uma das 50 amostras de água dos poços rasos (cacimbas) examinadas, determinou-se o número mais provável (NMP) de bactérias do grupo coliforme, de coliforme de origem fecal e de estreptococos fecais, empregando-se, para tal, técnicas dos métodos padrões adotados pela American Public Health Association1 (1975) e empregando-se a tabela de Hoskins 19, 20 (1934, 1975).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Analisando-se a Tabela 1, pode-se observar que das 50 amostras examinadas todas revelaram-se com números altos, tanto de bactérias coliformes totais e fecais quanto de estreptococos fecais. Estes resultados mostram que as amostras de águas de irrigação das hortas analisadas apresentavam-se com alto grau de poluição fecal.

Por outro lado, os números obtidos em relação às bactérias indicadoras de poluição fecal pesquisadas mostraram-se, na maioria das vezes, com amplitude de variação acentuada, considerando-se as amostras colhidas da mesma horta (Tabela 2).

Diante disto, procurou-se estabelecer os números mais prováveis médios das bactérias pesquisadas em relação às hortas correspondentes.

Segundo Christovão 6 (1974), a experiência tem mostrado que, tratando-se de quantificar bactérias, a melhor média a se empregar é, sem dúvida, a média geométrica e não a aritmética, pois é do conhecimento de muitos que esta sofre a influência de valores extremos e, dependendo destes valores, ela é bastante alterada não revelando, muitas vezes, as freqüências mais comuns. A média geométrica, por outro lado, não sofre tanto a influência dos valores extremos, sendo considerada uma das razões pelas quais, em se tratando de número de bactérias, deve ser esta a preferida, apesar de fornecer números mais baixos que a média aritmética.

Entretanto, apesar das afirmações de Christovão 6 (1974)no presente estudo foram estabelecidas as médias aritmética e geométrica dos NMPs das bactérias pesquisadas, considerando-se as respectivas hortas.

Na Tabela 3 pode-se constatar que a média aritmética dos NMPs de bactérias coliformes totais e fecais e de estreptococos fecais variaram, respectivamente, de 59.920 a 664.000, de 9.440 a 476.800 e de 2.740 a 301.800 por 100 ml de água. Quanto às médias geométricas, estas variaram de 30.030 a 501.600, de 8.770 a 137.100 e de 2.447 a 123.000 por 100 ml de água, respectivamente, para coliformes totais e fecais e de estreptococos fecais. Assim, nesta mesma Tabela, pode-se verificar que as médias geométricas dos NMPs de coliformes totais e fecais e de estreptococos fecais revelaram-se, em todos os casos, menores do que as correspondentes médias aritméticas. Porém, ainda assim, os valores obtidos relativamente as médias geométricas das bactérias indicadoras de poluição fecal podem ser consideradas elevadas.

De há muito tenta-se estabelecer por meio da determinação do número de bactérias indicadoras, a origem da poluição fecal, humana ou animal, constatada em águas.

Assim, Geldreich 14, 15 (1967, 1976) estudando coliformes fecais (CF) e estreptococos fecais (EF) em fezes do homem e de outros animais de sangue quente, e relacionando as médias geométricas dos NMPs destes microrganismos, obteve resultados que são considerados de interesse. Esse autor verificou que as proporções das médias geométricas dos NMPs de CF/EF eram de 4/1 ou mais quando se tratava de fezes humanas e de no máximo 0,6 quando as fezes eram originadas de outros animais de sangue quente. Diante dos seus resultados concluiu que isto pode se constituir num artifício útil quando se pretende determinar a origem da poluição, humana ou animal.

Com base no exposto, neste trabalho, calculou-se também a razão CF/EF a partir dos seus NMPs relativos a cada amostra (Tabela 1), assim como das médias geométricas, considerando-se as hortas correspondentes (Tabela 4).

Na Tabela 1 pode-se verificar que as razões CF/EF, para o total de amostras analisadas, variaram de 0,1 a 37,5, sendo que para 50% destas, as referidas razões foram de 2,7 ou mais. Deve-se salientar, por outro lado, que para 18 amostras colhidas de 8 das 10 hortas visitadas, as razões CF/EF obtidas foram de 4,0 ou mais, sugerindo que nelas o maior contingente de poluição era de origem humana. Entretanto, pela Tabela 4, considerando-se as médias geométricas dos NMPs destes microrganismos nas amostras de água, segundo as hortas correspondentes, as razões CF/EF obtidas variaram de 1,0 a 14,6. Nesta Tabela, pode-se também verificar que para as hortas B, D, G e H, as razões CF/EF observadas foram, respectivamente, de 3,9; 6,3; 5,5 e 14,6, enquanto que para as demais o valor máximo não ultrapassou de 2,6.

Estes resultados, segundo Geldreich 14,15 (1967, 1976) sugerem que a poluição fecal verificada nas amostras colhidas nas hortas B, D, G e H era, em grande parte, de origem humana.

Leitão 22 (1979) analisando água de diversos rios do Estado de São Paulo, verificou nas amostras por ele analisadas que as razões CF/EF, considerando-se cada um dos seis corpos hídricos estudados, oscilaram de 0,01 a 4,23, sugerindo seus resultados que a poluição fecal era de origens variadas.

No Brasil, a Portaria GM-0013 de 15 de janeiro de 1976 da Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA (1976) 28, classifica as águas interiores nas classes 1,2,3 e 4, segundo o seu uso e os parâmetros bacteriológicos correspondentes. Por esta Portaria, as águas usadas na irrigação de hortaliças e plantas frutíferas devem revelar-se, ao exame bacteriológico, de acordo com os parâmetros relativos até à classe 2. Assim, estas águas podem apresentar-se, no máximo, com mil coliformes fecais por 100 ml, em 80% ou mais, de pelo menos 5 amostras mensais colhidas em qualquer mês. A referida Portaria prevê, também, que quando não houver possibilidade da realização das provas para coliformes fecais a classificação poderá ser feita com base na determinação do número de coliformes totais. Neste caso, é exigido um limite máximo de 5.000 coliformes totais por 100 ml, em 80% de pelo menos 5 amostras mensais colhidas em qualquer mês.

Deve ser salientado que, na presente pesquisa, as 5 amostras relativas a cada cacimba foram colhidas não no período de um, mas sim de dois meses, porque se pretendia obter, a cada duas semanas, uma amostra de cada local.

Apesar disto, realizou-se a comparação dos resultados obtidos, tanto para coliformes totais, quanto para coliformes fecais, com os valores correspondentes previstos na legislação acima referida.

Analisando-se a Tabela 5, pode-se observar que todas as hortas visitadas estavam utilizando, na irrigação de hortaliças, águas cujos valores para coliformes totais e fecais eram muito superiores aos tolerados pela legislação federal.

Para coliformes totais, com exceção das hortas C e D, em todas utilizava-se água que, pelo número de coliformes totais encontrados, foram classificadas como pertencendo à classe 4, quando deveriam atendeios parâmetros exigidos até para a classe 2. Por outro lado, das amostras colhidas na horta C, apenas 20% mostrou-se dentro do padrão, quando isto deveria ser observado para 80%. Das amostras da horta D, uma (20%) foi classificada na classe 3 e, 4 (80%) na classe 4.

Com relação aos coliformes fecais todas as amostras de água analisadas revelaram-se com NMPs destas bactérias superiores a 4.000/100 ml, sendo, portanto, classificadas na classe 4.

Deve ser salientado que as águas estudadas, além de serem usadas na irrigação de hortaliças, são empregadas também na dessedentação de animais e no abastecimento doméstico dos trabalhadores das hortas e de suas famílias. Neste caso, a água é usada como bebida, e ainda no preparo de alimentos, na lavagem dos utensílios de cozinha, banho e lavagem de roupas.

Por outro lado, nas hortas visitadas, pode-se verificar que as condições de cultivo, manuseio e tratamento das hortaliças não obedeciam a padrões higiênicos que visem protegê-las contra os fatores contaminantes. Foi constatado, também, através do diálogo mantido com os horticultores, que estes não possuem condições técnicas e econômicas suficientes que os levem a adotar condutas higiênicas, no sentido de melhorar as condições das suas hortas.

Pode-se verificar, ainda, através de observação, que nas hortas estudadas, a adubação freqüentemente era feita com fezes de animais, sem tratamento prévio adequado

Desta forma, estas águas, a julgar pelo exposto, representam, direta ou indiretamente, risco à saúde das pessoas que delas se abastecem, as quais ao ingerí-las podem contrair doenças infecciosas e parasitárias intestinais.

Segundo Christovão 5 (1958) os microrganismos patogênicos intestinais apresentam boa sobrevivência em hortaliças e estas quando contaminadas, se constituem com facilidade em veículos de infecção.

Diante disto, as hortaliças cultivadas nas hortas visitadas e, principalmente, naquelas consumidas cruas, podem transmitir agentes patogênicos aos seus consumidores, mesmo à distância. É digno de nota que, no domicílio, além da lavagem das hortaliças, poderia ser realizada, também, a sua desinfecção, porém esta é muito discutível quanto a sua eficiência.

Christovão 5 (1958), em sua pesquisa sobre as condições sanitárias de alface, vendida em feiras livres na cidade de São Paulo investigou também a eficiência da lavagem seguida da desinfecção dessa hortaliça, empregando solução de hipoclorito de sódio com 50 mg/litro de cloro livre, solução de iôdo também a 50 mg/litro e recipientes impregnados com prata coloidal, vendidos comercialmente. Estes elementos desinfetantes eram aplicados às folhas de alface após estas terem sido submetidas a uma lavagem cuidadosa, folha por folha, e em jato de água. Verificou o autor que, após esta lavagem, poderia se obter uma redução de NMP de E. coli de até 80%. A seguir observou que dos 20% restantes de E. coli obtinha-se uma redução de 80% após uma exposição de duas horas à ação do cloro, havendo redução total após 7 horas, tempo este muito longo. Com relação ao iodo, a curva de redução do número dessa bactéria mostrou-se semelhante à verificada para o cloro. Entretanto, não observou efeito significativo com relação à prata, pois a redução do número de E. coli foi pequena mesmo após 7 horas de exposição. O referido autor mostrou com isto a dificuldade de se praticar a desinfecção da alface a nível domiciliar, dado o prolongado tempo de exposição das suas folhas ao agente desinfectante, pelo menos considerando-se as concentrações utilizadas.

Entretanto, Hobbs 18 (1976) recomenda a lavagem de hortaliças, como a alface, com solução de hipoclorito de sódio, contendo 60-80 mg/litro de cloro livre, mas não menciona o tempo de exposição do vegetal ao agente desinfetante.

Em outros dois estudos realizados no município de São Paulo, em águas de irrigação de hortas, foram encontrados, também, altos números de coliformes totais, assim como E. coli (Christovão, Iaria e Candeias 8, 1967. Esses autores, estudando 55 amostras de águas colhidas em 11 hortas constataram que as médias geométricas dos NMPs/100ml de bactérias coliformes variaram de 6.323 a > 167.721 e para E. coli oscilaram em 1.151 a > 63.484. Concluíram os autores que os resultados por eles obtidos "demonstravam ser indispensável o estabelecimento de um serviço de rotina de exames bacteriológicos das águas de irrigação e a necessidade de se adotarem medidas mais rigorosas de controle das condições sanitárias das hortas" 8.

CONCLUSÕES

Após terem sido analisados e discutidos os resultados obtidos dos exames bacteriológicos executados a partir das amostras de águas de irrigação de hortas que abastecem o município de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, parece ser lícito concluir:

1. Todas as amostras de água analisadas mostraram-se com números elevados de bactérias coliformes totais e coliformes fecais e de estreptococos fecais.

2. Para as amostras de água das hortas B, D, G e H, os resultados das razões CF/EF, considerando-se os respectivos valores das médias geométricas dos NMPs dessas bactérias, podem sugerir que a poluição fecal constatada era fundamentalmente de origem humana e para as demais, principalmente, de origem animal.

3. As águas utilizadas na irrigação de hortaliças de todas as hortas pesquisadas estão impróprias, tendo em vista que os valores obtidos para coliformes totais e fecais ultrapassaram de muito os limites tolerados pela legislação federal vigente.

4. Devem ser adotadas medidas rigorosas de controle e das condições sanitárias das águas usadas na irrigação de hortaliças, para corrigir situação de fato e de grande importância em Saúde Pública.

Recebido para publicação em 28/04/1981

Aprovado para publicação em 07/10/1981

Resumo da dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP, em 1980, por Sérgio Dantas Chagas, subordinada ao título "Bactérias indicadoras de poluição fecal em águas de irrigação de hortas que abastecem o município de Natal"

  • 1
    AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Standart methods for the examination of water and wastewater. 14th ed. New York, 1975.
  • 2
    AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION. Processos simplificados para exame e análise da água. São Paulo, Faculdade de Saúde Pública USP, 1970. p. 179-229.
  • 3. BRANCO, S.M. & ROCHA, A.A. Poluição, proteção e usos múltiplos de represas. São Paulo, CETESB, 1977. p. 7-25, 37-39.
  • 4. CALDAS, C, Epidemia de febre tifóide, no Recife, originada pela ingestão de hortaliças cruas contaminadas. Arq. Hig., Rio de Janeiro, 17(1):7-31, 1947.
  • 5. CHRISTOVÃO, D. de A. Contaminação de alface (Lactuca sativa) por microrganismos de origem fecal: estudo de métodos bacteriológicos para sua determinação, medida de sua intensidade na cidade de São Paulo e eficiência de alguns tratamentos na sua redução. São Paulo, 1958. [Tese de Cátedra Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP].
  • 6. CHRISTOVÃO, D. de A. Padrões bacteriológicos. In: Água. qualidade, padrões de potabilidade e poluição. São Paulo, CETESB, 1974. p. 57-119.
  • 7. CHRISTOVÃO, D. de A. et al. Condições sanitárias das águas de irrigação de hortas do município de São Paulo. I. Determinação da intensidade de poluição fecal através do NMP de coliformes e de E. coli. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 1:3-11, 1967.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 1981

    Histórico

    • Aceito
      07 Out 1981
    • Recebido
      28 Abr 1981
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