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Nota sobre domiciliação de Panstrongylus megistus no litoral Sul do Estado de São Paulo, Brasil

Domiciliarity trend of Panstrongylus megistus in the Southern Coastal Region of S. Paulo State, Brazil

Resumos

Relata-se o encontro de início de colonização domiciliar por parte de Panstrongylus megistus, no Vale do Ribeira situado no Sistema da Serra do Mar na região meridional do Brasil. O encontro permite considerar a possibilidade de domiciliação como conseqüência de pressão seletiva resultante da modificação antrópica do ambiente.

Pastrongylus megistus; Triatomíneos; Tripanossomiase americana; Vale do Ribeira, SP, Brasil


An observation of initial house colonization by Panstrongylus megistus in the Southern Coastal Region of the State of S. Paulo, Brazil is reported. The findings justify consideration of the domiciliation as a probability stimulated by environment alteration due to anthropic activities.

Panstrongylus megistus; Triatominae domiciliation; Trypanosomiasis, South American; Ribeira Valley, SP, Brazil


NOTAS E INFORMAÇÕES/NOTES AND INFORMATION

Nota sobre domiciliação de Panstrongylus megistus no litoral Sul do Estado de São Paulo, Brasil

Domiciliarity trend of Panstrongylus megistus in the Southern Coastal Region of S. Paulo State, Brazil

Oswaldo Paulo ForattiniI; José Maria Soares BarataI; Cecilia Cordeiro DellatorreII; Geraldo Magela BuralliIII

IDo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP Av. Dr. Arnaldo, 715 – 01255 – São Paulo, SP – Brasil

IIDa Divisão Regional do Vale do Ribeira (DEVALE) – Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – Pariquera-Açu, SP – Brasil

IIIDa Superintendência de Controle de Endemias do Estado de São Paulo (SUCEN) – Rua Tamandaré, 693 – 01525 – São Paulo, SP Brasil

RESUMO

Relata-se o encontro de início de colonização domiciliar por parte de Panstrongylus megistus, no Vale do Ribeira situado no Sistema da Serra do Mar na região meridional do Brasil. O encontro permite considerar a possibilidade de domiciliação como conseqüência de pressão seletiva resultante da modificação antrópica do ambiente.

Unitermos: Pastrongylus megistus. Triatomíneos, domiciliação. Tripanossomiase americana. Vale do Ribeira, SP, Brasil.

ABSTRACT

An observation of initial house colonization by Panstrongylus megistus in the Southern Coastal Region of the State of S. Paulo, Brazil is reported. The findings justify consideration of the domiciliation as a probability stimulated by environment alteration due to anthropic activities.

Uniterms: Panstrongylus megistus. Triatominae domiciliation. Trypanosomiasis, South American. Ribeira Valley, SP, Brazil.

INTRODUÇÃO

A tendência à domiciliação, por parte de populações triatomíneas silvestres, constitui objeto de interesse nas investigações destinadas a fornecer subsídios úteis à vigilância epidemiológica. No caso particular de Panstrongylus megistus, ressalta a variabilidade geográfica que esse fenômeno apresenta. No Sudeste do Brasil pode-se distinguir dois tipos fundamentais de comportamento desse inseto. Em um deles revela-se franca capacidade de invasão domiciliar, enquanto no outro observa-se reduzida, ou mesmo nenhuma, propensão nesse sentido. Até o momento, o primeiro tem sido registrado em regiões do planalto primitivamente revestidas pela mata subcaducifólia tropical. O segundo é encontrado nas áreas da floresta perenifólia higrófila do Sistema da Serra do Mar que, ainda hoje, cobre grande extensão do terreno acidentado que acompanha o litoral. É de se admitir que tal diferença resulte, pelo menos em boa parte, de fatores decorrentes da alteração do ambiente. Nessas áreas florestais, as modificações de origem antrópica levam invariavelmente à escassez desse revestimento vegetal onde o triatomíneo originariamente encontra condições microclimáticas favoráveis à sua sobrevivência (Forattini e col.3, 1978). Assim sendo reveste-se de grande interesse o registro de possíveis tentativas de domiciliação, em regiões onde esse fenômeno não ocorre de maneira habitual. Tal é o caso do supramencionado Sistema da Serra do Mar no Sudeste brasileiro, compreendendo a parte costeira meridional, onde a floresta atlântica tem como feição característica a citada mata perenifólia higrófila. Esse domínio paisagístico, aliado a topografia acidentada, estende-se desde o Estado do Rio de Janeiro até o de Santa Catarina, chegando ao limite norte do Rio Grande do Sul. Nele acha-se incluído o vale do rio Ribeira de Iguape, no Estado de São Paulo, onde o Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP mantém série de observações sobre o comportamento de triatomíneos silvestres.

Na mencionada região, a partir de janeiro de 1981, a Superintendência de Controle de Endemias da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SUCEN), deu início a projeto de vigilância epidemiológica mediante a instalação de Postos de Informação de Focos de Triatomíneos (PIFT) ** Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN). Triatomíneos no Serviço Regional 2 – Região do Litoral. São Paulo [1982]. Documento Interno., método originariamente aplicado em outras áreas do Estado (Rocha e Silva e col.6, 1970). Como resultado, mediante denúncias de moradores foram coletados vários exemplares desses insetos, a grande maioria representada por indivíduos adultos visitantes. Todavia, pelo menos em um desses casos, pôde-se detectar possível tentativa de domiciliação com início de colonização.

DESCRIÇÃO

Trata-se de habitação situada na localidade de Capuava, no município de Juquiá. Nela reside apenas uma pessoa, tendo dois cães e um gato como animais domésticos. O morador, Sr. J.R., tomou conhecimento do projeto de vigilância, por meio da escola comunitária local, onde se encontra instalado um PIFT. Como decorrência, em novembro de 1981, encaminhou espécimens de Panstrogylus megistus, representados por três adultos, dois machos e uma fêmea, além de nove ninfas de primeiro estádio. Dado o aspecto peculiar dessa remessa, procedeu-se à visita ao local, que foi levada a efeito em dezembro do mesmo ano. Nessa oportunidade, pôde-se coletar duas ninfas de primeiro estádio, sete ovos, três dos quais prestes a eclodir, cinco cascas de ovos eclodidos e uma exúvia ninfal de quarto estádio, todos pertencentes à mesma espécie de triatomíneo. Esse material foi capturado na face externa das paredes laterais, esquerda e direita, anexas à cama do residente e ao abrigo dos animais, respectivamente. Pôde-se também constatar a presença de vestígios.

A região situa-se no início da encosta da Serra do Mar e é, pois, de topografia acidentada. Como se pode observar nas Figuras 1 a 3, a feição paisagística inclui a presença da floresta perenifólia higrófila sujeita a devastações para o aproveitamento agrícola do terreno. Este consiste principalmente no plantio de bananais, que chegam a atingir extensões consideráveis. Tais aspectos foram observados na localidade em questão e nas imediações da casa objeto desta pesquisa. A habitação propriamente dita foi representada por edificação em mau estado, dotada de um só compartimento, e medindo cerca de 2,0 por 2,5 m., além de alpendre lateral com aproximadamente 1,0m. de largura (Figura 4). As paredes eram de barro, sem reboco, apresentando inúmeros buracos e frinchas, a cobertura constituída por telhas de cerâmica e o chão de terra batida. As condições de habitabilidade eram precárias, com poucos implementos adequados, sendo a cama representada por estrado em péssima situação de uso.



O morador J.R. informou ali residir há cerca de dois anos, sem ausência. Referiu ainda que, comumente, tem surpreendido exemplares de triatomíneos no interior da casa, tendo inclusive notado que a freqüência desses encontros aumenta a partir do mês de outubro. Relatou ainda que, em determinada oportunidade, foi sugado na perna por um desses insetos, tendo-o morto por esmagamento. Ultimamente, sabedor do projeto de vigilância, passou a levar os espécimens ao Centro de Saúde.

COMENTÁRIOS

A domiciliação de Panstrongylus megistus na região do Sistema da Serra do Mar situada no Sudeste e Sul do Brasil tem sido considerada como praticamente ausente. Em contraste com o que se observa no Nordeste e na parte planáltica da paisagem tropical atlântica, os encontros domiciliares desse triatomíneo na citada região referem-se, quase que exclusivamente, a indivíduos visitantes. Como exceções podem ser mencionados, o achado de formas ninfais em anexos, no município de Florianópolis, e de uma franca colonização peridomiciliar observada no município de Curitiba (Leal e col.4 1961; Lima e col.5 1964). No caso particular do Vale do Ribeira, merece menção o encontro de ninfas no interior de uma habitação, no município de Pedro de Toledo (Costa e Guarita 1, 1967). A escassez de tais achados confirma a atual baixa tendência à domiciliação por parte dessa espécie nessa região. Em observações que tiveram início em 1975, mediante o emprego de galinheiros experimentais, não foi possível observar a instalação espontânea de colônias nesses ecótopos artificiais Forattini e col.3 1978).

Diante desse quadro, a observação relatada nesta nota permite supor a existência de possível capacidade de colonização domiciliar por parte de alguma parcela da população natural de P. megistus. Assim sendo, é de se admitir que nessa região a domiciliação do triatomíneo não tenha assumido maior intensidade, em virtude da relativa preservação ainda existente, do meio natural representado pela floresta perenifólia higrófila. Contudo, a atividade humana poderá alterar substancialmente o ambiente, com a expansão de espaços abertos a custa da derrubada desse revestimento vegetal. Em decorrência, a pressão seletiva daí resultante, poderá propiciar a sobrevivência da espécie mediante a adaptação ao ambiente humano, com conseqüente colonização (Forattini 2, 1980), Tal possibilidade deverá ser levada em conta pela vigilância epidemiológica, para essa região, com a ocorrência do fenômeno como provável problema futuro de saúde pública.

Recebido para publicação em 16/03/1982

Aprovado para publicação em 17/02/1982

  • 1. COSTA, F.D. de A. & GUARITA, O.F. Presença do Triatoma infestans, transmissor da doença de Chagas, na baixada litorânea do Estado de São Paulo, Brasil, Rev. paul. Med., 70:101-2, 1967.
  • 2. FORATTINI, O.P. Biogeografia, origem e distribuição da domiciliação de triatomíneos no Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 14:265-99, 1980.
  • 3. FORATTINI, O.P. et al. Aspectos ecológicos da tripanossomíase americana. XII Variação regional da tendência de Panstrongylus megistus à domiciliação. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 12:209-33, 1978.
  • 4. LEAL, H. et al. Dados ecológicos sobre os triatomíneos silvestres na Ilha de Santa Catarina (Brasil). Rev Inst. Med. trop. S. Paulo, 3:213-20,1961.
  • 5. LIMA, E.G. et al. Sobre a ocorrência de Panatrongylus megistus (Burmeister. 1835) em Curitiba (Paraná. Brasil). An. Fac. Med. Unir. Paraná, 7:25-34, 1964.
  • 6. ROCHA E SILVA, E.O. da et al. Doença de Chagas. Atividades de vigilância epidemiológica numa área do Estado de São Paulo, Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 4:129-45. 1970.
  • *
    Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN). Triatomíneos no Serviço Regional 2 – Região do Litoral. São Paulo [1982]. Documento Interno.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 1982

    Histórico

    • Aceito
      17 Fev 1982
    • Recebido
      16 Mar 1982
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