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Aspectos ecológicos da tripanossomíase americana: XIX - desenvolvimento da domiciliação triatomínea regional, em centro de endemismo de Panstrongylus megistus

Ecological aspects of South American trypanosomiasis: XIX - the domiciliation development of local triatominae populations in the Panstrongylus megistus endemic center

Resumos

São apresentados os resultados obtidos mediante as observações sobre o processo de domiciliação triatomínea em região incluída no domínio paisagístico Tropical Atlântico, considerado como centro de dispersão do Panstrongylus megistus. As observações foram levadas a efeito no período de março de 1976 a outubro de 1978, em áreas onde a domiciliação inicial implicou a participação dessa espécie e do Triatoma infestans. Após a realização do expurgo, as pesquisas de vigilância com ritmo trimestral e o levantamento final evidenciaram a ocorrência de novo processo de domiciliação triatomínea, porém restrita ao P. megistus e limitada ao peridomicílio, com coeficientes de positividade de edifícios acentuadamente inferiores aos registrados quando do levantamento inicial. Tal situação perdurou durante todo o período de observação. Após o expurgo, o valor geral do coeficiente de positividade dos edifícios variou do valor mínimo de 0,8% ao máximo de 2,7%, enquanto que foi de 23,4% o observado por ocasião do primeiro levantamento. Essa situação persistiu pelo tempo mínimo de dois anos e quatro meses, o que permite recomendar que a vigilância e a aplicação do expurgo seletivo, se necessário, sejam iniciadas após cerca de três anos decorridos da desinsetização geral. Recomenda-se que, nesse interim, se proceda à motivação dos habitantes locais objetivando obter-lhes a colaboração para a denúncia de novos focos intradomiciliares. No possível mecanismo de transferência da infecção tripanossômica para o ambiente domiciliar, as evidências sugerem a participação de vertebrados domiciliados, em especial modo ratos (Rattus) e gambás (Didelphis), de hábitos ubiquistas. O papel do P. megistus no processo de evolução da nova domiciliação triatomínea foi praticamente exclusivo, tendo o Rhodnius neglectus ocorrido de maneira esporádica. O não reaparecimento do T. infestans pôde ser atribuído à pouca ou mesmo ausente mobilidade da população humana local. Os resultados da participação de P. megistus na reinfestação domiciliar mostrou que esta rapidamente atingiu os níveis de positividade observados para essa espécie na área testemunha, mas sem tendência ao incremento posterior.

Tripanossomíase americana; Panstrongylus megistus; Triatoma infestans; Rhodnius neglectus; Panstrongylus geniculatus; Triatomíneos; Vigilância entomológica; Triatomíneos; Ecologia médica


The results of observations made on triatominae bug domiciliation, after house cleaning using chemicals are reported. The work was carried out in a region beloging to the Tropical Atlantic System of Eastern Brazil considered to be as the dispersal center of the Panstrongyius megistus. The observations were made during the period March 1976 to October 1978, in areas where the original bug domiciliation found before house treatment, was composed by Triatoma infestans and Panstrongylus megistus populations. After desinsectization, surveillance research and the final survey showed the development of a new but reduced and slower domiciliation process, restricted to peridomiciliary dwellings and to the P.megistus species. The dwelling infection rates were well below those initially found. After house cleaning, these values varied from 0.8 to 2.7%, as compared with 23.4% in the initial survey. This situation continued for at least two years and four months, suggesting strongly that the surveillance activities and the selective desinsectization procedure, if necessary, should be started towards the end of the third year after the general house cleaning. It is suggested that in the meantime efforts should be made to induce the local human population to co-operate in reporting new intradomiciliary triatominae foci. Participation of domiciliated or semidomiciliated vertebrates in the transferation mechanisms of trypanosomiasis infection to the home was shown to exist. These were mainly rats (Rattus) and opossums (Didelphis), of ubiquitous behaviour. In this new domiciliation process, the role of P. megistus was practically exclusive, and the appearance of Rhodnius neglectus only sporadic. The failure of T. infestans to reappear must have been due to the low mobility of the local human population. The results of the participation of P. megistus in the reinfestation showed that this latter rapidly reach the level observed for this species in the testimony area, but with no tendency to further increase.

Trypanosomiasis, South American; Panstrongylus megistus; Triatoma infestans; Rhodnius neglectus; Panstrongylus geniculatus; Triatominae; Triatominae; Entomological surveillance; Ecology


ARTIGO ORIGINAL

Aspectos ecológicos da tripanossomíase americana. XIX – Desenvolvimento da domiciliação triatomínea regional, em centro de endemismo de Panstrongylus megistus

Ecological aspects of South American trypanosomiasis. XIX – The domiciliation development of local triatominae populations in the Panstrongylus megistus endemic center

Oswaldo Paulo ForattiniI; Octavio Alves FerreiraII; Ernesto Xavier RabelloII; José Maria Soares BarataI; Jair Lício Ferreira SantosI

IDo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – 01255 – São Paulo, SP – Brasil

IIDa Superintendência de Controle de Endemias – SUCEN – Rua Tamandaré, 639 – 01525 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

São apresentados os resultados obtidos mediante as observações sobre o processo de domiciliação triatomínea em região incluída no domínio paisagístico Tropical Atlântico, considerado como centro de dispersão do Panstrongylus megistus. As observações foram levadas a efeito no período de março de 1976 a outubro de 1978, em áreas onde a domiciliação inicial implicou a participação dessa espécie e do Triatoma infestans. Após a realização do expurgo, as pesquisas de vigilância com ritmo trimestral e o levantamento final evidenciaram a ocorrência de novo processo de domiciliação triatomínea, porém restrita ao P. megistus e limitada ao peridomicílio, com coeficientes de positividade de edifícios acentuadamente inferiores aos registrados quando do levantamento inicial. Tal situação perdurou durante todo o período de observação. Após o expurgo, o valor geral do coeficiente de positividade dos edifícios variou do valor mínimo de 0,8% ao máximo de 2,7%, enquanto que foi de 23,4% o observado por ocasião do primeiro levantamento. Essa situação persistiu pelo tempo mínimo de dois anos e quatro meses, o que permite recomendar que a vigilância e a aplicação do expurgo seletivo, se necessário, sejam iniciadas após cerca de três anos decorridos da desinsetização geral. Recomenda-se que, nesse interim, se proceda à motivação dos habitantes locais objetivando obter-lhes a colaboração para a denúncia de novos focos intradomiciliares. No possível mecanismo de transferência da infecção tripanossômica para o ambiente domiciliar, as evidências sugerem a participação de vertebrados domiciliados, em especial modo ratos (Rattus) e gambás (Didelphis), de hábitos ubiquistas. O papel do P. megistus no processo de evolução da nova domiciliação triatomínea foi praticamente exclusivo, tendo o Rhodnius neglectus ocorrido de maneira esporádica. O não reaparecimento do T. infestans pôde ser atribuído à pouca ou mesmo ausente mobilidade da população humana local. Os resultados da participação de P. megistus na reinfestação domiciliar mostrou que esta rapidamente atingiu os níveis de positividade observados para essa espécie na área testemunha, mas sem tendência ao incremento posterior.

Unitermos: Tripanossomíase americana. Panstrongylus megistus. Triatoma infestans. Rhodnius neglectus. Panstrongylus geniculatus. Triatomíneos, domiciliação. Vigilância entomológica. Triatomíneos, controle. Ecologia médica.

ABSTRACT

The results of observations made on triatominae bug domiciliation, after house cleaning using chemicals are reported. The work was carried out in a region beloging to the Tropical Atlantic System of Eastern Brazil considered to be as the dispersal center of the Panstrongyius megistus. The observations were made during the period March 1976 to October 1978, in areas where the original bug domiciliation found before house treatment, was composed by Triatoma infestans and Panstrongylus megistus populations. After desinsectization, surveillance research and the final survey showed the development of a new but reduced and slower domiciliation process, restricted to peridomiciliary dwellings and to the P.megistus species. The dwelling infection rates were well below those initially found. After house cleaning, these values varied from 0.8 to 2.7%, as compared with 23.4% in the initial survey. This situation continued for at least two years and four months, suggesting strongly that the surveillance activities and the selective desinsectization procedure, if necessary, should be started towards the end of the third year after the general house cleaning. It is suggested that in the meantime efforts should be made to induce the local human population to co-operate in reporting new intradomiciliary triatominae foci. Participation of domiciliated or semidomiciliated vertebrates in the transferation mechanisms of trypanosomiasis infection to the home was shown to exist. These were mainly rats (Rattus) and opossums (Didelphis), of ubiquitous behaviour. In this new domiciliation process, the role of P. megistus was practically exclusive, and the appearance of Rhodnius neglectus only sporadic. The failure of T. infestans to reappear must have been due to the low mobility of the local human population. The results of the participation of P. megistus in the reinfestation showed that this latter rapidly reach the level observed for this species in the testimony area, but with no tendency to further increase.

Uniterms: Trypanosomiasis, South American. Panstrongylus megistus. Triatoma infestans. Rhodnius neglectus. Panstrongylus geniculatus. Triatominae, domiciliation. Triatominae, control. Entomological surveillance. Ecology.

INTRODUÇÃO

Em trabalho anterior procedeu-se à divulgação de resultados obtidos mediante observações levadas a efeito com o objetivo de obter dados sobre o comportamento de triatomíneos, em seqüência a expurgo domiciliar (Forattini e col.15, 1983). Nessa oportunidade relatou-se o observado em áreas situadas em centro de endemismo de Triatoma sordida e com ocorrência de Triatoma infestans domiciliado. Foram feitas considerações sobre aspectos atinentes ao desaparecimento desses triatomíneos do ambiente previamente infestado, e aos prováveis fatores influenciadores do processo de reinfestação desse meio.

Seguindo a mesma orientação, procurou-se realizar observações em áreas com Panstrongylus megistus reconhecidamente autóctone e nas quais, de maneira análoga, dá-se a ocorrência de T. infestans infestando os domicílios. Para isso, as localidades que serviram de sede a essas pesquisas foram escolhidas em região paisagística correspondente ao sistema Tropical Atlântico (Forattini5 1980). Caberiam aqui as mesmas ponderações preliminares feitas por ocasião do trabalho anterior e que, por ser ocioso repetí-las aqui, o leitor poderá encontrá-las na supracitada publicação.

Os objetivos desta pesquisa foram análogos aos estabelecidos para trabalho anterior (Forattini e col.15, 1983), ou seja, a verificação dos aspectos do comportamento de populações triatomíneas, domiciliadas ou não, no que concerne ao ambiente humano e após a execução do expurgo domiciliar. Ao lado disso, o de procurar verificar a possibilidade de persistência ou reinstalação da tripanossomíase nesse meio, em sua forma enzoótica.

REGIÃO ESTUDADA

Como se referiu, e pretendendo realizar as observações focalizando a presença extradomiciliar do Panstrongylus megistus, a escolha recaiu em região de feições biogeográficas próprias do sistema Tropital Atlântico, na bacia hidrográfica do Rio Grande, no oeste do Estado de Minas Gerais. A área estudada localiza-se no município de Sacramento, limítrofe do território paulista, e inclui quatro localidades que se encontram, aproximadamente, a, 20° 05' de latitude sul e a 47° 10' de longitude oeste (Figura 1).


A feição paisagística local corresponde, em linhas gerais, à do domínio tropical atlântico simbolizado pelos "mares de morros" florestados (Ab'Saber12, 1977), do qual representa prolongamento ocidental já situado entre áreas representativas do domínio dos cerrados. Assim sendo, a paisagem preponderante vem a ser a da presença de elevações originariamente cobertas pela mata subcaducifólia tropical, característica do subdomínio dos chapadões florestados dos planaltos ocidentais da região sudeste brasileira. No entanto, esse domínio foi o que sofreu, em nosso meio, a mais antiga e, até agora, maior devastação de origem antrópica. Esse processo atingiu predominantemente as florestas, visando a exploração agropecuária do solo (Forattini5, 1980). Dessa maneira, o aspecto que atualmente caracteriza a região estudada é o da presença de elevações desprovidas de sua cobertura vegetal primitiva, substituida que foi por pastagens ou terrenos cultivados. Aquela persiste sob a forma de resíduos florestais, ilhados nas áreas assim abertas (Figs. 2 e 3). À semelhança do que ocorre em outras regiões, parte das terras inicialmente exploradas sofreram posterior abandono, ensejando o desenvolvimento de processo degradado de sucessão com conseqüente alteração paisagística. O clima caracteriza-se por alternância, durante o ano, de períodos úmidos e secos. Os primeiros compreendem o intervalo de outubro a março e os segundos, de abril a setembro. As precipitações médias anuais atingem a cerca de 1.500mm, e a temperatura média do mês mais frio, que em geral é julho, é superior a 18°C. No período seco, o montante de chuva no mês de maior estiagem é inferior a 30 mm. Com tais características o clima da região pode ser considerado como tropical úmido ou semi-úmido. Nas várias classificações corresponde ao tipo Aw de Koeppen (Setzer20, 1966), à feição Vc do tipo A2 de Monteiro16 (1973) e do tipo subquente com quatro a cinco meses secos anuais, de Nimer17 (1979).


Na área estudada predominam as pequenas e médias propriedades, e a atividade humana dedica-se principalmente à criação de gado leiteiro e ao cultivo de cereais. Dessa maneira observa-se o predomínio paisagístico por parte de pastagens e de terrenos cultivados ou não, estes freqüentemente abandonados e sujeitos assim aos processos de sucessão e degradação (Fig. 4).

À semelhança de outras, esta região tem sido objeto de atividades de combate a triatomíneos, por parte do serviço federal. Contudo, até a época do início das pesquisas aqui relatadas, os sucessivos programas estiveram sujeitos a freqüentes interrupções. Dessa maneira, nessa data ainda não tinham alcançado a fase de vigilância.

Localidades escolhidas (Figura 1) – Graças a prévio entendimento mantido com a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública do Ministério da Saúde (SUCAM), foram escolhidas quatro localidades, uma delas para servir de testemunha, incluídas no programa de atuação daquele serviço. Todas essas áreas foram" de caráter essencialmente rural, incluindo a que representou núcleo populacional mais concentrado, constituído por uma vila. Tais localidades foram as seguintes:

A – Vila Jaguarinha

B – Fazenda Belarmino

C – Fazenda Soledade

D – Fazenda da Mata (testemunha)

Todas apresentaram características correspondentes às já descritas feições gerais. Como é norma, nas propriedades rurais observou-se maior espaçamento das habitações do que na vila, embora também aqui a proximidade entre as casas não fosse grande. A paisagem geral foi a de espaço aberto e, em virtude da primitiva existência de cobertura florestal, destacou-se a presença de matas, residuais e ciliares. Também, e pela mesma razão, pôde-se observar a abundância de árvores isoladas, freqüentemente secas, bem como de palmeiras, dentre as quais, das mais comuns, foram as macaúbas (Acrocomia). As Figuras 2 a 9 destinam-se a fornecer idéia de alguns desses aspectos.

MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia utilizada e a seqüência das observações obedeceram a planejamento em todo semelhante ao elaborado para trabalho anterior (Forattini e col.15, 1983). Exceção feita a ligeiras modificações introduzidas face a experiências adquiridas nas supracitadas pesquisas que, concomitantemente, estavam sendo levadas a efeito em outra região. Em vista disso, não se repetirá aqui a descrição detalhada dos métodos empregados, uma vez que poderá ser encontrada em publicação anterior15.

Estas observações foram levadas a efeito nas quatro localidades mencionadas, e numa primeira fase compreenderam o período de março de 1976 a outubro de 1978. As atividades foram distribuídas por várias etapas, como se encontra especificado no quadro apresentado na Tabela 1. Pode-se assim constatar a realização, na mesma época correspondente a março e abril de 1976, do primeiro levantamento, tanto nas áreas tratadas (A-C) como na testemunha (D). A seguir, aquelas foram objeto de seis pesquisas trimestrais de vigilância após o expurgo, e de um segundo levantamento decorridos seis meses da última dessas pesquisas. Por razões de ordem operacional, deixou-se de executar o terceiro levantamento. Quanto à área testemunha (D), foi submetida apenas à revisão após o expurgo.

Antes da desinsetização das áreas tratadas, procedeu-se à instalação de galinheiros experimentais (GE) em maio de 1976, em número de três para cada localidade, incluindo a testemunha. A relação desses ecótopos artificais, bem como sua localização e distância aproximada em relação a ambiente domiciliar mais próximo que se tivesse revelado positivo para a presença triatomínea, foi a seguinte:

Dessa maneira foram instalados 12 galinheiros experimentais os quais, a partir de janeiro de 1977, foram subseqüentemente submetidos a inspeções periódicas, com ritmo trimestral, totalizando o número de oito.

As atividades programadas prolongaram-se até abril de 1978. Em julho seguinte procedeu-se ao expurgo da área testemunha (D) e da área B. Esta, a partir dessa data, tornou-se sede de outra série de observações cujos resultados constituirão objeto de publicação posterior. Quanto às áreas A e C, decorridos seis meses, foram submetidas a nova observação da infestação domiciliar, o que foi feito no mês de outubro de 1978. Correspondeu pois ao segundo levantamento nessas áreas, ao mesmo tempo que se procedeu à revisão subseqüente ao expurgo realizado na testemunha (D).

Assim sendo, no período de março/abril de 1976 a outubro de 1978 foram executadas, no ambiente domiciliar, nove inspeções representadas por levantamentos e pesquisas de vigilância que focalizaram as casas e seus anexos, ou seja, o intra e o peridomicílio (Tabela 1).

No que concerne à presença da enzootia e de focos naturais de triatomíneos, as observações foram feitas tanto no ambiente domiciliar como extradomiciliar. Para a primeira procurou-se detectar a ocorrência de infecção natural em vertebrados domesticados, domiciliados e silvestres, encontrados ou capturados durante a realização das observações. Isso incluiu a verificação da infecção de triatomíneos. Quanto à pesquisa de focos naturais, esta foi limitada a áreas circunscritas por círculos de 100 m de raio cujo centro foi representado por cada um dos galinheiros experimentais (GE) supra-mencionados.

RESULTADOS

Desde que se procurou focalizar, precipuamente, a domiciliação triatomínea após o expurgo e a presença da enzootia, serão relatados, pela ordem, os resultados concernentes à infestação domiciliar bem como os relativos à ocorrência da infecção nesse ambiente. Em seqüência, serão apresentados os referentes às observações extradomiciliares e as sobre a colonização espontânea desses insetos.

Domiciliação Triatomínea

Levantamentos – A Tabela 2 apresenta os dados relativos ao padrão habitacional observado em duas datas, ou seja, em III/IV.1976 e X. 1978. Referem-se aos primeiro e segundo levantamentos nas áreas tratadas A, B e C, e ao primeiro e revisão na área testemunha D (Tabela 1). Foi levado em consideração o tipo de material utilizado na construção das habitações, isto é, do meio intradomiciliar. Ao agrupar as casas em duas categorias, a saber, a das edificadas com paredes de tijolos (rebocadas ou não) e a das construídas com barro ou madeira, a análise não revelou diferença significativa entre as várias áreas, no que respeita a essa composição, em cada uma das supramencionadas épocas. Igualmente, não se detectou diferença entre as áreas consideradas como rurais (B, C e D) e a correspondente à vila (A). Da mesma forma, considerando o fator tempo, embora houvesse diminuição no número de casas de barro, não se conseguiu verificar diferença significante entre as datas de III/IV.1976 e X. 1978. Assim sendo, as várias áreas mantiveram-se comparáveis entre si, quanto ao padrão habitacional que permaneceu praticamente estável no decurso daquele período de dois anos.

As Tabelas 3 e 4 mostram os resultados obtidos nos primeiros levantamentos nas áreas tratadas (A-C) e na testemunha (D). No que concerne à proporção de anexos por casa, não se detectou diferença significante entre o vilarejo (A) e o conjunto das áreas rurais (B, C e D). Tais levantamentos implicaram a inspeção de 769 edificações compreendendo 133 casas e 496 anexos nas áreas que posteriormente foram tratadas (A-C), e 39 casas e 101 anexos, na testemunha (D). O coeficiente global de infestação triatomínea para aquelas, em conjunto, foi de 23,4%, e para esta de 25,7%. A análise da distribuição desssa positividade não revelou diferenças no que concerne ao intradomicílio das várias áreas entre si, e nem ao da vila em relação ao conjunto das demais. Quanto aos anexos, embora não se detectasse diferenças entre as áreas consideradas rurais (B, C e D), o coeficiente correspondente ao vilarejo (A) foi significativamente menor (x2= 6,16. Valor crítico 3,84 para um grau de liberdade). Assim, o número dessas dependências positivas foi maior nas áreas rurais. Quanto à distribuição da positividade geral entre os dois ambientes, verificou-se não haver diferença, nesse sentido, na área D. Nas demais, observou-se a ocorrência de maior positividade para as casas do que para os anexos (x2 = 18,39; 11,39 e 9,30 para A, B e C, respectivamente. Valor crítico 3,84 para um grau de liberdade).

Quanto à infestação específica pôde-se verificar o predomínio de T. infestans no intradomicílio das áreas que posteriormente foram submetidas a tratamento (A-C), com positividade global de 38,3%, comparada com 7,7% para o peridomicílio (x2= 26,82; 37,58 e 11,90 para A, B e C, respectivamente. Valor crítico 3,84 para um grau de liberdade). Todavia, na área testemunha (D) essa diferença foi menos expressiva correspondendo, respectivamente, aos coeficientes de 30,8 e 17,8% que não diferiram significativamente. A presença desse triatomíneo nas casas não variou entre as áreas rurais e nem entre estas e a vila. Em relação ao peridomicílio, houve maior número de anexos positivos nas áreas C e D que não diferiram entre si, em relação aos da B. Nesse sentido, a positividade de D foi significativamente maior do que a observada em B (x2= 7,45. Valor crítico 3,84 para um grau de liberdade). Todavia, a comparação da positividade para essa espécie, observada no peridomicílio da vila A, com a do conjunto das demais (B, C e D), não revelou diferença significante.

Para o P. megistus, sua presença no intradomicílio foi pouco expressiva em todas as áreas, limitando-se a 7,5% das casas de A, B e C e a 5,1% das da testemunha D. Quanto ao peridomicílio, a comparação dos anexos da vila A com os das demais, em conjunto, revelou maior positividade para estes (x2 = 4,64. Valor crítico 3,84 para um grau de liberdade). Na comparação dos dois ambientes, não se detectou significância para as diferenças observadas, com exceção da área B, mediante a aplicação do teste exato de Fisher (P = 0,032).

O rendimento desses levantamentos iniciais, nas várias áreas e no que concerne ao número global de espécimens coletados no meio domiciliar (intra e peridomicílio), foi, para ambas as espécies, estimado mediante o cálculo do número aparente de triatomíneos encontrados por homem-hora. Foram assim obtidos os valores seguintes:

Considerando-se o total das quatro áreas, os números aparentes para casas e anexos foram os seguintes:

Decorridos três meses do expurgo realizado em junho de 1976 (A-C) e daquele levado a efeito em julho de 1978 (D), as revisões revelaram a eliminação da infestação no intradomicílio. Quanto ao peridomicílio, foram obtidos dois exemplares de P. megistus cada um em um anexo das áreas B e C, do total respectivo de 216 e 138 dessas edificações inspecionadas. Dessa maneira, ao menos pelos meios empregados nas inspeções, constatou-se o completo desaparecimento de T. infestans, do ambiente domiciliar.

Vigilância – Iniciada em janeiro de 1977, a vigilância da reinfestação do intra e peridomicílio, por triatomíneos, compreendeu a realização de seis pesquisas de ritmo trimestral, nas áreas tratadas A, B e C. De modo concomitante, em seqüência aos dois primeiros executados em datas anteriores, procedeceu-se a igual número de levantamentos na testemunha D (Tabela 1). Como se mencionou, tais atividades prolongaram-se até abril de 1978.

Os resultados conseguidos mostraram a persistente ausência de T. infestans durante todas as inspeções. Assim sendo, a reinfestação que se pôde observar esteve a cargo, quase que exclusivamente, de P. megistus. A única exceção foi representada pelo encontro isolado de espécimens de Rhodnius neglectus em um anexo da área B, por ocasião da sexta pesquisa de vigilância, realizada em IV. 1978. Por conseguinte, a reinfestação domiciliar por triatomíneos deveu-se à segunda dessas espécies, e os dados obtidos encontram-se expostos na Tabela 5. No que concerne aos mencionados levantamentos na área testemunha, os resultados estão apresentados na Tabela 4.

A infestação geral para o conjunto domiciliar (casas e anexos) nas áreas tratadas, traduziu-se por coeficiente de positividade de 0,8% dos edifícios inspecionados na primeira pesquisa. Deixando de considerar o intradomicílio, representado por somente três casas positivas, ao longo de toda a vigilância, pode-se dizer que a reinfestação limitou-se aos anexos desssas áreas e foi representada, na primeira dessas pesquisas, por 1,1% de tais construções. Tal positividade mostrou aumento significante quando da segunda pesquisa de vigilância, ocasião em que se obteve 2,8% de positividade (P = 0,037). A partir dessa data, as diferenças não mais se mostraram significantes, mantendo-se comparáveis entre si os vários coeficientes obtidos. Fez exceção a área B onde foi detectada diferença significativa na quarta pesquisa, com 5,7% de positividade, em relação a 1,9% correspondente à primeira (P = 0,038). Por conseguinte, pôde-se constatar que a reinfestação por P. megistus, além de restringir-se praticamente aos anexos, no conjunto representado pelas três áreas tratadas, aumentou após a primeira pesquisa de vigilância, mantendo-se estável até quando da execução da sexta e última (Fig. 10). No que concerne à área testemunha, os vários levantamentos revelaram ausência de diferenças significantes entre os coeficientes de casas infestadas, observados nessas oportunidades. Em relação aos anexos, houve decréscimo a partir do primeiro feito em III/IV.1976, mas que somente se tornou significativo nos 5o, 6o e 8o (x2 – 4,53; 5,15 e 8,26, respectivamente. Valor crítico 3,84 para um grau de liberdade).


Quanto à infestação específica, a devida a T. infestans, como sé mencionou, só pôde ser observada na área testemunha D (Tabela 4). Levando-se em consideração todos os levantamentos nela efetuados, não se verificou variação significante no que respeita à infestação intradomiciliar. Para os anexos, o primeiro levantamento foi o de maior e o oitavo o de menor positividade, tendo esse decréscimo resultado em diferença significante entre os dois respectivos coeficientes (x2= 6,32. Valor crítico 3,84 para um grau de liberdade). Aliás, essa diminuição tornou-se significante quando do 5o levantamento, ao comparar seu coeficiente com o conseguido no primeiro (x2 – 4,78. Valor crítico 3,84 para um grau de liberdade). No que concerne ao P. megistus, tanto nas casas como nos anexos não se verificou variação que fosse significante nos coeficientes obtidos ao longo desse período de tempo. Ainda em relação à infestação específica por T. infestans nesta área D, a comparação entre o intra (casas) e o peridomicílio (anexos) mostrou diferenças significativas por ocasião dos 3o e 4o levantamentos (x2= 8,53 e 4,49, respectivamente. Valor crítico 3,84 para um grau de liberdade). Comparação análoga e relativa à infestação por P. megistus não conseguiu detectar diferenças significativas nos vários levantamentos. Em resumo, na área testemunha, ao longo do período de observação compreendido entre III/IV.1976 e IV. 1978 não se verificou variação na infestação das casas, seja de maneira geral seja de forma específica por T. infestans ou por P. megistus. Por sua vez, os anexos revelaram tendência à diminuição da positividade devida ao que parece, ao decréscimo da presença da primeira dessas duas especias. Por outro lado, levando-se em conta apenas a ocorrência de P. megistus, pôde-se observar que as curvas resultantes da distribuição temporal dos coeficientes nas áreas tratadas A, B e C, e na testemunha D, tenderam a se manter no mesmo nível, a partir da data da 3.a pesquisa naquelas e do concomitante 5o levantamento nesta, como se verifica pela observação do gráfico da Fig. 10.

No que concerne ao rendimento das pesquisas de vigilância nas áreas tratadas (A-C) e dos concomitantes levantamentos na testemunha (D), os resultados acham-se expostos na Tabela 6. Naquelas foi capturado o total de 672 triatomíneos, 670 dos quais, como já se viu, representantes de P. megistus. O número aparente para esta espécie foi pois de 0,4. Quanto aos seis levantamentos, neles foram coletados 795 desses insetos, correspondendo a número aparente de 1,4. Deste total coube a T. infestans a parcela de 720 espécimens com 1,3 de número aparente, enquanto foram de 75 e de 0,1 as correspondentes cifras para P. megistus. Como aspecto geral, pôde-se observar a maior regularidade da presença deste triatomíneo, enquanto aquele, sobre ocorrer de maneira irregular nas coletas, não acusou reaparecimento por ocasião das pesquisas realizadas nas áreas tratadas.

Infestação residual – Como se mencionou, decorridos seis meses do término da vigilância trimestral, procedeu-se ao segundo levantamento nas áreas tratadas, excluída a B, e objetivando avaliar a infestação triatomínea residual no meio domiciliar (Tabela 1). Na mesma época, correspondente a X. 1978, foi feita a revisão na área testemunha D, subseqüente ao expurgo nela levado a efeito três meses antes. Assim pois, em relação às áreas A e C, o supracitado levantamento correspondeu a 28 meses decorridos do expurgo nelas realizado em VI. 1976. Os resultados obtidos revelaram a persistente ausência de T. infestans e a ocorrência de P. megistus, de acordo com os dados apresentados na Tabela 7. Pôde-se assim observar o baixo nível de 1,7% de positividade dos edifícios, não se tendo detectado diferença significante entre o intra e o peridomicílio. Quanto à revisão feita na área D, a inspeção de 33 casas e de 102 anexos não conseguiu evidenciar a presença de qualquer infestação triatomínea.

Infecção Domiciliar

A ocorrência do Trypanosoma cruzi no ambiente domiciliar foi pesquisada mediante o exame de triatomíneos coletados e de mamíferos ali encontrados. Estes incluindo os domesticados e os domiciliados.

Triatomíneos – Os dados referentes ao primeiro levantamento nas várias áreas encontram-se expostos na Tabela 8. O coeficiente geral de positividade foi de 3,1% do total de espécimens examinados. No intradomicílio a infecção limitou sua presença ao T. infestans com 5,5% de positividade global específica, que passou a ser de 5,1% ao se considerar o total de exemplares das duas espécies que foram objeto de exame. Quanto ao peridomicílio, houve predomínio de P. megistus com 1,0% de positividade, para os 0,2% referentes à outra espécie. O cálculo do FRD mediante a estimativa do número aparente de triatomíneos por homens-horas trabalhadas forneceu valor geral de 0,3 para o meio domiciliar em conjunto, ou seja, o global de casas e anexos. Esse valor foi ultrapassado somente na área B onde atingiu 0,8, tendo sido nulo na área D.

No decurso das seis pesquisas de vigilância nas áreas tratadas A, B e C, o exame de 621 espécimens de P. megistus resultou no encontro de dois infectados, o que representou 0,3% de positividade dos anexos uma vez que, como se mencionou, foi somente para essa espécie e nesse ambiente que praticamente se limitou a reinfestação triatomínea. Tais achados corresponderam à 3.a pesquisa na área C e à 5.a na B, e o cálculo do FRD, nessas ocasiões, forneceu valores inferiores a 0,1. O mesmo foi observado na área testemunha D, não submetida a expurgo na fase inicial das observações e onde, no decurso dos vários levantamentos, a positividade encontrada forneceu valores para esse índice inferiores também a 0,1.

O segundo levantamento, efetuado em A e C, ensejou, a oportunidade do exame de 18 exemplares desse mesmo inseto, obtendo-se um espécimen positivo em anexo da área A, tendo o cálculo do FRD resultado em valor inferior a 0,1.

Vertebrados – No primeiro semestre de 1976, ou seja, por ocasião do início das observações, realizou-se o recenseamento de cães e gatos nas várias áreas. Pelos dados obtidos, pôde-se verificar que, em termos globais, o número desses vertebrados por casa correspondeu à proporção de 1,8, significando, em termos práticos, cerca de dois desses animais por domicílio, sem sensível predomínio de uma espécie sobre a outra. Assim, dos 318 recenseados, houve 172 cães e 147 gatos. Claro está que essa proporcionalidade por casa representa apenas idéia aproximada de sua densidade, uma vez que esses animais se caracterizam essencialmente pelo seu hábito perambulatório.

No período de fevereiro de 1976 a outubro de 1978, levou-se a efeito xenodiagnósticos em 650 mamíferos encontrados no ambiente domiciliar. Tal conjunto foi constituído por 223 cães, 230 gatos, 161 ratos (Rattus rattus), 28 gambás (Didelphis albiventris) e 8 camundongos (Mus musculus). Os resultados foram totalmente negativos.

Ambiente Extradomiciliar

As observações incluiram a pesquisa de triatomíneos e de infecção, natural em vertebrados coletados nesse ambiente.

O resultado do exame de 182 ecótopos foi negativo para esses hemípteros. Tal conjunto compreendeu 123 árvores, 36 cercas, 14 montões de lenha, duas palmeiras macauba (Acrocomia), e igual número de ninhos de aves e de tocas no solo. Quanto aos vertebrados, no mesmo mencionado período, foram coletados 304 espécimens no extradomicílio. Os resultados obtidos mediante o xenodiagnóstico, foram os seguintes:

Pôde-se assim detectar a presença da enzootia extradomiciliar, principalmente em marsupiais Didelphis. Merece destaque, pelo seu significado, a ocorrência da infecção em ratos (R. rattus) domiciliados encontrados no extradomicílio os quais, pois, freqüentam os dois ambientes.

Colonização Triatominea Espontânea

Observou-se o desenvolvimento espontâneo de colônias triatomíneas em galinheiro experimentais (GE). Tendo esses ecótopos artificiais sido instalados a distâncias variáveis da habitação mais próxima, procurou-se localizá-los no peridomicílio desde que distantes até 100m daquela. Os que se situaram além dessa marca, foram considerados como extradomiciliares. Os exames periódicos trimestrais a que foram submetidos ocuparam o período de janeiro de 1977 a outubro de 1978. O resultado das oito inspeções revelou a colonização em nove dos 12 desses ecótopos instalados. A Tabela 9 expõe os dados referentes ao início dessas colônias e às visitas que ocorreram.

Peridomicílio – Dos oito GE colocados neste ambiente, a colonização pôde ser detectada em cinco. Foram o a1 situado na área A, os b1 e b2 na área B, e os c2 e d2 nas áreas C e D, respectivamente Em um (a1) a colonização esteve a cargo de Rhodnius negtectus, enquanto que nos demais ocorreu por P. megistus. Não se desenvolveram colônias mistas. Em b2 observou-se a visita de uma forma ninfal de quarto e de outra de quinto estádio de P. megistus, as quais não mais foram encontradas nas inspeções subseqüentes que precederam, decorridos cinco meses, o início da colonização. Em d1, embora não houvesse ocorrido o desenvolvimento de colônias, registrou-se a visita de um adulto masculino de Panstrongylus geniculatus.

Extradomicílio – todos os quatro GE dispostos neste ambiente apresentaram colonização espontânea por P. megistus. Em c3 foi também registrada a visita de uma forma adulta masculina de P. geniculatus.

COMENTÁRIOS

O padrão habitacional das quatro áreas foi equivalente e manteve-se assim durante todo o período de observações (Tabela 1). Essa constância qualitativa (Tabela 2) permitiu comparar os resultados obtidos nas áreas tratadas, com os da testemunha. A positividade para as edificações domiciliares, obtida por ocasião dos levantamentos iniciais, e que foi de 23,4% nas áreas tratadas, desceu para 0,8% quando da realização da primeira pesquisa de vigilância, decorridos sete meses da data do expurgo. Todavia essa positividade praticamente limitou-se ao peridomicílio e foi devida à presença de P. megistus. Com o correr do tempo, pôde-se detectar aumento significante apenas por ocasião da segunda pesquisa, a partir da qual o nível não sofreu sensíveis alterações. Assim sendo, a reinfestação dos anexos nas áreas tratadas A, B e C parece ter-se procedido com rapidez. Ao se considerar a infestação peri-domiciliar por P. megistus na área testemunha D, pôde-se verificar que, por ocasião da terceira pesquisa, ou seja, cerca de um ano após o expurgo, os dois níveis de positividade tenderam a se aproximar. (Tabelas 3, 4 e 5). Todavia, é de se levar em conta a possível influência de outros fatores, pois na área D a infestação peridomiciliar por esse triatomíneo já vinha revelando tendência a quedas, passando a se estabilizar a partir do quinto levantamento (Fig. 10). De qualquer maneira, tais observações sugerem que o P. megistus, após o expurgo, tende rapidamente a invadir os anexos, mantendo porém essa infestação em nível baixo por tempo prolongado, pelo menos por 22 meses, ou seja, cerca de dois anos. Por sua vez, a infestação residual, seis meses após a sexta e última pesquisa de vigilância (Tabela 7), continuou mostrando baixo coeficiente de positividade dos edifícios, correspondente a 1,7%. Embora, neste segundo levantamento (Tabela 1), deixasse de figurar a área B, é de se considerar que a ausência de diferenças significantes, nas características das várias áreas, torna lícito supor que pouca influência dela teria advindo para a eventual alteração dessa positividade.

Caberiam aqui considerações análogas às feitas por ocasião de trabalho precedente (Forattini e col.15, 1983) e relativas àquele coeficiente global de infestação de 1,7% que, como se viu, foi limitado aos anexos. O valor correspondente ao Estado de São Paulo, em 1978 era de 1,0% (Rocha e Silva19, 1979). Levando-se em consideração a proporção de anexos por casa nos dados referentes ao território paulista verifica-se que a este correspondeu, naquela data, o valor de 1,9, enquanto nas áreas tratadas, que foram objeto destas observações, variou de 3,7 a 3,4, correspondendo aos dois levantamentos nelas efetuados. Assim sendo, em que pese essa diferença, os coeficientes de positividade não diferiram substancialmente. Da mesma forma, não seria a influência do procedimento adotado, consistente na retirada dos espécimens encontrados, que iria pesar no rendimento das inpeções sucessivas. Assim, a semelhança da infestação peridomiciliar observada nestas áreas com a referente ao Estado de São Paulo, em 1978, parece revelar que esse ambiente constitui-se em constante atrativo para triatomíneos, em especial modo, no caso de P. megistus.

Foi digno de nota o desaparecimento total de T. infestans após o expurgo, e que persistiu durante todo o tempo das observações, ou seja, dois anos e meio. Paralelamente, notou-se a pouca ou mesmo nula tendência local, revelada por P. megistus, para a invasão do intradomicílio. De maneira que, em conjunto, a positividade limitada a esta espécie restringiu-se ao peridomicílio e, no decurso dos quinze meses de vigilância nas áreas tratadas (A-C) (Tabelas 5 e 6) pôde-se observar a sua estabilização em níveis que não utrapassaram a 3,4% como valor máximo. O gráfico da Fig. 10 ilustra tais aspectos. Por sua vez, a praticamente ausência de casas novas construídas após o expurgo poderia indicar mobilidade extremamente reduzida por parte da população local, o que teria influído na não reintrodução do T. infestans.

De qualquer maneira, as presentes observações vêm confirmar o já reconhecido fenômeno, por parte de P. megistus, da reinfestação peridomiciliar pós-expurgo (Pedreira deFreitas18 1963; Dias4 1968; Aragão3 1975). Às evidências aqui obtidas mediante a vigilância nas áreas tratadas soma-se a conhecida capacidade de dispersão desse triatomíneo a partir de seus focos silvestres, estes preferentemente situados em matas residuais (Forattini e col.9,10,12, 1977, 1978, 1979). Por sua vez, e no caso particular desta espécie, ao se considerar o comportamento de suas populações, é de se levar em conta as características biogeográficas regionais. Estas, no que concerne ao caso objeto dos presentes estudos, correspondem às do domínio paisagístico Tropical Atlântico. Nele situa-se o centro de endemismo e dispersão do P. megistus e de onde, estimulado pela atividade humana, esse triatomíneo tende a invadir outras áreas adaptando-se ao ambiente domiciliar (Forattini e col.10,13 1978 e 1981, Forattini5, 1980). É bem verdade que a região estudada encontra-se nos limites com os do domínio dos cerrados do Brasil Central. Todavia, a ação invasiva desse inseto torna-se evidente como confirmação de observações já publicadas, ou seja, a dispersão a partir da região oriental atlântica (Forattini e col.14 1982). Com a intensificação do processo de devastação do ambiente natural, a domiciliação dessa espécie pode crescer em especificidade, a ponto desse triatomíneo passar a ser encontrado restrito a esse ambiente. É o que parece ter ocorrido em certas áreas da região Nordeste do Brasil. Quanto ao T. infestans, o seu desaparecimento, posterior ao expurgo, reafirma o conceito de que sua não pré-existência regional sua eventual reintrodução domiciliar deva-se atribuir à ação humana. No que concerne à presença de R. neglectus, a sua inexpressividade domiciliar revelou ser essa espécie ainda incipiente na tendência à domiciliação, pelo menos na região estudada e no espaço de tempo correspondente às observações efetuadas.

Claro está que não se pode deixar de comentar a influência de determinados fatores afetos à população humana local. Já foi objeto de referência a pouca mobilidade desses habitantes, à qual se pode atribuir influência na falta de reintrodução do T. infestans. Porém, considere-se que a continuação das atividades não deixou de motivar a comunidade local que passou a cooperar, de algum modo, na vigilância, ao menos no que concerne o intradomicílio. Tal interesse refletiu-se, de certo modo, na melhoria do ambiente domiciliar, o que deve ter tido sua parcela de influência para a manutenção dos baixos níveis de infestação triatomínea observados. De qualquer maneira, tanto as proporções de edifícios infestados como o número de triatomíneos encontrados mantiveram-se, até dois anos e quatro meses após a desinsetização, em níveis considerados inferiores aos revelados pelos levantamentos (Tabela 7). Assim, a exemplo do que se verificou em outras oportunidades, tal fato leva a admitir que a domiciliação triatomínea constitui processo de decurso lento (Forattini e col.15 1983). Daí tornar-se lícito inferir que para esse fenômeno transformar-se em problema de saúde pública deverá decorrer tempo considerável. Pelo menos, em áreas de dispersão de P. megistus, o início da vigilância e do expurgo seletivo, se julgado necessário, poderá ser cogitado após três anos de expurgo global ou "de arrastão". Assim, nas áreas tratadas, os percentuais de edifícios positivos, antes e depois do expurgo, foram os seguintes (Tabelas 3, 5 e 7):

Desta forma, e em que pese possam influir possíveis causas de erro, é de se concluir que após a desinsetização, ao eliminar em dado momento a população triatomínea domiciliada, a renovação do fenômeno mantém-se em nível baixo por tempo prolongado. Na região do domínio Tropical Atlântico, esse processo deve-se à participação de P. megistus.

No que concerne à presença de Trypanosoma tipo cruzi, esta revelou-se bastante discreta com coeficientes baixos e praticamente nulos em seguida ao expurgo. Não de detectou infecção em vertebrados, domesticados ou domiciliados, encontrados no ambiente domiciliar, Contudo, é de se assinalar a sua presença no extradomicílio, em gambás (Didelphis) e em ratos domiciliados (Rattus) capturados nesse ambiente. Este último achado tem particular significado, permitindo levantar a hipótese do possível transporte da infecção para o ambiente domiciliar, por parte desses animais (Forattini e col.15 1983). Acresce a circunstância de que a presença de P. megistus tem sido comumente associada à manutenção da infecção enzoótica, ainda que em baixos coeficientes (Forattini e col.11 1978).

Finalmente, a capacidade de colonização em ecotópos artificiais ficou evidenciada com o desenvolvimento espontâneo de colônias nos galinheiros experimentais (GE) (Tabela 9). Com exceção de um, onde colonizou R. neglectus, nos oito restantes o desenvolvimento dessa colonização esteve a cargo de P. megistus. Repetiu-se, assim, fato já registrado em outras oportunidades, revelando franca capacidade colonizadora por parte dessas espécies (Forattini e col.12, 1979). De maneira geral, o tempo máximo decorrido para o início desse fenômeno nos GE foi de 21 meses, mas a maioria das colônias de P. megistus iniciou-se após 8 meses. Para R. neglectus, esse tempo correspondeu a 21 meses. No que concerne às visitas, merece destaque a observação de duas ninfas, de quarto e de quinto estádios de P. megistus, cuja presença no ecótopo antecedeu de cinco meses o início da colonização por essa mesma espécie. Tal fato vem demonstrar a capacidade da dispersão de formas imaturas, fato já assinalado em observações anteriores, tanto para essa como para outras espécies (Forattini e col.6,7,8 1972, 1975, 1977). As demais visitas foram feitas por espécimens masculinos de P. geniculatus, espécie que, pelo menos no atual estado do conhecimento, não tem demonstrado tendência à domiciliação.

CONCLUSÕES

Do que foi exposto, torna-se possível concluir o que segue:

1. Em região de endemismo e dispersão de Panstrongylus megistus, a domiciliação triatomínea inclui a presença dessa espécie e de Triatoma infestans. Esta levada pelo homem, e aquela pré-existente em focos extradomiciliares.

2. É de se admitir que a intensificação da destruição do ambiente natural leve as populações de P. megistus a se restringirem ao meio domiciliar. Em sendo assim, tornar-se-ão essencialmente domiciliadas, como parece ter ocorrido em certas áreas do Norteste brasileiro.

3. À eliminação das populações domiciliadas a renovação do processo pelo P. megistus faz-se principalmente no peridomicílio. Embora rápida, essa reinfestação mantém-se em níveis baixos, considerando-se a proporção de edifícios atingidos, até pelo menos, dois anos e quatro meses após.

4. Tais evidências, obtidas nas pesquisas de vigilância e no levantamento da infestação residual, permitem que se considere viável o início do controle pelo expurgo seletivo, decorridos pelo menos três anos da desinsetização global.

5. Na reintrodução da infecção no ambiente domiciliar, há fortes indícios de que os ratos domiciliados (Rattus) desempenhem papel significante. E isso face ao aspecto ubiqüista de seu comportamento, estabelecendo comunicação entre os ambientes domiciliar e extradomiciliar.

6. As populações de P. megistus podem apresentar dispersão ativa mesmo nas fases ninfais, como se pôde observar em investigação anterior.

7. A vigilância epidemiológica, em áreas submetidas ao expurgo "de arrastão" e situadas na região biogeográfica caracterizada pela feição paisagística do sistema tropical atlântico oriental brasileiro, poderá ter seu início decorridos três anos daquela desinsetização. Nesse interim, as reinfestações triatomíneas intradomiciliares deverão ser denunciadas pela população local que, para tanto, terá de ser devidamente instruída. Tais instruções incluirão as medidas básicas de combate a esses insetos e aos roedores domiciliados.

8. A domiciliação triatomínea, no que concerne à invasão do ambiente por P. megistus e possivelmente Rhodnius neglectus pré-existentes na região, constitui fenômeno de evolução lenta. Sua aceleração dependerá da reintrodução de Triatoma infestans a custa da atividade humana, em especial modo, da mobilidade dos habitantes locais.

9. Para a manutenção das áreas expurgadas, sem que a reinfestação triatomínea torne a se constituir novamente em problema de saúde pública, poderá prolongar-se por tempo não inferior a três anos. A colaboração dos habitantes locais muito contribuirá para a persistência desse estado.

Recebido para publicação em 03/10/1983

Aprovado para publicação em 24/10/1988

Realizado com auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (Processo PDE-10-1-01)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1983

Histórico

  • Aceito
    24 Out 1988
  • Recebido
    03 Out 1983
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