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Qualidade dos dados na informação médica

Quality of medical information data

EDITORIAL

Qualidade dos dados na informação médica

Quality of medical information data

Antônio Ruffino Netto

Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Ribeirão Preto, SP - Brasil

Vivemos cercados de seres que ao se apresentarem ou se mostrarem (para aqueles que os procuram) se transformam em objetos, cujos sentido e significado são dados por aqueles que os percebem.

A sensibilidade da percepção depende de toda uma semiologia apreendida no transcorrer da vida, especializando-se cada um em sinais indicativos (de maior ou menor relevância) dentro de seu espaço de viver e da sua atuação profissional. Assim, cada pessoa aprende a ver o seu mundo de acordo com a sua bagagem semiológica.

O sentir, primeiro passo para percepção (e como tal importante), acrescido da interpretação que fornecemos aos seres (reificando-os) formam o referencial para conceituarmos, julgarmos e articularmos os diferentes juízos daquilo que nos cerca.

Sem entrar em discussão ontológica ou metafísica que o assunto poderia suscitar (pois não estamos equipados "semiologicamente" para tanto, além de não ser esse o objeto fundamental deste Ponto de Vista), gostaríamos apenas (em caráter preliminar) de focalizar aspectos ligados à qualidade dos dados de informação com os quais se trabalha no campo da medicina, ou seja, o conjunto das informações com que os médicos (sejam eles militantes profissionais ou pesquisadores) fundamentam a conceituação e julgamento dos seus problemas.

Se o julgamento correto poderá não assegurar por si só a ação correta (nisso contrariando um pouco Descartes para o qual "basta julgar bem para agir bem; e faz melhor quem julga melhor". . . Discurso do Método, parte III), ele constitui, pelo menos, uma segurança para, ao se agir, fazê-lo da maneira mais adequada (ou menos errada) possível.

A adequação das ações no campo da Saúde Pública ou da medicina individual dependerá sem dúvida do julgamento correto (ou pelo menos com o menor viés possível) que se faça do problema, bem como da forma como foi visto e conceituado.

Tem-nos chamado a atenção no campo médico (seja na atividade profissional ou em menor monta, na pesquisa) o pouco cuidado não só na conceituação como na própria mensuração das variáveis que estão sendo utilizadas. Vejamos alguns destes exemplos ou suas conseqüências. Numa anamnese, o médico (dentro do seu referencial sócio-econômico-cultural) interroga o paciente (pertencente a outro referencial), utilizando palavras que são de uso comum para ambos, embora apresentando significados diferentes. Assim, o valor da informação obtida ao se questionar se: o indivíduo apresenta ou não determinado sintoma, se ele foi ou não vacinado, medicado, radiografado, etc.; se sua casa tem ou não o "bicho barbeiro", poderá apresentar ampla gama de variação (do mínimo ao máximo de crédito).

Parece que pouca preocupação é colocada nas características essenciais dos instrumentos de medidas (estabilidade, fidelidade, sensibilidade, justeza, especificidade). Conseqüentemente, é comprometido o valor preditivo (positivo ou negativo) das informações coletadas, apesar das mesmas servirem para nortear a feitura do diagnóstico da patologia do indivíduo ou mesmo da pesquisa (às vezes até científica) que o médico tem em mente.

Nem sempre se está atento na "co" ou "re-codificação" ao se passar do referencial cultural do médico para o do paciente e vice-versa. As palavras fluem de um para outro como se fossem relações biunívocas guardando significado único-permanente-imutável, a-histórico e a-pessoal. Acrescenta-se a isso a não observância das diferentes formas de verbalização dos sujeitos questionados sobre fatos sociais do qual ele participa.

É comum se fazer todo um raciocínio correto em cima de conceitos e juízos que pouco resistiriam a uma análise mais cuidadosa; entre os diferentes componentes dessa fragilidade, destacaríamos a qualidade dos dados. Assim, ao se estudar a idade da criança por ocasião do desmame com leite materno e suas causas, é óbvio que um conjunto grande de fatores estarão interferindo no fato em si e não as poucas palavras apresentadas pela mãe que, racionalizando (às vezes) também crê que a verdadeira causa seja aquela apontada; ao se efetuar inquérito sobre ingestão alimentar é muito comum aceitarem-se as informações como que apresentando sensibilidade e especificidade de 100%, o que seguramente não ocorre. Ao se questionar da ocorrência de alguma pessoa doente num domicílio (em levantamentos de morbidade) ou de sintomáticos respiratórios, nem sempre é lembrado de se procurar saber qual é o referencial de morbidade introjetado e usado por aquelas pessoas que respondem aos inquéritos. Uma série bem grande de exemplos poderiam ser enumerados justificando, dessa maneira, o objeto de preocupação deste Ponto de Vista.

Assim, se é importante estar atento às qualidades dos instrumentos de medidas efetuadas ao nível do laboratório (em geral, medidas diretas de fenômenos naturais) tão ou mais importante deverá ser o cuidado na escolha dos instrumentos que captarão as variáveis que envolvem o homem, ser com o qual trabalha a medicina humana.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Abr 1984
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