Acessibilidade / Reportar erro

Influência do exercício físico aeróbico na prevenção da doença coronariana

The influence of aerobic physical exercise in the prevention of coronary heart disease

Resumos

A presente revisão enfatiza a função do EFA (Exercício Físico Aeróbico), moderado ou vigoroso, como um importante fator na profilaxia da AC (arteriosclerose coronariana), sobretudo quando associado a outras medidas profiláticas conhecidas. Esse efeito está provavelmente relacionado com o fato do EFA elevar a concentração de HDL-c. Esta, provavelmente, é a única medida a ser tomada naqueles casos onde não existe nenhum fator de risco associado, mas há forte história familiar de AC. Além do mais, o EFA regular tem importante papel no processo de reabilitação cardíaca nos pacientes portadores de DIM (doença isquêmica do miocárdio).

Exercício físico aeróbico; Doenças das coronárias


The present review emphazises the role of aerobic physical exercise (APE), of moderate or heavy intensity, as a fundamental tool in the prevention of coronary atherosclerosis (CA). There are evidences that this effect is mediated by the increase of HDL levels. On the other hand increased APE is, in some situations, the only way to prevent CA, specially in patients with no known risk factor but with a considerable family history of CA. In the same way the authors review the importance of APE in the cardiac rehabilitation of patients after myocardiac infarction.

Respiratory exercises; Coronary disease


ATUALIZAÇÃO

Influência do exercício físico aeróbico na prevenção da doença coronariana

The influence of aerobic physical exercise in the prevention of coronary heart disease

Reinaldo Bulgarelli Bestetti; José Ernesto dos Santos

Do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP – "Campus" de Ribeirão Preto - 14100 - Ribeirão Preto, SP - Brasil

RESUMO

A presente revisão enfatiza a função do EFA (Exercício Físico Aeróbico), moderado ou vigoroso, como um importante fator na profilaxia da AC (arteriosclerose coronariana), sobretudo quando associado a outras medidas profiláticas conhecidas. Esse efeito está provavelmente relacionado com o fato do EFA elevar a concentração de HDL-c. Esta, provavelmente, é a única medida a ser tomada naqueles casos onde não existe nenhum fator de risco associado, mas há forte história familiar de AC. Além do mais, o EFA regular tem importante papel no processo de reabilitação cardíaca nos pacientes portadores de DIM (doença isquêmica do miocárdio).

Unitermos: Exercício físico aeróbico. Doenças das coronárias.

ABSTRACT

The present review emphazises the role of aerobic physical exercise (APE), of moderate or heavy intensity, as a fundamental tool in the prevention of coronary atherosclerosis (CA). There are evidences that this effect is mediated by the increase of HDL levels. On the other hand increased APE is, in some situations, the only way to prevent CA, specially in patients with no known risk factor but with a considerable family history of CA. In the same way the authors review the importance of APE in the cardiac rehabilitation of patients after myocardiac infarction.

Uniterms: Respiratory exercises. Coronary disease.

A hipercolesterolemia constitui fator de risco para o desenvolvimento de arteriosclerose coronariana (AC)1, 16, 17, 24. A hipertrigliceridemia4 e a hiperinsulinemia22, embora em menor grau, correlacionam-se também, positivamente, com a doença isquêmica do miocárdio (DIM). Estudos clássicos1, bem como evidências recentes5, mostram que níveis sangüíneos diminuídos de lipoproteínas de densidade alta ou alfa hipoproteínas (HDL-c)* * Colesterol ligada à alfa lipoproteína. Essa representa a maneira mais freqüentemente utilizada na avaliação dos níveis séricos de alfa hipoproteínas. aumentam o risco de desenvolvimento de AC, enquanto que níveis plasmáticos elevados de HDL-c diminuem a incidência de AC e aumentam a expectativa de vida8. Além disso, pacientes que sofreram infarto agudo do miocárdio (IAM) e apresentam baixos níveis de HDL-c (geralmente menor que 35 mg/100 ml) têm pior prognóstico quando comparados com pacientes que tiveram IAM, mas apresentam elevados níveis plasmáticos de HDL-c2.

Existem vários relatos na literatura médica6, 11, 12, 15, 18, 20, 23, 25 mostrando que o exercício físico aeróbico (EFA) praticado regularmente eleva os níveis plasmáticos de HDL-c. Durante o processo de condicionamento físico observa-se também diminuição significativa nos níveis séricos de triglicerídeos (TG)13. Isto acontece tanto em indivíduos submetidos a um processo de condicionamento físico moderado12 como, principalmente, em indivíduos que fazem exercício físico vigoroso3, 14, 18, como os atletas corredores de grandes distâncias. Nestas pessoas também se observa aumento nos níveis de ácidos graxos livres sangüíneos, refletindo aumento na taxa de lipólise14; Esta é provavelmente a explicação para a diminuição dos níveis de TG sangüíneos que se encontra comumente em indivíduos bem treinados.

Se existe uma certa concordância na literatura médica no sentido de que o exercício físico aeróbico reduz os níveis séricos de TG, o mesmo não se pode dizer em relação ao colesterol plasmático (CP). Neste aspecto, a literatura é controvertida. Existem atletas que se submetem a exercício físico vigoroso e não apresentam alterações na colesterolemia13. Entretanto, há relatos de pessoas que fazem exercício físico moderado e apresentam leve, mas significativa diminuição nos níveis de CP12, 19, 20, 25. Portanto, em alguns casos, o EFA pode contribuir para diminuição dos níveis de CP e, conseqüentemente, para o risco de AC.

O EFA regularmente praticado também provoca uma redução nos níveis séricos de insulina20, 23, hormônio reconhecidamente lipogênico, cujos níveis são, em geral, elevados em pessoas com AC22.

A maior influência do EFA regular é observada nos níveis sangüíneos de HDL-c Existem relatos convincentes de que ocorre aumento substancial na prevalência de AC quando os níveis de HDL-c baixam de 53 para 35 mg/100 ml21. Níveis de HDL-c iguais ou menores que 35 mg/100 ml possuem forte correlação com DIM, enquanto que níveis de HDL-c de 45 mg/100 ml ou mais reduzem significativamente o risco de AC10. Mais ainda, existem evidências epidemiológicas mostrando o desenvolvimento de DIM subseqüentemente em pessoas de meia idade que, aos 20 anos, já apresentavam níveis plasmáticos de HDL-c baixos9.

Com base nestas e em citações anteriores verifica-se, claramente, concordância na literatura de que níveis médios ou elevados de HDL-c plasmáticos protegem contra AC. Várias publicações recentes mostram que o EFA regular é capaz de elevar os níveis séricos de HDL-c. Lehtone e Viikari18 observaram que os níveis de HDL-c aumentam significativamente em pessoas que correm 25 km ou mais semanalmente (HDL = 50 mg/100 ml), alcançando concentrações excepcionais em indivíduos que correm 70 km semanalmente (HDL-c = 70 mg/100 ml). Ao contrário de outros relatos da literatura, estes autores não observaram elevação nos níveis de HDL-c em indivíduos que correm menos do que 25 km por semana, quando comparados a indivíduos não treinados, Huttunen e cols.15 submeteram indivíduos saudáveis a um programa de condicionamento físico moderado e também encontraram aumentos significativos nas concentrações séricas de HDL-c. Hartung e cols.11 compararam indivíduos que corriam a maratona (60 km/semana), "joggers" (18 km/semana) e indivíduos saudáveis inativos. Verificaram que os níveis plasmáticos de HDL-c guardavam proporção com o grau de atividade física: os corredores de maratona tinham HDL-c = 65 mg/100 ml, os joggers = 58 mg/100 ml, enquanto que os inativos tinham HDL-c = 43 mg%. Peltonen e cols.20 submeteram um grupo de indivíduos saudáveis a um programa de condicionamento físico moderado (correr 9 km/semana, com a FC @ 150 bpm). Observaram aumento significativo nos níveis séricos de HDL-c. Achados similares foram os de Wood e cols.25, quando indivíduos saudáveis que corriam em torno de 24 km/semana apresentaram níveis de HDL-c de 63 mg/100 ml, enquanto que em indivíduos saudáveis inativos os níveis de HDL-c observados foram de 43 mg/100 ml.

Esses relatos oferecem subsídios para se concluir que o EFA pode ser uma importante medida profilática contra AC, conforme aumentam os níveis séricos de HDL-c significativamente nas pessoas treinadas, mesmo quando o exercício físico é moderado. A explicação para essa elevação, no entanto, é incerta. É possível que ela seja decorrente do aumento do transporte de colesterol das células periféricas para o fígado7 ou, então, conseqüência da elevação dos níveis de lipase lipoproteína11.

Outro aspecto que tem chamado a atenção dos pesquisadores é o efeito do exercício físico regular como medida coadjuvante no processo de reabilitação do paciente com DIM. Erkelens e cols.6 submeteram um grupo de pacientes, que sobreviveram a IAM, a um programa de condicionamento físico progressivo, de tal forma que, no último estágio de treinamento, os pacientes corriam 2,5 km, três vezes por semana. Verificaram que, em relação a pacientes que sobreviveram a IAM, mas não participaram de nenhum tipo de reabilitação cardíaca, ocorreu elevação significativa nos níveis da HDL-c plasmáticos até níveis considerados normais (HDL-c = 45 mg/100 ml).

Resultados similares foram obtidos por Streja e Myamin23. Estes dois autores submeteram um grupo de pacientes portadores de DIM (angina ou pós-IAM) a um programa de condicionamento físico moderado (correr 9 km/semana, com a FC ajustada para 80% da freqüência cardíaca máxima obtida num teste ergométrico prévio. Nestes pacientes, houve significativa elevação dos níveis séricos de HDL-c (40 mg/100 ml). Publicação recente de Heath e cols12 também mostra elevação dos níveis de HDL-c (47 mg/100 ml) em pacientes portadores de DIM que foram submetidos a um programa de treinamento físico moderado (caminhar, correr ou bicileta estacionária, com VO2 de 50 a 85% do VO2 máximo previamente calculado). Desta forma, conclui-se que o EFA é importante auxiliar no processo de reabilitação cardíaca de pacientes portadores de AC.

Recebido para publicação em 03/05/1984

Aprovado para publicação em 12/06/1984

  • 1. BARR, D. P.; RUSS, E. M. & EDER, H. A. Protein-lipid relationship in human plasma. Amer. J. Med., 11: 480-93, 1951.
  • 2. BERG, K. G.; CANNER, P. L. & HAINLINE Jr., A. High-density lipoprotein cholesterol and prognosis after myocardial infarction. Circulation, 66: 1176-8, 1982.
  • 3. BJORNTROP, P.; FAHLEN, M.; GRIMBY, G.; GUSTAFSON, A.; HOLM, J.; RENSTRAN, P. & SCHERSTEN, T. Carbohydrate and lipid metabolism in middle aged physically weel-trained men. Metabolism, 21: 1037-44, 1972.
  • 4. CARLSON, L. A. & BÖTTEIGER, L. E. Ischaemic heart disease in relation to fasting values of plasma triglycerids and cholesterol. Lancet, 1: 865-8, 1972.
  • 5. CASTELLI, W. P.; DOYLE, J. T.; GORDON, T.; HAMES, C. G.; HJORTLAND, M. C.; HULLEY, S. B.; KAGAN, A. & ZUKEL, W. J. HDL cholesterol and other lipids in coronary heart disease. Circulation, 55: 767-72, 1977.
  • 6. ERKELENS, D. W.; ALBERS, J. J.;HAZZARD, W. R.; FREDERICK, R. C. & BIERMAN, E. L. High density lipoprotein cholesterol in survivors of myocardial infarction. J. Amer. med. Ass., 242: 2185-9, 1979.
  • 7. GLOMSET, J. A. The plasma licithin cholesterol acyltransferase reaction. J. Lipid Res., 9: 155-67, 1968.
  • 8. GLUECK, C. J.; FALLAT, R. W. & MILLET, F. Familial hyperalphalipoproteinemia studies in 18 kindred. Metabolism, 24: 1243-65, 1975.
  • 9. GOFMAN, J. W.; YOUNG, W. & TANDY, R. Ischaemic heart disease, atherosclerosis and longevity. Circulation, 34: 679-97, 1966.
  • 10. GORDON, T.; CASTELLI, W. P.; HORTLAND, M. C.; KANNEL, W. B. & DAUBER, T. R. High-density lipoprotein as a protective factor against coronary heart disease. Amer. J. Med., 62: 707-14, 1977.
  • 11. HARTUNG, H.; FOREYT, J. P.;MITCHEL, R. E.; VLOSEK, I. & GOTTO J., A. M. Relation of diet to high-density lipoprotein cholesterol in middle-aged marathon runners, joggers and inactive men. New Engl J. Med., 302: 357-61, 1980.
  • 12. HEATH, G. W.; EHSANI, A.; HAGBERG, J. M.; HINDERLITER, J. M. & GOLÖBERG, A. P. Exercise training improves lipoproteins lipid profiles in patients with coronary artery disease. Amer. Heart J., 105: 889-95, 1983.
  • 13. HOLLOSZY, J. O.; SKINNER, J. S.; TORO, G. & CURETON, T. K. The effects of a six month program of endurance exercise on serum lipids of a middle-aged men. Amer. J. Cardiol., 14: 753-60, 1964.
  • 14. HURTER, R.; PEYMAN, M. A.; SWALE, J. & BARNETT, C. W. H. Some immediate and long-term effects of exercise on the plasma lipids. Lancet, 2: 671-4, 1972.
  • 15. HUTTUNEN, J. K.; LANSIMIES, E.; VONTILAINEN, F.; EHNHILM, C.; HIETANEN, E.; PENTTILÃ, I.; SHTONEN, O. & ROURAMAA, R. Effect of moderate physical exercise on serum lipoproteins. Circulation, 60: 1220-9, 1979.
  • 16. KANNEL, W. B.; CASTELLI, W. P. & GORDON, T. Cholesterol in the prediction of atherosclerosis disease. Ann. int. Med., 90: 85-91, 1979.
  • 17. KANNEL, W. B.; CASTELLI, W. P. & GORDON, T. Serum cholesterol lipoproteins and of coronary heart disease: the Framinghan study. Ann. int. Med., 74: 1-12, 1971.
  • 18. LEHTONE, A. & VIIKARI, J. Serum triglycerides and cholesterol high-density lipoprotein cholesterol in highsty physically active man. Acta med. scand., 204: 111-4, 1978.
  • 19. MANN, G. C.; GARRET, H. L.; FARHI, A.; MURRAY, H. & BILLINGS, F. T. Exercise to prevent coronary heart disease. Amer. J. Med., 46: 12-17, 1969.
  • 20. PELTONEN, P.; MARMIEMI, J.; HIETANEN, E.; VIRARI, I. & EHNHOLM, C. Changes in serum lipids lipoproteins and heparin releasable lipolytic during moderate physical training in man: a longitudinal study. Metabolism, 30: 518-26, 1981.
  • 21. RHOODS, C. G.; GULBRANDSEN, C. L. & KAGAN, A. Serum lipoproteins and coronary heart disease in a population study of Havaii Japanese men. New Engl. J. Med., 294: 293-8, 1976.
  • 22. STOUT, R. W. The relationship of abnormal circulating insulin levels to atherosclerosis. Atherosclerosis, 27: 1-13, 1977.
  • 23. STREJA, D. & MYAMIN, D. Moderate exercise and high-density lipoprotein-cholesterol. J. Amer. med. Ass., 242: 2190-2, 1979.
  • 24. TRUETT, J.; CORNFIELD, J. & KANNEL, W. B. A multivariate analysis of the risk of coronary heart disease in Framinghan. J. chron. Dis., 20: 511-24, 1967.
  • 25. WOOD, P. D.; HASKELL, W.; KLEIN, H.; LEWIS, S.; STERN, M. P. & FARGHAR, J. W. The distribution of plasma lipoproteins in middle-age runners. Metabolism, 25: 1249-57, 1976.
  • *
    Colesterol ligada à alfa lipoproteína. Essa representa a maneira mais freqüentemente utilizada na avaliação dos níveis séricos de alfa hipoproteínas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 1984

    Histórico

    • Aceito
      12 Jun 1984
    • Recebido
      03 Maio 1984
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br