Acessibilidade / Reportar erro

Estudo clínico-epidemiológico da esquistossomose mansoni em escolares da Ilha, município de Arcos, MG (Brasil), 1983

Clinical-epidemiological study of schistosomiasis mansoni in school children of Ilha, Arcos County, Minas Gerais, Brazil, 1983

Resumos

Foi realizado um estudo clínico-epidemiológico da esquistossomose em escolares (6 - 14 anos) da Ilha, em Minas Gerais (Brasil). Foram feitos exame parasitológico de fezes pelo método de KATO-KATZ e exame clínico em, respectivamente, 86,7 e 85,4% da população escolar. Foi realizado levantamento sócio-econômico e foram pesquisados os sinais e sintomas apresentados pelos pacientes e seus contatos com águas naturais. O índice de infecção pelo Schistosoma mansoni foi 32,7%, predominaram as baixas contagens de ovos nas fezes (89,0% dos pacientes eliminavam menos de 500 ovos/grama de fezes) e o índide de esplenomegalia foi 7,7%. Os pacientes positivos (com ovos de S. mansoni nas fezes) foram comparados aos negativos (sem ovos nas fezes e com intradermoreação negativa), verificando-se que a infecção pelo S. mansoni era significativamente mais freqüente entre os trabalhadores rurais, entre os que residiam em casas de pior qualidade e entre aqueles cujos chefes de família eram analfabetos. Constituíram os maiores fatores de risco para a infecção pelo S. mansoni nesta área: a) ter contatos com águas naturais para trabalhar na lavoura (Odds Ratio = 18,08); b) ter contatos diários com águas naturais (OR = 13,82) e c) ter contatos com águas naturais para pescar, nadar e/ou brincar (OR = 7,75 e 5,51, respectivamente). Os autores levantam a hipótese de que a transmissão da esquistossomose nesta localidade não ocorre no peridomicílio, mas sim nas lagoas próximas à Ilha e nas plantações agrícolas, provavelmente nas culturas de arroz de várzea.

Esquistossomose mansônica; Epidemiologia; Escolares


A schistosomiasis mansoni clinical-epidemiological study was carried out among school children (6-14 years old) of the Ilha community, Minas Gerais. Stool examination, using the KATO-KATZ method, and clinical examination were performed on 86.7 and 85.4%, respectively, of the population studied. The signs and symptoms presented by the patients as well as their contacts with untreated water were investigated. A socio-economic survey was carried out in the community through household interviews. The index of infection by the Schistosoma mansoni was 32.7%, low egg counts were predominant (89.0% of the patients eliminated less than 500 eggs/gram of feces) and the index of splenomegaly was 7.7%. The positive patients (presenting S. mansoni eggs in the stools) were compared with the negative ones .(without eggs in the stools and presenting a negative intradermal reaction). The S. mansoni infection was significantly higher among the rural workers, among those who lived in poor housing conditions and among those patients the head of whose family was illiterate. Increased risk factors were found to be: a) the contact with untreated water used for agriculture (OR = 18.08); b) the occurrence of daily contact with untreated water (OR = 13.82) and c) the contact with untreated water for fishing, swimming and/or playing (OR = 7.75 and 5.51 respectively). The authors consider the hypothesis that the schistosomiasis transmission in this area does not occur in household surroundings but in the nearby lagoons and agricultural areas instead (probably in irrigated rice plantations).

Schistosomiasis; Epidemiology; School children


ARTIGO ORIGINAL

Estudo clínico-epidemiológico da esquistossomose mansoni em escolares da Ilha, município de Arcos, MG (Brasil), 1983

Clinical-epidemiological study of schistosomiasis mansoni in school children of Ilha, Arcos County, Minas Gerais, Brazil, 1983

Mark Drew Crosland GuimarãesI; Maria Fernanda Furtado de Lima e CostaI; Lucinéia Bernardes de LimaII; Maria Aparecida MoreiraII

IDo Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Minas - Av. Alfredo Balena, 190 -10o andar - 30.000 - Belo Horizonte, MG - Brasil

IIEstagiários do Internato Rural da Universidade Federal de Minas Gerais no período de janeiro a março de 1983

RESUMO

Foi realizado um estudo clínico-epidemiológico da esquistossomose em escolares (6 - 14 anos) da Ilha, em Minas Gerais (Brasil). Foram feitos exame parasitológico de fezes pelo método de KATO-KATZ e exame clínico em, respectivamente, 86,7 e 85,4% da população escolar. Foi realizado levantamento sócio-econômico e foram pesquisados os sinais e sintomas apresentados pelos pacientes e seus contatos com águas naturais. O índice de infecção pelo Schistosoma mansoni foi 32,7%, predominaram as baixas contagens de ovos nas fezes (89,0% dos pacientes eliminavam menos de 500 ovos/grama de fezes) e o índide de esplenomegalia foi 7,7%. Os pacientes positivos (com ovos de S. mansoni nas fezes) foram comparados aos negativos (sem ovos nas fezes e com intradermoreação negativa), verificando-se que a infecção pelo S. mansoni era significativamente mais freqüente entre os trabalhadores rurais, entre os que residiam em casas de pior qualidade e entre aqueles cujos chefes de família eram analfabetos. Constituíram os maiores fatores de risco para a infecção pelo S. mansoni nesta área: a) ter contatos com águas naturais para trabalhar na lavoura (Odds Ratio = 18,08); b) ter contatos diários com águas naturais (OR = 13,82) e c) ter contatos com águas naturais para pescar, nadar e/ou brincar (OR = 7,75 e 5,51, respectivamente). Os autores levantam a hipótese de que a transmissão da esquistossomose nesta localidade não ocorre no peridomicílio, mas sim nas lagoas próximas à Ilha e nas plantações agrícolas, provavelmente nas culturas de arroz de várzea.

Unitermos: Esquistossomose mansônica. Epidemiologia. Escolares.

ABSTRACT

A schistosomiasis mansoni clinical-epidemiological study was carried out among school children (6-14 years old) of the Ilha community, Minas Gerais. Stool examination, using the KATO-KATZ method, and clinical examination were performed on 86.7 and 85.4%, respectively, of the population studied. The signs and symptoms presented by the patients as well as their contacts with untreated water were investigated. A socio-economic survey was carried out in the community through household interviews. The index of infection by the Schistosoma mansoni was 32.7%, low egg counts were predominant (89.0% of the patients eliminated less than 500 eggs/gram of feces) and the index of splenomegaly was 7.7%. The positive patients (presenting S. mansoni eggs in the stools) were compared with the negative ones .(without eggs in the stools and presenting a negative intradermal reaction). The S. mansoni infection was significantly higher among the rural workers, among those who lived in poor housing conditions and among those patients the head of whose family was illiterate. Increased risk factors were found to be: a) the contact with untreated water used for agriculture (OR = 18.08); b) the occurrence of daily contact with untreated water (OR = 13.82) and c) the contact with untreated water for fishing, swimming and/or playing (OR = 7.75 and 5.51 respectively). The authors consider the hypothesis that the schistosomiasis transmission in this area does not occur in household surroundings but in the nearby lagoons and agricultural areas instead (probably in irrigated rice plantations).

Uniterms: Schistosomiasis. Epidemiology. School children.

1. INTRODUÇÃO

O Internato Rural da Universidade Federal de Minas Gerais é um estágio curricular obrigatório para os alunos do sexto ano do curso médico, desenvolvido em cinco regiões do Estado de Minas Gerais. Quando este internato foi implantado na localidade da Ilha (município de Arcos), observou-se que a população mostrava-se apreensiva em relação à esquistossomose mansoni. De fato, ao analisar a demanda do posto de saúde local nos três primeiros meses de estágio, os alunos do Internato Rural levantaram a possibilidade de a esquistossomose ser endêmica na localidade23.

O município de Arcos situa-se em zona endêmica da esquistossomose mansoni17, mas não existem dados epidemiológicos referentes à população da Ilha que permitam avaliar a real extensão do problema. Desta forma, foi proposta uma avaliação clínico-epidemiológica dos alunos (6-14 anos) da única escola existente na localidade, com os seguintes objetivos: a) determinar o índice de infecção pelo S. mansoni, a intensidade da infecção e a distribuição das formas clínicas da esquistossomose; b) avaliar os sinais e sintomas relacionados à infecção pelo parasita; c) determinar os fatores de risco para adquirir a infecção pelo S. mansoni naquela localidade.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Área em estudo

O município de Arcos, situado no Oeste de Minas Gerais, tem 22.056 habitantes (75,8% na zona urbana e 24,2% na zona rural).1 É um município relativamente jovem (42 anos), que sofreu um intenso processo de industrialização nos últimos 10 anos; no momento, existem 62 indústrias de pequeno, médio e grande portes na área9. A indústria de transformação (cal, cimento, carbonato de cálcio, minério de ferro e leite), a pecuária leiteira e a agricultura (milho e arroz) são as atividades econômicas mais importantes do município.

A comunidade da Ilha possui 1.250 habitantes e localiza-se a 18 km da sede do município de Arcos. A Indústria Química Barra do Piraí, que beneficia o carbonato de cálcio, e o cultivo de arroz, tanto de várzea (irrigado) quanto de cerrado (não irrigado), constituem as atividades econômicas mais relevantes na localidade. A Ilha é circundada por dois córregos com cerca de 10 m de largura, um dos quais recebe os dejetos da Indústria Química. Não existem redes de esgoto e de água no povoado. Existem algumas lagoas próximas à localidade que são usadas pela população para a pesca e o lazer.

2.2. Exame parasitológico de fezes e reação intradérmica

Todos os alunos do grupo escolar receberam um vidro para a coleta das fezes, rotulado com o seu nome e número de controle. O exame de fezes foi feito pelo método de KATO modificado por KATZ e cols.16. Foram preparadas duas lâminas da amostra de fezes de cada paciente, considerando-se positivos os pacientes que apresentavam ovos de S. mansoni em pelo menos uma das lâminas examinadas. A média da contagem de ovos obtida nas duas lâminas foi considerada como o número de ovos por grama de fezes do paciente.

Todos os pacientes que não apresentavam ovos de S. mansoni, no exame de fezes, foram submetidos à intradermorreação. O antígeno (0,05 ml de solução na concentração de 40 µgr/ml) foi aplicado na região supraescapular e a leitura do teste foi feita 15 min depois15. Foram considerados negativos os pacientes que não eliminavam ovos de S. mansoni nas fezes e que apresentavam reação intradérmica negativa (pápula < 1 cm2).

2.3. Exame clínico

O exame clínico foi realizado sem o conhecimento prévio do resultado do exame de fezes. Foram pesquisados os sinais e sintomas apresentados pelos pacientes nos 180 dias que antecederam a entrevista: dor abdominal, diarréia, hematêmese, sangue nas fezes (sangue vivo, em qualquer quantidade) e melena. Foram considerados "assintomáticos" os pacientes que não apresentavam nenhum destes sinais e sintomas.

A palpação do abdome foi feita com o paciente em decúbito dorsal e na posição de Chuster. Foram considerados palpáveis o fígado e/ou o baço detectados imediatamente abaixo do rebordo costal, com a respiração em repouso.

A classificação clínica adotada foi a de Pessoa e Barros22, com pequenas modificações: Tipo I — fígado e baço não palpáveis; Tipo II - fígado palpável e Tipo III - baço palpável.

2.4. Pesquisa de contatos com águas naturais A pesquisa de contatos com águas naturais foi feita sem o conhecimento prévio dos resultados dos exames de fezes e referiu-se aos hábitos dos pacientes nos 180 dias que antecederam a aplicação do questionário. As informações foram fornecidas pelo paciente, quando este era maior de 10 anos, e pela mãe quando menor de 10 anos de idade. A freqüência de contatos com águas naturais foi classificada como diária (pelo menos uma vez por dia), semanal (pelo menos uma vez por semana) e quinzenal ou menos. Os motivos de contatos foram classificados como trabalho na lavoura, pesca, natação e/ou brincadeiras e outros (atravessar os córregos, buscar água para o domicílio e outros).

2.5. Levantamento sócio-econômico

Foi aplicado um questionário padronizado nos domicílios dos escolares. As seguintes variáveis foram consideradas: setor de ocupação e escolaridade do chefe de família, ocupação e naturalidade do paciente, presença ou ausência de fossa e cisterna no domicílio, existência de água encanada da cisterna para o domicílio, localização do domicílio em relação ao córrego e qualidade da habitação (para determinar o tipo da habitação foram atribuídos valores aos materiais predominantes na construção da casa, da forma descrita por Costa5).

2.6. Análise estatística

O teste "t" de Student foi utilizado para avaliar a significância estatística das diferenças entre as médias e o teste do Qui-quadrado (com correção de Yates) para avaliar as diferenças entre as freqüências. Os riscos (Odds Ratio, com correção de Haldane) foram calculados sempre que as diferenças entre as freqüências foram estatisticamente significantes19,26,29. O nível mínimo de significância considerado foi 95% (p < 0,05).

3. RESULTADOS

Das 240 crianças matriculadas no grupo escolar, 208 (86,7%) foram submetidas ao exame parasitológico de fezes e 205 (85,4%) ao exame clínico.

O índice de infecção pelo S. mansoni foi 32,7%, a média geométrica do número de ovos foi 149,7 ± 4,1 por grama de fezes, 80,9% dos pacientes apresentavam menos de 500 ovos/gr, fezes e 7,7% apresentavam esplenomegalia (Tabela 1).

Dos pacientes que não eliminavam ovos de S. mansoni nas fezes, 99 apresentaram reação intradérmica negativa e 38 apresentaram reacão intradérmica positiva; os últimos foram excluídos da análise.

A tabela 2 mostra os sinais e sintomas apresentados pelos pacientes positivos e negativos. Nenhuma diferença estatisticamente significante entre os dois grupos foi observada.

No que se refere aos contatos com águas naturais, 137 pacientes (83,5% dos entrevistados) relataram ter tido contatos nos últimos 6 meses: 59,1% dos contatos foram para nadar e/ou brincar, 20,2% para pescar, 11,3% para o trabalho na lavoura e 9,3% para outras atividades. Riscos estatisticamente significativos para a infecção pelo S. mansoni foram obtidos para as pessoas que tinham contatos com águas naturais (Odds Ratio = 4,20), para as que tinham contatos semanais e diários (OR = 4,46 e 13,82, respectivamente) e para as que tinham contatos com águas naturais para nadar e/ou brincar (OR = 5,51), pescar (OR = 7,77) e trabalhar na lavoura (OR =18,08) (Tabela 3).

A Tabela 4 mostra os resultados do questionário sócio-econômico, segundo a positividade para o S. mansoni. A infecção pelo S. mansoni foi significativamente mais freqüente entre os pacientes que possuíam as seguintes características: eram trabalhadores rurais, residiam em casas de pior qualidade e pertenciam a famílias cujos chefes eram analfabetos (OR = 3,50, 3,43 e 2,38, respectivamente). Nenhuma diferença estatisticamente significante entre os pacientes positivos e negativos foi observada em relação às seguintes variáveis: localização dos domicílios em relação aos córregos, presença ou ausência de cisterna e fossa no domicílio, naturalidade do paciente e setor de ocupação do chefe de família.

4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

A determinação do índice de infecção pelo S. mansoni, da intensidade da infecção e das suas manifestações clínicas, tem sido feita em diversas áreas endêmicas do Brasil2,5,6,10,17,18 e de outros países3,11,21,24,25. Entretanto, existem poucos estudos analisando os fatores de risco para adquirir a infecção pelo S. mansoni 5,10,27 .O conhecimento destes fatores é importante para se compreender o processo da transmissão da infecção em zonas endêmicas da esquistossomose. No presente trabalho foram estudados o índice de infecção pelo S. mansoni, a contagem de ovos nas fezes, as manifestações clínicas e os riscos para a infecção na população escolar. Os resultados mostraram que 32,7% das crianças estavam infectadas pelo S. mansoni, 80,9% apresentavam baixa contagem de ovos nas fezes (< 500/grama) e 7,7% apresentavam esplenomegalia.

Ainda não se encontram bem definidos os sinais e sintomas gastrointestinais relacionados à infecção pelo S. mansoni. Estudos desenvolvidos em diferentes zonas endêmicas mostraram que, enquanto em algumas áreas a presença de sangue nas fezes e/ou de dores abdominais3,5,10,11,25,27 são mais freqüentes nos pacientes infectados, em outras áreas verificou-se que as queixas relativas ao trato gastrointestinal não diferiam entre os pacientes infectados e presumivelmente não infectados pelo S. mansoni 2,4,24. No presente trabalho, a percentagem de pacientes "assintomáticos" foi menor no grupo positivo (12,5%) do que no negativo (27,9%), mas a diferença observada não foi estatisticamente significante.

Estudos clínico-epidemiológicos, em áreas endêmicas da esquistossomose, situadas em Santa Lúcia4, no Quênia24 e no Brasil5 mostraram que existe correlação entre o maior tamanho do lobo esquerdo do fígado e a maior eliminação de ovos de S. mansoni nas fezes. A baixa contagem de ovos nos escolares da Ilha é uma hipótese a ser levantada para explicar porque o tamanho do lobo esquerdo do fígado nos pacientes positivos foi baixo (= 1,06 cm) e estatisticamente semelhante ao dos pacientes negativos ( = 1,12 cm).

A situação sócio-econômica de pacientes infectados pelo S. mansoni tem sido estudada em diferentes zonas endêmicas da esquistossomose. No Egito, Farooq e cols.8,9 encontraram maiores índices de infecção entre os pacientes com baixa escolaridade, entre os que residiam em casas de pior qualidade e entre os que não possuíam latrina e/ou água encanada no domicílio. Hiatt e cols.12, em Porto Rico, observaram que o índice de infecção pelo S. mansoni era maior nos pacientes que apresentavam menor índice sócio-econômico e naqueles que residiam em casas de pior qualidade. No Brasil, Barbosa2, no Estado de Pernambuco, verificou que a infecção pelo S. mansoni não estava relacionada ao setor de atividade do paciente, à qualidade da habitação ou à ausência de fossa no domicílio, Souza27, em Salvador, encontrou maiores índices de infecção entre os pacientes com pior nível sócio-econômico e entre os analfabetos. Guimarães10, em Tuparecê (Minas Gerais), encontrou maiores índices de infecção pelo S. mansoni entre os trabalhadores rurais, entre os trabalhadores domésticos e entre os pacientes que residiam na área há mais de 10 anos; nenhuma diferença entre os pacientes positivos e negativos foi observada em relação à renda familiar, à ausência de latrina no domicílio e à qualidade da habitação. Costa5 verificou em Comercinho (Minas Gerais) que a infecção pelo S. mansoni era significativamente mais freqüente nas famílias cujos chefes eram trabalhadores não qualificados, nos trabalhadores braçais, naqueles cujas casas eram de pior qualidade e entre os que não possuíam água encanada no domicílio, No presente trabalho, a infecção foi mais freqüente entre os escolares que eram trabalhadores rurais, entre os que residiam em casas de pior qualidade e entre os que pertenciam a famílias cujos chefes eram analfabetos.

Diversos autores estudaram os motivos de contatos com águas naturais em zonas endêmicas de S. mansoni. Na maioria das áreas investigadas, as atividades domésticas (lavar vasilhas, lavar roupas, buscar água para o domicílio e outros 2,5,6,7,8,10,13,14) e o lazer foram os motivos mais importantes de contatos com águas naturais, enquanto que os contatos para atividades profissionais7,8,21,25 e religiosas8,28 foram importantes em poucas regiões e em grupos populacionais específicos. Nos escolares da Ilha, os motivos de contatos com águas naturais, mais importantes, foram para nadar e/ou brincar (59%), pescar (20%) e trabalhar na lavoura (11%). É importante notar que o risco para a infecção pelo S. mansoni aumentou progressivamente à medida em que a freqüência dos contatos com águas naturais também aumentou (OR = 2,08, 4,46 e 13,82, respectivamente, para os contatos quinzenais ou menos, semanais e diários).

Um outro aspecto que chamou a atenção no presente trabalho foi a semelhança do índice de infecção entre as pessoas que residiam a menos ou a mais de 50 m do córrego e entre as pessoas que possuíam ou não cisterna no domicílio. Este resultado sugere que a transmissão da esquistossomose, na localidade, não é peridomiciliar e que não está relacionada às atividades domésticas. Esta impressão se reforça pelo fato de que os contatos com águas naturais para o trabalho na lavoura, para a pesca e para a natação e/ou brincadeiras constituíram os motivos de contatos que implicaram maiores riscos para a infecção pelo S. mansoni na população escolar. Desta forma, é possível que a transmissão da esquistossomose para os escolares desta comunidade esteja ocorrendo nas lagoas próximas à Ilha e nas plantações agrícolas, provavelmente nas culturas de arroz de várzea.

AGRADECIMENTOS

À comunidade da Ilha e em especial às professoras e Diretora do grupo Escolar, sem cuja colaboração este trabalho não teria sido possível. Às auxiliares de saúde do posto de saúde da Ilha e ao pessoal técnico do Instituto de Pesquisa "René Rachou" pela realização dos exames parasitológicos de fezes e intradermorreação, Ao Dr. Naftale Katz pelas facilidades obtidas para a realização deste projeto.

Recebido pora publicação em 20/08/1984

Aprovado para publicação em 17/12/1984

  • 1
    ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL. (Fundação IBGE) Rio de Janeiro, 1981.
  • 2. BARBOSA, F. S. Morbidade da esquistossomose. Rev. bras. Malar. 18 (no esp.): 3-159, 1966.
  • 3. CLINE, B.L.; RYMZO, W.T.; HIATT, R.A.; KNIGHT, W.B. & BERRIOS-DURAN, L. A. Morbidity from Schistosoma mansoni in a Puerto Rican community; a population-based study. Amer. J. trop. Med. Hyg., 26:109-17,1977.
  • 4. COOK, J.A.; BAKER, S.T.; WARREN, K.S. & JORDAN, P. A controlled study of morbidity of schistosomiasis mansoni in St. Lucian children, based on quantitative egg excretion. Amer. J. trop. Med. Hyg., 23: 625-33,1974.
  • 5. COSTA, M.F.F.L. Estudo clínico-epidemiológico da esquistossomose mansoni em Comercinho, Minas Gerais (1974-1981). Belo Horizonte, 1983. [Tese Doutorado - Faculdade de Medicina da UFMG]
  • 6. COURA, J. R. Morbidade da esquistossomose no Brasil. Rio de Janeiro, 1979. [Tese - Faculdade de Medicina da UERJ]
  • 7. DALTON, P.R. A sociological approach to the control of Schistosoma mansoni in St. Lucia. Bull. Wld Hlth Org., 54: 587-95,1976.
  • 8. FAROOQ, M.; NIELSEN, J.; SAMAAN, S.A.; MALLAH, M.B. & ALLAN, A. A. The epidemiology of Schistosoma haematobium and S. mansoni infections in the Egypt-49 project area. 2 - Prevalence of bilharziasis in relation to personal attributes and habits. Bull. Wld Hlth Org., 35:293-318, 1966.
  • 9. FAROOQ, M.; NIELSEN, J.; SAMAAN, S.A.; MALLAH, M.B. & ALLAN, A.A. The epidemiology of Schistosoma haematobium and S. mansoni infections in the Egypt-49 project area. 3 - Prevalence of bilharziasis in relation to certain environmental factors. Bull. Wld Hlth Org., 35: 319-30, 1966.
  • 10. GUIMARÃES, M.D.C. A schistosomiasis mansoni clinical-epidemiologic study in a small Brazilian community (Tuparecê-MG). Israel, 1982. [Master - Hebrew University of Jerusalem ]
  • 11. HIATT, R.A. Morbidity from Schistosoma mansoni infections; an epidemiologic study based on quantitative analysis of egg excretion in two highland Ethiopian children. Amer. J. trop. Med. Hyg., 25: 808-917,1977.
  • 12. HIATT, R.A.; CLINE, B.L.; RUIZ-TIBEN, E.; KNIGHT, W.B. & BERRIOS-DURAN, L. A. The Boqueron project after 5 years; a prospective community-based study of infection with Schistosoma mansoni in Puerto Rico. Amer. J. trop. Med. Hyg., 16 (suppl.): 5-10,1980.
  • 13. JORDAN, P.; WOODSTOCK, L.; UNRAU, G. O. & COOK, J.A. Control of Schistosoma mansoni transmission by provision of domestic water supplies. Bull. Wld Hlth Org., 52: 9-20,1975.
  • 14. JORDAN, P.; CHRISTIE, J.D. & UNRAU, G. O. Schistosomiasis transmission with particular reference to possible ecological and biological methods of control. Acta trop., 37:95-135,1980.
  • 15. KAGAN, I.G. & PELLEGRINO, J. A critical review of immunological methods for the diagnosis of bilharziasis. Bull. Wld Hlth Org., 25: 611-74,1961.
  • 16. KATZ, N.; CHAVES, A. & PELLEGRINO, J. A simple device for quantitative stool thick-smear technique in schistosomiasis mansoni. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, 14:397400,1972.
  • 17. KATZ, N.; ZICKER, F.; ROCHA, R.S.& OLIVEIRA, V.B. Re-infection of patients in schistosomiasis mansoni endemic areas after specific treatment. I. Influence of egg and worm burden. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, 20:273-8,1978.
  • 18. LEHMAN Jr., J.S.; MOTT, K.E.; MORROW Jr., R.H.; MUNIZ, T.M. & BOYER, M.H. The intensity of infection with Schistosoma mansoni if a rural community in northeast Brazil. Amer. J. trop. Med. Hyg., 25:285-94,1976.
  • 19. LILIENFELD, A.M. & LILIENFELD, D.E. Foundations of epidemiology. 2nd ed. New York, Oxford University Press, 1981.
  • 20. LIPES, J.K. & HIATT, R.A. Determinants of human water contact patterns in urban Puerto Rico with special reference to schistosomiasis. Bol. Asoc. med. Puerto Rico, 69:35-44,1977.
  • 21. ONGOM, V.L. & BRADLEY, D.J. The epidemiology and consequences of Schistosoma mansoni infection in West Nile, Uganda. I. Field studies of a community at Panyagoro. Trans. roy. Soc. trop. Med. Hyg., 66: 835-51,1972.
  • 22. PESSOA, S. & BARROS, P.M. Notas sobre a epidemiologia da esquistossomose mansônica no Estado de Sergipe. Rev. Med. Cir. S. Paulo, 13:17-24,1953.
  • 23
    * RELATÓRIO de Atividades do Internato Rural. Município de Arcos: outubro a dezembro, 1982. Arcos, 1982. [mimeografado]
  • 24. SIONGOK, T.K.A.; MAHMOUD, A.A.F.; OUMA, J.H.; WARREN, K.S.; MULLER, A. S.; HANDA, A.K. & HOUSER, H.B. Morbidity in schistosomiasis mansoni in relation to intensity of infection; study of a community in Mackakos, Kenya. Amer. J. trop. Med. Hyg., 25:273-84, 1976.
  • 25. SMITH, D.H.; WARREN, K.S. & MAHMOUD, A.A.F. Morbidity in schistosomiasis mansoni in relation to intensity of infection, study of a community in Kisumu, Kenya. Amer. J. trop. Med. Hyg., 28:220-9,1979.
  • 26. SNEDECOR, G.W. & COCHRAN, W.G. Statistical methods. 6th ed. Ames, The Yowa State University Press, 1977.
  • 27. SOUZA, S.A.I. Variáveis epidemiológicas na esquistossomose mansônica. Salvador, 1973. [Tese - Faculdade de Medicina da UFBA].
  • 28. TAYO, M.A..; PUGH, R.N.H. & BRADLEY, A. K. Malumfashi endemic diseases research project; XI. Water-contact activities in the schistosomiasis study area. Ann. trop. Med. Parasit., 74:347-54, 1980.
  • 29. WOOLF, B. On estimating the relation between blood group and disease. Ann. hum. Genet., 19: 251-3,1954/55.
  • *
    Disponível com o autor do presente trabalho.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 1985

    Histórico

    • Aceito
      17 Dez 1984
    • Recebido
      20 Ago 1984
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br