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Comparação do padrão alimentar de mães de baixo nível sócio-econômico durante a fase de lactação e após o desmame

Comparison of the alimentary habits of mothers of low socioeconomic level before and after weaning, in S. Paulo city (Brazil)

Resumos

Analisou-se a ingestão de alimentos de 190 mães de baixo nível sócio-econômico, residentes no município de São Paulo, SP (Brasil) em dois momentos; durante a fase de lactação (Inquérito I) e após o seu término (Inquérito II). Para caracterizar o padrão alimentar do grupo e dimensionar o risco, utilizou-se o inquérito alimentar recordatório de 24 horas. Os resultados mostraram que o padrão alimentar das mães é constituído por alimentos pertencentes aos grupos de protetores (feijão, leite C e carne de vaca); reguladores (banana, laranja, alface e tomate) e energéticos (arroz, pão, batata, macarrão, açúcar refinado e óleo vegetal), indicando uma dieta qualitativamente adequada. Encontrou-se, ainda, diferença estatisticamente significante no consumo de leite, feijão e café nos dois momentos analisados, indicando um maior consumo do primeiro durante o aleitamento natural (Inquérito I) e um aumento na ingestão de feijão e café após o desmame (Inquérito II). Além disso, o déficit apresentado no Inquérito I foi na maioria das vezes calórico-protéico, enquanto que no Inquérito II foi predominantemente calórico, verificando-se que a amostra analisada representa grupo de risco à desnutrição protéico-calórica.

Inquéritos nutricionais; Hábitos alimentares; Alimento; Mães


The alimentary conditions of one hundred and ninety low-income parturients from S. Paulo city (Brazil) were assessed at two stages: during the breast feeding period (Inquiry I) and after it (Inquiry II). The twenty-four hour recall method was used to obtain the alimentary patterns and to estimate the nutritional risk. The results showed that the mother's alimentary pattern consisted of foods belonging to the protectors (beans, milk and meat); regulators (banana, orange, lettuce and tomato) and energetics (rice, bread, potatoes, noodles, refined sugar, vegetable oil) thus constituting a diet which is qualitatively satisfying. A relevant statistical difference between the two stages that were analyzed, as between the respective intake of milk, beans and coffee was found, showing a major intake of milk, during the breast feeding period (Inquiry I) and an increase of the ingestion of beans and coffee after weaning (Inquiry II). Apart from that, the deficiency revealed by Inquiry I was most often caloric-proteic while in Inquiry II the major deficiency was caloric, showing that the sample analyzed is a target group with high risk of protein-caloric mal-nutrition.

Nutrition surveys; Food habits; Breast feeding; Mothers


ARTIGO ORIGINAL

Comparação do padrão alimentar de mães de baixo nível sócio-econômico durante a fase de lactação e após o desmame* * Trabalho apresentado no II Congresso Paulista de Saúde Pública e I Congresso Nacional da ABRASCO. Realizado com auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo N° 700.0.22.0/77.

Comparison of the alimentary habits of mothers of low socioeconomic level before and after weaning, in S. Paulo city (Brazil)

Eliete Salomon Tudisco; Nair de Jesus Manoel; Paulete Goldenberg; Yara Juliano; Neil Ferreira Novo; Dirce Maria Sigulem

Do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina — Rua Botucatu, 740 — 04023 — São Paulo, SP — Brasil.

RESUMO

Analisou-se a ingestão de alimentos de 190 mães de baixo nível sócio-econômico, residentes no município de São Paulo, SP (Brasil) em dois momentos; durante a fase de lactação (Inquérito I) e após o seu término (Inquérito II). Para caracterizar o padrão alimentar do grupo e dimensionar o risco, utilizou-se o inquérito alimentar recordatório de 24 horas. Os resultados mostraram que o padrão alimentar das mães é constituído por alimentos pertencentes aos grupos de protetores (feijão, leite C e carne de vaca); reguladores (banana, laranja, alface e tomate) e energéticos (arroz, pão, batata, macarrão, açúcar refinado e óleo vegetal), indicando uma dieta qualitativamente adequada. Encontrou-se, ainda, diferença estatisticamente significante no consumo de leite, feijão e café nos dois momentos analisados, indicando um maior consumo do primeiro durante o aleitamento natural (Inquérito I) e um aumento na ingestão de feijão e café após o desmame (Inquérito II). Além disso, o déficit apresentado no Inquérito I foi na maioria das vezes calórico-protéico, enquanto que no Inquérito II foi predominantemente calórico, verificando-se que a amostra analisada representa grupo de risco à desnutrição protéico-calórica.

Unitermos: Inquéritos nutricionais, S. Paulo, Brasil. Hábitos alimentares. Alimento. Mães, estado nutricional.

ABSTRACT

The alimentary conditions of one hundred and ninety low-income parturients from S. Paulo city (Brazil) were assessed at two stages: during the breast feeding period (Inquiry I) and after it (Inquiry II). The twenty-four hour recall method was used to obtain the alimentary patterns and to estimate the nutritional risk. The results showed that the mother's alimentary pattern consisted of foods belonging to the protectors (beans, milk and meat); regulators (banana, orange, lettuce and tomato) and energetics (rice, bread, potatoes, noodles, refined sugar, vegetable oil) thus constituting a diet which is qualitatively satisfying. A relevant statistical difference between the two stages that were analyzed, as between the respective intake of milk, beans and coffee was found, showing a major intake of milk, during the breast feeding period (Inquiry I) and an increase of the ingestion of beans and coffee after weaning (Inquiry II). Apart from that, the deficiency revealed by Inquiry I was most often caloric-proteic while in Inquiry II the major deficiency was caloric, showing that the sample analyzed is a target group with high risk of protein-caloric mal-nutrition.

Uniterms: Nutrition surveys, S. Paulo, Brazil. Food habits. Breast feeding. Mothers, nutritional status.

INTRODUÇÃO

O aleitamento natural constituiu-se em uma das medidas fundamentais na prevenção primária da desnutrição protéico-calórica (DPC) na criança 2,18. Nos últimos anos têm-se observado interesse crescente por problemas ligados ao aleitamento natural e ao desmame precoce 15,17,18. Destaca-se, no entanto, no que se refere especificamente ao padrão alimentar da mulher lactante que, em nosso meio, praticamente inexistem trabalhos que abordem o assunto.

A lactação provoca no organismo feminimo modificações fisiológicas que resultam em aumento dos requisitos nutricionais 3,15. A dieta, nestas circunstâncias, deveria prover as necessidades básicas do organismo materno e, também, suprir a quota recomendada para a produção láctea de forma a manter as condições de nutrição da mulher durante a lactação 4,14.

O conhecimento do padrão alimentar deste grupo vulnerável torna-se fundamental para identificar prováveis deficiências de caráter dietético que poderiam comprometer seu estado de nutrição.

Aventa-se a hipótese que o aumento dos requerimentos nutricionais seria um dos fatores predisponentes que determinaria o início do processo de DPC na nutriz.

A partir dos resultados obtidos em um levantamento realizado no município de São Paulo 17, busca-se no presente trabalho os seguintes objetivos:

— identificar o padrão alimentar de um grupo de mães durante a fase de lactação e após o término da mesma;

— quantificar o déficit calórico-protéico da dieta, identificando-se o grupo de maior risco;

— contribuir para o adequado planejamento de Programas de Suplementação Alimentar para grupos de maior risco.

METODOLOGIA

A presente pesquisa foi parte integrante de um projeto mais amplo sobre "Influências das Práticas Alimentares no Estado Nutricional de Lactantes e Pré-Escolares", realizado no município de São Paulo nos anos de 1978 e 197917. As 190 mulheres que constituíram a amostra foram selecionadas em três maternidades que atendem população de baixa renda (Amparo Maternal, Legião Brasileira de Assistência e Maternidade Escola Vila Nova Cachoeirinha).

Os critérios de amostragem estabelecidos foram os seguintes:

— renda familiar igual ou menor a 1,0 salário mínimo per capita (SMPC);

— recém-nascido com peso superior a 2.500 gr.

A fim de se obter informações sobre o padrão básico da dieta do grupo em dois momentos, isto é, durante o aleitamento natural (Inquérito I) e após o desmame (Inquérito II), e desta forma quantificar a ingestão, foi utilizado o método de inquérito alimentar recordatório de 24 horas 5,10,12. Os alimentos eram anotados por refeição, aceitando-se a informação da entrevistada sobre a quantidade ingerida em medidas caseiras, gramas ou unidades e ordenados em grupos seguindo as normas propostas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE)8 em seu Estudo Nacional de eDspesa Familiar (ENDEF).

O Inquérito I foi aplicado no total da amostra (n =190), durante a primeira visita ao domicílio , que ocorreu em um tempo mediano de 9 dias após o parto. O Inquérito II foi executado somente naqueles em que se constatou o desmame, isto é, em 125 casos.

Na avaliação da dieta os alimentos, obtidos na maioria das vezes em medidas caseiras ou unidades, foram transformados em gramas, seguindo-se uma tabela elaborada por Tudisco e col.20. Os cálculos de calorias e proteínas ingeridas foram baseados na Tabela de Composição de Alimentos Compilada pelo Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo 21 e, para os alimentos não constantes da mesma, na Tabela de Composição da FIBGE 7.

Para o cálculo da adequação da dieta empregou-se a seguinte relação:

Obteve-se a ingestão recomendada de calorias e proteínas utilizando-se os requerimentos sugeridos pelo National Research Council, 19743,14, corrigindo-se as necessidades calóricas para peso e tipo de atividade. Nas mulheres adultas levou-se em conta o peso ideal para a estatura e, nas adolescentes, o peso ideal para a idade3. Quanto ao tipo de atividade, no Inquérito I considerou-se em atividade leve as mães que permaneciam em casa e em atividade moderada aquelas que possuíam ocupação fora do domicílio. No Inquérito II consideraram-se todas em atividade moderada, pois, fora ou dentro do domicílio, as ocupações eram muito semelhantes.

O trabalho de campo foi executado por estudantes da área sócio-econômica, treinadas por nutricionistas 19.

Como método estatístico para a análise dos resultados utilizou-se o Teste de Wilcoxon (T) para amostras correlatas, quando comparados os valores médios de ingestão por grupo de alimento observado nos Inquéritos I e II. Levando em conta o tamanho da amostra, o teste foi realizado com apromixação à curva normal (estatística Z)16.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao enfocar-se o problema de nutrição na população, levando-se em consideração os hábitos alimentares e a ingestão de alimentos, analisa-se a problemática no período pré-patogênico da história natural da doença; avaliando-se, desta forma, o risco a que a mesma está exposta 2,18. Esta informação obtida a partir do inquérito alimentar é necessária para: a) identificar quais são os principais alimentos que constituem a dieta de grupos vulneráveis da população; b) conhecer quais são as fontes mais importantes de calorias e proteínas; c) contribuir mais efetivamente para os programas de suplementação alimentar existentes 5,19.

Com o objetivo de se obter o padrão alimentar do grupo de mães estudadas, observa-se na Tabela 1 a ingestão média diária per capita por alimento e por grupos de alimentos nos Inquéritos I e II. Verifica-se, pelos dados obtidos, uma semelhança de hábito alimentar nos dois momentos analisados.

Nota-se que a ingestão mais importante correspondeu ao grupo de cereais e derivados, sendo que os alimentos mais consumidos foram, em ordem de prioridade, o arroz e o pão. No grupo de feculentos, o alimento mais consumido foi a batata. Dentre as leguminosas, o feijão foi o único componente. Quanto ao grupo de hortaliças, constatou-se a preferência das mães pelo tomate e alface, mas em termos quantitativos as cifras médias foram insuficientes. No grupo de frutas observou-se que as mais consumidas foram a laranja e a banana, mas a quantidade ingerida foi mínima.

No grupo de carnes e ovos nota-se que a carne de vaca foi a mais consumida, seguida pela de frango. Os embutidos (salsicha, lingüiça, mortadela), as vísceras, os peixes e os ovos apareceram em pequena quantidade. Quanto ao grupo de leite e substitutos, observa-se que o alimento mais consumido foi o leite C. Os substitutos do leite (queijos e iogurtes) e o leite integral em pó aparecem em pequenas quantidades, indicando que não fazem parte do hábito alimentar da amostra estudada.

No grupo de gorduras nota-se que as mais utilizadas são os óleos vegetais e, em menor quantidade, as margarinas. Entre os alimentos constantes do grupo diversos o café é o que aparece em maior quantidade, percebendo-se ainda que refrigerantes e bebidas alcoólicas (cerveja, vinho e aguardente) são pouco consumidos.

Quanto ao Gestal, suplemento alimentar distribuído às gestantes e nutrizes pelos centros de saúde, verifica-se que a quantidade ingerida pela mãe, enquanto nutriz, é mínima, o que indica baixa cobertura da atividade de suplementação alimentar na amostra.

A seguir, procurou-se analisar o consumo médio diário por grupo de alimento nos dois momentos estudados, a fim de detectar possíveis diferenças de consumo. Para tanto, aplicou-se o Teste de Wilcoxon nos 125 casos completos, isto é, naqueles em que foram realizados os Inquéritos I e II. Observa-se na Tabela 2 que apenas nos grupos do leite e de leguminosas e no grupo de diversos para o café as diferenças entre as médias foram estatisticamente significantes.

Para o grupo de leite e substitutos, a média do Inquérito I é significantemente maior; essa análise demonstrou que o consumo de leite C, maior componente do grupo, foi mais elevado neste momento, indicando a preferência da mãe por um alimento considerado ideal na fase de lactação. É interessante notar que no Inquérito II existe um aumento estatisticamente significante no consumo médio de café e de leguminosas, revelando que, na amostra estudada, quando a mãe interrompe a lactação, ela diminui a ingestão de leite e aumenta o consumo de café e de feijão, único componente do grupo legumonosas, passando a ter a dieta semelhante aos demais integrantes da família8,17. As médias dos demais grupos não apresentaram diferenças significantes nos dois momentos analisados.

Com a finalidade de se avaliar a distribuição de consumo dos diferentes alimentos no total de casos estudados, calcularam-se as proporções consumidas, agrupando-se agora, os alimentos pela função que exercem no organismo, isto é, alimentos protetores, reguladores e energéticos.

Na Tabela 3 verifica-se que mais de 50% das mães ingeriram carne de vaca, sendo esta proporção mais elevada (56,3%) no Inquérito I. Quanto à carne de frango, observa-se que cerca de 20% das mães consomem-na, e é interessante notar que a proporção é menor no Inquérito I. Este último dado sugere que o consumo de frango, hábito popular utilizado no passado durante o puerpério, já não é mais uma prática em termos de população.

Quanto ao feijão, nota-se que cerca de 80% das mães o utilizam, tanto no Inquérito I como no II; estes resultados mostram que este alimento se constitui em uma das principais fontes de aminoácidos em termos populacionais, dada a alta percentagem de indivíduos que o consome.

O leite C, no Inquérito I, foi consumido por 66% das mães, e, no Inquérito II, a proporção cai para 45 %; assim, além da quantidade média ingerida diminuir após o desmame, há também queda na proporção de mães que ingerem este alimento.

Nota-se ainda que a percentagem de mães que ingerem ovo é baixa nos dois inquéritos; esperava-se que o consumo fosse maior no grupo estudado, por ser este alimento a fonte de proteínas de alto valor biológico de mais baixo custo. Os demais alimentos que integram o grupo de protetores, quando aparecem, apresentam freqüência de aproximadamente igual ou menor a 10%. Assim, os alimentos fontes de proteínas que são consumidos por mais de 50% do grupo analisado são em ordem de prioridade: feijão, leite C e carne de vaca.

Quanto ao grupo de alimentos reguladores, observa-se na Tabela 4 que, entre as frutas, as proporções estão entre 13% e 14% tanto para a banana como para a laranja; os demais alimentos deste grupo aparecem com valor inferior a 6%.

Na Tabela 5 encontram-se descritas as proporções de mães que ingeriram hortaliças; o alface e o tomate, que representaram a maior preferência, nunca aparecem em proporção superior a 16%. Esses dados indicam que as hortaliças e as frutas são consumidas por pequena parcela da população, o que poderia ser explicado pelo preço destes produtos no mercado.

Na Tabela 6 encontram-se discriminadas as proporções de mães por consumo de alimentos energéticos. Observa-se que mais de 90% ingeriram arroz e açúcar refinado e que mais de 77%, pão. Alimentos do tipo bolacha apareceram em proporção mais elevada no Inquérito I, o que poderia ser explicado por ser este um período em que a preferência recai sobre alimentos considerados especiais.

Outras fontes de hidratos de carbono, como macarrão e batata, aparecem na proporção de 20% a 26%; os demais alimentos indicam, pelas proporções apresentadas, que não fazem parte do hábito alimentar do grupo estudado. Esses dados mostram que a grande contribuição para o grupo de energéticos, além dos óleos vegetais e do açúcar, é dada pelo arroz, pão e, em menor quantidade, pelo macarrão e batata.

A partir dos dados analisados, ordenando-se os alimentos pela função que desempenham no organismo, o padrão alimentar deste grupo de mães de baixa renda é:

Protetores: feijão, leite C e carne de vaca

Reguladores: banana, laranja, alface e tomate.

Energéticos: arroz, pão, batata, macarrão, açúcares e gorduras.

Verifica-se assim que os alimentos que apresentam maior freqüência de consumo, na amostra analisada, pouco diferem daqueles encontrados em outros estudos realizados na região de São Paulo 8,9,17. Estes dados reforçam a hipótese de que a dieta é satisfatória em termos qualitativos, indicando que a população de baixa renda é bastante racional na escolha de seus alimentos.

De maneira geral, pôde-se observar grande racionalidade nas dietas do grupo analisado, não se verificando aberrações de consumo que poderiam aumentar o custo da dieta.

Analisa-se a seguir a composição da dieta que permite quantificar a sua adequação em termos de calorias e proteínas.

Na Tabela 7 encontram-se descritos os níveis de ingestão calórica para os Inquéritos I e II. Nota-se que a média de ingestão observada não alcança os valores recomendados em nenhum dos momentos estudados, sendo que a adequação média observada é menor no Inquérito I (81%) do que no Inquérito II (85%).

Quanto aos níveis de ingestão de proteínas, verifica-se na Tabela 8 que apenas no Inquérito I a média de ingestão observada não alcança os valores recomendados, pois se nota uma adequação de 94%. Após o desmame, no Inquérito II, quando se analisam os dados de mulheres não-lactantes, e portanto já não existe o acréscimo de proteínas necessário para o período de amamentação, a dieta apresenta uma adequação média de 125%, resultado este comparável aos observados por diferentes autores para outros grupos populacionais6,9,22.

Um outro tipo de análise da compasição da dieta que contribui para a melhor compreensão, a nível de população, é apresentado na Tabela 9, onde se observa a distribuição dos níveis de adequação calórica nos Inquéritos I e II. Nota-se no Inquérito I que cerca de 74% das mães apresentam dietas inadequadas, sendo de 51% a proporção das que estão com adequação calórica inferior a 80%. No Inquérito II, 69% das mães apresentam dieta inadequada, sendo 48% delas com adequação inferior a 80%. Estes dados indicam que mesmo ocorrendo uma diminuição da freqüência de mães com dieta inferior a 100% no Inquérito II, nos dois momentos observados, mais de 60% da população não conseguiu cobrir suas necessidades calóricas.

Os resultados desta análise mostram a gravidade do problema na amostra estudada, pois se a ingestão calórica não satisfaz as necessidades, torna-se muito difícil manter a ingestão e o aproveitamento adequado dos demais nutrientes essenciais5,6,14.

Quanto à distribuição de adequação protéica, observa-se, na Tabela 10, que no Inquérito I há cerca de 40% com adequação inferior a 80%. No Inquérito II a proporção de mães com dieta inadequada foi da ordem de 35%, sendo 26% com adequação inferior a 80%. Assim, nota-se que no Inquérito I a inadequação protéica é mais acentuada, isto porque neste momento as necessidades protéicas do grupo analisado são maiores.

A análise da Tabela 11 permite observar que a proporção de proteína de origem animal que compõem a dieta é da ordem de 40% para os dois inquéritos. Ao analisarem-se esses dados, isoladamente, pode-se concluir que, em termos de qualidade protéica, as dietas na amostra estudada são adequadas nas duas situações de observação, fornecendo mais de 1/3 de proteínas de origem animal. No entanto, se os requerimentos calóricos não forem supridos, uma parcela da proteína ingerida é desviada como fonte de energia, o que resulta em déficit calórico e protéico 1,3,14.

Considerando medidas de intervenção de programas de suplementação voltados a mulher enquanto nutriz, apresenta-se na Tabela 12 os resultados do Inquérito I, com freqüência absoluta e relativa das dietas com adequação calórico-protéica satisfatória e/ou deficiente, Ressalta-se que apenas 25% das dietas foram adequadas em calorias e proteínas; 16% delas forneciam proteínas suficientes, mas eram deficientes em calorias. A maior parte das dietas (58,5%), eram deficientes tanto em calorias quanto em proteínas. Somente em um caso (0,5%) houve deficiência protéica isolada 22.

Os resultados indicam que no Inquérito I existe predominância do déficit calórico-protéico. Sem dúvida, o reduzido consumo de alimentos ocasiona uma baixa ingestão de calorias que, por sua vez, diminui a utilização de proteínas disponíveis, causando uma deficiência calórico-protéica 3,14. Para um grupo populacional como este, é inapropriado tratar de melhorar a dieta enfocando uniliteralmente o problema, ou seja, tentar elevar a concentração e a qualidade de proteínas.

As informações dietéticas apresentadas na Tabela 12 mostram claramente que uma grande proporção de mães responderia favoravelmente à suplementação calórica, enquanto que outras mostrariam resposta positiva a um acréscimo da dieta habitual. Desta forma, programas de suplementação alimentar cujo objetivo básico vise a melhoria das dietas dos grupos sócio-biologicamente vulneráveis deveriam seguir a segunda alternativa, isto é, aumento em quantidade da dieta habitual, a níveis que satisfaçam as necessidades calóricas e, portanto, as protéicas, desses grupos. Esta suplementação deveria ser constituída basicamente de cereais e de leguminosas, pois os alimentos que constituem estes dois grupos são consumidos com alta freqüência na amostra estudada e fazem parte do seu hábito alimentar 5,11,13.

CONCLUSÕES

1. O padrão alimentar identificado caracteriza-se por açúcar refinado, óleo vegetal, arroz, feijão, pão, leite C, carne de vaca, batata, macarrão, alface, tomate, banana e laranja, mostrando ser a dieta satisfatória em termos qualitativos e indicando que o grupo analisado é bastante racional na seleção de seus alimentos.

2. O déficit calórico-protéico foi predominante durante a fase de lactação caracterizando a mulher, enquanto nutriz, como grupo de maior risco à DPC.

3. O déficit predominantemente calórico, fora da fase de lactação, submete a mãe aos mesmos riscos da população geral de nível sócio-econômico baixo.

4. As propostas de programas de suplementação alimentar devem considerar, na sua elaboração, o conhecimento do padrão alimentar, visando minimizar entre os fatores de risco de DPC aquele caracterizado pelas deficiências dietéticas de grupos específicos.

Recebido para publicação em 30/11/1983

Reapresentado em 28/12/1984

Aprovado para publicação em 01/02/1985

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    Trabalho apresentado no II Congresso Paulista de Saúde Pública e I Congresso Nacional da ABRASCO. Realizado com auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo N° 700.0.22.0/77.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 1985

    Histórico

    • Revisado
      28 Dez 1984
    • Recebido
      30 Nov 1983
    • Aceito
      01 Fev 1985
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