Acessibilidade / Reportar erro

CARTAS AO EDITOR LETTERS TO THE EDITOR

Anos potenciais de vida perdidos segundo causas

Roberto Augusto Becker

Diretor da Divisão Nacional de Epidemiologia Esplanada dos Ministérios, Bl. 11 - 8.° andar 70040 - Brasília, DF

Senhor Editor: Com referência ao artigo "Anos potenciais de vida perdidos segundo causas, em Fortaleza (Brasil), 1978-80", publicado na Rev. Saúde públ., S. Paulo, 18:108-21, 1984, gostaria de tecer alguns comentários.

Se, como se lê ao final da primeira coluna da página 119 "os APVP são instrumentos para nortear a escolha de prioridades, mas é preciso ter em consideração a capacidade de redução do dano..." (com o que concordamos), não nos parece correto suprimir o grupo etário de menores de um ano dos cálculos.

Senão vejamos:

A exclusão dos menores de um ano, usada correntemente pelos CDC dos Estados Unidos, é justificada por ser a mortalidade infantil naquele país quase integralmente composta por causas dificilmente evitáveis, como algumas anomalias congênitas, hipóxia e asfixia ao nascer e prematuridade e baixo peso ao nascer não ligados à desnutrição da mãe.

Desta forma, os APVP não teriam incluídas, entre as principais, estas causas, evitando-se distorções na seleção de prioridades.

Todavia, a adotar-se o mesmo critério para a nossa realidade, juntamente com as causas perinatais e congênitas de óbito, pouco redutíveis, estaremos excluindo doenças imunopreveníveis, doenças infecciosas intestinais e outras, que são grandes prioridades do nosso quadro nosológico.

Por esta razão propusemos, para discussão, a exclusão dos óbitos dos 7 primeiros dias de vida, o que praticamente equivale, no Brasil, à exclusão da mortalidade infantil americana. (Boletin Epidemiológico, Organización Panamericana de Salud, Vol. 5, N.° 5, 1984).

Sem as distorções gritantes que o cálculo "ortodoxo" dos APVP pela fórmula adotada pelos CDC acarreta, o cálculo dos APVP de 1978 a 1980, para o Município de Fortaleza, é mostrado na Tabela abaixo, dando conta de uma realidade totalmente diversa daquela apresentada no trabalho publicado na Revista de Saúde Pública.

NOTA: No título do quadro 3, à página 5 do Boletin Epidemiológico — OPS, acima referido, onde se lê ... de 0 a 64 anos . . ., leia-se ... de 7 dias a 64 anos . . .

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Coordenador Executivo do Registro de Câncer do Ceará Instituto do Câncer do Ceará Rua Papi Júnior, 1.222 60.000 - Fortaleza, CE

Senhor Editor: Segue, em anexo, a nossa resposta à valiosa colaboração prestada pelo colega Roberto A. Becker, esperando que com esta ofereceremos os esclarecimentos necessários.

Foi moitvo de gáudio para nós receber comentários a respeito de nosso artigo, veiculado na Revista de Saúde Pública, notadamente pela coerência da argumentação apresentada em sua sugestão.

Somos cônscios de que entre nós — habitantes de países de economia periférica — desprezar as mortes dos menores de um ano de idade no cálculo dos anos potenciais de vida perdidos (APVP) pode traduzir uma iniqüidade aos nossos pares e servir para escamotear a realidade sanitária vigente, elegendo prioridades indevidas; felizmente, esse vício é atenuado porque a definição e a hierarquização de prioridades em saúde, em geral, seguem múltiplos critérios técnicos e políticos.

Entrementes, por ser oportuno, gostaríamos de rememorar que Romeder e McWhinnie, quando desenvolveram essa técnica de APVP com dados canadenses, sustentaram a exclusão das mortes do primeiro ano de vida escudados em duas premissas:

1. uma morte de tais infantes seria praticamente equivaletne à de dois indi víduos de 30 anos em plena atividade produtiva; e

2. o grupo dos menores de um ano já era contemplado com um excelente indicador de saúde — o coeficiente de mortalidade infantil — podendo, então, dispensar suas perdas para o estudo de APVP.

O primeiro postuado merece certa cautela, dado que possibilita enveredar por trilhas que envolvem julgamento de valor, na medida em que se intenta mensurar a valia de uma vida humana; quanto ao segundo, de fato, o coeficiente de mortalidade infantil, que é largamente difundido e utilizado, tem alto poder discriminatório, sendo um dos principais parâmetros para o diagnóstico em saúde; entretanto, a exclusão desse agrupamento infantil encontra precedência que poderia, em parte, legitimá-la, a exemplo do Indicador da Qualidade Material de Vida, que emprega em sua composição a esperança de vida à idade de um ano e não a vida média ao nascer, contornando os efeitos do grande impacto da mortalidade infantil na construção das tábuas de vida. O que é fundamental, em nosso entender, é que a adoção de técnicas de APVP não impliquem descarte de outros importantes indicadores sanitários, como a mortalidade infantil, sendo, pois, ideal para um bom ajuizamento a análise de diversos indicadores.

Por outro, fora propósito de nosso artigo mais uma demonstração da aplicação da técnica do que a discussão de seus méritos e limitações, e, desse modo, servindo para a divulgação ampla — através de um periódico de vasta penetração e credibilidade científica junto à comunidade de sanitaristas brasileiros — de uma técnica para a obtenção de APVP bastante simplificada, ao contrário daquelas que importam em complexos processos estocásticos. Suscitar polêmicas — tal como a que foi desencadeada — é algo deveras alentador, visto que proporcionará firmar um entendimento no sentido de convergir para o melhor desempenho da Saúde Pública e maior usufruto de nossos cidadãos; afinal, "não devemos nos dispersar", especialmente quando ainda somos, talvez, tão poucos os interessados no assunto em tela.

Claro está que seguimos a ortodoxia da técnica — o que não significa dogmatismo — todavia é válido salientar que a proposição de mudanças sem um consenso e aceitação geral levaria ao sacrifício daquilo que vem a ser o mais essencial em indicadores sanitários — a comparabilidade — de tal sorte que nossos resultados não poderiam ser cotejados com os de terceiros, posto que trilhamos caminhos diferentes. Cremos que torna-se imperiosa a discussão desse tema para que logremos uma padronização de terminologia e técnicas em APVP.

Outrossim, é justo ressaltar que nossos labores transcorreram separada e simul taneamente, com mútuo desconhecimento, e em que pese algumas discrepâncias, julgamos que, juntamente com outros técnicos identicamente atraídos pela temática aqui enfocada, poderemos aprofundar as análises, e, em acorde, afluir harmoniosamente em pontos comuns.

Por fim, gostaríamos de agradecer pela excelência dos comentários expressos em sua missiva e de registrar a honra de ter recebido a inestimável contribuição da parte de um profissional de qualificação excepcional e que tem — tal como Atlas — arcado com a responsabilidade de conduzir — aliás muito efetivamente — A Divisão Nacional de Epidemiologia do Ministério da Saúde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Out 1985
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@usp.br