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Chumbo e cádmio no sangue e estado nutricional de crianças, Bahia, Brasil

Lead and cadmium in the blood and their relation to the nutritional status of children in Santo Amaro, Bahia, Brazil

Resumos

Num estudo de prevalência foi estudada a relação entre níveis de chumbo (PbS) e de cádmio no sangue (CdS) e o estado nutricional de crianças de 1 a 9 anos de idade, residentes a menos de 900 metros de uma fundição primária de chumbo, situada em Santo Amaro da Purificação, Bahia, Brasil. Em 555 crianças o nível médio (média ± s) de PbS foi de 2,84 ±1,20 µmol/1. Em 396 crianças, o nível médio de CdS (geométrico) foi de 0,087 µmol/1, com desvio padrão de 2,5. Os níveis de PbS e de CdS estavam extremamente elevados, mas não variaram significantemente entre subgrupos de crianças de diferentes estados nutricionais. Análises de regressão múltipla não mostraram associações estatisticamente significantes entre os níveis de PbS ou logCdS 1 malnutrição, medida através da relação peso/altura, mantidos constantes os efeitos de idade, sexo, grupo racial, hábito de geofagia, distância do domicílio da criança à fundição, ser filho de trabalhador da fundição, renda familiar, balanço de ferro do organismo e infestação ancilostomótica severa. A distância do domicílio da criança à fundição foi a variável que se mostrou mais fortemente associada à variação dos níveis de PbS ou de logCdS. O peso ou a altura de crianças com baixos níveis de chumbo no sangue (iguais ou inferiores a 1,68 µmol/1) não estavam significantemente associados com os níveis de PbS, mas mostraram elevada correlação com a idade dos indivíduos.

Chumbo; Cádmio; Estado nutricional; Criança; Exposição ambiental


The levels of lead in blood (PbB) and of cadmium in blood (CdB) were related to nutritional status, in the context of a prevalence study, carried out in a population of 1 to 9 year-old children, living at less than 900 meters from a primary lead smelter in Santo Amaro City, State of Bahia, Brazil. Among 555 children, the arithmetical mean and standard deviation of PbB levels was 2.84 ± 1.20 (µmol/1. More than seventy-five per cent of the children presented PbB higher than 1,68 µmol/1 (or 35 µg/100 ml), which is usually taken as a safe reference level. Among 396 children, the geometrical mean of CdB levels was 0.087 µmol/1 (standard deviation of 2.5). Ninety-six per cent of these children presented CdB levels higher than 0.0089 µmol/1 (or 1.0 µg/1), which is usually taken as a reference level. PbB and CdB levels did not vary significantly among subgroups of children of different nutritional status. Multiple regression analyses did not show statistically significant associations between PbB or logCdB levels and malnutrition, as measured by the wasting (weight/length) index, the effects of the following variables remaining constant: age, sex, racial group, pica, distance from child's home to smelter, being a child of a leadworker, family income, iron status and severe hookworm infestation. The distance from child's home to smelter was the variable which was most strongly associated with the variation in PbB or in logCdB levels. The weight or the height of children with low PbB (equal or less then 1.68 µmol/1) were not significantly associated with PbB levels, but showed strong correlations with child's age. These results disagree with those from a recent study carried out in a large sample of American children, which reported strong associations between child's height or weight and the level in blood for children with PbB below 1.68 µmol/1.

Lead; Cadmium; Nutritional status; Child nutrition; Environmental exposure


ARTIGO ORIGINAL

Chumbo e cádmio no sangue e estado nutricional de crianças, Bahia, Brasil

Lead and cadmium in the blood and their relation to the nutritional status of children in Santo Amaro, Bahia, Brazil

Fernando Martins CarvalhoI; Annibal Muniz Silvany NetoI; Maria Engrácia Chaves LimaII; Tânia Mascarenhas TavaresIII; Maria da Graça Andrade AzaroIV; Gilca Maria Cardoso QuagliaV

IDepartamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal da Bahia - Rua Padre Feijó, 29 - 4.º andar - Canela - 40000 - Salvador, BA - Brasil

IIFundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho - Rua Capote Valente, 710 - 05409 - São Paulo, SP - Brasil

IIIDepartamento de Química Analítica da Universidade Federal da Bahia - 40000 - Salvador. BA - Brasil

IVEstudante de Medicina da Universidade Federal da Bahia - 40000 - Salvador, BA - Brasil

VNutricionista da Universidade Federal, da Bahia - 40.000 - Salvador, BA - Brasil

RESUMO

Num estudo de prevalência foi estudada a relação entre níveis de chumbo (PbS) e de cádmio no sangue (CdS) e o estado nutricional de crianças de 1 a 9 anos de idade, residentes a menos de 900 metros de uma fundição primária de chumbo, situada em Santo Amaro da Purificação, Bahia, Brasil. Em 555 crianças o nível médio (média ± s) de PbS foi de 2,84 ±1,20 µmol/1. Em 396 crianças, o nível médio de CdS (geométrico) foi de 0,087 µmol/1, com desvio padrão de 2,5. Os níveis de PbS e de CdS estavam extremamente elevados, mas não variaram significantemente entre subgrupos de crianças de diferentes estados nutricionais. Análises de regressão múltipla não mostraram associações estatisticamente significantes entre os níveis de PbS ou logCdS 1 malnutrição, medida através da relação peso/altura, mantidos constantes os efeitos de idade, sexo, grupo racial, hábito de geofagia, distância do domicílio da criança à fundição, ser filho de trabalhador da fundição, renda familiar, balanço de ferro do organismo e infestação ancilostomótica severa. A distância do domicílio da criança à fundição foi a variável que se mostrou mais fortemente associada à variação dos níveis de PbS ou de logCdS. O peso ou a altura de crianças com baixos níveis de chumbo no sangue (iguais ou inferiores a 1,68 µmol/1) não estavam significantemente associados com os níveis de PbS, mas mostraram elevada correlação com a idade dos indivíduos.

Unitermos: Chumbo, sangue. Cádmio, sangue. Estado nutricional. Criança, nutrição. Exposição ambiental.

ABSTRACT

The levels of lead in blood (PbB) and of cadmium in blood (CdB) were related to nutritional status, in the context of a prevalence study, carried out in a population of 1 to 9 year-old children, living at less than 900 meters from a primary lead smelter in Santo Amaro City, State of Bahia, Brazil. Among 555 children, the arithmetical mean and standard deviation of PbB levels was 2.84 ± 1.20 µmol/1. More than seventy-five per cent of the children presented PbB higher than 1,68 µmol/1 (or 35 µg/100 ml), which is usually taken as a safe reference level. Among 396 children, the geometrical mean of CdB levels was 0.087 µmol/1 (standard deviation of 2.5). Ninety-six per cent of these children presented CdB levels higher than 0.0089 µmol/l (or 1.0 µg/1), which is usually taken as a reference level. PbB and CdB levels did not vary significantly among subgroups of children of different nutritional status. Multiple regression analyses did not show statistically significant associations between PbB or 1ogCdB levels and malnutrition, as measured by the wasting (weight/length) index, the effects of the following variables remaining constant: age, sex, racial group, pica, distance from child's home to smelter, being a child of a leadworker, family income, iron status and severe hookworm infestation. The distance from child's home to smelter was the variable which was most strongly associated with the variation in PbB or in logCdB levels. The weight or the height of children with low PbB (equal or less then 1.68 µmol/1) were not significantly associated with PbB levels, but showed strong correlations with child's age. These results disagree with those from a recent study carried out in a large sample of American children, which reported strong associations between child's height or weight and the level in blood for children with PbB below 1.68 µmol/1.

Uniterms: Lead, blood. Cadmium, blood. Nutritional status. Child nutrition. Environmental exposure.

INTRODUÇÃO

Vários estudos experimentais investigaram o papel do estado nutricional na absorção e toxidez do chumbo2,10,18, partindo de clássicas observações clínicas que revelaram que crianças intoxicadas pelo chumbo eram geralmente desnutridas8. Existem poucos estudos relacionando a absorção de cádmio e desnutrição em crianças3,10.

Estudos em populações infantis tem sugerido haver uma relação entre níveis elevados de chumbo no sangue e deficiência pondo-estatural15,23. Estudo22 realizado numa amostra de 2.695 crianças americanas de 6 meses a 7 anos de idade relatou fortes associações estatísticas entre níveis baixos de chumbo no sangue (na faixa de 0,24 a 1,68 umol/1, considerada baixa) e altura, peso e circunferência torácica. As correlações encontradas foram tão altas que os autores recomendaram investigações mais aprofundadas sobre os múltiplos mecanismos biológicos através dos quais níveis tão baixos de chumbo poderiam prejudicar o crescimento infantil. Schwartz e col.21 ponderaram que os níveis de chumbo no sangue poderiam estar associados a deficiências nutricionais que, como já se sabe, podem aumentar a absorção deste metal. Entretanto, os níveis de chumbo no sangue poderiam também representar um marcador composto para variáveis éticas, genéticas, ambientais e socioculturais, outras que as tradicionais raça, sexo, nutrição, etc, que afetam o crescimento humano.

Desde 1960, uma fundição primária de chumbo, situada em Santo Amaro da Purificação, BA, poluiu intensamente a bacia do Rio Subaé5,7. O minério de chumbo processado pela indústria continha elevado teor de cádmio, como impureza. Até 1980, pelo menos 400 toneladas de cádmio foram descartadas para o meio ambiente6.

O presente estudo objetivou estudar a relação entre os níveis de chumbo e de cádmio no sangue e o estado nutricional de crianças residentes na periferia de uma fundição de chumbo, situada em Santo Amaro da Purificação, Bahia.

MATERIAL E MÉTODOS

A área de estudo foi delimitada geograficamente por um círculo de 900 metros de raio, tomando a chaminé da fundição como ponto central. Um censo realizado no terceiro trimestre de 1980 identificou 648 crianças de um a nove anos de idade residindo na área. O nível de chumbo no sangue (PbS) foi determinado em 555 crianças e o nível de cádmio no sangue (CdS), em 396 crianças. Parte dos resultados apresentados neste estudo refere-se àquelas crianças nas quais todas as seguintes variáveis foram determinadas: PbS, CdS, avaliação do estado nutricional, ferro sérico (FeS) e a capacidade total de ligação do ferro (CTLFe) para cálculo de percentual de saturação da transferrina, contagem de ovos de ancilostomídeos nas fezes, idade, sexo, grupo racial, hábito de geofagia, renda familiar e emprego paterno na fundição. Por isto, restaram 463 indivíduos para as análises referentes aos níveis de chumbo no sangue e 331, no caso do cádmio. Informações sobre cada criança e sobre sua família foram coletadas em questionários apropriados.

O sangue foi retirado por punção venosa e coletado em seringas de polietileno, descontaminadas de chumbo, cádmio e ferro. Em parte de cada amostra, o soro era separado para determinações de FeS e CTLFe. A outra parte da amostra era coletada em seringas com EDTA, para determinação de PbS e CdS, através de técnicas de absorção atômica sem chama, conforme descrito com detalhes em outras publicações4,6.

O estado nutricional foi avaliado pelo índice peso/altura ("wasting index"). Este indicador é baseado no peso e comprimento (altura) apenas, não sendo necessário, portanto, o conhecimento da idade da criança para sua determinação. Além disso, este indicador é aproximadamente independente de idade24,25. Os padrões de peso/altura do "National Institute for Health Statistics"12 foram utilizados como referência. O indicador peso/altura tem distribuição bastante assimétrica nos centis mais altos da população padrão. Isto causa diferentes desvios se valores acima ou abaixo da mediana são calculados. Desvios padrão mais baixos foram calculados ajustando-se centis empíricos de cada meia distribuição com meia curva gaussiana25. O indicador peso/altura foi expresso em escores de desvios padrão (escores D.P.), conforme recomendado por Waterlow e col.25, segundo as seguintes fórmulas:

As crianças foram pesadas descalças, vestindo menos roupas quanto possível, numa balança Filizola. As determinações foram feitas até o nível de 100 gramas. O comprimento de crianças até 3 anos de idade foi medido em decúbito dorsal, com um antropômetro. Crianças mais velhas tiveram a altura determinada no plano de Frankfort, com o estadiômetro da balança, com sensibilidade de até 0,5 cm.

FeS e CTLFe foram determinados fotocolorimetricamente, pelo método de Harleco22. O percentual de saturação da transferrina foi calculado dividindo-se FeS por CTLFe e multiplicando-se por 100. A contagem de ovos de ancilostomídeos nas fezes foi realizada pelo método de Kato, modificado por Katz e col.13. As crianças foram classificadas em três grandes grupos raciais: claro, médio e escuro17. As concentrações de PbS e CdS foram expressas em unidades do sistema internacional (SI). Os fatores para converter µmol/1 em µg/100 ml são x 20,83 e x 112,36 para PbS e CdS, respectivamente. A distribuição de CdS era muito assimétrica, razão porque os valores de CdS foram expressos em termos de média geométrica e respectivo desvio padrão.

A análise estatística dos dados foi realizada com o conjunto de programas do SPSS16. Equações de regressão múltipla "stepwise" foram calculadas para grupos de diferentes tamanhos, tendo os níveis de PbS, logCdS, peso ou altura como variáveis dependentes (Tabela 4).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os níveis de chumbo no sangue da população infantil de Santo Amaro da Purificação estavam bastante elevados (Tabela 1). A média aritmética e desvio padrão de PbS foi 2,84 ± 1,20 µmol/l, variando de 0,77 a 7,50 /µmol/l. Mais de três quartos da amostra apresentou PbS superior a 1,68 /µmol/l (ou 35 µg/100 ml), considerado como valor de referência pela Comunidade Européia9. Mais de 16% das crianças apresentaram PbS superior a 3,36 µmol/1 (ou 70 µg/100 ml) que denota risco eminente à saúde, podendo demandar tratamento quelante imediato8. Em populações de crianças belgas de belgas de 10 a 13 anos de idade, residindo a menos de um quilômetro de uma fundição de chumbo, a média ( ± s) de PbS foi de 1,45 ± 0,04 µmol/l e de 0,45 ±0,01 µmol/l, para crianças de uma área rural, não poluída19. Em crianças holandesas de 2-3 anos de idade, residindo a menos de um quilômetro de uma fundição de chumbo a média de PbS foi de 0,95 µmol/127. Landrigan e col.14 documentaram o mais sério episódio de contaminação ambiental por chumbo, decorrente da atividade de uma fundição em Idaho, Estados Unidos. Das 172 crianças de 1 a 9 anos, residentes a menos de 1,6 km da fundição de chumbo, 170 apresentavam nível de PbS maior que 3,84 µmol/l, sendo o mais elevado igual a 7,92 µmol/l.

Os níveis de cádmio no sangue estavam extremamente elevados (Tabela 2). A média geométrica de CdS foi 0,087 µmol/1 (desvio padrão de 2,5), variando de 0,004 a 0,511 µmol/l. Noventa e seis por cento destas 396 crianças apresentaram CdS igual ou superior a 0,0089 µmol/l (ou 1,0 ug/1), que é tomado comumente como valor de referência11. Em três populações de crianças americanas de 1 a 5 anos de idade, residindo próximo a fundições primárias de chumbo, a média ( ± s) de CdS foi 0,019 ± 0,02 µmol/11. Estudando 17 crianças de 2-3 anos, residindo a menos de um quilômetro de uma fundição de chumbo, Zielhuis e col.27 encontraram um valor médio de CdS de 0,007 µmol/l, variando de 0,004 a 0,013 µmol/1. Entre 40 crianças belgas de 11 anos de idade, o valor médio ( ± s) foi de 0,010 ± 0,06 µmol/l, variando de 0,002 a 0,037 µmol/120.

Os níveis de PbS para 463 indivíduos desta população, para 69 indivíduos com PbS igual ou inferior a 1,68 µmol/l e os níveis de CdS para 331 indivíduos foram analisados segundo quatro diferentes níveis nutricionais (Tabela 3). Do total das 463 crianças, 61 (13,2%) apresentavam desnutrição moderada, na faixa de 1,00 desvio padrão negativo, e 19 (4,1%) apresentavam desnutrição severa (Tabela 3). Estes dados ilustram a elevada prevalência da desnutrição em nosso meio. O déficit de peso para altura, em relação ao valor da relação peso/altura encontrado numa população padrão, é considerado como um indicador de desnutrição presente, atual. Por outro lado, o déficit de altura para idade é considerado como um indicador de desnutrição crônica24.

Dados da Tabela 3 mostram que os níveis médios de PbS aumentaram no sentido dos grupos mais desnutridos para os mais nutridos. Os níveis de CdS não variaram consistentemente segundo os quatro níveis do estado nutricional.

Os coeficientes de correlação simples entre PbS e peso/altura foram de r = 0,09 e r = 0,16 para os grupos compostos por 463 e por 69 indivíduos, respectivamente. O coeficiente de correlação entre logCdS e peso/altura foi de r = 0,04.

Análises de regressão múltipla (Tabela 4) permitiram investigar mais adequadamente a relação entre os níveis de chumbo ou cádmio no sangue e o estado nutricional. Os efeitos de outras variáveis foram mantidos constantes: distância do domicílio da criança à fundição; idade; grupo racial; ancilostomíase severa; balanço de ferro no organismo; sexo; o fato de ser filho de operário da fundição; renda familiar e hábito de geofagia (risco potencial importante devido à contaminação do solo por metais pesados).

As análises de regressão múltipla confirmaram a impressão suscitada pela observação dos dados da Tabela 3, visto que a variação nos níveis de PbS ou de logCdS não estava significantemente (P > 0,05) associada com a desnutrição moderada ou severa (Tabela 4).

A variável distância (do domicílio da criança à fundição) estava associada com os níveis de PbS e logCdS de forma constante e altamente significante (equações 1 a 5, Tabela 4). Isto parece óbvio e está de acordo com o padrão de dispersão atmosférica do material particulado contendo chumbo e cádmio.

Análises mais detalhadas foram realizadas no subgrupo de crianças com PbS igual ou inferior a 1,68 µmol/l (equações 3 a 7, Tabela 4). Não foi encontrada associação estatisticamente significante (P > 0,05) entre os níveis de PbS e desnutrição moderada ou severa (equação 3); PbS e peso (equação 4) ou PbS e altura (equação 5). As equações 6 e 7 demonstraram que a idade foi a única variável significantemente (P < 0,0001) associada com peso ou com altura, respectivamente. Os níveis de PbS não estavam significantemente associados (P> 0,05) com as variáveis peso (equação 6) ou altura (equação 7).

Os resultados do presente estudo discordam radicalmente daqueles referidos por Schwartz e col.21. Em crianças de Santo Amaro da Purificação, os níveis de PbS não se encontravam associados de forma estatisticamente significante com indicadores estritamente antropométricos, como peso ou altura, nem com indicadores de desnutrição, como o indicador peso/altura. O papel da distância do domicílio da criança à chaminé da fundição na variação dos níveis de PbS e logCdS superou os efeitos de todas as demais variáveis estudadas.

É curioso notar que os coeficientes de determinação múltipla (R2) para as equações 6 e 7, que previam os valores de peso e de altura, foram bastante elevados: 80,5% e 88,0%, respectivamente. A quase totalidade destes valores foi devida unicamente ao efeito da variável idade, em ambos os casos. No estudo de Schwartz e col.21, os coeficientes de determinação múltipla foram de 72,0% e de 90,5% nas equações em que as variáveis dependentes eram peso e altura, respectivamente. A longa lista de variáveis independentes incluia: idade (meses) idade (meses, ao quadrado); níveis séricos de albumina, ferro, cobre, e zinco; valores de hemoglobina, hematócrito, zinco protoporfirina e chumbo no sangue; percentual de saturação da transferrina, sexo, raça, renda familiar, nível de urbanização e consumo de cálcio, calorias, proteínas, carboidratos, gorduras, niacina, potássio, fósforo, riboflavina, tiamina, vitamina A e vitamina C. No presente estudo, a idade foi medida em anos e não em meses, como no estudo com as crianças americanas acima referido21. Entretanto, isto não impediu que fossem encontrados coeficientes de determinação tão elevados nas equações que prediziam os valores de peso ou altura.

A equação 1 estimou que crianças do grupo racial escuro apresentavam níveis médios de PbS 0,546 unidades Ou µmol/l) mais elevados que os de crianças do grupo racial claro (P < 0,05). Diversos estudos têm demonstrado que crianças negras tem níveis de PbS mais elevados que crianças brancas26. Contudo, tais estudos não levaram em consideração se esta diferença poderia ser devida, em parte ou totalmente, às precárias condições nutricionais, socioeconômicas e de elevada exposição ao chumbo ambiental que as crianças negras geralmente apresentam. Por outro lado, a equação 2 mostrou que crianças do grupo racial escuro apresentaram níveis de logCdS 13,24% mais baixos que os de crianças do grupo racial claro (P < 0,05). Não foram encontradas explicações satisfatórias para estes achados discordantes. Não parece plausível a hipótese da existência de um mecanismo de competição entre os dois metais, resultando em maior absorção de chumbo que de cádmio. Ter-se-ia que aceitar que tal mecanismo seria válido apenas para os indivíduos de um determinado grupo racial.

Crianças com ancilostomíase severa estavam com níveis de PbS significantemente mais baixos (P < 0,05) que crianças não infestadas ou com baixas cargas parasitárias (equações 3, 4 e 5). Entretanto, a equação 2 mostrou que crianças com ancilostomíase severa apresentavam níveis de logCdS significantemente mais altos (P < 0,05) que crianças sem esta condição. Estes resultados devem ser analisados com cautela devido ao pequeno número de indivíduos com ancilostomíase severa na população estudada: 8 casos, nas equações 1 e 2, e apenas 4 casos nas equações 3 a 5. E interessante notar que os níveis elevados de logCdS entre crianças severamente parasitadas por ancilostomídeos não parecem ser decorrentes da deficiência de ferro que costuma ocorrer nesta condição de perda crônica de sangue4.

Recebido para publicação em 28/05/1986

Reapresentado em 03/11/1986

Aprovado para publicação em 12/11/1986

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Fev 1987

Histórico

  • Revisado
    03 Nov 1986
  • Recebido
    28 Maio 1986
  • Aceito
    12 Nov 1986
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