Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação dos serviços de saúde do Município de Cáceres, MT (Brasil): contribuições à programação local

An evaluation of the health services of Cáceres, Mato Grosso State, Brazil: contributions to the local program

Resumos

São analisadas informações sobre a oferta dos serviços de saúde do Município de Cáceres, MT (Brasil), que permitirá fomentar discussões com os órgãos gerenciadores do setor, tendo em vista a reformulação dos planos e programas de saúde. Com a utilização do instrumento da técnica CENDES/OPS, foram coletados dados referentes à estrutura nosológica da demanda atendida, distribuição e utilização dos recursos humanos e capacidade física dos serviços de saúde do Município, no período de 1981 a 1984. Verificou-se que o perfil da morbidade registrado manteve-se constante, com predomínio das Demais Doenas Infecciosas e Parasitárias e Doenças Agudas do Aparelho Respiratório. Constatou-se melhora quantitativa quanto à capacidade física e recursos humanos para o setor saúde, especialmente na rede pública. Acredita-se que estas não foram acompanhadas por alterações significativas na qualidade dos serviços oferecidos.

Serviços de saúde; Cobertura de serviços de saúde; Morbidade; Recursos de saúde


It was analysed information relating to the health services offered in Cáceres county, Mato Grosso, Brazil, with a view to stimulating discussion with the organs which administer the system, with the intention of reformullating health plans and programs. By means of CENDES/OPS, data have been collected concerning the nosologic structure of the demandmet, distribution and utilization of human resources and the physical capacity of the municipal health services in the period from 1981 to 1984. It was observed that the profile of morbidity registered remained constant with a predominance of the "Other Infections and Parasitic Diseases" and "Acute Diseases of the Respiratory System" as causes of death. A quantitative improvement was observed with reference to the physical capacity and human resources of health care offered, especially in the public sector. The opinion was that these were not accompanied by significant improvements in the quality of the services offered.

Health services; Health services coverage; Morbidity; Health resources


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação dos serviços de saúde do Município de Cáceres, MT (Brasil): contribuições à programação local

An evaluation of the health services of Cáceres, Mato Grosso State, Brazil: contributions to the local program

Márcia Lotufo; Elisabeth Carmem Duarte

Núcleo de Desenvolvimento em Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso. "Campus" Universitário. Av. Fernando Corrêa da Costa CCBS, Polonoroeste. Coxipó — 78.100 — Cuiabá, MT — Brasil

RESUMO

São analisadas informações sobre a oferta dos serviços de saúde do Município de Cáceres, MT (Brasil), que permitirá fomentar discussões com os órgãos gerenciadores do setor, tendo em vista a reformulação dos planos e programas de saúde. Com a utilização do instrumento da técnica CENDES/OPS, foram coletados dados referentes à estrutura nosológica da demanda atendida, distribuição e utilização dos recursos humanos e capacidade física dos serviços de saúde do Município, no período de 1981 a 1984. Verificou-se que o perfil da morbidade registrado manteve-se constante, com predomínio das Demais Doenas Infecciosas e Parasitárias e Doenças Agudas do Aparelho Respiratório. Constatou-se melhora quantitativa quanto à capacidade física e recursos humanos para o setor saúde, especialmente na rede pública. Acredita-se que estas não foram acompanhadas por alterações significativas na qualidade dos serviços oferecidos.

Unitermos: Serviços de saúde. Cobertura de serviços de saúde. Morbidade. Recursos de saúde.

ABSTRACT

It was analysed information relating to the health services offered in Cáceres county, Mato Grosso, Brazil, with a view to stimulating discussion with the organs which administer the system, with the intention of reformullating health plans and programs. By means of CENDES/OPS, data have been collected concerning the nosologic structure of the demandmet, distribution and utilization of human resources and the physical capacity of the municipal health services in the period from 1981 to 1984. It was observed that the profile of morbidity registered remained constant with a predominance of the "Other Infections and Parasitic Diseases" and "Acute Diseases of the Respiratory System" as causes of death. A quantitative improvement was observed with reference to the physical capacity and human resources of health care offered, especially in the public sector. The opinion was that these were not accompanied by significant improvements in the quality of the services offered.

Uniterms: Health services. Health services coverage. Morbidity. Health resources.

INTRODUÇÃO

O nível de vida e de saúde da população brasileira, amplamente discutido e analisado em diferentes segmentos da sociedade, revelam a gravidade e a complexidade das questões de saúde no Brasil.

O equacionamento dessas questões transcende a esfera do setor saúde17, à medida em que esta não se limita a um conjunto de intervenções de natureza médica, preventiva, curativa ou reabilitadora, oferecidas pelos serviços de saúde7.

Em um sentido mais abrangente, a "Saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis da vida"8.

Essa amplitude do conceito de saúde não afasta do "Setor Saúde", propriamente dito, a responsabilidade que lhe compete no sistema de prestação de serviços18 frente ao nível de saúde em que se encontra a grande maioria da população brasileira e a qualidade da assistência médica oferecida17. É inquestionável que a potencialidade do setor saúde em termos de conhecimento e instrumental técnico, especialmente para intervenção nas doenças mais prevalentes da população carente, não está sendo aplicada de maneira necessária e eficaz.18

Esse fato é confirmado, quando se constata a elevada ocorrência de patologias conhecidas e/ou imunopreveníveis, persistência de cadeias de transmissão reconhecidas e passíveis de serem interrompidas por medidas de várias ordens e a ausência de controle simples de doenças com potencial explosivo18.

A crise do setor saúde já se faz notar até na imprensa leiga, onde, freqüentemente, são relatados fatos que denunciam os dados alarmantes sobre patologias como tuberculose, hanseníase, malária, dengue, entre outras8.

Por outro lado, verifica-se no sistema de prestação de serviços de saúde, concentração dos recursos e serviços disponíveis, cujos níveis de complexidade e sofisticação se encontram em grande parte inadequados às necessidades da população em geral, tendo em vista a estrutura nosológica prevalente. Em contrapartida, constata-se significativa ociosidade da capacidade instalada principalmente no setor público14.

Diante disso e, considerando o marco "2000 — Saúde para todos" preconizado pela OMS, é imprescindível que a reforma sanitária pro-prosta na VIII Conferência Nacional de Saúde17 se efetive de maneira ampla e profunda, para reversão desse quadro.9

Para tal, é importante que se mantenham as discussões entre os legítimos representantes dos diferentes segmentos da sociedade civil; e que as decisões políticas de um planejamento em saúde sejam constantemente alimentadas por um sistema de informações administrativo/epidemiológico, possibilitando, assim, que haja intervenções oportunas nos problemas mais prevalentes da população. Além disso, é necessário garantir o acesso da população a esse sistema, permitindo o controle social dos serviços de saúde9.

Tendo em vista a precariedade do sistema de informação a nível nacional e que são raras as avaliações sistemáticas dos serviços de saúde, particularmente no Estado de Mato Grosso, sentiu-se a necessidade da realização de estudos que buscassem conhecer a oferta dos serviços de saúde e a demanda atendida e registrada, de alguns municípios integrantes da região Polonoroeste (MT).

Estes municípios passaram por profundas mudanças com a implantação do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado — PDRI — Projeto Polonoroeste-MT, que gerou a construção da BR-364 ligando Cuiabá (MT) a Porto Velho (RO), além da implementação de infra-estrutura básica. Uma única avaliação geral sobre esta região foi realizada pelo Estudo de Desenvolvimento Integrado do Alto Paraguai (EDIBAP) e se refere ao ano de 19794.

Desta forma, este estudo objetivou acompanhar as alterações sofridas no sistema de prestação de serviços de saúde no Município de Cáceres (MT), frente às intervenções ocasionadas pelo PDRI. Esta avaliação poderá fomentar discussões com órgãos gerenciadores do sistema de saúde, representados na Comissão Interinstitucional de Saúde (CIS-MT), servindo de subsídios para formulação da programação estadual.

MATERIAL E MÉTODOS

Os levantamentos foram realizados nos anos de 1983 a 1985, no Município de Cáceres e buscaram dados referentes ao período de 1981 a 1984. Esse Município foi selecionado segundo o plano amostral19 da pesquisa "Diagnóstico de Saúde e Epidemiologia das Principais Doenças de Ocorrências na Região do Polonoroeste-MT"1 1 Pesquisa na qual o grupo de estudo dos Serviços de Saúde é responsável pelo presente trabalho. 2 Disponível com os autores do trabalho. .

No primeiro levantamento, referente ao período de 1981 a 1982, as unidades básicas de análise foram os serviços de saúde públicos e privados da área urbana do Município, enquanto no segundo (1983 a 1984), também foram incluídos os serviços das áreas rurais.

Na coleta dos dados utilizou-se o instrumento de diagnóstico da técnica de programação local CENDES/OPS16, adaptado pelo curso de especialização da USP22, que permitiu o estudo da estrutura nosológica da demanda atendida e registrada, assim como a distribuição e utilização dos recursos do setor saúde.

Para o estudo da morbidade registrada foram coletados dados referentes ao sexo, idade e diagnóstico de cada atendimento e, em caso de hospitalizações, também os dias de internação. Esses dados foram obtidos através de amostragem sistemática aleatória simples, cujas percentagens, representativas do volume total, variaram de acordo com limites previamente estabelecidos, relacionando inversamente o volume de informações do arquivo à proporção da amostra21.

Os diagnósticos, sinais e sintomas e outras causas de atendimentos foram categorizados segundo uma classificação de Danos e Demandas, onde dano é definido como "uma doença ou conjunto de doenças que respondem a uma mesma ação de saúde"16.

Os dados de morbidade foram tabulados de maneira a permitir análises comparativas dos números absolutos.

Para o estudo dos recursos do setor saúde, foram levantados dados referentes a capacidade física, recursos humanos, despesas de custeio e produção final dos serviços.

Caracterização do Município

Aspectos Geográficos e Demográficos

O Município de Cáceres situa-se na microrregião Alto Guaporé-Jauru do Estado de Mato Grosso, é banhado pelo Rio Paraguai e grande parte de sua área geográfica é pantanal.

Cáceres foi criado em 1850 a partir do desdobramento da capital do Estado (Cuiabá)9, sendo, portanto, um município antigo, e por isso a maioria de sua população (74,3%) é natural da região, segundo dados do Censo de 198012.

A maior migração registrada nesse ano era interna, sendo a taxa de migrantes originários de outros estados bem inferior. A maioria dos migrantes externos eram procedentes de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais12.

A taxa de crescimento (TMG) do Município, no período de 1980 a 1985, segundo a Fundação Cândido Rondon (Tabela 1) foi de 7,5% ao ano, a densidade demográfica em 1984 era de 2,6 hab/km2 e em 1983 uma percentagem significativa (42,0%) da população residia em área rural.12.

RESULTADOS

A — Capacidade Instalada

Observou-se um aumento de número de serviços de saúde do Município (Tabela 2), decorrente da expansão dos serviços de nível primário.

Em média, verificou-se um coeficiente de 1,1 unidades sanitárias para cada 10.000 habitantes de Cáceres (Tabela 3).

A rede hospitalar é constituída por quatro hospitais, sendo três gerais de curta permanência e um especializado (em dermatologia) de longa permanência, todos localizados na sede do Município.

Um dos hospitais gerais é de médio porte, enquanto que os demais são de pequeno porte, somando aproximadamente 194 leitos ativos no período de 1982-1984. Dessa forma, o Município apresentou-se com uma proporção média de 2,6 leitos por 1.000 habitantes.

Em relação aos profissionais de saúde, para cada 10.000 habitantes do Município de Cáceres, existia em média 6,1 médicos, 0,1 enfermeiro e 1,5 odontólogo, para o período de 1983 a 1984 (Tabela 4).

A distribuição de recursos humanos, apresentado na Tabela 5, mostra que mais de 50% destes estão lotados nos serviços de iniciativa privada, e que o setor saúde se apresentava constituído por 26,4% e 28,8% de profissionais de nível superior, nos anos de 1983 a 1984, respectivamente.

Quanto à composição da equipe de saúde (Tabela 6), constatou-se maior proporção de cargos médicos nos serviços de nível primário do que aquela verificada nos hospitais gerais. A proporção constatada no hospital especializado, comparativamente alta, deveu-se ao fato do reduzido número de pessoal de nível médio e elementar, uma vez que os próprios pacientes executam os serviços gerais.

B — Produtividade

Na atividade ambulatorial dos serviços públicos, o rendimento médio foi de 2,3 consultas por hora médica contratada, e o grau de utilização desse instrumento, em torno de 59% (Tabela 7).

Quanto aos indicadores de produtividade hospitalar, verificou-se que, no período de 1982-1984, a taxa média de ocupação de leitos foi de 53,7% e o índice de rotatividade médio, de 42,3 e de 7,8 para hospitais gerais e especializado, respectivamente (Tabela 8).

A média de permanência dos pacientes hospitalizados (Tabela 8), manteve-se próxima de 4 dias nos estabelecimentos de saúde de curta permanência, exceto em 1982, devido a um dos hospitais ter apresentado uma média de permanência de 12 dias. No hospital especializado, este valor se manteve em torno de 27 dias.

C — Financiamento dos Serviços de Saúde e Custo das Atividades

As unidades sanitárias são mantidas exclusivamente com recursos das secretarias estadual e municipal de saúde.

Com relação aos recursos do setor público, no período de 1982 até 1985, à Secretaria de Saúde foi destinado 2,2%, 3,1%, 6,3% e 3,7% do orçamento do Estado de Mato Grosso6, respectivamente.

Nas unidades sanitárias, a atividade de consulta médica apresentou-se com um custo unitário próximo de Cr$ 2.564,00 (US$ 4.41) em 1983 e de Cr$ 7.609,00 (US$ 4.23), considerando-se apenas as despesas de custeio.

A rede hospitalar é exclusivamente privada e os hospitais possuem convênio com diferentes instituições e órgãos do estado como: Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), Funrural, Caixa Econômica Federal (CEF), Fusex (do exército), Instituto da Previdência do Estado de Mato Grosso (Ipemat), Fundação do Bem-Estar do Menor do Estado de Mato Grosso (Febemat), Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), Centrais Elétricas de Mato Grosso (Cemat), Saneamento de Mato Grosso (Sanemat), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e Banco do Brasil.

D — Caracterização da Demanda

Na demanda dos serviços ambulatoriais houve predomínio de atendimentos à pessoas de 14 45 anos de idade, principalmente do sexo feminino, além de crianças de ambos os sexos entre 2 7 anos (Tabela 9).

O perfil da demanda em hospitalização (Tabela 10), em geral, coincide com o encontrado nos atendimentos de consulta, apresentando, porém, maiores percentagens. Apenas em 1983 verificou-se alteração quanto ao terceiro grupo mais freqüente, representado, então, pelas crianças do sexo masculino de 0 1 ano.

E — Morbidade Registrada

Os cinco danos e demandas mais freqüentes nos serviços ambulatoriais representaram, em média, 56% do total de atendimentos no período pesquisado (Tabela 11).

As Demais Doenças Infecciosas e Parasitárias e as Doenças Agudas do Aparelho Respiratório persistiram nos quatro anos, como as principais causas de consultas médicas no Município de Cáceres, sendo responsáveis em torno de 34 a 43%, respectivamente, do total de consultas realizadas neste período.

Na atividade hospitalização, os cinco danos e demandas mais freqüentes, representaram em média 46% do total de internações (Tabela 12).

O perfil nosológico dessa demanda não é muito diferente daquele encontrado na atividade ambulatorial, somando-se, apenas, o dano Complicações de Gravidez, Parto e Puerpério às principais causas de atendimentos hospitalares.

Em relação às doenças imunopreveníveis, foram verificados casos de sarampo, tuberculose, difteria e tétano. Em todos os anos, as freqüências destas doenças apresentaram-se inferiores a 1% do volume total da demanda atendida, exceto a tuberculose, em consulta médica (1981 a 1984) e o sarampo em hospitalizações (1984).

Dentre as doenças ditas "tropicais", destacaram-se a hanseníase e o pênfigo, nos registros de internações, especialmente em 1984 e 1983, respectivamente. De maneira geral, estas doenças apresentaram-se como as mais prevalentes do grupo em ambas atividades. Isto se deve ao fato de que o único hospital terciário especializado em dermatologia, na região, encontra-se sediado neste Município. As demais doenças deste grupo apresentaram-se com freqüência iguais ou inferiores a 0,6% dos atendimentos, excetuando se apenas a malária nos casos de hospitalização (1981).

Cerca de 20% dos registros hospitalares encontravam-se sem diagnóstico ou com diagnósticos ilegíveis ou incoerentes. Em consultas médicas esta categoria apresentou-se com freqüências menores, porém, ainda, significativas. Além disso, os registros nos serviços ambulatoriais apresentaram também proporções elevadas de Sintomas e Estados Mórbidos Mal Definidos.

DISCUSSÃO

Os resultados do estudo, relativos à capacidade instalada, revelaram uma expansão da rede básica dos serviços de saúde, o que levou o Município a apresentar-se com uma proporção de unidades sanitárias por população superior à média encontrada para a região Alto Guaporé-Jauru (0,5 unidades sanitárias/10,000 hab., 1983)5. Esse fato ocorreu devido à implantação do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado — PDRI na região do Polonoroeste, que realizou investimentos na infra-estrutura básica do Município. Apesar disso, não se pode afirmar que a população dispõe de uma cobertura potencial de rede básica de saúde, uma vez que esse coeficiente é pouco expressivo, devido às diferentes características dos serviços de saúde, como tipo de construção, número de consultórios, entre outras.

Os coeficientes leitos/população verificados para o Município no período de 1982-1984, encontravam-se próximos aos valores médios da região (2,3 leitos/1.000 hab., 1983)5. Comparando esses coeficientes, com a proporção proposta por Campos e Tinôco2, de 5 leitos gerais e 3 especializados por mil habitantes, e pela OMS15 de 3,5 a 5 leitos por 1.000 hab., constata-se que há uma deficiência desse recurso em Cáceres. Mas, quando se analisa a taxa de ocupação dos leitos disponíveis, verifica-se um significativo grau de subutilização, ainda mais considerando que grande parte das internações são desnecessárias, confirmando assim a colocação de Nicz13 de que a proporção de 2,5 leitos gerais por mil hab., é suficiente para fazer frente às necessidades de leitos hospitalares.

No levantamento realizado em 1980, pelo Ministério da Previdência e Assistência Social e pelo Ministério da Saúde (MPAS/MS)11, observou-se que a taxa média de ocupação da rede hospitalar no Brasil era de 65,85% e na região Centro-Oeste de 67,7%, estando essas percentagens superiores às verificadas no presente estudo.

A média de permanência dos pacientes internados encontra-se dentro dos limites para esses estabelecimentos, definidos pelo Ministério da Saúde10, contribuindo assim para uma maior disponibilidade de leitos para população.

Esses indicadores permitem, por um lado, afirmar que o Município dispõe de uma rede hospitalar quantitativamente adequada ao volume da demanda populacional. Mas, por outro lado, a acessibilidade da população aos leitos está condicionada a diversos fatores, como: número de leitos destinados a previdenciários e a pacientes privados, quantidade de recursos humanos para capacidade instalada, custo do leito hospitalar à população, entre outros, que deveriam ser melhor esclarecidos para se conhecer a real cobertura da rede hospitalar nesse Município.

A relação profissional de saúde por população apresenta grande variação segundo diferentes países, ou mesmo regiões, conforme sejam as condições sociais, econômicas e culturais das sociedades, dificultando análises comparativas. Apesar disso, as proporções encontradas no presente estudo sugerem um déficit de recursos humanos de nível superior, quando se considera a média encontrada pela OMS15, em países em desenvolvimento, de um médico para 2.700 hab., um enfermeiro para 1.500 hab., e o proposto por Campos e Tinôco2 de um médico e três enfermeiros para 1.000 hab. e um odontólogo para 2.000 hab.

A proporção de médicos em relação à equipe de saúde, verificada nos serviços, apresentou-se elevada quando comparada com as padronizações da resolução da Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação (CIPLAN)9 e nos casos específicos dos centros e postos de saúde, quando comparada com a lotação de recursos humanos padronizada pela Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso — SES/MT6. A existência de uma maior proporção de médicos nos serviços da rede básica contradiz com a proposta da assistência primária à saúde, à medida que esses serviços deveriam dispor de número maior de pessoal de nível médio, elementar e outros profissionais de nível superior.

Apesar do elevado número de médicos nos serviços públicos de assistência primária, verificou-se uma subutilização significativa das horas médicas disponíveis e, conseqüentemente, um baixo rendimento, se considerado o padrão de 4 consultas médicas por hora9. Essa situação é verificada, de maneira geral, em toda a rede pública do sistema de prestação de serviços de saúde, onde é uma constante a não permanência do profissional médico em tempo integral contratado. Esse fato, por outro lado, está diretamente relacionado com a baixa remuneração destes profissionais e a sua vinculação simultânea ao setor privado17.

Dessa forma, os serviços públicos vêm operando a sua rede com alto custo, fato esse que agrava a crise do setor saúde, uma vez que os orçamentos para o mesmo sempre se apresentam insuficientes para atender às necessidades da população.

Com relação ao estudo de morbidade, constatou-se que não houve grande alteração no quadro nosológico, destacando-se como danos mais freqüentes As Demais Doenças Infecciosas e Parasitárias; As Doenças do Aparelho Respiratório e As Doenças do Aparelho Genito-Urinário nas atividades ambulatoriais e hospitalares, e ainda com elevadas freqüências as Complicações de Gravidez, Parto e Puerpério nas internações registradas durante o período.

Esse quadro concorda com os dados encontrados por diversos autores3,19,22, em outros serviços de saúde do país, exceto no que diz respeito ao dano Complicações de Gravidez, Parto e Puerpério.

Alguns grupos menos freqüentes na atividade de consulta médica apresentaram tendência crescente no período, como: Doenças da Pele e Tecido Celular Subcutâneo; Doenças do Sistema Nervoso e Órgãos do Sentido, e outras tendências decrescentes, destacando-se: Outras Doenças do Aparelho Respiratório; Tuberculose (todas as formas) e Doenças do Sistema Osteo-Muscular e do Tecido Conjuntivo, enquanto que, em hospitalização, verificou-se uma oscilação na freqüência dos danos, não sendo observada uma tendência definida.

Quanto às doenças imunopreveníveis, com exceção da Tuberculose em consulta médica, essas se apresentaram de um modo geral com baixas freqüências em relação ao total de atendimentos, porém, o fato não permite estimar a prevalência dessas doenças na população, devido ao sistema amostral utilizado neste estudo.

Acredita-se que as baixas freqüências das doenças ditas "tropicais", verificadas nos registros dos serviços de saúde de Cáceres, com exceção de hanseníase e pênfigo, possam estar relacionadas a vários fatores, tais como: o desmatamento nessa região ter ocorrido há bastante tempo; os índices migratórios relativamente baixos em relação a outras regiões do Estado; o controle efetivo da SUCAM nesta área, e, ainda a possibilidade da ocorrência de sub-registro e repressão da demanda.

A predominância de mulher em idade fértil, verificada na demanda dos serviços de saúde do Município, concorda com o padrão de atendimento encontrado por outros autores3,23, principalmente na atividade ambulatorial. Provavelmente o número elevado de atendimento a homens, na faixa etária de 14 45 anos, possa ser explicado pelo fato de estar incluído na amostra um hospital que atende exclusivamente pacientes do sexo masculino.

No que diz respeito à qualidade dos registros nos serviços de Cáceres, constatou-se uma elevada freqüência da categoria Diagnóstico Ilegível, Incoerência de Registro e Sem Diagnóstico no estudo de morbidade registrada, revelando que o processo de implantação de um sistema de informação encontra-se em uma fase incipiente, haja vista que uma das condições mínimas, para tal é que os registros sejam completos e confiáveis. Essa situação foi verificada mais acentuadamente nos atendimentos hospitalares, o que de certa forma é incoerente, uma vez que "a morbidade goza de maior credibilidade, por ser geralmente baseada em assistência com maiores recursos diagnósticos, observação mais acurada e seguimento do tratamento, o que é muito mais limitado nos atendimentos ambulatoriais"23.

Além disso, vários indicadores que possibilitariam uma melhor caracterização da oferta dos serviços de saúde não puderam ser elaborados por diferentes razões, como: falta de uma definição clara dos objetivos e metas dos serviços; inexistência de um serviço de arquivo médico (SAME); dificuldade na obtenção de alguns dados demográficos imprescindíveis, além da própria estrutura organizacional dos serviços.

Durante a fase de coleta de dados, foram ainda observados fatores comuns nas instituições gerenciadoras e executoras dos programas de assistência médica nessa região, que, apesar de não terem sido captados pelos instrumentos utilizados, e, portanto, impossíveis de serem quantificáveis, permitem conhecer facetas do sistema de prestação de serviços. Entre os diversos fatores assim observados, destacam-se:

— A definição da programação de saúde não se faz com base em dados epidemiológicos, mas, meramente administrativos ou algumas vezes demográficos.

— Inexistência de um plano estadual de saúde.

— Insuficiente integração intra e inter-institucional dos organismos que atuam no setor saúde.

— O setor público não exerce de modo eficaz o seu poder coordenador e fiscalizador das ações do setor privado, com total perda da unidade sistêmica.

— Insuficiência e deficiência de recursos humanos quanto a habilitação para desenvolver as atividades do setor.

CONCLUSÕES

Com a implantação do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI) na área estudada, era de se esperar que ocorressem mudanças no sistema de prestação de serviços e no perfil nosológico dessas populações, uma vez que este programa tinha como objetivo, para o setor saúde, implantar infra-estrutura básica, bem como realizar ações na área de saúde e saneamento.

O presente estudo constatou uma melhoria quantitativa nos serviços de saúde, com expansão da rede básica e aumento dos recursos humanos. Mas devido às diversas características diagnosticadas em relação ao sistema de prestação de serviços de saúde do Município, as quais refletem a crise do setor saúde no país, identifica-se que não ocorreram alterações significativas na qualidade da assistência à saúde da população. Acredita-se, ainda que isto se deve ao fato de as intervenções promovidas pelo PDRI não terem sido acompanhadas de mudanças na política de saúde do Estado, no que se refere à formação de recursos humanos, definição de prioridades, entre outras.

Essa situação pode ser reafirmada, uma vez que, apesar das ações do PDRI, verificou-se ainda um predomínio de danos vulneráveis às ações básicas de saúde e saneamento, além da persistência de outros fatores que tornam o sistema de prestação de serviços inadequado às necessidades da população.

Desta forma, aproveitando o momento político e as propostas de uma reforma sanitária, esta pesquisa dispõe de algumas informações que poderão contribuir para as discussões entre as instituições e órgãos gerenciadores do sistema de saúde, a respeito da política de saúde, visando a determinar diretrizes para um planejamento que realmente direcione as ações de saúde, no sentido de atender aos problemas prioritários dessas populações.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Aguinaldo Gonçalves, Dr.ª Marta Duarte de Barros e Prof.ª Maria Angélica dos Santos Spinelli pela valiosa contribuição na revisão do texto e aos bolsistas Flávia Figueira Magalhães, Ayrdes B. D. Anjos Piveta e Hailton Gonçalo de Pinho, pela colaboração no desenvolvimento dos trabalhos.

Recebido para publicação em: 21/2/1987

Aprovado para publicação em: 13/5/1987

Realizado com auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq (Processo 83.002.83 — UFMT-SES/MT). Parte da pesquisa "Diagnóstico de Saúde e Epidemiologia das Principais Doenças do Polonoroeste/MT".

  • 1
    ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO ESTADO DE MATO GROSSO: 1984. (Fundação de Pesquisa Cândido Rondon). Cuiabá, 1985.
  • 2. CAMPOS, J. Q. & TINOCO, A. F. Política e planejamento de saúde. São Paulo, Câmara Brasileira do Livro, 1986.
  • 3. COSTA, M. C. N. et al. Avaliação de Centros de Saúde em Salvador - 1980 - Rev. baiana Saúde públ., 11:7-17, 1984.
  • 4
    ESTUDO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO DO ALTO PARAGUAI (EDIBAP). Saúde e desenvolvimento sócio-econômico na Bacia do Alto Paraguai. Brasília, DF, 1979. [Mimeografado]2
  • 5
    FUNDAÇÃO DE PESQUISA CÂNDIDO RONDON. Indicadores econômicos e sociais de Mato Grosso - 1984. Cuiabá, 1985. v. 4.
  • 6. MELLO, J. V. et al. Informativo técnico-saúde. Cuiabá, Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso, 1986.
  • 7. MENDES, E. Reformulação do Sistema Nacional de Saúde. [Apresentado como contribuição aos debates da VIII Conferência Nacional de Saúde, Brasília, 1986].
  • 8. MINAYO, M. C. S. A saúde em estado de choque. Rio de Janeiro, Ed. Espaço e Tempo - FASE, 1986.
  • 9
    MINISTÉRIO DA SAÚDE. Divisão Nacional de Organização de Serviços de Saúde. Normas e Padrões de construções e instalações de serviços de saúde. Brasília, 1983. (Série A: Normas e Manuais Técnicos, 3).
  • 10
    MINISTÉRIO DA SAÚDE. Divisão Nacional de Organização de Serviços de Saúde. Instrumentos de avaliação para hospital geral de pequeno porte. Brasília, 1985. (Série A: Normas e Manuais Técnicos, 22).
  • 11. MINISTÉRIO DA SAÚDE. MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação. Assistência de saúde no Brasil: sumário analítico e proposição de modelo de atuação do setor público. Saúde no Brasil, 1:120-6, 1983.
  • 12. NASCHENVENG, R. A. Migração como categoria de análise de região do Polonoroeste - MT. Universidade: Rev. UFMT, 3:27-44, 1984.
  • 14. A NOVA República e o Setor Saúde - Propostas. Saúde em Debate, p. 42-8, 1985. [Encarte da VIII Conferência Nacional de Saúde, Brasília, 1986].
  • 13. NICZ, L. F. Necessidades de utilização dos serviços hospitalares: uma análise crítica. Rev. paul. Hosp., 30:154-67, 1982.
  • 15
    ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Estratégia mundial de salud para todos en el año 2000. Ginebra, 1981. (Série Saúde para Todos, no 3).
  • 16
    ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Programacion de la salud: problemas conceptuales y metodológicos. Washington, D. C., 1965. (Publ. Cient., 111).
  • 17. POSSAS, C. A. & MARQUES, M. B. Subsídios à análise política das propostas de integração entre as instituições públicas de saúde. Rev. bras. Educ. méd., Rio de Janeiro, 8: 83-9, 1984.
  • 18. RODRIGUES-NETO, E. Reordenamento do Sistema Nacional de Saúde. [Apresentado como contribuição aos debates da VIII Conferência Nacional de Saúde, Brasília, 1986].
  • 19. SANCHEZ, O. & CARVALHEIRO, J. R. Descrição do desenho da amostra da pesquisa em saúde pública no Polonoroeste - MT. Universidade: Rev. UFMT, 3:87-95, 1984.
  • 20. SIMCANT, S. Estudo de la capacidad resolutiva de la demanda en atención de mobilidad a nivel primario (área urbana). Cuad. méd.-soc., Santiago, 24:156-69, 1983.
  • 21. SPELLER, M. A. R. et al. Morbidade levantada pelo estudo dos serviços de saúde da região Polonoroeste. Universidade: Rev. UFMT, 3:61-86, 1984.
  • 22
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Saúde Pública. Técnica de programação local. São Paulo, 1976. (Trabalho docente n.º 50). [Mimeografado].
  • 23. YAZLLE ROCHA, J. S. & NOGUEIRA, J. L. Padrões de morbidade em assistência primária na região de Ribeirão Preto - SP (Brasil). Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19:215-24, 1985.
  • 1
    Pesquisa na qual o grupo de estudo dos Serviços de Saúde é responsável pelo presente trabalho.
    2 Disponível com os autores do trabalho.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Out 1987

    Histórico

    • Recebido
      21 Fev 1987
    • Aceito
      13 Maio 1987
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br