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Verificação de antagonismo entre larvas de Schistosoma mansoni e larvas de outros Digenea em Biomphalaria tenagophila, molusco planobídeo de criadouro natural situado na região de Campinas, SP, Brasil

Verification of the antagonism between larvae of Schistosoma mansoni and those of other Digenea in Biomphalaria tenagophila, a planorbid molusc from a natural breeding ground in the region of Campinas, SP, Brazil

Resumos

Foi observado o comportamento de larvas de S. mansoni em moluscos prévia e naturalmente infectados por larvas de outros Digenea. Foi verificado que as larvas de S. mansoni não se desenvolveram nos moluscos previamente infectados com purcocercárias longifurcadas com ocelos ou com furcocercárias longifurcadas sem ocelos. Observou-se resistência parcial ao desenvolvimento de S. mansoni nos moluscos previamente infectados por equinostomocercárias ou por distomocercárias com acúleo. A ausência de reação amebocitária em torno dos esporocistos de S. mansoni nos moluscos infectados por outros digenéticos parece indicar a não participação dos amebócitos na resistência oferecida ao desenvolvimento das larvas de S. mansoni.

Schistosoma mansoni; Biomphalaria tenagophila; Relação hospedeiro-parasita; Esquistossomose mansônica; Larva


The objective of the present work is to study the development of S. mansoni larvae in snails found naturally infected by other digenetic trematode larvae. It was found that S. mansoni larvae did not develop in snails previoulsy infected by furcicercariae either with or without ocelli. Partial resistance to the development of S. mansoni was observed in snails previously infected by cercariae of Echinostomatidae or by cercariae with aculeus of Distomata. Absence of amoebocitary reaction around the S. mansoni sporocysts in snails previously infected by other digenetic trematodes indicates that amoebocytes did not play any role in the resistance mechanism.

Schistosoma mansoni; Biomphalaria tenagophila; Host-parasite relations; Schistosomiasis mansoni; Larva


Verificação de antagonismo entre larvas de Schistosoma mansoni e larvas de outros Digenea em Biomphalaria tenagophila, molusco planobídeo de criadouro natural situado na região de Campinas, SP, Brasil* * Trabalho realizado com auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo n o 40.3797/82.

Verification of the antagonism between larvae of Schistosoma mansoni and those of other Digenea in Biomphalaria tenagophila, a planorbid molusc from a natural breeding ground in the region of Campinas, SP, Brazil

Soely Maria Pissini MachadoI; Luiz Augusto MagalhãesII; Paulo de Toledo ArtigasII; Nelson da Silva CordeiroII; José Ferreira de CarvalhoIII

IBolsista do CNPq. (Processo 107090/83)

IIDepartamento de Parasitologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Caixa Postal 6109 — 13100 — Campinas, SP — Brasil

IIIInstituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação da UNICAMP — Campinas, SP — Brasil

RESUMO

Foi observado o comportamento de larvas de S. mansoni em moluscos prévia e naturalmente infectados por larvas de outros Digenea. Foi verificado que as larvas de S. mansoni não se desenvolveram nos moluscos previamente infectados com purcocercárias longifurcadas com ocelos ou com furcocercárias longifurcadas sem ocelos. Observou-se resistência parcial ao desenvolvimento de S. mansoni nos moluscos previamente infectados por equinostomocercárias ou por distomocercárias com acúleo. A ausência de reação amebocitária em torno dos esporocistos de S. mansoni nos moluscos infectados por outros digenéticos parece indicar a não participação dos amebócitos na resistência oferecida ao desenvolvimento das larvas de S. mansoni.

Unitermos:Schistosoma mansoni, crescimento. Biomphalaria tenagophila, parasitologia. Relação hospedeiro-parasita. Esquistossomose mansônica, prevenção e controle. Larva.

ABSTRACT

The objective of the present work is to study the development of S. mansoni larvae in snails found naturally infected by other digenetic trematode larvae. It was found that S. mansoni larvae did not develop in snails previoulsy infected by furcicercariae either with or without ocelli. Partial resistance to the development of S. mansoni was observed in snails previously infected by cercariae of Echinostomatidae or by cercariae with aculeus of Distomata. Absence of amoebocitary reaction around the S. mansoni sporocysts in snails previously infected by other digenetic trematodes indicates that amoebocytes did not play any role in the resistance mechanism.

Uniterms:Schistosoma mansoni, growth. Biomphalaria tenagophila, parasitology. Host-parasite relations. Schistosomiasis mansoni, prevention and control. Larva.

INTRODUÇÃO

Observações sobre o antagonismo entre larvas de trematódeos (Digenea) foram referidas por Basch e col.1 (1969) e Lim e col.3 (1972). Esses autores ressaltaram que o processo de competição entre larvas de diferentes espécies de digenéticos, observado em moluscos, pode ser empregado no combate aos parasitos, por exemplo, Schistosoma mansoni Sambon, 1907, utilizando-se espécies rivais cujas larvas predem esporocistos, ou mesmo cercárias no hospedeiro invertebrado.

A competição entre larvas de diferentes espécies de digenéticos pode ser resultante de um antagonismo direto, como no caso do poder predatório de rédias, ou de um antagonismo indireto, pela ação de substâncias tóxicas, luta por espaço vital, competição alimentar, processos imunológicos, ou outros mecanismos mais complexos que também influenciem o equilíbrio hospedeiro-parasito.

O desenvolvimento dos miracídios no hospedeiro intermediário depende, além de fatores ambientes, daqueles relacionados com características genéticas que possibilitem o ajustamento fisiológico entre a larva infectante e o molusco.

Certamente a fauna de vertebrados freqüentadora de um criadouro de moluscos vetores de S. mansoni influi no grau e no tipo de infecção desses moluscos, podendo propiciar o desenvolvimento de larvas de espécies, antagônicas ou não, a S. mansoni.

Cabe lembrar que existem aves, peixes, anfíbios, répteis e mamíferos parasitados por digenéticos cujas larvas desenvolvem-se em moluscos hospedeiros de S. mansoni.

Com base nestes fatos, considerou-se oportuno estudar tão interessante comportamento biológico, por estar relacionado com a possibilidade de sua utilização no combate a parasitas do homem e de animais domésticos. Tratou-se então de promover a infecção por S. mansoni de moluscos naturalmente parasitados por larvas de outros Digenea e observar o desenvolvimento das larvas de S. mansoni.

MATERIAL E MÉTODOS

Captura de moluscos e identificação de cercárias

As capturas foram realizadas em criadouros de peixes ornamentais situados em Louveira, na região de Campinas, Estado de São Paulo. No local foi encontrada abundante população de Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835).

Os criadouros são tanques escavados no terreno, medindo aproximadamente 600m2 de superfície, localizados próximo a urna reserva florestal com características de mata virgem.

A vegetação do tanque é constituída por algas, plantas submersas (Elodea sp.), plantas emergentes e plantas natantes (Eichornia sp., Pistia sp. e Lemna sp.).

Os moluscos foram mantidos em laboratório utilizando-se cristalizadores de 15 e 18 cm de diâmetro, com capacidade aproximada, respectivamente, de 2.500 ml e 3.000 ml. Nos cristalizadores menores foram depositados 20 exemplares de moluscos e nos maiores 30 exemplares. Utilizou-se água previamente testada e considerada conveniente para a criação dos planorbídeos.

Os moluscos foram alimentados com alface lavada, em quantidade suficiente para ser consumida em 24 h.

Uma vez realizada a identificação dos moluscos, eram eles submetidos à ação da luz e do calor por aproximadamente 2 h e 30 min. Este procedimento foi repetido 3 vezes com intervalos de 4 dias.

Após a exposição à luz e ao calor, os moluscos, colocados isoladamente em placas de Petri, eram observados em lupa estereoscópica, para a pesquisa e identificação de cercárias.

A identificação das cercárias foi feita por observação microscópica e desenho em câmara clara (Machado e col.4 , 1988).

Formação de grupos de moluscos para o desenvolvimento do experimento.

Foram constituídos oito grupos de moluscos, nas seguintes condições:

1o grupo- Moluscos criados no laboratório, seguramente não portadores de larvas.

2o grupo - Moluscos do criadouro natural não eliminadores de cercárias.

3o grupo - Moluscos do criadouro natural eliminando equinostomocercárias.

4o grupo - Moluscos do criadouro natural eliminando distomocercárias com acúleo (xifidiocercárias).

5o grupo - Moluscos do criadouro natural eliminando furcocercárias longifurcadas sem ocelos.

6o grupo - Moluscos do criadouro natural eliminando furcocercárias longifurcadas com ocelos.

7o grupo - Moluscos do criadouro natural eliminando equinostomocercárias e furcocercárias longifurcadas com ocelos.

8o grupo - Moluscos do criadouro natural eliminando furcocercárias longifurcadas sem ocelos e furcocercárias longifurcadas com ocelos.

Infecção experimental dos moluscos com miracídios de S. mansoni.

Procedeu-se à infecção de moluscos de todos os oito grupos com miracídios de S. mansoni da linhagem SJ, mantida em laboratório, através de passagens alteranadas e sucessivas em Mus musculus e B. tenagophila.

Para a determinação das taxas de infecção dos moluscos infectados experimentalmente, utilizaram-se dez miracídios para cada exemplar. Alguns moluscos foram expostos a cem miracídios, com a finalidade de observações histopatológicas. Estes últimos moluscos foram sacrificados em grupos após 24, 48 e 72 horas e de pós-infecção, fixados, incluídos em parafina, seccionados no micrótomo em cortes de 7mm de espessura e coradas pelo Tricrômico de Gomori.

A observação das larvas foi feita pelo exame de cortes seriados.

Correlação entre o número de miracídios utilizados para a infecção e o número de esporocistos de S. mansoni observados nos cortes seriados.

Considerando-se o número total de miracídios que eram expostos os moluscos e o número total de esporocistos (íntegros e degenerados) em todo o molusco (corte seriado), obteve-se a correlação pretendida.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Encontraram-se cercárias com as seguintes características:

a - Equinostomocercárias.

b - Distomocercárias com acúleo (xifidiocercárias).

c - Furcocercárias longifurcadas sem ocelos.

d - Furcocercárias longifurcadas com ocelos.

A infecção natural dos moluscos foi, em sua maioria, monoespecífica. Encontrou-se, em baixo percentual, presença contemporânea de equinostomocercárias e de furcocercárias dotadas de ocelos. Verificou-se, também, em percentual reduzido, a presença contemporânea de furcocercárias oceladas e de furcocercárias sem ocelos.

Verificou-se que a taxa de infecção natural dos moluscos capturados no criadouro foi de 9%.

O período de infecção natural dos caramujos do criadouro foi variável, dependendo da espécie do parasita. O tipo de cercária eliminada por período mais extenso foi a equinostomocercária; a furcocercária longifurcada com ocelos foi a que deixou de ser eliminada no menor período de tempo.

As taxas de infecção, por tipo de cercária encontra-se na Tabela 1.

Nas tentativas de superinfecção com S. mansoni, verificou-se que a infecção natural com equinostomocercárias protegeu em aproximadamente 73%. Verificou-se, ainda, que nos moluscos infectados com distomocercárias com acúleo, houve proteção de aproximadamente 87%. Nos moluscos infectados com furcocercárias longifurcadas sem ocelos e com furcocercárias longifurcadas com ocelos não se positivou a superinfecção com S. mansoni, tendo sido constatada total proteção (Tabela 2).

Tendo sido estes dados submetidos a análise estatística (Tabela 3) evidenciou-se o efeito "proteção" à infecção.

Quando se verifica infecção dupla de equinostomocercárias e S. mansoni e de distomocercárias com acúleo e S. mansoni, a liberação de cercárias de S. mansoni ocorreu 45 a 50 dias após a superinfecção. Em infecções simples com S. mansoni, a liberação das cercárias ocorreu também entre o período de 45 a 50 dias após a exposição dos caramujos aos miracídios de Schistosoma.

O órgão mais atingido pelos esporocistos de S. mansoni nos caramujos com dupla infecção foi o pé. As larvas das outras espécies se distribuíram pelo pé, hepatopâncreas e ovotestes.

Não foi verificada nenhuma reação ao redor dos esporocistos de S. mansoni, em caramujos com infecção dupla, tanto com equinostomocercárias, distomocercárias com acúleo e furcocercárias longifurcadas sem ocelos. Segundo Guaraldo e col.2 (1981) caramujos do laboratório, expostos à infecção única por S. mansoni, apresentaram esporocistos rodeados por uma coroa de amebócitos.

Parece lícito supor que, nos moluscos com dupla infecção, a resistência apresentada esteja relacionada com algum outro fator de defesa do molusco e não por ativação de amebócitos. Não se pode. também, excluir a possibilidade de inibição dos amebócitos frente a uma infecção dupla.

A correlação entre o número de miracídios de S. mansoni utilizado para a superinfecção e o número dos esporocistos observados nos cortes seriados foi semelhante no grupo controle e nos grupos infectados naturalmente por outros Digenea (Tabela 4). Foi notória a maior destruição dos esporocistos de S. mansoni em moluscos previamente infectados por furcocercárias longifurcadas sem ocelos e por furcocercárias longifurcadas com ocelos.

CONCLUSÕES

1) Os dados obtidos mostram que as larvas de S. mansoni não se desenvolveram em moluscos naturalmente infectados com furcocercárias longifurcadas com ocelos e com furcocercárias longifurcadas sem ocelos.

2) Moluscos naturalmente infectados com equinostomocercárias e distomocercárias com acúleo, apresentaram resistência parcial ao desenvolvimento de S. mansoni, nas tentativas de superinfecção.

3) A ausência de reações amebocitárias em torno das larvas de S. mansoni, nos caramujos naturalmente infectados por outros digenéticos, parece indicar que, nesses casos, não há participação de amebócitos na resistência verificada ao desenvolvimento dos esporocistos.

Recebido para publicação em 4/2/1988

Reapresentado em 2/9/88

Aprovado para publicação em 5/9/1988

  • 1. BASCH, P.F.; LIE, H.J.; HEYNEMAN, D. Antagonistic interaction between striged and schistosome sporocyst within a snail host. J. Parasit., 55:753-8, 1969.
  • 2. GUARALDO, A.M.A.; MAGALHĂES, L.A.; RANGEL, H.A.; PAREJA, G. Evoluçăo dos esporocistos de Schistosoma mansoni Sambon, 1907 em Biomphalaria glabrata (Say, 1818) e Biomphalaria tenagophila (D'Orbigny, 1835). Rev. Saúde públ., S. Paulo 15:436-48, 1981.
  • 3. LIM, H. & HEYNEMAN, D. Intramolluscan intertrematode antogonism: a review of factors influencing the host-parasite system and its possible role in biological control. Adv. Parasit., 10:191-268, 1972.
  • 4. MACHADO, S.M.P.; CORDEIRO, N.S.; ARTIGAS, P,T.; MAGALHĂES, L.A. Algumas consideraçőes sobre cercárias naturalmente encontrados em Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835), capturadas em Louveira, SP. Mem. Inst. Butantan, 49:79-86, 1987.
  • 5. ORBIGNY, A. Synopsis terrestrium et fluviatilium molluscorum in suo per American Meridionalem itinere collectorum. Mag. Zool 5, classe 5(61/62):26-28 (Planorbis), 1835.
  • 6. SAMBON, L.W. Description of some new species of animal parasites. Proc. Zool Soc. London: 282, 1907.
  • *
    Trabalho realizado com auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo n
    o 40.3797/82.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 1988

    Histórico

    • Aceito
      05 Set 1988
    • Revisado
      02 Set 1988
    • Recebido
      04 Fev 1988
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