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Comparação de dois testes de neutralização, utilizados no diagnóstico sorológico do vesiculovírus Piry

Comparison of two neutralization test for the use in the Piry serologic vesiculovirus diagnose

Resumos

Realizou-se inquérito sorológico para pesquisar anticorpos neutralizantes contra o vesiculovírus Piry, na cidade de Catolândia-Bahia-Brasil. Duas técnicas de vírus-neutralização foram comparadas em cultura das células C6/36, com revelação pelo método imunoenzimático ( TN-C6/36) e em camundongos recém-nascidos (TN-camundongos), que é considerada a prova maior. Em 204 soros, dos 1 .274 colhidos, a concordância das duas técnicas foi de 98,7% (K= 0,9853). Com este resultado do TN-C6/36, que também é mais exeqüível, decidiu-se desenvolver o estudo soro-epidemiológico do vesiculovírus Piry, em Catolândia, baseado nesta nova técnica.

Rhabdoviridae; Testes de neutralização; Sorodiagnóstico


A serological survey of Piry was undertaken of the sera of inhabitants of Catolância - Bahia State, Brazil. Serum results obtained by a vesiculovirus neutralization test of C6/36 cells read by ELISA are compared with those obtained by the classic technique, carried out on newbom mice. The agreement between the results was as high as 98.7% of the 204 sera tested and the neutralization test of C6/36 cells was chosen as the most suitable technique for the sero-survey testing.

Rhabdoviridae; Neutralization tests; Serodiagnosis


Comparação de dois testes de neutralização, utilizados no diagnóstico sorológico do vesiculovírus Piry* * Trabalho realizado na Unidade de Pesquisa em Virologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e no Instituto Evandro Chagas da Fundação Nacional de Saúde - Belém, PA, subvencionado pelo CNPq e FAPESP. Baseado na Tese de Doutorado de Tavares-Neto, J., 1992, intitulada "Estudo soro-epidemiológico do vesiculovírus Piry na população e entre os membros das famílias nucleares, em Catolândia-Bahia", Ribeirão Preto. ** Comunicação pessoal de N. Dega'llier, no Instituto Evandro Chagas, Belém, PA, em 1991.

Comparison of two neutralization test for the use in the Piry serologic vesiculovirus diagnose

José Tavares-NetoI; Miyoco Abe OwaII; Amélia Travassos da RosaIII; Pedro VasconcelosIII; Luiz T.M. FigueiredoII

IFaculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e Hospital Couto Maia da Secretaria Estadual de Saúde -Salvador, BA - Brasil

IIFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto, SP - Brasil

IIIInstituto Evandro Chagas da Fundação Nacional de Saúde - Belém, PA - Brasil

RESUMO

Realizou-se inquérito sorológico para pesquisar anticorpos neutralizantes contra o vesiculovírus Piry, na cidade de Catolândia-Bahia-Brasil. Duas técnicas de vírus-neutralização foram comparadas em cultura das células C6/36, com revelação pelo método imunoenzimático ( TN-C6/36) e em camundongos recém-nascidos (TN-camundongos), que é considerada a prova maior. Em 204 soros, dos 1 .274 colhidos, a concordância das duas técnicas foi de 98,7% (K= 0,9853). Com este resultado do TN-C6/36, que também é mais exeqüível, decidiu-se desenvolver o estudo soro-epidemiológico do vesiculovírus Piry, em Catolândia, baseado nesta nova técnica.

Descritores: Rhabdoviridae, imunologia. Testes de neutralização, utilização. Sorodiagnóstico, métodos.

ABSTRACT

A serological survey of Piry was undertaken of the sera of inhabitants of Catolância - Bahia State, Brazil. Serum results obtained by a vesiculovirus neutralization test of C6/36 cells read by ELISA are compared with those obtained by the classic technique, carried out on newbom mice. The agreement between the results was as high as 98.7% of the 204 sera tested and the neutralization test of C6/36 cells was chosen as the most suitable technique for the sero-survey testing.

Keywords: Rhabdoviridae, imunology. Neutralization tests, utilization. Serodiagnosis, methods.

Introdução

Entre os ARN vírus da família Rhabdoviridae, gênero Vesiculovirus, encontra-se o Piry, que só foi isolado no território brasileiro19, em marsupial4 e no homem devido à transmissão acidental em laboratório4,5,6,24. As vesiculoviroses preenchem vários critérios comuns às arboviroses19, apesar do sorotipo Piry não ter sido isolado de artrópodos** * Trabalho realizado na Unidade de Pesquisa em Virologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e no Instituto Evandro Chagas da Fundação Nacional de Saúde - Belém, PA, subvencionado pelo CNPq e FAPESP. Baseado na Tese de Doutorado de Tavares-Neto, J., 1992, intitulada "Estudo soro-epidemiológico do vesiculovírus Piry na população e entre os membros das famílias nucleares, em Catolândia-Bahia", Ribeirão Preto. ** Comunicação pessoal de N. Dega'llier, no Instituto Evandro Chagas, Belém, PA, em 1991. 19. No caso do Piry, a história natural da infecção não foi esclarecida e não se conhece muitos aspectos epidemiológicos, até pelo número limitado de estudos. Os casos clínicos descritos com o Piry5,6,24 tiveram síndrome febril, com início abrupto e duração curta, de dois a quatro dias. Na fase de convalescença, a astenia e as mialgias permaneceram por alguns dias5,6.

Os vesiculovírus são classicamente diferenciados através dos anticorpos fixadores do complemento e neutralizantes7,19 e, mais recentemente, pelos anticorpos monoclonais35. A glicoproteína (proteína G), do envelope viral, é o antígeno principal, tipo específico, que induz à formação dos anticorpos fixadores do complemento e neutralizantes20. Precocemente na infecção aguda, e de forma marcante na fase de convalescença, aparecem os anticorpos neutralizantes, os quais permanecem por longos períodos ou por toda a vida9.

No Brasil, a freqüência dos indivíduos com anticorpos neutralizantes anti-Piry varia de 0 a 40,2%8,11,25,31,32. Em indivíduos adultos de Catolândia-Bahia, em estudo sorológico preliminar, a freqüência dos anticorpos neutralizantes anti-Piry foi de 33,3%33, detectados pelo teste de neutralização em camundongos (TN-camundongos). Entretanto, apesar de ser o teste-padrão, a realização deste método requer grande número de camundongos recém-nascidos, o que limita sua aplicação em estudos soroepidemiológicos.

De modo geral os vesiculovírus não replicam tão intensamente nas células de vertebrados como nas de mosquitos13,14,17,34. O vírus Piry, como ocorre com vários arbovírus, apresentou replicação evidente em células do clone C6/36 do Aedes albopictus12. Porém, as infecções pelo Piry não produzem efeito citopático característico. Em vista disto, foi desenvolvida técnica de vírus-neutralização nas culturas de células C6/36 utilizando, em substituição ao efeito citopático, o método imunoenzimático na revelação.

Material e Método

Soros Utilizados no Estudo

Os 204 soros estudados são provenientes de habitantes do Município de Catolândia-Bahia, que participaram de estudo soro-epidemiológico em 199033. Nesse inquérito sorológico colheram-se 1.274 amostras de soros e os resultados serão analisados em outra publicação.

Procedimentos Laboratoriais

Os procedimentos foram efetuados na Unidade de Pesquisa em Virologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Os testes de neutralização com camundongos foram feitos no Laboratório de Arbovírus do Instituto Evandro Chagas (I E C), da Fundação Nacional de Saúde, Belém-Pará, conforme a seguir descrito.

Culturas Celulares de Aedes albopictus (C6/36) -As células C6/36 (originárias da "Arbovírus Research Unit, Yale University, USA)" eram cultivadas em condições estéreis, no meio de Leibowitz L15 ("GIBCO -New York, USA"), contendo 10% de soro fetal bovino inativado pelo calor, 10% de caldo de triptose fosfato, 100U/ml de penicilina e 0, 1 ug/ml de estreptomicina22. As colônias das células C6/36 contidas em frascos plásticos estéreis de 25cm2 (DescarplastR), em 10 ml do meio de cultivo, foram mantidas a 28°C em estufa comum. Os frascos eram observados diariamente em microscópio invertido, até a formação de monocamadas confluentes, quando então as células C6/36 eram utilizadas nos experimentos.

Semente Viral - foi fornecida pelo (I E C) amostra do Piry (estirpe Be An 24232), oriunda do tecido nervoso de camundongos infectados. O vírus foi primeiramente inoculado em camundongos recém-nascidos (Mus musculus- variedade albino suíço), pela via intracerebral. A maioria dos camundongos desenvolvia encefalite entre 24 e 48 h pós-inoculação, sendo colhidos moribundos e armazenados a -70°C.

Numa segunda passagem, o vírus Piry contido em extrato de cérebros de camundongos, diluído a 1/10 em PBS ("phosphate-buffered-saline"), pH 7,2 (NaCl 8g; KCl 0,2g;KH2P04 0,2g;Na2HPO4,12H20 2,9g; e H20 deionizada 1.000ml), foi inoculado num volume de 500 ul em frascos plásticos de 25 cm2, contendo monocamada confluente de células C6/36. As colônias celulares, após 3 dias e com infecção confirmada por teste de imunofluorescência indireta10, eram raspadas e tiveram as células rompidas no próprio meio de cultivo por congelamento e descongelamento. Os debris celulares foram removidos por centrifugação (2.000g por 10 min) e os sobrenadantes foram divididos em alíquotas nos frascos rotulados, com volume de 0,5 a 1ml e mantidos congelados a -70°C até o uso. As sementes virais assim preparadas foram utilizadas em todos os experimentos com culturas celulares. Nos testes em camundongos preferiu-se extratos dos cérebros desses animais.

Produção de Fluido Ascítico Imune (FAI) - O FAI foi obtido em camundongos adultos jovens (M. musculus). Lotes com dez animais receberam 4 inoculações, uma por semana, contendo 0,1 ml da suspensão do macerado de cérebro de camundongos recém-nascidos infectados com o Piry, diluído 1/30 em PBS, com adjuvante completo de Freund18, pela via intraperitonial29. Cinco dias após a última imunização, todos os animais eram inoculados pela via intraperitonial com células do sarcoma 180/TG e desenvolviam ascite volumosa após uma semana29,30. O fluido ascítico imune, rico em anticorpos específicos, foi colhido por punção abdominal, utilizando seringa e agulha, com retirada de 3 a 5ml por animal. Após centrifugação o FAI era fracionado em alíquotas em frascos rotulados, com volumes de 1ml e armazenado a -20° até o uso.

Teste de neutralização em células C6/36 com leitura imunoenzimática - O teste de neutralização desenvolvido, utilizando células C6/36 (TN-C6/36), era do tipo vírus-constante30.

Numa primeira etapa do teste de neutralização, a semente viral de Piry foi analisada visando à determinação do título; para isto, sofreu diluições decimais em BPS estéril. Microplacas de 96 orifícios contendo células C6/36 foram infectadas com 50 ul/orifício, em sextuplicata para cada diluição viral, incubadas e processadas por método imunoenzimático.

Para o teste de neutralização, previamente, os soros humanos e FAI eram diluídos a 1/10 em PBS estéril e incubados a 56°C por 30 min, visando a inativar o complemento e outros componentes séricos com ação neutralizante inespecífica15.

A semente viral, com título previamente conhecido, era diluída de forma a conter 100 TCID50 por 25 ul. Os soros humanos, diluídos de 1/20 a 1/640, e o FAI no volume de 25 ul eram misturados a 25 ul da solução viral. Simultaneamente, a titulação do vírus era realizada visando a detectar variações no título conhecido. As titulações virais feitas durante os testes, mostraram variações entre 90-300 TCID50. As misturas soro-vírus e a titulação viral eram incubadas por uma hora, a 37°C em banho-maria, visando à ligação dos eventuais anticorpos séricos ao vírus e assim a ocorrência de neutralização. Posteriormente estas misturas soro-vírus e titulações eram inoculadas em duplicata, no volume de 50 ul, em orifícios de microplacas contendo células C6/36. As microplacas eram incubadas a 28°C por 48h, tempo adequado para a replicação viral12. Para a interrupção da replicação viral e fixação das células, adicionava-se solução de formalina tamponada (50 ul/ orifício) aos orifícios. As microplacas, com a solução de formalina tamponada, eram incubadas por uma noite a 4°C e em seguida os orifícios eram lavados três vezes em PBS e secos, quando eram então processadas (reveladas) pelo teste imunoenzimático.

Método imunoenzimático de leitura do TN-C6/36 -Em cada orifício, das microplacas, foram acrescentados 100 ul do FAI de Piry, na diluição 1/100 em PBS. Após a incubação a 37°C por uma hora, os orifícios eram lavados por três vezes com PBS, sendo posteriormente secos. Numa segunda etapa se adicionava aos orifícios 100 ul do anticorpo de cabra anti-IgG de camundongo conjugado à peroxidase (SIGMA, USA), diluído 1/2.000 em PBS. Seguia incubação a 37°C por uma hora, lavagem dos orifícios por cinco vezes em PBS e secagem. A finalização do teste se fazia com a adição de 200 ul do substrato OPD (o-phenylenediamine dihydrocloride/SIGMA, USA), preparado pela mistura de 10 mg de OPD, em 6 ml da solução de ácido cítrico 0,1 M, à qual também se adicionava 6,5 ml da solução de fosfato dibásico 0,2 M e 12,5ml de água destilada contendo 40 ul de peróxido de hidrogênio. As placas eram novamente incubadas por aproximadamente 20 min a 37°C, seguindo a leitura qualitativa dos testes, de forma visual1,28 observando-se a cor amarela nos orifícios em que ocorria infecção viral e comparando-a à dos orifícios da coluna 12 da mesma microplaca (controles negativos). O título neutralizante, anti-Piry de um soro, era dada pela maior diluição do mesmo, que inibia a replicação viral determinada pela ausência de cor no teste imunoenzimático, os títulos recíprocos maiores ou iguais a 20 foram considerados positivos.

Teste de Neutralização em Camundongos (TN-camundongos) - O teste de neutralização com vírus-diluído e soro-constante, em camundongos recém-nascidos (TN-camundongos), foi efetuado para o vírus Piry, segundo metodologia descrita23,30. Corresponde ao teste clássico e "golden standard" (provamaior) para o diagnóstico sorológico de infecções por vesiculovírus, usando soros controles positivos e negativos. A semente-vírus Piry (BeAn 24232), no TN-camundongos, era proveniente de cérebros de camundongos recém-nascidos com título de 105,8 LD50/ml, em média, com variação de 105,7 a 104,9, LD50/ml.

O resultado deste teste é dado pelo índice logarítmico de neutralização (ILN), que é a diferença entre os valores logarítmicos dos títulos LD5023,26 obtidos nas titulações do vírus puro e vírus mais soro em teste. Valores de ILN soro > 1,7 são considerados positivos.

Análise Estatística - Na análise comparativa das duas técnicas de neutralização, o índice Kappa (K) foi utilizado na avaliação da concordância sorológica, de acordo com Kramer & Feinstein21 que tem significância estatística quando o índice K > 0,60 (p < 0,01).

Resultados

Cento e setenta e três soros com anticorpos neutralizantes anti-Piry pelo TN-C6/36 e 31 Piry-negativos tiveram os resultados comparados pelo TN-camundongo. A distribuição dos ILN (n = no de soros) observada foi: \< 1,7 (34); 1,8|—|2,6 (19); 2,7|—|3,5 (37) e 3,6|—|>/4,4 (114).

Entre os negativos, o ILN teve limites de\< 0,6 a\< 12; entre os Piry-positivos os limites foram de 2,1 a>/4,4.

Na Tabela 1 esses resultados foram associados aos observados no TN-C6/36. A co-positividade (100,0%), a co-negatividade (91,2%) e a concordância (98,5%) foram elevadas; a discordância (falsos-positivos e negativos) dos resultados foi baixa (1,5%).

Mesmo considerando a prova-maior, o TN-camundongo (RN), os exames sorológicos com os três soros discordantes foram repetidos (Tabela 2).

Os mesmos resultados foram confirmados, em ambos os testes, evidenciando, desta forma, a reprodutibilidade das duas técnicas.

As proporções anteriores (co-positividade e co-negatividade) referidas na Tabela 1 não expressam, acuradamente, o grau de agregação entre os dois métodos utilizados (TN-C6/36 e TN-camundongos). Ao contrário do índice "Kappa" (K), através da distribuição normal (z), baseado na proporção da concordância observada e a esperada, respectivamente, Po = 98,5% e Pe = 73,2%; sendo K=0,9853. Os valores de K entre 0,81 e 1,0 são considerados "quase perfeitos", segundo Kramer & Feinstein21. O desvio-padrão (s) de K foi de 0,0432 e z= 22,81, mostrando a agregação altamente significante (p < 0,0000001) dos dois métodos.

Discussão e Conclusões

As células C6/36 foram permissivas à infecção pelo vesiculovírus Piry. Anteriormente, a replicação dos vesiculovírus Cocal2, Alagoas3, Indiana-116, New Jersey13 e Piry12 já havia sido observada nas células C6/36. Os efeitos citopáticos não foram notados, tanto nas culturas de C6/36 com o vírus estudado, como nas observações anteriores12,13,34.

As células C6/36 foram resistentes aos contaminantes ambientais (bactérias e fungos), usando antibióticos no meio de cultura. Mesmo quando as condições de trabalho no fluxo laminar não eram adequadas, - falta de energia elétrica ou durante o preparo dos soros - as quais eram em grande número no teste de neutralização em C6/36 (TN-C6/36), sendo realizadas as diluições fora da cabine do fluxo laminar. Porém, não ocorreu contaminação até o 5o dia após a diluição. Este dado facilitou o trabalho com as células C6/36 e poderá ser útil nos serviços sem recursos materiais sofisticados ou nos trabalhos de campo.

Os 204 soros ensaiados por ambos os testes de neutralização (nas células C6/36 e em camundongos recém-nascidos) tiveram 98,5% dos resultados concordantes. Com esses resultados optou-se pela utilização do teste de neutralização nas células C6/36 (TN-C6/36), no levantamento sorológico33. Caso a opção fosse o teste de neutralização em camundongos e considerando o uso de três diluições para cada soro a ser testado, na totalidade do inquérito (n= 1.274), e seis camundongos recém-nascidos por diluição, seriam necessários 22.932 animais para a análise com o vesiculovírus Piry. Nesse cálculo, foram excluídos os animais testados com as titulações do vírus e do soro-homólogo.

Deste modo, o teste de neutralização nas células C6/36 (TN-C6/36) mostrou-se extremamente útil para a pesquisa dos anticorpos neutralizantes contra os vesiculovírus. Em estudos soro-epidemiológicos, para estes vírus, os anticorpos neutralizantes devem ser pesquisados por serem os únicos que persistem por longo tempo10,28; principalmente em medicina veterinária, desde quando a estomatite pelo vesiculovírus é o principal diagnóstico diferencial da febre aftosa.

Não encontramos na literatura estudo comparativo entre o teste de neutralização em camundongos (prova-maior) e o TN-C6/36 na pesquisa dos anticorpos neutralizantes anti-vesiculovírus, especialmente contra o Piry. Além disto, o TN-C6/36 teve reprodutibilidade adequada os 173 soros Piry-positivos e os 31 Piry-negativos tiveram os resultados iguais, em duas ocasiões diferentes, sendo cada uma em duplicata. Inclusive, os três soros discordantes, com resultados negativos, detectados pelo TN-camundongos, tiveram os mesmos resultados positivos no TN-C6/36 quando o teste foi repetido.

Contudo, a reprodutibilidade deveria ser medida pelo valor da absorbância fornecida pela leitura espectrofotométrica28 que não foi utilizada por falta de condições materiais e porque se buscava montar técnica não dependente de equipamentos sofisticados. No futuro, seria aconselhável comparar os níveis da absorbância do TN-C6/36 com os ILN encontrados no TN-camundongos.

Através da leitura visual, pela intensidade da cor, do TN-C6/36, não foi possível associar aos valores dos ILN para o Piry. Mas a taxa de concordância observada evidencia a aplicabilidade e a praticidade da leitura visual, mostrando ao mesmo tempo que a coloração nos casos Piry-negativos e a ausência de cor dos Piry-positivos tem diferença facilmente detectável e discriminante.

Portanto, o teste de neutralização nas células C6/36 é aplicável em levantamentos sorológicos, também por requerer biotério com estrutura menor e a análise de vários soros ao mesmo tempo, facilitando, assim, os trabalhos de campo, inclusive na área da medicina veterinária.

Recebido para publicação em 5.5.93

Aprovado para publicação em 20.8.93

Separatas/Reprints: J. Tavares-Neto - Rua Marquês de Caravelas, 262 Ap. 101 - 40140-240 - Salvador, BA -Brasil

Edição subvencionada pela FAPESP. Processo Medicina 93/0208-5

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    Trabalho realizado na Unidade de Pesquisa em Virologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e no Instituto Evandro Chagas da Fundação Nacional de Saúde - Belém, PA, subvencionado pelo CNPq e FAPESP. Baseado na Tese de Doutorado de Tavares-Neto, J., 1992, intitulada "Estudo soro-epidemiológico do vesiculovírus Piry na população e entre os membros das famílias nucleares, em Catolândia-Bahia", Ribeirão Preto.
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    Comunicação pessoal de N. Dega'llier, no Instituto Evandro Chagas, Belém, PA, em 1991.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Out 1993

    Histórico

    • Recebido
      05 Maio 1993
    • Aceito
      20 Ago 1993
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