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Daphne Rattner

Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

Hidden arguments: political ideology and disease prevention policy, by S. N. Tesh. 2nd edition, New Brunswick, 1990.

Trata-se de um livro importantíssimo para quem reflete e questiona as múltiplas abordagens da causalidade das doenças: é uma competente discussão de como crenças e valores políticos (ou ideológicos) influenciam as políticas de prevenção de doenças. Como expõe a autora, em sua introdução, por trás de debates sobre temas como toxicidade de poluentes ambientais, malefícios do tabagismo e efeitos danosos do colesterol há outros argumentos ocultos. E é esse o desafio a que Sylvia Tesh se propõe: explicitar como as noções inconscientes sobre como acontecem as doenças (sejam de cientistas, de responsáveis por políticas, ou de cidadãos comuns) influenciam a abordagem dos problemas de saúde, sua condução e as estratégias de prevenção. Questiona, pois, numa linguagem ecessível e fluente, qual seria a legítima fonte de conhecimento, reafirma a indissociável inter-relação entre fatos e valores e propõe que "já não há como eliminar os valores da ciência e da política, que sua inevitável presença e seu valor sejam publicamente discutidos".

Em suma, o livro trata da influência da política e da economia nas teorias de causalidade; do efeito do dualismo nas teorias causais; e das conseqüências para a elaboração de políticas de saúde, quando fatos e valores não são evidenciados como separados.

O capítulo 1 discorre sobre as quatro teorias de causalidade que prevaleceram no século XIX, e o capítulo 2 trata das três explicações para doenças crônicas correntes no século XX: dependendo da explicação causal selecionada, grupos diferentes tornar-se-ão responsáveis pela prevenção.

Já o capítulo 3 apresenta a teoria da multicausalidade e suas limitações e questiona a ambivalência de uma abordagem multicausal apenas para doenças crônico-degenerativas (e não para as infecciosas), sublinhando a confusão existente entre causa e agente etiológico. Critica o "generoso igualitarismo" ao aquilatar todos os fatores envolvidos, o que permite dirigir recursos para programas de prevenção pouco efetivos, porém socialmente não diruptivos, para optar por programas mais efetivos, porém com maior potencial de transformação - sem que haja discussão pública dessas opções. Exemplo que seria hilariante, não fosse trágico: alertar a população sobre poluentes ambientais e sugerir alterações no estilo de vida. Assim, a autora identifica a necessidade de que a teoria multicausal discrimine entre causas fundamentais e acessórias para que haja uma prevenção efetiva, assim como a necessidade de uma teoria que mostre a hierarquia de causalidade e que não seja reducionista.

Os capítulos 4, 5 e 6 tratam de três estudos de caso. A educação para a saúde em Cuba é tema do capítulo 4. Neste, Sylvia Tesh comenta como essa educação (assim como nos EUA) não é para uma mudança social, não enfatiza as fontes ambientais de doenças. Ela faz uma lúcida crítica a programas como os de segurança e saúde no trabalho, redução de acidentes de trânsito e outros, fortemente calcados em medidas de prevenção individuais, e não em mudanças estruturais. Um dado interessante, entretanto, é que em Cuba ela não encontrou como conceitos opostos indivíduo e sociedade, ou indivíduo e Estado, que são entidades absolutamente separadas para o povo americano.

No capítulo 5 ela discute o que é objetividade e o que é subjetividade, exemplificando com o estresse e a greve dos controladores de vôo nos EUA. No estresse não há agente etiológico específico ou substância química, somente fenômenos etiológicos sociais ou emocionais. O arsenal científico existente para seu estudo é suficiente. Em seu texto mostra como, através do discurso científico, ocorreu a dessocialização dos determinantes sociais; houve uma inversão de conceitos e o estresse deixou de ser um efeito do ambiente de trabalho para tornar-se um problema de inadequação dos profissionais grevistas.

Já o capítulo 6 aborda uma causa indiscutivelmente identificada, visto ser uma substância química; o agente laranja (dioxina), utilizado como desfolhante durante a Guerra do Vietnã - e relata como foram conduzidos os processos de indenização. Esse episódio é paradigmático de como a ciência, a política e a ideologia interagem uma com a outra - e são destas interações que se originam decisões e propostas políticas.

Em seu último capítulo, Sylvia Tesh discute a ideologia individualista pré valente nos EUA, e questiona seus pressupostos face a uma abordagem holística ou dialética. Identifica grande contradição entre a doutrina e as idéias do individualismo: os ideais dessa corrente provêm os fundamentos éticos que reafirmam objetivos democráticos e igualitários do individualismo filosófico. As doutrinas (ou o individualismo como ideologia) constituem uma barreira para o lance desses objetivos, pois assumem que o individuo é a unidade da análise social. Portanto, devem ser garantidas as liberdades individuais em escolhas como o que comer, o que vestir, hábitos -já que o indivíduo é o melhor juiz de seus interesses. Esse individualismo, no âmbito, do político e do econômico, torna perversas as regulamentações governamentais.

A autora termina o livro questionando eticamente as abordagens sobre significância estatística como base para formulação de políticas, propondo novas abordagens do conhecimento, como o reconhecimento de que este não é estático, e que trata do todo sem desconsiderar as partes, sem que haja oposição entre ambos; e endossa Sandra Harding, uma epistemóloga feminista, em que "os modelos paradigmáticos da ciência objetiva são aqueles estudos explicitamente dirigidos por interesses moral e politicamente emancipatórios - isto é, por interesses em eliminar compreensões sexistas, racistas, classistas e culturalmente coercitivas da natureza e da vida social". Em termos de políticas de prevenção, identifica como necessárias aquelas que funcionam porque realmente protegem as pessoas. E reafirma que valores são temas públicos e, portanto, os valores de cientistas e elaboradores de políticas devem ser discutidos. Para ela, não é uma intrusão da política na ciência, já que não há ciência sem influências da política. É, isto sim, um apelo para que a política saia de seu esconderijo. Enfim, este é um livro que enriqueceria a biblioteca de qualquer estudioso da epistemologia epidemiológica (e de curiosos, também), e é uma lástima que ainda não se encontre traduzido para o nosso idioma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2003
  • Data do Fascículo
    Out 1994
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