Acessibilidade / Reportar erro

Conhecimento e uso da medicina alternativa entre alunos e professores de primeiro grau

Knowledge and use of alternative medicine by elementary school children and teachers

Resumos

Como parte de um Projeto de Educação em Saúde, investigou-se o conhecimento e como são utilizadas as práticas populares de cura, de modo a desenvolver e ampliar na escola, as possibilidades já existentes de discussão crítica e construtiva dentro do programa de saúde. Espera-se com isso poder resgatar saberes e valorizar esse conhecimento não sistematizado, presente na prática das populações ainda de forma marginalizada e controvertida. Foram aplicados questionários entre 110 professores e 162 alunos das 1ª à 4ª séries do 1° grau de quatro escolas (P.L.S.L., P.H.A., P.A.M.M. e A.M.G.) da periferia de Belo Horizonte. Sendo que, as questões apresentadas foram respondidas somente por 105 docentes. Vinte e três (32,4%) (entre 71 (67,6%)) acreditam em dons especiais de cura; dos 105 (95,4%) que responderam sobre se acham que certas doenças podem ser tratadas com remédios caseiros, somente 69 (65,7%) acreditam que sim; 54 (78,3%) dentre esses, associaram a cura da doença com a planta medicinal e 15 (21,7%) indicam o remédio sem associação com a doença; 36 (34,3%) professores citaram a doença sem relacionar as ervas medicinais. Já, 101 (62,3%) alunos acreditam que os remédios caseiros são positivos para algumas doenças. Entre os alunos e professores foram mencionadas doenças diversas, sintomas e órgãos que podem ser curados por plantas medicinais, rezas ou benzedeiras. Um pouco mais de 50% dos dois grupos de alunos (1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries) vivem entre famílias que procuram benzedeiras como alternativa de cura. Foram indicadas pelos professores e alunos mais de 50 plantas ou composições de partes de plantas. Conclui-se, que a medicina alternativa é conhecida e utilizada pela amostra estudada.

Conhecimentos; Medicina alternativa; Educação em saúde; Saúde escolar


The knowledge and use of popular cures was investigated as part of health education project in such a way as to develop and expand the existing possibilities for critical and constructive discussion in the school within the health program. It was hoped that this would result in the retrieval and in an increase in the value attributed to information concerning this nonsystematized knowledge present in a controversial and poorly accepted form In the practices of the population. One hundred and five teachers and 162 students of the 1st to 4th grades of the four primary schools on the outskirts of Belo Horizonte were interviewed. One hundred and five of the teachers answered the questions put. Twenty-three (32,4%) of the teachers said they believed in special cures, 69 (65,7%) thought that certain diseases could be treated with homemade remedies for these, 54 (78.3%) were able to associate a particular disease whit a particular medicinal plant and 15 (21.7%) prescribed a treatment without any association with a particular disease, 36 (34.3%) cited a disease without relating this to a particular herb. One hundred and one (62,3%) of the students believed that homemade remedies are effective for certain diseases. Amongst the teachers and students various diseases were mentioned as well as different symptoms and organs that can be cured by medicinal plants, roots or traditional healers. A little more than 50% of the two groups of students (1st and 2nd grade, 3rd and 4th grade) live in families who make use of traditional healers to provide alternative cures. More than 36 plants or preparations of parts of plants were indicated by the teachers and students. It is conclude that these individuals possess knowledge of and do in fact make use of alternative medicine.

Knowledge; Alternative medicine; Health education


ARTIGO ORIGINAL

Conhecimento e uso da medicina alternativa entre alunos e professores de primeiro grau1 1 Financiado pelo UNDP/World Bank/WHO: Programme for Research and Training in Tropical Diseases; pelo CNPq (Processo n° 803093/89) e pela FIOCRUZ 2 Dados inéditos.

Knowledge and use of alternative medicine by elementary school children and teachers

Marilena Gomes dos Santos; Ângela Guimarães Pinto Dias; Marcelo Moreira Martins

Centro de Pesquisas "René Rachou"/FIOCRUZ - Belo Horizonte - Brasil (M.G.S., A.G.P.D., M.M.M.)

RESUMO

Como parte de um Projeto de Educação em Saúde, investigou-se o conhecimento e como são utilizadas as práticas populares de cura, de modo a desenvolver e ampliar na escola, as possibilidades já existentes de discussão crítica e construtiva dentro do programa de saúde. Espera-se com isso poder resgatar saberes e valorizar esse conhecimento não sistematizado, presente na prática das populações ainda de forma marginalizada e controvertida. Foram aplicados questionários entre 110 professores e 162 alunos das 1a à 4a séries do 1° grau de quatro escolas (P.L.S.L., P.H.A., P.A.M.M. e A.M.G.) da periferia de Belo Horizonte. Sendo que, as questões apresentadas foram respondidas somente por 105 docentes. Vinte e três (32,4%) (entre 71 (67,6%)) acreditam em dons especiais de cura; dos 105 (95,4%) que responderam sobre se acham que certas doenças podem ser tratadas com remédios caseiros, somente 69 (65,7%) acreditam que sim; 54 (78,3%) dentre esses, associaram a cura da doença com a planta medicinal e 15 (21,7%) indicam o remédio sem associação com a doença; 36 (34,3%) professores citaram a doença sem relacionar as ervas medicinais. Já, 101 (62,3%) alunos acreditam que os remédios caseiros são positivos para algumas doenças. Entre os alunos e professores foram mencionadas doenças diversas, sintomas e órgãos que podem ser curados por plantas medicinais, rezas ou benzedeiras. Um pouco mais de 50% dos dois grupos de alunos (1a, 2a, 3a e 4a séries) vivem entre famílias que procuram benzedeiras como alternativa de cura. Foram indicadas pelos professores e alunos mais de 50 plantas ou composições de partes de plantas. Conclui-se, que a medicina alternativa é conhecida e utilizada pela amostra estudada.

Palavras chave: Conhecimentos, atitudes e prática. Medicina alternativa. Educação em saúde. Saúde escolar.

ABSTRACT

The knowledge and use of popular cures was investigated as part of health education project in such a way as to develop and expand the existing possibilities for critical and constructive discussion in the school within the health program. It was hoped that this would result in the retrieval and in an increase in the value attributed to information concerning this nonsystematized knowledge present in a controversial and poorly accepted form In the practices of the population. One hundred and five teachers and 162 students of the 1st to 4th grades of the four primary schools on the outskirts of Belo Horizonte were interviewed. One hundred and five of the teachers answered the questions put. Twenty-three (32,4%) of the teachers said they believed in special cures, 69 (65,7%) thought that certain diseases could be treated with homemade remedies for these, 54 (78.3%) were able to associate a particular disease whit a particular medicinal plant and 15 (21.7%) prescribed a treatment without any association with a particular disease, 36 (34.3%) cited a disease without relating this to a particular herb. One hundred and one (62,3%) of the students believed that homemade remedies are effective for certain diseases. Amongst the teachers and students various diseases were mentioned as well as different symptoms and organs that can be cured by medicinal plants, roots or traditional healers. A little more than 50% of the two groups of students (1st and 2nd grade, 3rd and 4th grade) live in families who make use of traditional healers to provide alternative cures. More than 36 plants or preparations of parts of plants were indicated by the teachers and students. It is conclude that these individuals possess knowledge of and do in fact make use of alternative medicine.

Keywords: Knowledge, attitudes, practice. Alternative medicine. Health education.

Introdução

A história mostra-nos que há séculos o homem tem procurado alternativas para eliminar seus males físicos, de forma empírica ou intuitiva6,7,12.

Segundo Lozoya8, a partir da década de 70 começou-se a questionar uma nova definição do que seria saúde, conseqüentemente, aumentou também a conscientização da importância da natureza no equilíbrio do homem, já utilizada há séculos pelos orientais, estimulando a busca de alternativas mantenedoras de saúde e prevenção das doenças10.

No Brasil muito se recebeu de influência dos africanos e principalmente do indígena da terra. Muitas plantas "além de serem usadas como medicinais, fazem parte dos ritos afro-brasileiros para grande parte da população, têm poderes mágicos" (Oliveira10, 1985).

Em um país como o Brasil, com imensa extensão geográfica, em espaços de grandes diversidades e peculariedades e, em diferentes circunstâncias e com diversas concepções, opiniões e valores sobre a medicina popular, usa-se conjunto de técnicas, conhecimentos e práticas, que são incorporadas e respeitadas no cotidiano, cristalizadas nos hábitos, nas tradições e nos costumes. Sem que se preste atenção, elas são praticadas diariamente no meio em que vivemos10. Curandeiros, médiuns, raizeiros, parteiras e a população em geral utilizam ervas medicinais em um verdadeiro sincretismo de concepções. Dessa forma, Camargo2 admite a existência, no Brasil, de uma medicina popular de conotações mágico-religiosas, presa a um universo sacralizado controlador das forças sobrenaturais, de certa forma responsáveis pelo aparecimento e cura das doenças do corpo e do espírito. Para Commune3 também as rezas entre os ritos religiosos e mágicos se sobressaem na defesa dos problemas de saúde. No ponto de vista de Cury4, as forças religiosas voltam a interessar os estudiosos do Brasil já não como resíduos de uma mentalidade atrasada e bárbara, mas como estímulos poderosos à vida em comum, saídas grupais do desespero e da opressão.

Embora existam vários estudos a respeito do uso, eficácia e toxicidade, de plantas medicinais, a literatura científica ainda é pobre no sentido de se conhecer o que pensam as populações a esse respeito, o nível de conhecimento que possuem, a crença e os tratamentos feitos com os remédios caseiros.

Em se tratando da escola fundamental e, tendo em vista o papel que ela representa na formação do indivíduo e a sua potencialidade de estimular a criação de conceitos, assim como sua atitude questionadora e crítica em relação à realidade, objetivou-se investigar o conhecimento das práticas populares de saúde e como são utilizadas e, a opinião de escolares e docentes de escolas de primeiro grau.

Material e Método

Informações gerais, localização das escolas, critérios de escolha das escolas e, instrumento utilizado - Foi realizado durante quatro anos, programa de educação para a saúde em duas escolas municipais, experimentais (L.S.L. e P.A.M.M.) e duas outras (P.H.A e A.M.G.). Na primeira daquelas escolas experimentais houve intervenção dos pesquisadores no programa educacional, para apresentar novas metodologias, enquanto, na segunda, não houve intervenção externa e os professores utilizaram apenas métodos tradicionais de ensino. E isso, como parte de projeto maior, em relação à saúde, realizado pelo Laboratório de Esquistossomose do Centro de Perquisas " René Rachou" - FIOCRUZ, objetivando o controle dessa endemia.

A população estudada é procedente da Capital de Minas Gerais, de outras regiões do Estado de Minas Gerais, além do Norte e Nordeste do País. Isso mostrou, com essa diversificação regional, o conhecimento e os comportamentos freqüentes em tais áreas.

Duas das escolas eram localizadas no bairro Gorduras, Belo Horizonte (L.S.L. e P.H.A.), região onde se aloja grande número de pessoas que vivem em condições de extrema pobreza (socioeconômica e cultural). A terceira, localiza-se no Vale do Jatobá (P.A.M.M.), em cuja redondeza existem vilas e favelas de grande precariedade. Finalmente, a quarta, encontrava-se na localidade denominada Barreiro de Cima (A.M.G.), na vizinhança de pequenos conjuntos de apartamentos populares onde existe melhores condições de saneamento básico. A população desta última é constituída de filhos de operários das indústrias circunvizinhas e de indivíduos que possuem subempregos.

Como critério de caracterização das escolas, foram selecionadas duas de prevalência maior de parasitoses e duas de menos prevalência, de acordo com os resultados de estudo prévio, por parte do Departamento de Parasitoses Municipal e do Laboratório de Esquitossomose do CPqRR, FIOCRUZ2 1 Financiado pelo UNDP/World Bank/WHO: Programme for Research and Training in Tropical Diseases; pelo CNPq (Processo n° 803093/89) e pela FIOCRUZ 2 Dados inéditos. . Posteriormente, foram feitos levantamentos pelo citado projeto, cujos resultados revelaram-se equivalentes a esse, ou seja, 68,0% e 46,0% escolares infectados pelas parasitoses nas escolas experimentais (L.S.L. e P.A.M.M.) e, 76,0% e 24,0% nas escolas controle (P.H.A. e A.M.G.). Os alunos foram escolhidos através da tabela de números aleatórios e o estudo abrangeu a totalidade dos docentes.

Instrumento utilizado - O instrumento utilizado para a obtenção de dados foi um questionário (anexo) aplicado em 110 professores, em 80 alunos de primeira e segunda séries, e 82 da terceira e quarta séries do primeiro grau. Os questionários, semi-estruturados, foram aplicados por quatro bolsistas, estudantes de biologia e psicologia, previamente treinados para dar explicações quanto à maneira de se proceder. Os alunos das primeira e segunda séries responderam às questões oralmente, e as respostas eram transcritas pelos pesquisadores; os demais preencheram, eles próprios, os questionários. Foram criados critérios operacionais para análise das questões abertas.

Aos indivíduos recolhidos foi solicitado previamente consentimento para sua participação da pesquisa. Foi feito inicialmente um "rapport" com as crianças tentando minimizar possíveis tensões. A aplicação do questionário foi feita na respectiva escola.

Na análise estatística, utilizou-se o qui-quadrado a 0,05 de significância.

Resultados

Crença do professor em dons especiais de cura - Somente 71 (64,5%) professores responderam sobre essa questão: para 23 (32,4%), algumas doenças podem ser tratadas por certas pessoas com dons especiais de cura, 48 (67,6%) não acreditam. Entre os 23 (32,4%) , 3 (13,0%) acreditam que a "bronquite, a asma, o sapinho e os sentimentos podem ser curados com simpatia", 1 (4,3%) crê "na benção para quebranto", 14 (60,9%) acreditam que os "desmaios, doenças psicológicas e feridas são sintomas que poderão ser tratados por pessoas com dons especiais de cura"; 5 (7,0%) entre 71 (64,5%) professores generalizaram a resposta e responderam que acreditam em "práticas populares".

Opinião dos professores em relação à crença no tratamento com remédios caseiros, à associação da doença e/ou sintoma com as ervas medicinais - Cento e cinco (95,4%) professores deram a sua opinião. Um grande número, 69 (65,7%) acreditam que os remédios caseiros podem tratar qualquer doença, 36 (34,3%) crêem que eles podem tratar certas doenças. Além de acreditarem nos remédios caseiros, 54 (51,4%) indicam a doença e qual a planta medicinal que deve ser utilizada, 15 (21,7%) citaram as ervas sem as associar às doenças (cipó amarelo, ervas generalizadas, folha de mangabeira, confrei). Foram citadas 36 doenças que podem ser tratadas com plantas medicinais, por exemplo: anemia, bronquite, caxumba, desidratação, diarréia, dores abdominais, dor de ouvido, erupções na pele, gastroenterite, infecções generalizadas, infecção urinaria, insolação, mal cheiro corporal, mal estar, sangramento nasal, sarampo, úlceras e vermes. É representativo o número de citações feitas pelo corpo docente em relação não só ao acreditar, mas relacionar sintomas e doenças com as ervas medicinais (Tabela 1).

Opiniões dos alunos sobre as doenças que podem ser tratadas com remédios caseiros - Entre os alunos das primeira e segunda séries (n=80), 14 (17,5%) não responderam, 66 (82,5%) deram sua opinião, 46 (69,7%) acreditam que certas doenças podem ser tratadas por remédios caseiros, além de fazerem o uso dos mesmos, 20 (30,3%) negam tal possibilidade. Entre os da terceira e quarta séries (n=82), 15 (18,3%) não responderam, 67 (81,7%) deram a sua opinião, 55 (82,1%) acreditam no benefício dos remédios caseiros, 10 (14,9%) não acreditam, 2 (3,0%) acreditam às vezes.

A opinião dos 128 (79,0%) alunos, (primeira à quarta séries) em relação às doenças que podem ser tratadas com remédios caseiros está mostrada na Tabela 2. Dentre as doenças e sintomas mais citados pelos alunos estão: a gripe, a dor de barriga, a febre e a dor de cabeça. Ressalta-se que os alunos de primeira e segunda séries apontam um número de doenças bem maior (71 citações) do que os alunos de terceira e quarta séries (57 citações). Somente 4 (3,1%) crianças associaram a doença ao remédio caseiro (gripe/hortelã, gripe/canela queimada, gripe/folha de laranja e doença renal/ folha de amora).

A relação das plantas medicinais e/ou remédios caseiros identificados pelas crianças é mostrada na Tabela 3. Esta tabela indica que os chás de boldo, folha de laranja e erva cidreira são os mais populares entre os alunos de todas as séries estudadas. Treze (16,2%) crianças das primeira e segunda séries e 32 (39,0%) alunos das terceira e quarta séries não deram respostas. Observa-se aqui também que o número de ervas citadas pelos alunos das primeira e segunda séries superam o das terceira e quarta séries (67 e 50 citações, respectivamente).

A opinião a respeito dos resultados dos remédios caseiros entre os alunos das primeiras séries, mostra que 17 (21,2%) deixaram de responder, 63 (78,7%) responderam a questão, 61 (96,8%) acham que dão bons resultados, 2(3,2%) disseram que não davam.

Opiniões dos alunos sobre as doenças que podem ser tratadas com rezas e benzedeiras - Ao se questionar os alunos das primeira e segunda séries se rezam quando alguém adoece, 69 (82,2%) disseram que sim e 11 (13,7%) disseram não. Quanto ao tratamento com as benzedeiras, esses alunos enumeram as seguintes doenças: generalizadas (qualquer doença) 13,7%; dor de cabeça 7,5%; gripe 7,5%; febre 6,2%; bronquite, espinhela caída 2,5%; pessoa aguada, doença na bexiga, câncer, catapora, caxumba, diarréia, dor de barriga, dor no braço, engasgo em pessoas e animais, incorporação espiritual, inflamação, insolação, inchaço, quebranto, queda e tosse 1,2% cada. Uma criança respondeu que toda doença sem cura pela medicina tradicional poderá obter resultados positivos na benzedeira. Utilizam as benzedeiras e/ou rezadeiras 43 (53,7%) e 66 (82,5%) acham que a oração pode curar doenças (Tabela 4). Um grande percentual de crianças das terceira e quarta séries 38 (46,3%), responderam que se utilizam de rezas para curar doenças. Dentre as doenças que acreditam ser curadas por rezas estão: dor de cabeça (4,9%); quebranto, alcoolismo, cobreiro, febre e todas as doenças (3,6%); dor de dente, enxaqueca, gripe, machucados em geral, mal olhado, soluço e tentações (2,4%); ventre virado, alergia, bronquite, cólicas, dor de barriga, dor de ouvido, desmaio, dormência, espinhela caída, falta de apetite, insolação, manchas na pele, perna machucada, raiva, reumatismo, sangue contaminado e sarampo (1,2%). Utilizam benzedeiras para curar doenças, 67 (83,7%) alunos e 38 (46,3%) acham que a oração pode curar doenças (Tabela 4).

Relação dos remédios caseiros mais indicados, as partes mais utilizadas e forma de preparação -Dentre os remédios mais indicados pelos professores e alunos das quatro escolas estão: o boldo (folha, infusão e suco); laranjeira - (folha e casca, infusão, decocção, suco); mel (líquido viscoso, favo); poejo (flor, infusão, decocção); hortelã (folha, infusão, decocção).

Comentários

Saloca11, mostra, em estudo feito no Rio de Janeiro, onde os usuários que utilizam plantas medicinais como medicamentos pertenciam, quase sempre, a famílias de condições socioeconômicas baixas. Na população da capital mineira, (Grandi e col.6) afirmam que a procura de ervas medicinais entre pessoas de classes sociais mais altas foi mais elevada. Esses resultados podem sugerir mudanças culturais ou de mentalidade das populações e/ou diferenças regionais, como também, alternativas pelas perdas econômicas entre as populações, em conseqüência das condições socioeconômicas e políticas presentes no país.

Como mostram os estudos de (Grandi e col.6) e Grandi e Siqueira7), todas as classes sociais fazem uso de plantas medicinais como alternativa de tratamento, podendo-se também considerar a influência do fluxo migratório que foi disseminando esses comportamentos, não só para as pequenas comunidades, mas para os grandes centros urbanos. Por esse motivo (Barros1) chama atenção para as dificuldades de identificação das ervas medicinais, pois a nomeclatura usada na identificação das mesmas difere de acordo com a região.

Comparando os resultados obtidos no presente estudo e, no trabalho de Commune3 pode-se verificar uma similaridade na identificação das plantas medicinais, como também, os efeitos de cura a elas relacionadas, que se enquadram na caracterização dessa autora3, referente ao saber popular de todo o Vale do Jequitinhonha, MG.

Um outro aspecto primordial está relacionado à falta de "cuidados" na utilização das plantas medicinais. Embora a confiança nesses medicamentos seja benéfica para algumas pessoas (efeito placebo), a informação fidedigna é fundamental. Gottlieb e Kaplan5 enfatizam o desconhecimento da variação a que estão sujeitos os vegetais (época de colheita, cuidados no processo de armazenamento, secagem e moagem e da contaminação por fungos e microorganismos), podendo assim levá-los a ter atividades curativas, bem como efeitos colaterais.

Além de utilizarem as plantas medicinais para o tratamento de variados sintomas, um pouco mais de 50% (86 (53,1%)) de dois grupos de indivíduos estudados primeira e segunda séries e terceira e quarta séries vivem entre famílias que procuram benzedeiras como alternativas de cura para suas doenças, 105 (64,8%) dos alunos acreditam que a oração pode curar o mal físico.

É relevante chamar atenção para as respostas das crianças das primeira e segunda séries que apresentam número maior de crianças que acreditam no poder das orações (83,7%) Tabela 4. Ao se separar essas séries por escola, verifica-se que os resultados são constantes entre elas, sugerindo que, por serem crianças mais jovens, possuem sua referência interna baseada no comportamento familiar. Quanto às crianças das terceira e quarta séries, já têm sua referência no externo, no grupo, nos jogos, símbolos e mitos. Essas crianças tornam-se mais críticas e mais independentes da família, tendem a ser mais envolvidas consigo mesmas e com o grupo, conseqüentemente, mudam os valores e conceitos do vivido (Mussen e col.9, 1977). Por outro lado, chamamos a atenção para o aumento de um possível "preconceito" entre essas crianças que negam orações demonstrando uma possível atitude crítica (Tabela 4).

O estudo mostrou que a medicina popular é conhecida e utilizada pela população estudada e proporcionou o conhecimento das representações desses indivíduos em relação à medicina alternativa.

Sendo assim, é necessário desenvolver e ampliar as possibilidades já existentes da discussão crítica e construtiva a este respeito, dentro da escola, no programa de educação em saúde.

Recebido em 5.9.1994

Aprovado em 10.4.1995

Separatas / Reprints: Marilena Gomes dos Santos - Centro de Pesquisa "René Rachou" / FIOCRUZ - Av. Augusto Lima, 1715 - 30190-000 - Belo Horizonte, MG - Brasil - Fax: (031) 295.3115

  • 1. BARROS, M.A.G. Plantas medicinais: uso e tradições em Brasília, DF. Oreades, 1981/1982. Boletim do Departamento de Botânica do ICB/UFMG, 8 (14/15), 1987.
  • 2. CAMARGO, M.T.L. de A. A medicina popular: aspectos metodológicos para pesquisa garrafada. São Paulo, Aimed Editora e Livraria Ltda, 1985.
  • 3. COMMUNE, I. A. Recursos da natureza para a saúde: cartilha de saúde. Araçuaí, Diocese de Araçuaí, 1984.
  • 4. CURY, J.R. O ensino de 1° grau e a universidade. Educ. e Rev., 3: 8-11, 1986.
  • 5. GOTTLIEB, O. & KAPLAN, M.A. Das plantas medicinais aos fármacos naturais. Ciênc. Hoje, 15: 51-4, 1993.
  • 6. GRANDI, T.S.M.; TRINDADE, J. A.; PINTO, M.J.F.; FERREIRA, L.L.; CATELLA, A.C. Plantas medicinais de Minas Gerais, Brasil. Acta Botan. Bras., 3: Supl. 1989.
  • 7. GRANDI, T.S.M.; & SIQUEIRA, D.M. Flora medicinal de Belo Horizonte: pesquisa dos ervários. In: Congresso de Botânica, 25°, Manaus, 1984. Anais. Brasília, 1990. p. 125-37.
  • 8. LOZOYA, X. A escola do futuro é o passado. Saúde do Mundo, (junho): 5-7, 1983.
  • 9. MUSSEN, P.H.; CONGER, J.J.; KAGAN, J. Desenvolvimento e personalidade da criança. 4a ed. São Paulo, Editora Harper & Row do Brasil, 1977.
  • 10. OLIVEIRA, E.R. O que é medicina popular. São Paulo, Abril Cultural/Brasiliense, 1985.
  • 11. SALOCA, H.R. Apud Grandi, T.S.M. Flora medicinal de Belo Horizonte. Sociedade Botânica do Brasil, 1990.
  • 12. VAN DEN BERG, M.E. Plantas medicinais na Amazônia: contribuição ao seu conhecimento sistemático. Belém, CNPq Programa Trópico Úmido/MPEGm, Gráfica Falangola Editora Ltda. 1982. p. 13.
  • 1
    Financiado pelo UNDP/World Bank/WHO: Programme for Research and Training in Tropical Diseases; pelo CNPq (Processo n° 803093/89) e pela FIOCRUZ
    2
    Dados inéditos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 1995

    Histórico

    • Aceito
      10 Abr 1995
    • Recebido
      05 Set 1994
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br