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Filariose bancroftiana no Brasil

Bancroftian filariasis in Brazil

Resumos

Foi feita revisão dos estudos sobre a distribuição geográfica e prevalências da filariose linfática bancroftiana no Brasil. Entre 1951 a 1958 foram realizados inquéritos hemoscópicos e entomológicos no País, sendo a transmissão autóctone comprovada em apenas 11 Municípios: Ponta Grossa (SC), 14,5%; Belém (PA), 9,8%; Barra de Laguna (SC), 9,4%; Recife (PE), 6,9%; Castro Alves (BA), 5,9%; Florianópolis (SC), 1,4%; São Luís (MA), 0,6%; Salvador (BA), 0,4%; Maceió (AL), 0,3%; Manaus (AM), 0,2% e Porto Alegre (RS), 0,1%. A distribuição da parasitose era urbana e focal, principalmente em cidades litorâneas. As ações de controle implementadas levaram a uma apreciável queda nas taxas de microfilarêmicos sendo consideradas, a partir de então, áreas endêmicas para filariose linfática no Brasil somente as cidades de Belém e Recife. Estudos recentes mostram transmissão ativa da parasitose, com prevalências superiores às detectadas no passado, em Maceió, cujo foco era considerado extinto, e em Recife. O conhecimento da situação atual da bancroftose no Brasil é de fundamental importância para a implementação de ações de controle da endemia envolvendo o Ministério da Saúde e órgãos de saúde pública.

Filariose; epidemiologia; Wuchereria bancrofti


The past and present distribution of Bancroftian filariasis in Brazil is reviewed. Parasitological and entomological surveys were conducted between 1951 and 1958, the autochthonous transmission of Wuchereria bancrofti having been found only in 11 places in the country as follows, with the corresponding prevalences: Ponta Grossa (SC), 14.5%; Belém (PA), 9.8%; Barra de Laguna (SC), 9.4%; Recife (PE), 6.9%; Castro Alves (BA), 5.9%; Florianópolis (SC), 1.4%; São Luis (MA), 0.6%; Salvador (BA), 0.4%; Maceió (AL), 0.3%; Manaus (AM), 0.2% and Porto Alegre (RS), 0.1%. The distribution of infection was urban and focal, occurring mainly along the coast. Control measures carried out against filariasis achieved considerable success, reducing infection and transmission, only Belém and Recife being considered endemic areas. Recent studies show the active transmission of filariasis with higher prevalences than those observed in the past,in Maceió, considered to be free from infection, and in Recife. The knowledge of the present status of Bancroftian filariasis in Brazil is important as baseline information, because it will allow for the establishment of control measures by Public Health organizations.

Filariasis; epidemiology; Wuchereria bancrofti


Filariose bancroftiana no Brasil

Bancroftian filariasis in Brazil

Eliana M. M. Rocha e Gilberto Fontes

Departamento de Patologia do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Alagoas. Maceió, AL - Brasil

Resumo Foi feita revisão dos estudos sobre a distribuição geográfica e prevalências da filariose linfática bancroftiana no Brasil. Entre 1951 a 1958 foram realizados inquéritos hemoscópicos e entomológicos no País, sendo a transmissão autóctone comprovada em apenas 11 Municípios: Ponta Grossa (SC), 14,5%; Belém (PA), 9,8%; Barra de Laguna (SC), 9,4%; Recife (PE), 6,9%; Castro Alves (BA), 5,9%; Florianópolis (SC), 1,4%; São Luís (MA), 0,6%; Salvador (BA), 0,4%; Maceió (AL), 0,3%; Manaus (AM), 0,2% e Porto Alegre (RS), 0,1%. A distribuição da parasitose era urbana e focal, principalmente em cidades litorâneas. As ações de controle implementadas levaram a uma apreciável queda nas taxas de microfilarêmicos sendo consideradas, a partir de então, áreas endêmicas para filariose linfática no Brasil somente as cidades de Belém e Recife. Estudos recentes mostram transmissão ativa da parasitose, com prevalências superiores às detectadas no passado, em Maceió, cujo foco era considerado extinto, e em Recife. O conhecimento da situação atual da bancroftose no Brasil é de fundamental importância para a implementação de ações de controle da endemia envolvendo o Ministério da Saúde e órgãos de saúde pública. Filariose, epidemiologia. Wuchereria bancrofti. Abstract The past and present distribution of Bancroftian filariasis in Brazil is reviewed. Parasitological and entomological surveys were conducted between 1951 and 1958, the autochthonous transmission of Wuchereria bancrofti having been found only in 11 places in the country as follows, with the corresponding prevalences: Ponta Grossa (SC), 14.5%; Belém (PA), 9.8%; Barra de Laguna (SC), 9.4%; Recife (PE), 6.9%; Castro Alves (BA), 5.9%; Florianópolis (SC), 1.4%; São Luis (MA), 0.6%; Salvador (BA), 0.4%; Maceió (AL), 0.3%; Manaus (AM), 0.2% and Porto Alegre (RS), 0.1%. The distribution of infection was urban and focal, occurring mainly along the coast. Control measures carried out against filariasis achieved considerable success, reducing infection and transmission, only Belém and Recife being considered endemic areas. Recent studies show the active transmission of filariasis with higher prevalences than those observed in the past,in Maceió, considered to be free from infection, and in Recife. The knowledge of the present status of Bancroftian filariasis in Brazil is important as baseline information, because it will allow for the establishment of control measures by Public Health organizations. Filariasis, epidemiology. Wuchereria bancrofti.

INTRODUÇÃO

A filariose linfática humana ocorre pelo parasitismo de helmintos Nematoda das espécies Wuchereria bancrofti, Brugia malayi e Brugia timori. A parasitose é endêmica em várias regiões tropicais da Ásia, África e Américas, sendo sério problema de saúde pública em países como China, Índia, Indonésia e partes leste, central e oeste da África39. Aproximadamente 800 milhões de pessoas vivem em áreas de risco de contrair a parasitose e estimam-se em 119 milhões os portadores de filariose linfática no mundo, sendo 106 milhões o número de infectados por W. bancrofti e em torno de 12,9 milhões os parasitados por B. malayi ou B. timori24, 40. A enfermidade no Continente americano é causada especificamente pela W. bancrofti que provavelmente foi introduzida nas Américas, inclusive no Brasil, pelo tráfico de escravos africanos durante o período colonial22. O parasito, tendo encontrado no Brasil um bom vetor (Culex quinquefasciatus), talvez o mais eficiente entre os mosquitos transmissores, além de condições climáticas apropriadas, aqui se adaptou e dispersou28.

Os vermes adultos de W. bancrofti vivem nos linfonodos e vasos linfáticos e as microfilárias (formas embrionárias) são encontradas no sangue periférico humano. As microfilárias ingeridas por insetos vetores, no momento do repasto sangüíneo, se desenvolvem e atingem o estágio larvário infectante (larvas L3).

A filariose bancroftiana é caracterizada por um amplo espectro clínico associado à presença dos parasitos adultos ou das microfilárias e varia desde a presença de indivíduos sem doença clínica aparente (portador assintomático) até manifestações relacionadas com inflamação aguda linfática e também patologia linfática crônica23. Outras manifestações menos comuns como eosinofilia pulmonar tropical são resultado de hiper reatividade imunológica do hospedeiro humano às microfilárias e antígenos do parasito25.

Apesar de, no Brasil, as primeiras microfilárias de W. bancrofti terem sido descritas em 1868 por Otto Wucherer, em Salvador, Bahia, a partir de urina de paciente com hemato quilúria41, os primeiros estudos sistematizados a respeito de distribuição e prevalências da bancroftose no Brasil só foram realizados a partir de 1942, em Belém do Pará6.

O objetivo do presente trabalho é fazer uma revisão dos estudos sobre a distribuição geográfica e prevalências da filariose linfática bancroftiana no Brasil, no passado e na atualidade, relatando as áreas com transmissão ativa.

Filariose Bancroftiana no Passado

Até o início da década de 50, muito pouco se sabia sobre a bancroftose no Brasil, a não ser resultados de alguns inquéritos hemoscópicos isolados para detecção da parasitose, os quais permitiram que cidades como Salvador (BA) e Belém (PA) fossem consideradas focos14.

Em Belém, capital do Pará, o primeiro inquérito para determinar a prevalência de microfilarêmicos por W. bancrofti realizado por Causey e col.6 (1945), revelou um índice de microfilaremia de 10,8%, demonstrando que nessa cidade a filariose linfática era um importante problema de saúde pública, sendo o Cx. quinquefasciatus o principal transmissor. Recife (PE) foi outra cidade considerada foco da parasitose, já que Azevedo e Dobin4 (1952) haviam encontrado um índice de microfilaremia de 9,2% entre 450 pessoas examinadas no bairro de Afogados.

Esses dados preocuparam o Ministério da Saúde que desencadeou a Campanha Nacional contra a filariose linfática no Brasil, quando foi atribuído ao então Serviço Nacional de Malária e, posteriormente, ao Departamento Nacional de Endemias Rurais — DNERu —, a tarefa de realizar estudos sobre a distribuição geográfica, prevalências e fazer o combate à parasitose no País. Os inquéritos hemoscópicos foram realizados através de colheita de sangue por punção digital e preparo de gotas espessas entre 19:00 h e 22:00 h, devido à periodicidade noturna das microfilárias no sangue periférico do hospedeiro humano27, 31.

Durante o período de 1951 a 1958 foram pesquisadas 852 localidades de 24 Unidades da Federação, totalizando 811.361 pessoas examinadas, sendo também realizados inquéritos entomológicos em 12 Estados e Territórios, tendo sido dissecados 120.399 exemplares de diferentes espécies de mosquitos14. Esses inquéritos hemoscópicos e entomológicos permitiram a identificação de focos autóctones em várias cidades dos Estados de norte a sul do Brasil14,28,29,30,31. Assim, foram encontrados portadores de W. bancrofti em 89 localidades de oito diferentes Unidades da Federação. No entanto, devido ao encontro simultâneo de mosquitos vetores com larvas infectantes do parasito, a transmissão autóctone foi comprovada em apenas 11 Municípios: Ponta Grossa (SC), 14,5%; Belém (PA), 9,8%; Barra de Laguna (SC), 9,4%; Recife (PE), 6,9%; Castro Alves (BA), 5,9%; Florianópolis (SC), 1,4%; São Luís (MA), 0,6%; Salvador (BA), 0,4%; Maceió (AL), 0,3%; Manaus (AM), 0,2% e Porto Alegre (RS), 0,1%31. Além dessas localidades, também se suspeitava que as cidades de Soure (6,1%), Vigia (5,2%) e Cametá (4,5%), todas no Estado do Pará, pelo número de portadores e pelos índices de microfilaremia encontrados nos inquéritos hemoscópicos, eram também focos autóctones da filariose bancroftiana, o que não foi devidamente comprovado pela falta de inquéritos entomológicos complementares31. Os dados dos inquéritos realizados pelo DNERu nas localidades endêmicas na década de 50 estão sumarizados na Tabela 1.

Ao final dessa avaliação ficou comprovado que a bancroftose no Brasil tinha distribuição urbana, sendo encontrada principalmente em cidades litorâneas, com características nitidamente focais. Dentre as áreas endêmicas, os locais de maior importância epidemiológica, pela significativa densidade demográfica, elevada prevalência e alta concentração de vetores, eram Belém e Recife, onde se estimava, na ocasião, em respectivamente, 50.000 e 80.000 o número de portadores da parasitose31. Além dessas duas capitais, também foram considerados importantes, na época, os focos de Castro Alves na Bahia, Florianópolis, Ponta Grossa e Barra de Laguna em Santa Catarina, e Cametá, Vigia e Soure no Pará. Os demais focos, com prevalências de microfilarêmicos inferiores a 1% não foram considerados de expressão como problema de saúde pública, mas todavia deveriam ficar sob observação pelo Ministério da Saúde14, 31.

Pelos inquéritos entomológicos realizados, o Cx. quinquefasciatus foi considerado o principal transmissor no País, embora raros exemplares de mosquitos de outras espécies tenham sido encontrados naturalmente infectados, não sendo considerados de importância na transmissão da bancroftose no Brasil28, 32.

A partir dos inquéritos realizados, foram iniciadas, ainda na década de 50, as ações de controle da bancroftose, empreendidas pelo DNERu e, depois de 1970, pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM). Este Programa tinha como meta erradicar ou controlar a bancroftose nas áreas endêmicas, tratando os indivíduos parasitados com o medicamento dietilcarbamazina, combatendo quimicamente as formas adultas e larvárias dos insetos vetores e eliminando os criadouros de mosquitos através de obras de saneamento14, 34. Em áreas endêmicas com menor população, como Barra de Laguna (SC), foi feito, na época, o tratamento em massa da população35.

O uso de inseticidas organoclorados ou organofosforados de ação residual, como BHC, DDT e posteriormente Dieldrin, para ataque de formas adultas do vetor, mostraram, no início, bons resultados, mas em pouco tempo esses produtos foram ineficazes contra o Culex e abandonados14. Devido à falta de inseticida eficaz e ao alto custo de aplicações semanais de larvicidas nos criadouros, a atenção foi centrada no tratamento dos casos humanos e educação sanitária da população34. Em Recife, o controle esteve sempre fundamentado no tratamento seletivo dos indivíduos infectados e em ações esporádicas de combate ao vetor3.

Tabela 1 -
Síntese dos dados dos inquéritos hemoscópicos e entomológicos realizados pelo DNERu nos focos considerados autóctones de filariose bancroftiana no Brasil no período de 1951 a 1958*.
Table 1- Data showing the results of parasitological and entomological surveys undertaken by the DNERu on the autochthonous focuses of Bancroftian filariasis in Brazil, from 1951 to 1958.

**Fonte: RACHOU29 (1957)

NR - Não realizado

DNERu - Departamento Nacional de Endemias Rurais

Quase todos os focos de transmissão ativa da bancroftose atacados foram considerados extintos pelo Ministério da Saúde, que considerava como áreas endêmicas no Brasil somente as cidades de Belém (PA) e Recife (PE)19. De fato, os dados do Ministério da Saúde mostravam que o Programa Nacional de Controle da bancroftose levou a uma apreciável, progressiva e sistemática queda nas taxas de microfilaremia, devido ao tratamento das fontes de infecção. Em Belém, o índice de indivíduos microfilarêmicos regrediu de 9,8% em 1951 para 0,2% em 1983 e, posteriormente, para 0,03%, em 199013, 19. Em Recife, o índice de microfilarêmicos apresentou uma redução de 6,9%, em 1954, para 1,5%, em 1983, e 0,7%, em 198419,20. Esses dados levaram o Ministério da Saúde a concluir, em 1985, que a endemia vinha sendo controlada de forma satisfatória no País, e que a doença tinha atingido nível de baixa endemicidade, não mais apresentando a gravidade de que se revestia no passado19.

Filariose Bancroftiana na Atualidade

Após a década de 50 nenhum outro levantamento epidemiológico global no Brasil foi realizado para redesenhar o mapa de distribuição geográfica da filariose linfática, sendo os dados disponíveis provenientes de inquéritos isolados.

Na Bahia, novos inquéritos hemoscópicos foram realizados em meados dos anos 60 nos focos descritos no passado, sendo encontrados índices de 6,2% e 1,7% de microfilarêmicos por W. bancrofti, respectivamente, no bairro Uruguai em Salvador e na cidade de Castro Alves37. Os últimos dados sobre a situação da bancroftose na Bahia são do relatório de 1986 da SUCAM (atual Fundação Nacional de Saúde) que mostram que desde 1981 não se registrou nenhum caso autóctone no Estado20.

Em João Pessoa (PB), onde levantamento realizado em 1955 não revelou casos autóctones de bancroftose, foi promovido um novo inquérito no início da década de 70 quando foram detectados oito portadores do parasito, sendo sete provenientes de Recife, e um do interior da Paraíba com uma única microfilária no exame e que em análises subseqüentes sempre apresentou exames negativos ou seja, nenhum caso autóctone26.

Com exceção de Recife (PE), Belém (PA), Maceió (AL), Ponta Grossa (SC) e Barra de Laguna (SC), em nenhum outro foco antigo foi feita uma reavaliação recente da situação da parasitose.

Estudo realizado em 1982, em Recife, levantou dúvidas em relação ao controle da bancroftose no Brasil, na medida em que demonstrou que o declínio observado nos índices de microfilaremia de 1954 até o início da década de 80, apresentados pela SUCAM, não era constatado quando pesquisados isoladamente alguns bairros da capital Pernambucana21. Além disso, esse estudo mostrou que em alguns bairros a prevalência da bancroftose havia aumentado ao longo dos anos.

Pesquisas conduzidas pelo Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz, têm evidenciado que a bancroftose continua a ser um problema de saúde pública em Recife, havendo um grande número de indivíduos expostos, infectados ou doentes, com considerável aumento da endemia8. Algumas comunidades de baixo nível socioeconômico na área urbana de Recife, geralmente favelas, têm mostrado prevalências de até 15% e a parasitose tem sido detectada em outras cidades da Região Metropolitana de Recife como Olinda e Jaboatão dos Guararapes, locais onde se desconhecia a existência da bancroftose9, 33, 39. Nestas duas últimas cidades, a transmissão ativa foi comprovada não só pela descrição de casos autóctones como também pelo encontro de mosquitos naturalmente infectados com larvas de W. bancrofti. Medeiros e col.18 (1992) observaram índices de infectividade natural de Cx. quinquefasciatus em Jaboatão dos Guararapes e Olinda superiores a 1,0%, índices esses significativamente mais elevados que o de 0,6% encontrado em Recife.

Maciel e col.16 (1994), analisando áreas endêmicas antigas de Recife (bairros Santo Amaro e Campo Grande), e áreas de ocupação mais recente em Olinda (bairros Sapucaia e Salgadinho), encontraram prevalências de indivíduos microfilarêmicos de, respectivamente, 13,5% e 12,3%. Isso mostra que passados mais de 40 anos dos primeiros levantamentos, as taxas de prevalência estão maiores que as descritas no passado em Recife, e em áreas de ocupação recente e até então consideradas indenes a parasitose está instalada e com altas prevalências. Albuquerque e col.2 (1995), estudando duas outras áreas de Recife (bairros Coque e Mustardinha), encontraram prevalências de microfilarêmicos de 10,7% e 9,3%, respectivamente. Maciel e col.17 (1996) analisaram ainda na cidade de Recife 31 diferentes bairros, examinando 10.851 indivíduos e detectando 683 (6,5%) microfilarêmicos, sendo que a prevalência variou de 0,0% (Casa Amarela) a 14,6% (Campo Grande). A manutenção da bancroftose endêmica em Recife está certamente associada com a baixa qualidade de vida na maioria da área urbana do município, realçada pela migração desordenada (urbanização), pelo grande número de favelas e saneamento precário na cidade que favorecem a proliferação do mosquito vetor1. Esses dados mostram que os trabalhos de controle, efetuados institucionalmente, devem ter contribuído para alguma redução da densidade parasitária, porém, não asseguraram a diminuição da prevalência, nem a delimitação geográfica da endemia, que já se estende por novas áreas na região metropolitana do Recife. Diante disso, pode-se concluir que as campanhas de controle realizadas pela SUCAM no passado devem ser reavaliadas em áreas de alta endemicidade, pois, ao que parece, não alcançaram o objetivo de interromper a transmissão da parasitose.

Apesar do programa de controle da bancroftose, implementado em Maceió, cuja prevalência era 0,3% no passado7, ter se restringido somente ao tratamento dos parasitados diagnosticados na época, o Ministério da Saúde considerava a parasitose extinta na capital alagoana19, 38. No entanto, em 1990, após o encontro de um paciente autóctone com linfangite retrógrada, uma das formas clínicas da filariose linfática foi levantada a hipótese da ocorrência, ainda hoje, da bancroftose em Maceió10. Assim, foi realizado um inquérito hemoscópico piloto em uma população de 731 militares do Exército local e destes, 2 soldados apresentavam alta densidade de microfilárias de W. bancrofti no sangue. Ao se investigar os familiares desses microfilarêmicos foi detectado um terceiro parasitado, todos autóctones de Maceió e com uma microfilaremia significativa para uma área onde a transmissibilidade estaria sob controle10. O aparecimento de casos autóctones recentes, somado à existência do vetor em potencial (Cx. quinquefasciatus), desencadearam um amplo inquérito hemoscópico na região. Numa primeira fase foram examinados 10.450 escolares de 23 diferentes bairros de Maceió, sendo detectados 69 (0,7%) microfilarêmicos12. Posteriormente, o inquérito foi estendido de forma a serem amostrados todos 33 bairros de Maceió e a prevalência geral permaneceu em 0,7%. A parasitose parece ter distribuição focal na cidade de Maceió, uma vez que foram encontrados microfilarêmicos em apenas 10 (30%) dos 33 bairros analisados, sendo que 84% dos parasitados detectados estavam concentrados em apenas três bairros centrais e limítrofes, Feitosa, Pitanguinha e Jacintinho com prevalências de, respectivamente, 5,3%, 3,5% e 1,2%11. Nesses bairros, mosquitos Cx. quinquefasciatus capturados apresentavam índices de infectividade natural variando de 0,4% (bairro Jacintinho) até 2,1% (bairro Feitosa)12. Esses dados, em conjunto, mostram a ocorrência de transmissão ativa de W. bancrofti na área urbana de Maceió na atualidade, ao contrário do que supunha o Ministério da Saúde.

Em Santa Catarina, em um inquérito realizado em 1976 pela SUCAM quando foram examinados 21.639 residentes nas três áreas endêmicas no passado, não se detectou nenhum microfilarêmico35. O desaparecimento da bancroftose na região foi atribuído à ação do medicamento dietilcarbamazina que foi administrado, no período compreendido entre 1957 a 1963, a todos os parasitados detectados, como em Florianópolis e Ponta Grossa, ou a toda população (tratamento em massa), como em Barra de Laguna35.

Schlemper Jr. e col.36 (1994) confirmaram a erradicação da parasitose em Santa Catarina uma vez que examinaram 206 indivíduos (90,7% da população) em Ponta Grossa e 1.154 (95,2% da população) em Barra de Laguna, não se detectando nenhum microfilarêmico em áreas que apresentavam no passado prevalências de até 14,5%.

Nas Tabelas 2 e 3 estão sumarizados inquéritos hemoscópicos e entomológicos realizados após a década de 50 no Brasil para se detectarem microfilarêmicos por W. bancrofti e determinarem os índices de infecção natural de mosquitos da espécie Cx. quinquefasciatus.

É objetivo da Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) a erradicação da bancroftose das Américas, uma vez que a OMS inclui a filariose linfática entre as doenças potencialmente erradicáveis15, 40. Para concretizar este objetivo foi elaborado, em conjunto pela Fundação Nacional de Saúde, Instituições de Pesquisa, Universidades Federais e Secretarias de Saúde de áreas endêmicas, o "Plano nacional para eliminação da filariose linfática no Brasil". As bases desse Plano, que foi recomendado pelo Conselho Nacional de Saúde (resolução nº 190 de 13/06/96), são as seguintes:

- Reavaliação epidemiológica dos focos ativos e dos considerados extintos.

- Mobilização das comunidades nas áreas endêmicas.

- Tratamento em massa das populações nas áreas endêmicas.

- Controle de vetores, adequado à realidade local.

- Atenção aos casos humanos.

- Articulação interinstitucional, interprogramática e intersetorial.

Tabela 2 -
Localidades do Brasil onde se pesquisou a existência de microfilarêmicos por Wuchereria bancrofti após1960.
Table 2 - Localities in Brazil where surveys to detect Wuchereria bancrofti microfilariae carriers have been carried out after 1960.
Tabela 3 -
Inquéritos entomológicos realizados no Brasil, no presente, para pesquisa de fêmeas de Culex quinquefasciatus albergando larvas L3 de Wuchereria bancrofti.
Table 3 - Current entomological surveys undertaken in Brazil to detect the occurrence of females of Culex quinquefasciatus harboring Wuchereria bancrofti L3 larvae.

O conhecimento da situação atual da bancroftose no Brasil é de fundamental importância para a implementação de um programa conjunto para a eliminação dessa endemia envolvendo o Ministério da Saúde e órgãos de Saúde Pública regionais. O sucesso do Plano poderá interromper a transmissão da parasitose, evitando a expansão do número de indivíduos microfilarêmicos e, conseqüentemente, o aparecimento de quadros de morbidade como elefantíase, hidrocele, quilúria e outras formas clínicas que poderão surgir se medidas de controle não forem implementadas.

Correspondência para/Correspondence to: Eliana Maria Maurício da Rocha - Praça Afrânio Jorge s/nº - Prado - 57010-020 Maceió, AL - Brasil.

Recebido em 7.4.1997. Reapresentado em 9.7.1997. Aprovado em 21.8.1997.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Fev 1998

Histórico

  • Aceito
    21 Ago 1997
  • Revisado
    09 Jul 1997
  • Recebido
    07 Abr 1997
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