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Incremento na mortalidade associada à presença de diabetes mellitus em nipo-brasileiros

Increase in the mortality associated with the presence of diabetes mellitus Japanese-Brazilians

Resumos

OBJETIVO: Como parte de um estudo envolvendo migrantes japoneses (issei) e seus descendentes (nisei), residentes na cidade de Bauru no Estado de São Paulo, descrevem-se e comparam-se os coeficientes de mortalidade (CM) observados para o período de 1993 a 1996 em indivíduos com graus diferentes de tolerância à glicose. MATERIAL E MÉTODO: Nesse estudo, em 1993, a coorte era composta por 530 nipo-brasileiros (236 issei e 294 nisei), de ambos os sexos, com idade entre 40 e 79 anos, sendo que 91 indivíduos (17%) foram classificados como diabéticos não dependentes de insulina (DMNDI), 90 (17%) como portadores de tolerância à glicose diminuída (TGD) e 349 (66%) como normais quanto à tolerância à glicose. Em 1996 foram identificados os óbtos ocorridos e obtidas informações dos familiares e dos certificados de óbito para o registro da data e da causa da morte. Calcularam-se, para os três grupos de indivíduos, os CM brutos e ajustados, por todas as causas e por causas específicas (doenças circulatória e renal). O modelo de Cox foi utilizado para a comparação dos CM ajustados segundo idade, sexo, geração, creatinina sérica, presença de hipertensão arterial, de dislipidemia e de obesidade. RESULTADOS E CONCLUSÕES: As razões entre os CM brutos de indivíduos diabéticos e normais foram 2,95 (IC 95%: 1,10 -7,62) para os óbitos ocorridos por todas as causas e 4,75 (IC 95%: 1,31 - 16,48) para os óbitos por causas específicas. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os CM brutos de indivíduos com TGD quando comparados aos indivíduos normais. Após o ajuste simultâneo pelas variáveis de controle, observou-se que, entre os indivíduos diabéticos, a força de mortalidade por causas específicas foi aproximadamente 4 vezes aquela observada entre os indivíduos normais (Razão dos CM: 3,86 e IC 95%: 1,11 -13,38). Os resultados em nipo-brasileiros são consistentes com outros obtidos em populações diabéticas, reforçando a influência desse distúrbio metabólico, particularmente sobre a mortalidade por doenças cardiovascular e renal.

Coeficiente de mortalidade; Diabetes mellitus


OBJECTIVE: As part of a study involving Japanese migrants, living in a developed city in the state of S. Paulo, Southeastern Brazil, a four-year experience of mortality among diabetic and non-diabetic subjects is described and their respective death rates are compared. In 1993, a cohort of 530 Japanese-Brazilians (236 issei or 1st generation and 294 nisei or 2nd generation) of both sexes, aged 40 from to 79 years old, were identified. RESEARCH DESIGN AND METHOD: At that time, 91 (17%) were classified as non-insulin-dependent diabetic subjects (NIDDM), 90 (17%) with impaired glucose tolerance (IGT) and 349 (66%) as normal, according to WHO criteria. In 1996, families were questioned with a view detecting the deaths wich had occurred among the subjects previously studied. This information, in addition to that from death certificates was used to record the date and the causes of death. Mortality rates for all causes and for specific causes (circulatory and renal diseases) were obtained for the three groups of subjects, by glucose tolerance status. Proportional hazard regression models were used to compare the mortality rates, adjusted for several covariables (gender, age, generation, hypertension, dyslipidemia, obesity and serum creatinine). RESULTS AND CONCLUSIONS: Crude mortality rate ratios for all causes and specific causes, for NIDDM, and normal subjects were 2.95 (95% CI: 1.10 - 7.62) and 4.57 (95% CI: 1.31- 16.48), respectively. No difference was observed between the crude mortality rate ratio for IGT and normal subjects. After simultaneous adjustments for the covariates, higher mortality rates for specific causes were observed among NIDDM than in the normal subjects (mortality rates ratio: 3.86; 95% CI: 1.11 - 13.38). These results in Japanese-Brazilians are consistent with previous reports of increased mortality in other diabetic subjects, thus confirming the adverse effect of this metabolic disturbance on mortality among diabetic subjects.

Mortality rate; Diabetes mellitus


Incremento na mortalidade associada à presença de diabetes mellitus em nipo-brasileiros

Increase in the mortality associated with the presence of diabetes mellitus Japanese-Brazilians

Suely Godoy A. Gimeno, Sandra R.G. Ferreira, Laércio Joel Franco, Magid Iunes,

Katsumi Osiro e Grupo de Estudo de Diabetes em Nipo-Brasileiros** As seguintes pessoas participaram do Grupo de Estudo de Diabetes em Nipo-Brasileiros: Amélia T. Hirai, Lúcia C. Iochida, Luiza K. Matsumura, Regina Santiago Moisés, Sérgio A. Dib, Alcides Hirai e Marco Antonio Vivolo (UNIFESP); Mário Kikushi, Nobue Miyasaki, Ênio Wakisaka (USP); Katsunori Wakisaka (Centro de Estudos Nipo-Brasileiros); Cana Taniguchi (Secretaria da Saúde ESP); Helena C. F. Oliveira (UNICAMP); Nilce Tomita (USP/Bauru); Rita Chaim (Universidade Sagrado Coração-Bauru); José Alberto S. Freitas (HRLLPB-USP) e Akira Ishikiriama (Clube-Nipo Brasileiro de Bauru). As seguintes pessoas participaram do Grupo de Estudo de Diabetes em Nipo-Brasileiros: Amélia T. Hirai, Lúcia C. Iochida, Luiza K. Matsumura, Regina Santiago Moisés, Sérgio A. Dib, Alcides Hirai e Marco Antonio Vivolo (UNIFESP); Mário Kikushi, Nobue Miyasaki, Ênio Wakisaka (USP); Katsunori Wakisaka (Centro de Estudos Nipo-Brasileiros); Cana Taniguchi (Secretaria da Saúde ESP); Helena C. F. Oliveira (UNICAMP); Nilce Tomita (USP/Bauru); Rita Chaim (Universidade Sagrado Coração-Bauru); José Alberto S. Freitas (HRLLPB-USP) e Akira Ishikiriama (Clube-Nipo Brasileiro de Bauru).

Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM). São Paulo, SP - Brasil

Resumo Objetivo Como parte de um estudo envolvendo migrantes japoneses (issei) e seus descendentes (nisei), residentes na cidade de Bauru no Estado de São Paulo, descrevem-se e comparam-se os coeficientes de mortalidade (CM) observados para o período de 1993 a 1996 em indivíduos com graus diferentes de tolerância à glicose. Material e Método Nesse estudo, em 1993, a coorte era composta por 530 nipo-brasileiros (236 issei e 294 nisei), de ambos os sexos, com idade entre 40 e 79 anos, sendo que 91 indivíduos (17%) foram classificados como diabéticos não dependentes de insulina (DMNDI), 90 (17%) como portadores de tolerância à glicose diminuída (TGD) e 349 (66%) como normais quanto à tolerância à glicose. Em 1996 foram identificados os óbtos ocorridos e obtidas informações dos familiares e dos certificados de óbito para o registro da data e da causa da morte. Calcularam-se, para os três grupos de indivíduos, os CM brutos e ajustados, por todas as causas e por causas específicas (doenças circulatória e renal). O modelo de Cox foi utilizado para a comparação dos CM ajustados segundo idade, sexo, geração, creatinina sérica, presença de hipertensão arterial, de dislipidemia e de obesidade. Resultados e Conclusões As razões entre os CM brutos de indivíduos diabéticos e normais foram 2,95 (IC 95%: 1,10 -7,62) para os óbitos ocorridos por todas as causas e 4,75 (IC 95%: 1,31 - 16,48) para os óbitos por causas específicas. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os CM brutos de indivíduos com TGD quando comparados aos indivíduos normais. Após o ajuste simultâneo pelas variáveis de controle, observou-se que, entre os indivíduos diabéticos, a força de mortalidade por causas específicas foi aproximadamente 4 vezes aquela observada entre os indivíduos normais (Razão dos CM: 3,86 e IC 95%: 1,11 -13,38). Os resultados em nipo-brasileiros são consistentes com outros obtidos em populações diabéticas, reforçando a influência desse distúrbio metabólico, particularmente sobre a mortalidade por doenças cardiovascular e renal. Coeficiente de mortalidade. Diabetes mellitus. Abstract Objective As part of a study involving Japanese migrants, living in a developed city in the state of S. Paulo, Southeastern Brazil, a four-year experience of mortality among diabetic and non-diabetic subjects is described and their respective death rates are compared. In 1993, a cohort of 530 Japanese-Brazilians (236 issei or 1st generation and 294 nisei or 2nd generation) of both sexes, aged 40 from to 79 years old, were identified. Research design and Method At that time, 91 (17%) were classified as non-insulin-dependent diabetic subjects (NIDDM), 90 (17%) with impaired glucose tolerance (IGT) and 349 (66%) as normal, according to WHO criteria. In 1996, families were questioned with a view detecting the deaths wich had occurred among the subjects previously studied. This information, in addition to that from death certificates was used to record the date and the causes of death. Mortality rates for all causes and for specific causes (circulatory and renal diseases) were obtained for the three groups of subjects, by glucose tolerance status. Proportional hazard regression models were used to compare the mortality rates, adjusted for several covariables (gender, age, generation, hypertension, dyslipidemia, obesity and serum creatinine). Results and Conclusions Crude mortality rate ratios for all causes and specific causes, for NIDDM, and normal subjects were 2.95 (95% CI: 1.10 - 7.62) and 4.57 (95% CI: 1.31- 16.48), respectively. No difference was observed between the crude mortality rate ratio for IGT and normal subjects. After simultaneous adjustments for the covariates, higher mortality rates for specific causes were observed among NIDDM than in the normal subjects (mortality rates ratio: 3.86; 95% CI: 1.11 - 13.38).

These results in Japanese-Brazilians are consistent with previous reports of increased mortality in other diabetic subjects, thus confirming the adverse effect of this metabolic disturbance on mortality among diabetic subjects.

Mortality rate. Diabetes mellitus.

INTRODUÇÃO

Em todo o mundo, o impacto do diabetes mellitus (DM) está refletido em morbidade aumentada e em mortalidade prematura21. Hanis e col.8 afirmam que, nos Estados Unidos, a esperança de vida de homens e mulheres com DM é reduzida em aproximadamente nove e sete anos, respectivamente. Esses autores destacaram que, apesar de numerosos estudos terem mostrado a existência de associação de DM com a morbidade e com a mortalidade, as investigações sobre a mortalidade têm sido prejudicadas devido às limitações inerentes aos registros vitais. Laurenti e col.11, em estudo sobre a mortalidade por DM no Município de São Paulo, destacaram que os dados oficiais apresentaram razoável fidedignidade para o estudo do DM como causa básica de morte, mas não se prestaram à análise como causa múltipla, uma vez que a importância do DM foi fortemente subestimada.

Franco e col.4, em estudo sobre causas múltiplas de óbitos, observaram que do total de 202.141 óbitos ocorridos no ano de 1992 no Estado de São Paulo, o DM foi mencionado em 13.786 certificados (6,8%), sendo causa básica em 5.303 (2,6%). Nos casos onde o DM figurou como causa associada, as principais causas básicas foram: doenças cardiovasculares (62,9%), respiratórias (12,6%) e neoplásicas (6,9%). Situação semelhante a essa foi descrita por Melo e col.15 para a cidade de Recife. Apesar da subestimação da mortalidade por DM, os registros vitais têm sistematicamente indicado que o DM é problema de saúde pública importante em diferentes populações em todo o mundo6, 13, 17.

Da mesma forma que para população adulta em geral, a mortalidade em pessoas com DM não dependente de insulina (DMNDI) aumenta com a idade. Contudo, entre indivíduos diabéticos, a força de mortalidade é o dobro daquela observada entre aqueles que não têm essa doença6. Acredita-se que a elevação da mortalidade nos indivíduos com DM ocorra não apenas em decorrência de suas complicações macro e microvasculares, mas também pela sua associação com outras condições mórbidas tais como a obesidade, a hipertensão arterial e a dislipidemia1, 10.

Como em outras doenças, onde a exposição a fatores exógenos tem relevância etiopatogênica, o perfil de morbimortalidade por DM de uma população se altera segundo o lugar: quando indivíduos se deslocam de uma região de baixo risco para uma de maior risco, eles assumem a condição do novo ambiente. Gotlieb7, em 1990, em estudo feito com issei residentes no Município de São Paulo, encontrou, para o ano de 1980, um coeficiente ajustado de mortalidade por DM de 3,4 e 7,2, por 10.000 habitantes, para o sexo masculino e feminino, respectivamente; para o mesmo período, entre japoneses residentes no Japão, esse coeficiente foi de 1,9 por 10.000 habitantes para ambos os sexos. Franco3 destaca que maior risco de desenvolver o DM tem sido observado, por exemplo, entre migrantes japoneses residentes no Brasil e nos Estados Unidos da América, quando comparados àquele observado para o país de origem. A mesma experiência já havia sido registrada por outros investigadores5.

Ferreira e col.2, em harmonia com outros estudos, encontraram maior prevalência do DMNDI entre nipo-brasileiros residentes no interior do Estado de São Paulo, quando comparada com aquela observada no Japão. O encontro concomitante do DM com outros fatores de risco cardiovasculares (hipertensão e dislipidemia) possibilitou supor a existência de incremento na mortalidade desses indivíduos quando comparados àqueles que mantém a tolerância à glicose normal. Assim, como parte do estudo com esses migrantes japoneses, no presente trabalho são descritos e comparados os coeficientes de mortalidade observados em quatro anos de acompanhamento de indivíduos com diferentes graus de tolerância à glicose.

MATERIAL E MÉTODO

Em 1993, a partir de um estudo de prevalência de DM entre migrantes japoneses e seus descendentes residentes na cidade de Bauru, no interior do Estado de São Paulo2, 3, foi formada uma coorte composta por 530 nipo-brasileiros de primeira (issei) e segunda geração (nisei), de ambos os sexos e com idade entre 40 e 79 anos. Nessa ocasião, utilizando-se o critério da OMS20, 91 indivíduos (17%) foram classificados como diabéticos não dependentes de insulina (DMNDI), 90 (17%) como portadores de tolerância à glicose diminuída (TGD) e 349 (66%) como normais quanto à tolerância à glicose. Não houve diferenças estatisticamente significantes entre as prevalências de DM e TGD entre os sexos2, 3.

Em 1996, a partir de uma lista utilizada para a atualização de endereços dos 530 indivíduos inicialmente incluídos no estudo, foi possível identificar os óbitos ocorridos durante esse período. Foram utilizadas para o registro da data e da causa das mortes as informações obtidas dos familiares e dos certificados de óbito. Obtiveram-se, para os três grupos de indivíduos, os coeficientes de mortalidade (CM) por todas as causas e por causas específicas18. Dentre as específicas foram selecionadas aquelas de natureza cardiovascular (9ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças14: capítulo de doenças circulatórias 390-459), uma vez que são as maiores responsáveis pelos óbitos em indivíduos diabéticos e também aquelas decorrentes de complicação renal (9ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças14: capítulo de doenças do trato genito-urinário 580-599 - insuficiência renal crônica - 585), uma vez que acomete uma parcela significativa da população diabética16, 22. Dado o fato de terem sido registrados apenas dois óbitos entre os indivíduos com TGD optou-se por não incluí-los nas etapas seguintes da análise.

As curvas de sobrevivência de indivíduos diabéticos e normais foram obtidas a partir da utilização da técnica de Kaplan-Meier9.

Foram consideradas variáveis de controle a idade, o sexo, a geração, o nível sérico de creatinina, a presença de hipertensão arterial, de dislipidemia e de obesidade (Tabela 1). A existência de associações entre essas variáveis e a ocorrência dos óbitos foi avaliada pela estatística qui-quadrado.

Variável Categoria Nível de exposição Sexo Feminino Basal Masculino Exposto Idade < 60 anos Basal ³ 60 anos Exposto Geração Primeira Basal Segunda Exposto Obesidade Eutrófico (IMC £ 25 kg/m2) Basal Obeso (IMC > 25 kg/m2) Exposto Hipertensão arterial Normotenso (pressão arterial sistólica £ 140mm Hg e pressão arterial diastólica £ 90 mm Hg e sem uso de medicação anti-hipertensiva) Basal Hipertenso (pressão arterial sistólica > 140mm Hg ou pressão arterial diastólica > 90 mm Hg ou em uso de medicação anti-hipertensiva) Exposto Dislipidemia Normal (colesterol total e triglicérides £ 200 mg/dl e HDL-colesterol ³ 35 mg/dl e LDL-colesterol £ 130 mg/dl) Basal Dislipidêmico (colesterol total ou triglicérides >200 mg/dl ou HDL-colesterol < 35 mg/dl ou LDL-colesterol > 130 mg/dl) Exposto Creatinina sérica Normal (£ 1,2 mg/dl) Basal Alterado (> 1,2 mg/dl) Exposto

Tabela 1 - Forma categórica das variáveis consideradas na análise.

Table 1 - Categorical form of the variables considered in the analysis.

O modelo de Cox9 foi utilizado para a comparação dos CM ajustados segundo as variáveis de controle (forma dicotômica). A variável idade foi incluída no modelo em sua forma contínua. Foi verificada a existência de possíveis interações entre as variáveis e estas foram mantidas no modelo final apenas quando o valor do respectivo coeficiente foi estatisticamente diferente de zero (p<0,05). Utilizou-se, em todas as etapas da análise, o programa Stata19.

RESULTADOS

Ao final de 1996, 507 (95,7%) indivíduos estavam vivos. Dos 23 óbitos ocorridos durante o período de estudo, 13 (56,5%) foram atribuídos a doenças circulatórias, um (4,3%) a doença renal e nove (39,2%) a causas diversas (acidentes, doença pulmonar obstrutiva crônica, pneumonia, leucemia e neoplasias de pâncreas, de intestino e de pulmão). Nove mortes foram observadas entre indivíduos diabéticos, sendo sete (77,8%) por doenças circulatórias, uma (11,1%) por doença renal e uma (11,1%) por causa externa. Destaca-se que em apenas um certificado de óbito houve menção do DM entre as causas da morte.

Os CM brutos, tanto por todas as causas como por causas específicas, mostraram que a força de mortalidade foi maior entre os indivíduos diabéticos, tanto quando comparados aos indivíduos com TGD, como aos normais (Tabela 2). Esse fato é confirmado na Figura onde, em diferentes intervalos de tempo, menor proporção de sobreviventes pôde ser observada entre os indivíduos diabéticos.

Grau de tolerância à glicose Tempo médio de sobrevivência (meses) CM por todas as causas (por 1.000 pessoas-ano) CM por causas específicas (por 1.000 pessoas-ano) Diabetes 20,0 31,5 24,7 Tolerância à glicose diminuída 21,7 6,9 3,4 Normal 21,9 10,7 5,4

Tabela 2 - Tempo médio de sobrevivência, coeficiente de mortalidade bruto (CM) por todas as causas e por causas específicas segundo grau de tolerância à glicose.

Table 2 - Mean survival time, crude mortality rate for all causes and for circulatory and renal diseases according to glucose tolerance status.


Figura - Proporção acumulada de sobrevivência (Kaplan-Meier) segundo grau de tolerância à glicose e causa do óbito.

Figure - Kaplan-Meier survival curves by glucose tolerance status and causes of death.

Observou-se, entre os que morreram (Tabela 3), proporção significativamente maior de nipo-brasileiros do sexo masculino (p=0,003), com idade igual ou superior a 60 anos (p=0,027) e com nível sérico de creatinina aumentado (p=0,041). Esses indivíduos foram semelhantes àqueles que sobreviveram segundo a geração, presença de obesidade, de hipertensão arterial e de dislipidemia.

Variável Condição em 1996 Total Qui-quadrado (p) Vivo Morto Diabético Normal Diabético Normal N % N % N % N % N % Sexo Masculino 48 58,5 154 45,7 9 100 8 66,7 219 49,8 8,6(0,003) Feminino 34 41,5 183 54,3 - - 4 33,3 221 50,2 Total 82 100 337 100 9 100 12 100 440 100 Idade < 60 anos 30 36,6 193 57,3 2 22,2 4 33,3 229 52,0 4,9 (0,027) ³ 60 anos 52 63,4 144 42,7 7 77,8 8 66,7 202 48,0 Total 82 100 337 100 9 100 12 100 440 100 Geração Primeira 41 50,0 145 43,0 5 55,6 6 50,0 197 44,9 0,5 (0,472) Segunda 41 50,0 192 57,0 4 44,4 6 50,0 243 55,1 Total 82 100 337 100 9 100 12 100 440 100 Estado nutricional Eutrófico 37 45,1 205 60,8 6 66,7 9 75,0 257 58,4 Obeso 38 46,3 110 32,6 2 22,2 2 16,7 152 34,5 2,2 (0,137) Sem informação 7 8,6 22 6,6 1 11,1 1 8,3 31 7,1 Total 82 100 337 100 9 100 12 100 440 100 Pressão arterial Normotenso 44 53,7 264 78,3 4 44,4 9 75,0 321 73,0 Hipertenso 38 46,3 71 21,1 5 55,5 3 25,0 117 26,6 1,5 (0,227) Sem informação - - 2 0,6 - - - - 2 0,4 Total 82 100 337 100 9 100 12 100 440 100 Perfil lipídico Normal 7 8,5 76 22,6 2 22,2 3 25,0 88 20,0 0,2 (0,655) Dislipidêmico 75 91,5 261 77,4 7 77,8 9 75,0 352 80,0 Total 82 100 337 100 9 100 12 100 440 100 Creatinina Normal 66 80,5 299 88,7 6 66,7 9 75,0 380 86,4 4,2(0,041) Alterada 16 19,5 38 11,3 3 33,3 3 25,0 60 13,6 Total 82 100 337 100 9 100 12 100 440 100

Tabela 3 - Número e percentage de nipo-brasileiros residentes em Bauru, SP, segundo características demográficas e biológicas.

Table 3 - Number and percentage of Japanese-Brazilians in Bauru, SP by demographic and biological characteristics.

Na Tabela 4 estão apresentados os resultados finais obtidos a partir da utilização do modelo de Cox. Após o ajuste simultâneo do efeito às covariáveis, observa-se que, entre os indivíduos diabéticos, a força de mortalidade (RDI) por causas específicas foi aproximadamente quatro vezes aquela observada entre os indivíduos normais (RDI=3,86 IC 95%: 1,11-13,38). Para os óbitos ocorridos por todas as causas, as diferenças entre os CM ajustados de indivíduos com DMNDI e o dos indivíduos normais não foram estatisticamente significantes.

Óbitos Variável RDI* IC 95% Óbitos por todas as causas Diabetes 1,61 0,62 - 4,17 Sexo 5,56 1,72 - 16,67 Idade 1,06 1,01 - 1,12 Hipertensão arterial*dislipidemia 0,05 0,01 - 0,27 Hipertensão arterial 13,89 3,64 - 53,00 Dislipidemia 1,10 0,33 - 3,68 Óbitos por causas específicas Diabetes 3,86 1,11 - 13,38 Sexo 9,09 1,16 - 100,00 Idade 1,04 0,97 - 1,12 Obesidade 0,34 0,07 - 1,65

Tabela 4 - Resultados da análise com o modelo de Cox (modelo final).

Table 4 - Final Cox models for deaths by all causes and for circulatory and renal diseases.

* RDI: razão de densidades de incidência ou razão dos coeficientes de mortalidade

IC - Intervalo de confiança

DISCUSSÃO

Geiss e col.6 comentaram que, em estudos de mortalidade, o delineamento prospectivo oferece algumas vantagens sobre aqueles que utilizam exclusivamente, como fonte de dados, os certificados de óbito. Os estudos prospectivos, em geral, permitem: 1) descrever a mortalidade de todos os indivíduos diabéticos e não apenas daqueles que tiveram o DM mencionado no certificado de óbito; 2) comparar o risco de morrer observado entre diabéticos e não diabéticos; 3) examinar os fatores de risco, para a mortalidade, não disponíveis nos documentos oficiais. Entre suas limitações, os autores destacaram: 1) a maioria dos estudos de coorte não fazem distinção entre mortalidade por DM dependente de insulina e por DMNDI; 2) em geral, esses estudos são feitos com um pequeno número de indivíduos diabéticos; 3) alguns identificam os portadores de DM apenas no início do estudo, levando a uma subestimação do impacto do DM sobre a mortalidade.

O delineamento utilizado nesse estudo permitiu descrever e comparar, controlando-se o efeito de outros fatores de risco, os CM de indivíduos com diferentes graus de tolerância à glicose. Se alguma interferência ocorreu nas medidas de efeito obtidas, essas foram no sentido de subestimar a importância do DM sobre a mortalidade, dado que os portadores de DMNDI foram identificados apenas no início do estudo.

A importante parcela de contribuição para a mortalidade geral, em diferentes populações, das doenças do aparelho circulatório e de sua associação com o DM está bem documentada na literatura4, 6, 21 , 22. No presente estudo, 56,5% do total de óbitos foram decorrentes dessas doenças. Essa cifra elevou-se para 77,8% quando se consideraram apenas os óbitos ocorridos entre indivíduos diabéticos. Verificou-se também a ausência de menção, nos documentos oficiais, do DM como causa do óbito, refletindo, em nosso meio, a importante subnotificação dessa doença como causa de morte.

A maior força de mortalidade, bruta e ajustada, observada entre os indivíduos nipo-brasileiros diabéticos (Tabelas 2 e 4), é consistente com os relatos de outros em diferentes populações1,12. Geiss e col.6 destacam que indivíduos diabéticos têm aproximadamente o dobro da força de mortalidade observada entre aqueles sem a doença. No presente estudo, ao considerar os óbitos ocorridos por todas as causas (Tabela 4), a razão dos coeficientes de mortalidade foi de 1,61 que, apesar de não ter sido estatisticamente significante (IC 95%: 0,62 - 4,17), aproximou-se dos valores encontrados por outros pesquisadores.

Geiss e col.6 comentam que os resultados publicados evidenciam a força de mortalidade por doenças circulatórias entre indivíduos diabéticos, que é cerca de duas a quatro vezes aquela observada entre indivíduos sem a doença. Em harmonia com esses achados, ao se considerar os óbitos decorrentes de causas específicas, foi possível detectar no presente estudo diferenças estatisticamente significantes entre as experiências de mortalidade de indivíduos com DMNDI e de normais (RDI: 3,86; IC 95%: 1,11 - 13,38), confirmando também, entre nipo-brasileiros, a importância do DM como causa de morte, independente de outros fatores de risco.

Os presentes achados, mesmo que para um período de seguimento relativamente curto (quatro anos), confirmam a necessidade de adoção de medidas que visem tanto à prevenção como ao controle do DM que, nas últimas décadas, vem se destacando como uma das doenças crônicas que mais tem alterado o perfil de morbimortalidade das populações em todo o mundo.

Correspondência para / Correspondence to: Suely Godoy Agostinho Gimeno - Rua Botucatu, 740 Vila Clementino - 04023-062 -Brasil - São Paulo, SP. Email: suely@medprev.epm.br

Edição subvencionada pela FAPESP (Processo nº 97/09815-2).

Recebido em 7.4.1997. Aprovado em 20.8.1997.

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  • * As seguintes pessoas participaram do Grupo de Estudo de Diabetes em Nipo-Brasileiros: Amélia T. Hirai, Lúcia C. Iochida, Luiza K. Matsumura, Regina Santiago Moisés, Sérgio A. Dib, Alcides Hirai e Marco Antonio Vivolo (UNIFESP); Mário Kikushi, Nobue Miyasaki, Ênio Wakisaka (USP); Katsunori Wakisaka (Centro de Estudos Nipo-Brasileiros); Cana Taniguchi (Secretaria da Saúde ESP); Helena C. F. Oliveira (UNICAMP); Nilce Tomita (USP/Bauru); Rita Chaim (Universidade Sagrado Coração-Bauru); José Alberto S. Freitas (HRLLPB-USP) e Akira Ishikiriama (Clube-Nipo Brasileiro de Bauru).
    As seguintes pessoas participaram do Grupo de Estudo de Diabetes em Nipo-Brasileiros: Amélia T. Hirai, Lúcia C. Iochida, Luiza K. Matsumura, Regina Santiago Moisés, Sérgio A. Dib, Alcides Hirai e Marco Antonio Vivolo (UNIFESP); Mário Kikushi, Nobue Miyasaki, Ênio Wakisaka (USP); Katsunori Wakisaka (Centro de Estudos Nipo-Brasileiros); Cana Taniguchi (Secretaria da Saúde ESP); Helena C. F. Oliveira (UNICAMP); Nilce Tomita (USP/Bauru); Rita Chaim (Universidade Sagrado Coração-Bauru); José Alberto S. Freitas (HRLLPB-USP) e Akira Ishikiriama (Clube-Nipo Brasileiro de Bauru).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2001
    • Data do Fascículo
      Abr 1998

    Histórico

    • Recebido
      07 Abr 1997
    • Aceito
      20 Ago 1997
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