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Sensoriamento remoto orbital como recurso para análise da ocorrência da leishmaniose tegumentar americana em localidade urbana da região Sudeste do Brasil

Satellite remote sensing as a tool for the analysis of the occurrence of american cutaneous leishmaniniasis in Brazil

Resumos

INTRODUÇÃO: A ocorrência de leishmaniose tegumentar americana na região do Vale do Paraíba e litoral Norte do Estado de São Paulo foi estudada por meio de sensoriamento remoto orbital e de mapas da região. MÉTODO: As áreas consideradas de risco foram localizadas numa composição de imagens das bandas TM-3,4 e 5 do satélite Landsat, a vegetação arbustiva foi identificada e se procuraram correlações entre aquelas áreas e as características ambientais relevantes e suas mudanças. RESULTADOS: Foi caracterizada uma área de risco que pode se provar um macro habitat para vetores, reservatórios e agentes etiológicos. A busca de mudanças na paisagem e a avaliação dos dados meteorológicos não forneceram nenhum incremento dos possíveis fatores de risco. CONCLUSÕES: Existe plena correlação entre as áreas consideradas de risco e a presença de córregos e vegetação arbustiva.

Leishmaniose mucocutânea; Comunicações via satélite; Ecologia de vetores


INTRODUCTION: The occurrence of american cutaneous leishmaniasis in the region of the Paraiba valley and the Northern shore of the State of S. Paulo, Brazil, is studied by remote sensing satellite imagery and maps of the region. METHOD: The places where infections might have occurred were plotted on a false color composition made up of Landsat TM-3,4 and 5 band images, the relevant vegetation (shrubs and trees) has been identified and correlations were sought for those areas seen as areas of risk for the disease and the environmental characteristics and their changes. The maps made it possible to add to the composite image the creeks and the contours of the tops of the large number of hills found in that region. RESULTS: An area is characterized which may prove to be a macro-habitat for vectors, reservoirs and etiological agents.The search for changes in the landscape and the evaluation of meteorological data has not yielded any possible additional risk factor. CONCLUSIONS: There is full correlation among the areas considered to present risk of infection and the presence of creeks and relevant vegetation (shrubs and trees).

Leishmaniasis; Leishmaniasis; Satellite communications; Ecology


Sensoriamento remoto orbital como recurso para análise da ocorrência da leishmaniose tegumentar americana em localidade urbana da região Sudeste do Brasil* * Pesquisa subvencionada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processos nº 92/0799-0, 93/1083-1 e 94/0321-9).

Satellite remote sensing as a tool for the analysis of the occurrence of american cutaneous leishmaniniasis in Brazil

Cristina Miranda, Cristiano C. A. Marques e José L. Massa

Hospital Santa Isabel de Clínicas. Taubaté, SP - Brasil (C.M.); Instituto Adolfo Lutz. São Paulo, SP - Brasil (C.C.A. M.); Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. São José dos Campos, SP - Brasil (J.L.M.)

Resumo

Introdução

A ocorrência de leishmaniose tegumentar americana na região do Vale do Paraíba e litoral Norte do Estado de São Paulo foi estudada por meio de sensoriamento remoto orbital e de mapas da região.

Método

As áreas consideradas de risco foram localizadas numa composição de imagens das bandas TM-3,4 e 5 do satélite Landsat, a vegetação arbustiva foi identificada e se procuraram correlações entre aquelas áreas e as características ambientais relevantes e suas mudanças.

Resultados

Foi caracterizada uma área de risco que pode se provar um macro habitat para vetores, reservatórios e agentes etiológicos. A busca de mudanças na paisagem e a avaliação dos dados meteorológicos não forneceram nenhum incremento dos possíveis fatores de risco.

Conclusões

Existe plena correlação entre as áreas consideradas de risco e a presença de córregos e vegetação arbustiva.

Leishmaniose mucocutânea, epidemiologia. Comunicações via satélite. Ecologia de vetores.

Abstract

Introduction The occurrence of american cutaneous leishmaniasis in the region of the Paraiba valley and the Northern shore of the State of S. Paulo, Brazil, is studied by remote sensing satellite imagery and maps of the region. Method

The places where infections might have occurred were plotted on a false color composition made up of Landsat TM-3,4 and 5 band images, the relevant vegetation (shrubs and trees) has been identified and correlations were sought for those areas seen as areas of risk for the disease and the environmental characteristics and their changes. The maps made it possible to add to the composite image the creeks and the contours of the tops of the large number of hills found in that region .

Results

An area is characterized which may prove to be a macro-habitat for vectors, reservoirs and etiological agents.The search for changes in the landscape and the evaluation of meteorological data has not yielded any possible additional risk factor.

Conclusions

There is full correlation among the areas considered to present risk of infection and the presence of creeks and relevant vegetation (shrubs and trees).

Leishmaniasis, mucocutaneous, epidemiolgy. Satellite communications. Ecology, vectors.

INTRODUÇÃO

A leishmaniose tegumentar americana é uma doença endêmica, de alta prevalência no Brasil. Os principais agentes etiológicos, no País, são a Leishmania (Viannia) braziliensis, a Leishmania (Viannia) guyanensis e a Leishmania (Leishmania) amazonensis. Estes protozoários são transmitidos por dípteros pertencentes a diversas espécies de flebotomíneos que habitam nas matas. Constitui infecção primariamente zoonótica, afetando animais silvestres, envolvendo o homem secundariamente. Caracteriza-se tanto pela transmissão domiciliar/peridomiciliar (extraflorestal) como extradomiciliar (florestal).

A própria complexidade do controle, evidenciada pela diversidade de agentes, de reservatórios, de vetores, de situações epidemiológicas e o conhecimento ainda insuficiente sobre esses aspectos do problema, induz à utilização de recursos capazes de possibilitar uma visão mais abrangente da ocorrência e distribuição dos casos da doença.

É sabido que os flebotomíneos alados são insetos que em geral possuem pouca tendência a se afastarem dos seus abrigos naturais, embora este seja assunto controverso. Em casos exepcionais foi detectada dispersão de até 1.500 m, mas em geral ela não passa de 200 a 500 m (Forattini2 , 1973), o que fornece uma base para as extensões envolvidas ao se pretender aplicar geoprocessamento e sensoriamento remoto à análise sobre a associação entre ocorrências de casos da doença e presença de vegetação arbustiva, ou seja, diferente de campo antrópico.

Também segundo Forattini2 (1973) existe uma influência das características ambientais como o clima, a hidrografia, a topografia, a fauna e a flora sobre a ocorrência de certas doenças. Em relação à leishmaniose, observam-se características clínico-epidemiológicas que diferem entre si, conforme a região e a paisagem ambiental. A existência de uma infecção com foco natural numa área geográfica definida apresenta características ecológicas determinadas pela topografia, fauna, vegetação, condições metereológicas e outros fatores ambientais (Barreto1, 1967).

Sabendo-se que o clima, declividade, fonte de alimentos e outros parâmetros ecológicos determinam a distribuição e a possível ocorrência do ciclo da doença, então é possível, através da paisagem, identificar áreas de risco de infecção. A modificação da paisagem pode também implicar o surgimento de ciclos da doença ou impedir o estabelecimento dos mesmos, as conseqüências daquela modificação tendo sido previstas ou não (Teodoro10, 1987).

Quanto ao uso de sensoriamento remoto, Hugh-Jones4 (1989), em seu artigo de revisão sobre as aplicações desse método aos estudos epidemiológicos, menciona os trabalhos iniciais nesta área (no início da década de 70) e ressalta as vantagens do seu uso, não como solução, mas como ferramenta para a elaboração de novas questões e soluções. Observe-se que a equipe que imaginou o projeto MEDSAT (Vesecky & MEDSAT Design Team11, 1991), voltado para a malária, percebeu logo a viabilidade da investigação de outras doenças transmitidas por vetores dentro dos propósitos do projeto. Entre elas foram enumeradas a esquistossomose, filariose linfática, doença de Chagas, oncercose, leishmaniose e a doença do sono africana. São doenças encontradas nos trópicos e que têm escapado das medidas tradicionais de tratamento e controle. Cabe aqui mencionar que o MEDSAT não se concretizou, não havendo portanto em operação satélite exclusivo para este tipo de estudo.

Wood e col.12 (1992), estudando a malária, combinaram medidas de refletância obtidas por sensoriamento remoto (de uma cobertura florestal em desenvolvimento) com medidas de distâncias entre arrozais e pastagens (fontes de alimentação sangüínea para os mosquitos) num sistema de informações geográficas. Eles conseguiram distinguir arrozais com maior ou menor capacidade de servirem como criadouros.

Exemplo de identificação de um habitat e da delimitação da sua área utilizando-se sensoriamento remoto orbital ou por aeronave pode ser observado no estudo sobre a febre do vale do Rift, no Kenya, na Africa. A partir da verificação da ocorrência de uma quantidade desses habitats numa área geográfica menor foi possível, com esforço adicional relativamente pequeno, examinar uma área muito mais extensa, na busca bem sucedida de réplicas das microrregiões inicialmente visadas (Linthicum e col.5, 1987).

O objetivo do presente estudo foi analisar a distribuição dos casos de leishmaniose tegumentar americana notificados pelas autoridades sanitárias no Município de Lagoinha SP, procurando associações entre a ocorrência de casos da doença e o ambiente próximo ou suas variações, com o auxílio das técnicas de sensoriamento remoto orbital.

As etapas mais importantes, além dos trabalhos de campo efetuados no decorrer de toda a pesquisa, foram:

a) medir as distâncias entre as localidades onde houve transmissão de casos e a vegetação próxima, numa imagem adequada;

b) observar imagens TM-Landsat de 1989, 1991 e 1994 e através de processo digital, obter imagens diferenças onde as áreas significativamente alteradas tornam-se aparentes;

c) integrar à análise outros dados relevantes, tais como os dados meteorológicos; e

d) incluir nas imagens alvos de interesse não detectados pelos sensores do satélite, tais como os córregos, e demarcar outros elementos possivelmente relevantes, tais como os contornos dos topos das colinas da região, o que pode ser feito com a utilização de mapas onde constem aqueles alvos e dos recursos de programa de computador que funcione como um sistema de informações geográficas e como operador de mapas.

Os resultados relativos à consecução da primeira dessas etapas foram já apresentados por Miranda e col.8, 1996.

MÉTODO

A área de estudo corresponde ao Município de Lagoinha, Estado de São Paulo, situado na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, cortado pelo rio Paraitinga, foi escolhido por apresentar, até a data do início dos trabalhos, o maior número de casos da doença dentre os municípios da região. A parte urbana do município localiza-se à latitude 23° 05' S e à longitude 45° 11' W (Figura 1). O clima na região onde está localizado o município apresenta inverno seco e verão chuvoso. A temperatura média do mês mais frio é inferior a 18°C e a do mês mais quente ultrapassa os 22°C. As altitudes da região do vale do rio Paraíba do Sul variam entre 515 e 565 m, continuando até 800 e mesmo 900 m nas áreas mais elevadas, como ocorre em Lagoinha, tratando-se de topografia bastante acidentada com ocorrência de numerosos morros e morrotes. Foram contadas 754 colinas nos mapas na escala de 1:10000 correspondentes ao retângulo de 18,5x17,1 km compreendido entre 23o 00' 00'' S e 23o 10' 00'' S e 45o 05' 00'' W e 45o 15' 00'' W.

Figura 1
- Localização da área de estudo, Município de Lagoinha, SP.

As imagens TM-Landsat foram adquiridas na forma digital (gravação em fita magnética de 8 mm) junto ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE-Cachoeira Paulista). São referentes à órbita ponto 218/76X e passagens a 24 de setembro de 1989, 14 de setembro de 1991, 30 de julho de 1992, 20 de julho de 1994 e 22 de setembro de 1994, nas bandas TM-3, TM-4 e TM-5 e os comprimentos de onda do espectro eletromagnético se estendendo de 0,63 - 0,69 µm para a banda 3, 0,76 - 0,90 µm para a banda 4 e 1,55 - 1,75 µm para a banda 5.

A carta topográfica do Município de Lagoinha na escala 1:50.000 e aquelas na escala 1:10.000 cobrindo a região, editadas pelo Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo, foram utilizadas como base cartográfica.

Foi utilizado sistema dotado de um computador Macintosh Quadra-950 dispondo dos vários programas aplicativos, tais como um sistema de informações geográficas/processador de mapas, o MAP II7 (1989), que permite examinar, marcar, transformar, superpor e confeccionar mapas e imagens e outros de aplicação mais genérica mas ainda assim importantes, como uma planilha para a confecção de gráficos e bases de dados, compiladores para as linguagens C e Fortran e operador para a leitora/gravadora de fitas magnéticas de 8 mm, um dos periféricos utilizados.

O mapa (imagem) é unidade básica de informações no MAP II. Cada mapa ou imagem consiste de arranjo de números associados a um conjunto de células que por sua vez correspondem a parcelas quadradas do terreno representado (visado). Cada célula ou elemento pictórico ou ainda pixel (sigla para "picture element") tem localização, resolução celular (dimensões), valor (associado) e representação visual (cor/desenho).

Para as imagens os números ou valores ou ainda DN ("Digital Number") associados correspondem à quantidade de energia eletromagnética refletida e/ou emitida do terreno e detectada pelo sensor analisador do satélite em uma ou mais bandas do espectro eletromagnético. Para os mapas, os números correspondem à configuração. Podem ser simplesmente 0 e 1.

A resolução celular é dada pela dimensão de um lado do quadrado de superfície terrestre correspondente à célula. Ela é expressa por uma dimensão linear, por exemplo, "30 metros", número próprio do TM-Landsat. Por ocasião da manipulação das imagens com o auxílio do computador, o tamanho da célula pode ser mantido ou alterado, com a manutenção ou perda da quantidade de informações. O Landsat-5 opera numa órbita circular quase polar, na altura de 705 km, colhendo imagens da mesma área da superfície terrestre a cada 16 dias.

Das operações passíveis de realização com operador de mapas como o MAP II é de capital importância a correção geométrica, ou seja, a transformação de uma imagem de modo que ela assuma as propriedades de escala e de projeção de um mapa. Esta correção introduz a disposição cartográfica nas imagens.

A localização das áreas nas imagens é possibilitada através da consideração de elementos da toponímia, tais como o rio Paraitinga e estradas vicinais, além da vegetação característica e dados de GPS ("Global Positionning System"), um sistema de localização sobre todo o globo terrestre que faz uso de um conjunto de satélites e de rádio transmissão-recepção e que foi usado para determinar a latitude e longitude das localidades visitadas.

Para a inclusão dos córregos e contornos dos topos das colinas na imagem composta foi utilizada mesa digitalizadora associada a um (outro) sistema de informações geográficas, o que permitiu o levantamento e a exportação (para o MAP II) dos dados constantes dos mapas na escala 1:10.000.

Foi feita, para a análise, a medição das distâncias entre a vegetação arbustiva e as localidades onde os casos da doença foram registrados, a medição das extensões de vegetação arbustiva no interior das áreas de ocorrência, a verificação de mudanças na paisagem, permitida pela capacidade do MAP II de realizar o método digital de comparação de imagens e pela disponibilidade de imagens captadas em diferentes épocas e, finalmente, a introdução na imagem composta dos córregos e colinas, com dados retirados de mapas.

Os dados sobre a ocorrência da leishmaniose foram obtidos a partir dos relatórios elaborados pela SUCEN9 (1992,1993), e dos casos notificados através de fichas de investigação epidemiológica à Vigilância Epidemiológica da Direção Regional-24, em Taubaté, SP. Foram considerados os registros de notificações dos casos clínicos, com confirmação laboratorial, sem localização precisa do local de infecção.

Os índices mensais de chuvas foram levantados para os anos de 1988 a 1994, junto ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), Bacia do Paraíba e Litoral Norte - Divisão do Centro Técnico. Esses dados foram coletados na Estação Hidrometeorológica do Campo de Pesquisas nos Municípios de Pindamonhangaba e Lagoinha.

O confronto dos dados meteorológicos com os estudos utilizando-se as imagens orbitais de diferentes anos, sob o ponto de vista epidemiológico, contribui ao conhecimento das atividades dos vetores. Segundo Forattini2, 1973, "o excesso de chuvas e a radiação solar são prejudiciais ao desenvolvimento das formas imaturas, refletindo assim diretamente na redução da densidade populacional dos flebotomíneos. Conseqüentemente, fica provado que as condições de transmissão são também dependentes dos fatores meteorológicos".

O risco de infecção por leishmânias sofre influência da variação sazonal dos vetores porque guarda relações diretas com as condições climáticas regionais. A umidade e temperatura elevadas favorecem o aumento da população de flebotomíneos e, portanto, mesmo havendo espécies que se mostram mais densas nas épocas secas e frias, a densidade da maioria das espécies tende a aumentar nos meses quentes e úmidos (Teodoro10, 1987).

A percepção da variação temporal da paisagem é facilitada por uma operação que atribui às células da imagem resultante a diferença (valor algébrico) dos valores das células nas imagens de entrada. É esta operação que permite implementar o método designado por Hoffer e Lee3 (1990) como de distinção de imagens ("Image Differencing" ) e que vem a ser uma subtração dos números relacionados às refletâncias e correspondentes a cada pixel, isto depois de efetuada uma superposição cuidadosa das imagens (registro). Como os pares de imagens utilizadas correspondem a datas e horas muito próximas para cada ano, não se julgou necessário escalonar os dados para levar em conta o ângulo zenital do sol. Foi feito, quando indicado, a transposição do histograma de uma das imagens de cada par usado operações, para que alvos evidentemente idênticos adquirissem os mesmos DN.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Distribuição Espacial dos Casos

Foi usada uma combinação de dados espaciais e de informações, obtidas através de observações in loco, para situar os locais de ocorrência da leishmaniose nas imagens e, portanto, visualizar a distribuição dos ambientes onde possivelmente ocorreu a interação do homem com o ciclo silvestre da doença.

A imagem resultante da operação combinando as bandas 3, 4 e 5 numa única composição colorida artificial possibilita identificar com facilidade a vegetação arbustiva presente. Com as localidades onde os indivíduos que contraíram a doença residiam e/ou trabalhavam, demarcadas na imagem com um quadrado de 918 m de lado (60 células), e as áreas de vegetação arbustiva no interior delas e nas proximidades contornadas, foi possível visualizar o aspecto de toda a área de interesse e a distribuição da vegetação nas localidades (Figura 2).

Figura 2
- Composição artificial das bandas 3, 4 e 5 TM-Landsat, evidenciando as áreas consideradas de risco, a vegetação arbustiva, os córregos e os contornos dos topos das colinas. A região considerada se estende de 23o 00' S a 23o 10' S e de 45o 05' W a 45o 15' W (18,5x17,1km).

Em todas as localidades a presença de vegetação arbustiva pode ser notada, tanto dentro mesmo dos limites indicados para aquelas localidades como à distância máxima de cerca de 250 m daqueles limites. Não foram visitadas todas as localidades demarcadas, mas em duas delas, que apresentam inclusive ambientes muito similares, Palhinha e Fazenda Cristal, a distância das residências e/ou locais de trabalho à borda da mata, que recobre os topos das colinas, é de cerca de 60 e 80 m, respectivamente.

A vegetação arbustiva está presente em todas as localidades, mas na maioria delas a percentagem não ultrapassa os 10% da área demarcada (Figura 3).

Figura 3
- Percentual de vegetação arbustiva no interior das áreas consideradas de risco.

Através das fichas de notificação e dos relatos de alguns indivíduos que contraíram a doença constatou-se que o tipo de atividade exercida por eles ocorria junto a áreas de vegetação. São lavradores, apanhadores de lenha ou pessoas cujas atividades de lazer podem estar associadas à infecção.

As localidades Itaim, Tapera, Fazenda Cristal e Palhinha apresentam áreas de vegetação arbustiva extensas dentro do campo de visada. No Itaim, num dos casos notificados, pode ter ocorrido transmissão intradomiciliar. Num dos casos registrados na Tapera foi relatado que a transmissão ocorreu no peridomicílio e no outro que teria ocorrido numa área de vegetação arbustiva de pequena extensão, próxima mas já localizada fora do peridomicílio.

Em relação ao uso e ocupação do solo em Lagoinha, segundo dados do projeto MAVALE (Macrozoneamento da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte do Estado de São Paulo6, 1992), a classe (referente ao uso do solo) pastagem/campo antrópico é dominante no município (64%). Adicionando-se a esta categoria a classe pastagem melhorada (17%), constata-se que a atividade pecuária ocupa de fato grande parte do espaço (81%). A segunda classe mais abrangente em Lagoinha refere-se à mata/capoeira (15%). A região onde o município está inserido apresenta toda ela relevo acidentado, que engloba áreas de morros e morrotes.

Caracterização de Área-alvo

Face à semelhança entre as paisagens encontradas nas áreas de ocorrências delimitadas em Palhinha e Fazenda Cristal, foi feito um trabalho adicional de caracterização para a da Fazenda Cristal (Figura 4), uma vez que esta semelhança pode indicar um habitat, ainda que de dimensões relativamente extensas. A Figura 5 apresenta, em escala maior, a parte da Fazenda Cristal que aparece demarcada na Figura 2.

Figura 4
- Fotografia de parte da fazenda Cristal.
Figura 5
- A área demarcada da fazenda Cristal, em escala aumentada em relação à da Figura 1.

Já o mapa Degráus, confeccionado com o auxílio do computador, apresenta o esboço, referente ao relevo, da mesma área-alvo, parte da Fazenda Cristal, onde foi registrado um caso de leishmaniose (Figura 6). Trata-se de uma área ladeada por duas colinas em cujos topos existe vegetação arbustiva. Próximo à base de uma destas está situada a residência do empregado da fazenda que contraiu a doença. Entre as colinas fica o mangueiro onde ele exerce suas atividades.

Figura 6
- Mapa Degráus, confeccionado com o auxílio do computador e que mostra o relevo da área da fazenda Cristal.

A casa está situada a cerca de 80 m da vegetação arbustiva e a cerca de 130 m do mangueiro.

Os dados do relevo foram levantados manualmente do mapa de Lagoinha, escala 1:50.000, e foi utilizado um progama auxiliar, escrito em Fortran, para que pudessem ser importados pelo processador de mapas, a fim de que a imagem fosse gerada. Esse mapa facilita o exame do aspecto de uma área determinada, assim como as distâncias entre os objetos relevantes para análise e constitui um auxílio para que seja avaliado o papel do relevo e das distâncias entre objetos (ou temas) na ocorrência da leishmaniose. Sabe-se que os flebotomíneos preferem áreas planas como criadouros a uma área de relevo acidentado, onde estariam sujeitos a serem arrastados com as chuvasII IIComunicação pessoal de E. A. B Galati, Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Páblica da USP - São Paulo, SP. . A oscilação da população dos flebótomos (e/ou dos animais-reservatórios) e a ocorrência dos surtos poderiam então estar associados, também, a essas características ambientais, que mereceriam ser consideradas num estudo abrangente com o uso de técnicas de sensoriamento remoto e de verificações no solo.

O exame dos casos notificados no Município de Lagoinha revelou que ambos os sexos e todos os grupos etários foram afetados. Isto parece mostrar que a contaminção possa estar ocorrendo tanto no intradomicílio quanto no peridomicílio e em áreas de vegetação esparsas em todo o município.

Detecção, Análise e Avaliação das Mudanças

Em algumas localidades visitadas houve relato de queimadas extensas, no período anterior ao aparecimento dos primeiros casos. A partir destas informações buscaram-se alguns aspectos, nas imagens, que pudessem indicar associação entre alterações ambientais em geral e a ocorrência de casos da doença. Foram verificadas por computador as diferenças entre imagens em cada banda, utilizando-se a operação apropriada do aplicativo MAP II. As tonalidades de cinza do produto final poderiam indicar se houve de fato alterações na área, naqueles intervalos de tempo: 1989 e 1991, 1991 e 1994 e entre 1989 e 1994.

Como ilustração do que foi feito nas tentativas de se verificar alterações no ambiente para aquele período, algumas partes das imagens-diferenças são mostradas na Figura 7, lado a lado com as imagens correspondentes, neste caso na banda 5. Nenhuma alteração significativa é percebida. A tela do computador e o uso de colorido artificial permitem maior discernimento do que a cópia impressa.

Figura 7
- As imagens na banda 5 TM-Landsatt da fazenda Cristal, captadas em setembro de 1989, 91 e 94 e as imagens diferenças.

Um desmatamento ou outra mudança recente reflete-se nos valores dos DN. Quando há alteração na vegetação, causada por uma queimada recente, o solo adquire refletância mais baixa. Já os cortes na vegetação por meios mecânicos deixam o solo exposto, com alta refletância.

Na literatura são muitas vezes citadas detecções de mudanças através de imagens orbitais quando já havia prévio conhecimento do ambiente que constitui o habitat ou de mudanças já constatadas in loco. No presente estudo, porém, não houve a seleção prévia de uma cultura agrícola específica ou micro-paisagem a ser observada, nem foi feita uma observação contínua da região ao longo do tempo que redundasse num conhecimento prévio de alterações seguramente acontecidas. Partiu-se da localização das áreas consideradas de risco para a análise das imagens disponíveis.

Integração dos Dados Meteorológicos

Sabe-se que a umidade e temperatura elevadas são favoráveis ao aumento da população de flebotomíneos, o que tem implicação direta com o risco de infecção numa determinada região.

Dos 22 casos notificados em 1993, um indivíduo apresentou o início dos sintomas em janeiro. Três tiveram o início dos sintomas em março; três em junho; três em agosto; um em setembro; um em outubro e três em novembro.

Em 1994, dois indivíduos tiveram o início dos sintomas em dezembro de 1993, um em janeiro de 1994, um em fevereiro, um em março e um em junho.

O que se pode concluir, pois, é que as infecções tenham ocorrido durante todo o período 1993-1994, sendo temerário associá-las a períodos de estiagem ou de chuva abundante.

CONCLUSÕES

A combinação de dados fornecidos por sensoriamento remoto e informações colhidas in loco usada para visualizar e analisar os locais de ocorrência da leishmaniose e, portanto, dos ambientes onde possivelmente ocorreu a interação do homem com o ciclo silvestre da doença, pode mostrar-se de valor prático. Em todas as localidades demarcadas (locais onde pode ter ocorrido a infecção) a presença de áreas de vegetação arbustiva é notada, tanto dentro mesmo dos limites adotados para aquelas localidades (918 x 918m) como à distância máxima de cerca de 250 metros deles. Não foram visitadas todas as localidades, mas em duas delas, que apresentam ambientes claramente similares, Palhinha e Fazenda Cristal, a distância das residências e/ou locais de trabalho à borda da mata é de cerca de 60 e 80 metros, respectivamente. Nessas duas localidades a vegetação arbustiva recobre os topos das colinas próximas. As localidades incluem áreas planas entre as colinas onde as pessoas residem e/ou trabalham.

Devido à semelhança entre as paisagens encontradas nas áreas de ocorrência delimitadas em Palhinha e Fazenda Cristal é que foi feito um trabalho adicional de caracterização para a Fazenda Cristal, uma vez que tal semelhança pode indicar um macro habitat.

Os dados do relevo da Fazenda Cristal (Figura 6) permitem observar as colinas e o espaço entre elas. As áreas relativamente planas correspondem àquele espaço e aos topos das colinas, recobertos estes pela vegetação arbustiva. Constitui, portanto, um auxílio, obtido com a visualização computadorizada de dados cartográficos e com identificação de temas facilitada por imagem de satélite, para que seja avaliado o papel do relevo e das distâncias entre objetos (ou temas) na ocorrência da leishmaniose tegumentar americana.

A tentativa de se buscar áreas significativamente alteradas, com possível influência na ocorrência da doença no município, realizada através do exame das diferenças entre imagens captadas em datas diversas, não resultou na constatação de alterações apreciáveis. Foram notadas pequenas alterações em toda a área do município. Também não foi possível estabelecer correlações entre dados pluviométricos e as infecções notificadas.

O reaparecimento de casos humanos de leishmaniose em Lagoinha indica a existência de focos ativos da doença, que teriam permanecido em pequenas matas residuais.

Os topos das colinas, considerados como as áreas contornadas pelas linhas de nível de maior cota das elevações constantes dos mapas da região na escala 1:10.000, são áreas planas ou quase planas cujas extensões podem chegar a várias centenas de metros quadrados. Quando recobertos por vegetação arbustiva, podem constituir-se em áreas que, mantidas intocadas, tornam-se locais propícios para a convivência de animais reservatórios, vetores e agentes etiológicos. No presente estudo não se tratou de comprovar no terreno a existência de habitats mas se os topos das colinas fossem áreas de gramíneas e a vegetação arbustiva se restringisse às encostas poder-se-ia contar com as chuvas para diminuir a probabilidade dos topos virem a se constituir em habitats.

Foi de 100 % a correlação encontrada entre as áreas consideradas de risco, aquelas áreas quadradas de 918x918m onde se pode supor terem ocorrido as infecções e a existência de córregos. Todas, sem exceção, são cortadas por córregos permanentes e apresentam áreas de vegetação arbustiva.

Correspondência para/ Correspondence to: José L. Massa - Av. dos Astronautas, 1758 – 12201-970 São José dos Campos, SP – Brasil.

E-mail: jmassa@dss.inpe.br

Edição subvencionada pela FAPESP (Processo nº 97/09815-2).

Recebido em 13.10.1997. Reapresentado em 3.3.1998. Aprovado em 11.3.1998.

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  • 9
    Embora os números de casos fornecidos por essas instituições não coincidam exatamente (26 casos ocorridos em 1993 e 1994, segundo a SUCEN, e 27 casos para o mesmo período, segundo o Departamento de Vigilância Epidemiológica da DIR-24
    I IIComunicação pessoal de E. A. B Galati, Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Páblica da USP - São Paulo, SP. ), as informações constantes dos registros de cada uma delas são complementares e foram utilizadas neste trabalho.
  • I9Embora os números de casos fornecidos por essas instituições não coincidam exatamente (26 casos ocorridos em 1993 e 1994, segundo a SUCEN, e 27 casos para o mesmo período, segundo o Departamento de Vigilância Epidemiológica da DIR-24I), as informações constantes dos registros de cada uma delas são complementares e foram utilizadas neste trabalho.Dados inéditos
  • IIComunicação pessoal de E. A. B Galati, Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Páblica da USP - São Paulo, SP.
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    Pesquisa subvencionada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processos nº 92/0799-0, 93/1083-1 e 94/0321-9).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2001
    • Data do Fascículo
      Out 1998

    Histórico

    • Aceito
      11 Mar 1998
    • Revisado
      03 Mar 1998
    • Recebido
      13 Out 1997
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