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Inquérito sorológico sobre leishmaniose tegumentar americana em cães errantes no Estado de São Paulo, Brasil

Serological survey for American cutaneous leishmaniasis in stray dogs in the S. Paulo State, Brazil

Resumos

Inquérito sorológico para leishmaniose tegumentar americana em 973 cães errantes, capturados próximos a áreas verdes do Município de São Paulo, por meio da reação de imunofluorescência indireta, não demonstrou soros reagentes. No entanto, casos humanos autóctones dessa zoonose ocorridos no município indicam a circulação do parasita no ambiente. A existência de vetores e a aparente ausência de cães infectados nas áreas pesquisadas sugerem que o cão errante desempenhe papel irrelevante na disseminação do protozoário.

Leishmaniose mucocutânea; Cães; Leishmania braziliensis; Técnica indireta de fluorescência para anticorpo


A serological survey was made in 973 stray dogs caught near green areas in S. Paulo county by the indirect immunofluorescence test. No positive serum was found, however autochthonous human cases of ACL that occurred in the county show the circulation of the parasite in the environment. This fact, associated with the existence of the vectors and the apparent absence of infected dogs in the areas studied, suggest that stray dog plays an insignificant role in the spread of the parasite. The cycle of the parasite in São Paulo county has been maintained by wild animals, hence the dog would be an accidental host just as humans.

Leishmaniasis, mucocutaneous; Dogs; Leishmania braziliensis; Fluorescent antibody technique, indirect


Inquérito sorológico sobre leishmaniose tegumentar americana em cães errantes no Estado de São Paulo, Brasil* * Baseado na dissertação de mestrado apresentado à Faculdade de Saúde Pública da USP, 1998. Apresentado no 2º Congresso Argentino de Zoonoses, Buenos Aires - Argentina, abril de 1998, e no 3º. Seminário Nacional de Zoonoses e Animais Peçonhentos, Guarapari, ES - Brasil, novembro de 1998.

Serological survey for American cutaneous leishmaniasis in stray dogs in the S. Paulo State, Brazil

Elisa San Martin M Savani, Eunice AB Galati, Maria Cecília GO Camargo, Sandra Regina N D'Auria, José T Damaceno e Salete A Balduino

Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura do Município de São Paulo. São Paulo, SP - Brasil (ESMMS, MCGOC,SRND'A, JTD, SAB),Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP - Brasil (EABG)

Descritores
Leishmaniose mucocutânea, epidemiologia. Cães, parasitologia. Leishmania braziliensis. Técnica indireta de fluorescência para anticorpo. Resumo
Inquérito sorológico para leishmaniose tegumentar americana em 973 cães errantes, capturados próximos a áreas verdes do Município de São Paulo, por meio da reação de imunofluorescência indireta, não demonstrou soros reagentes. No entanto, casos humanos autóctones dessa zoonose ocorridos no município indicam a circulação do parasita no ambiente. A existência de vetores e a aparente ausência de cães infectados nas áreas pesquisadas sugerem que o cão errante desempenhe papel irrelevante na disseminação do protozoário. Keywords
Leishmaniasis, mucocutaneous, epidemiology. Dogs, parasitology. Leishmania braziliensis. Fluorescent antibody technique, indirect. Abstract
A serological survey was made in 973 stray dogs caught near green areas in S. Paulo county by the indirect immunofluorescence test. No positive serum was found, however autochthonous human cases of ACL that occurred in the county show the circulation of the parasite in the environment. This fact, associated with the existence of the vectors and the apparent absence of infected dogs in the areas studied, suggest that stray dog plays an insignificant role in the spread of the parasite. The cycle of the parasite in São Paulo county has been maintained by wild animals, hence the dog would be an accidental host just as humans.

A Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) em áreas com grande devastação das matas como na Região Sudeste, tem-se mantido em alguns resíduos da cobertura vegetal primitiva. Nessas áreas endêmicas, várias espécies de flebotomíneos foram incriminadas, e os reservatórios silvestres não foram determinados de forma definitiva. Porém, já foram observadas diversas espécies domésticas infectadas, como cães3,5, eqüinos5 e asnos3, sugerindo que ciclos que envolvem o homem e animais domésticos estariam se estabelecendo na transmissão da LTA. O papel do cão nesse ciclo é assunto polêmico, não estando totalmente definido se esse animal tem alguma participação ou se infecta acidentalmente, assim como o homem.

No final da década de 80 (1986-1989), a LTA no Estado de São Paulo atingiu 140 municípios, com 896 casos humanos autóctones notificados. No início dos anos 90 (1990-1992), ocorreram 676 registros de casos, em 120 municípios, dos quais 49 não haviam notificado casos no período anterior. Entre os anos de 1993 a 1996, verificou-se que a doença encontrava-se amplamente distribuída no Estado, notadamente no Vale do Rio Mogi-Guaçu** ** IIDados fornecidos pelo Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, referentes ao período 1986 a 1996, não publicados. . Esses dados revelam uma expansão da parasitose, sobretudo na faixa nordeste-sudeste do Estado, região em que se localiza a Grande São Paulo.

O Município de São Paulo não é uma área endêmica para LTA, mas casos humanos autóctones, em áreas próximas à mata, foram relatados de forma esporádica desde 1916 até 19792 e, recentemente, em 1995, foram notificados dois casos na Serra da Cantareira*** * ** Comunicação pessoal de V. L. R. Neves, da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN),1995. , sugerindo que o parasita esteja circulando no município.

Estudos da fauna flebotomínea do município, na década de 40 (Barretto1), e uma informação mais recente**** **** Comunicação pessoal de E. F. B. Gonçalves, do Centro de Controle de Zoonoses, São Paulo, 1981-1983. , revelaram a presença de Psychodopygus arthuri, Pintomyia fischeri, Nyssomyia intermedia s. lat., Psychodopygus lloydi, Migonemyia migonei, Pintomyia monticola, entre outras.

Pesquisa sobre soroprevalência em 389 cães errantes, capturados próximos às matas residuais do Município de São Paulo mostrou, pelo método de imunofluorescência indireta, a existência de 75 soros reagentes para L. (V.) braziliensis com título 40, 8 soros com título 80 e 2 soros com título 160 2.

Considerando-se a expansão territorial da LTA no Estado de São Paulo, as áreas de matas remanescentes existentes no Município de São Paulo, a ocorrência de casos humanos autóctones nesse município e os achados sorológicos de 19832 em cães, o presente trabalho objetivou reavaliar a presença de anticorpos anti-Leishmania em cães errantes capturados próximos a áreas de mata do Município de São Paulo, de fevereiro de 1995 a novembro de 1996.

Foram estabelecidas oito áreas, considerando-se as matas residuais, como regiões mais prováveis de existência do vetor, manutenção do ciclo silvestre e possibilidade de contato do vetor com o homem e animais domésticos, principalmente cães (Figura).


Os cães foram capturados pelo Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura do Município de São Paulo, em vias públicas próximas a essas áreas verdes, as quais, geralmente, são cercadas e/ou muradas, e a entrada desses animais dificultada. Os soros foram testados através da reação de imunofluorescência indireta, empregando-se como antígeno formas promastigotas dos parasitos L. (L.) donovani, L. (L.) amazonensis e L. (V.) braziliensis.

As amostras foram diluídas a 1:20, assim como os controles positivo e negativo, e o conjugado antigamaglobulina de cão foi utilizado na diluição 1:100. A leitura foi realizada ao microscópio de imunofluorescência no aumento de 40 vezes. Foram analisadas amostras de soro de 973 cães, sendo todas não-reagentes.

Os resultados sorológicos negativos encontrados na amostra sugerem que os cães errantes capturados próximos a áreas de maior risco não apresentam importante participaçã o no ciclo de transmissão da LTA. Acresce, ainda a investigação realizada no microfoco de LTA autóctone ocorrido na Serra da CantareiraII * ** Comunicação pessoal de V. L. R. Neves, da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN),1995. , em 1995, onde os cães da casa em que ocorreram os casos humanos e os dos vizinhos, num total de 10 animais, não apresentaram nenhuma lesão suspeita de LTA, nem sorologia positiva.

O fato de os cães participantes da amostra nem sempre terem sido capturados muito próximos dos parques escolhidos poderia ter interferido no resultado obtido. Porém, sabe-se que os cães errantes são capazes de percorrer vários quilômetros, em busca de alimentos.

Provavelmente, o resultado negativo observado na presente investigação, em contraste com o índice de soropositivos encontrados no início da década de 802, seja reflexo da presença atual de barreiras físicas, que dificultam a penetração desses animais nas áreas de mata dos parques e que naquela época não existiam. Dessa forma, atualmente, no Município de São Paulo, o cão errante teria menor exposição ao ciclo silvestre do parasita, portanto menor possibilidade de infectar-se por Leishmania sp e, por isto, teria papel epidemiológico praticamente irrelevante como fonte de infecção.

Correspondência para/ Correspondence to:

Elisa San Martin Mouriz Savani

Rua Santa Eulália, 86

02035-020 São Paulo, SP - Brasil

E-mail: mfalmeida@uol.com.br

Edição subvencionada pela Fapesp (Processo n. 98/13915-5).

Recebido em 4.3.1999. Aprovado em 13.7.1999.

  • 1. Barretto MP. Observaçőes sobre a biologia, em condiçőes naturais, dos flebótomos do Estado de Săo Paulo (Diptera,Psychodidae) [tese]. Săo Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de Săo Paulo; 1943.
  • 2. Iversson LB, Camargo ME, Villanova A, Reichmann MLAB, Andrade EA, Tolezano JE. Inquérito sorológico para pesquisa de leishmaniose visceral em populaçăo canina urbana do Município de Săo Paulo, Brasil (1979 - 1982). Rev Inst Med Trop 1983;25:310-7.
  • 3. Rosa AC, Cuba CC, Vexenat A, Barreto AC, Arsden PD. Predominance of Leishmania braziliensis braziliensis in the regions of Tręs Braços and Corte de Pedra, Bahia, Brazil. Trans R Soc Trop Med Hyg 1988;82:409-10.
  • 4
    Secretaria Municipal do Planejamento. São Paulo: crise e mudança. São Paulo; Brasiliense; 199? p. 83.
  • 5. Yoshida ELA, Correa FMA, Marques SA, Stolf HO, Dillon NL, Momen H et al Human, canine and equine (Equus caballus) leishmaniasis due to Leishmania braziliensis (=Leishmania braziliensis braziliensis) in the south-west region of Săo Paulo State, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 1990;85:133-4.
  • *
    Baseado na dissertação de mestrado apresentado à Faculdade de Saúde Pública da USP, 1998. Apresentado no 2º Congresso Argentino de Zoonoses, Buenos Aires - Argentina, abril de 1998, e no 3º. Seminário Nacional de Zoonoses e Animais Peçonhentos, Guarapari, ES - Brasil, novembro de 1998.
  • **
    IIDados fornecidos pelo Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, referentes ao período 1986 a 1996, não publicados.
  • * **
    Comunicação pessoal de V. L. R. Neves, da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN),1995.
  • ****

    Comunicação pessoal de E. F. B. Gonçalves, do Centro de Controle de Zoonoses, São Paulo, 1981-1983.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2001
    • Data do Fascículo
      Dez 1999

    Histórico

    • Aceito
      13 Jul 1999
    • Recebido
      04 Mar 1999
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