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Serviço de emergências psiquiátricas em hospital geral universitário: estudo prospectivo

Psychiatric emergency service in a school general hospital: a prospective study

Resumos

OBJETIVO: Realizar estudo transversal de serviço regionalizado de emergências psiquiátricas inserido em hospital universitário de emergências pela caracterização da clientela e do atendimento. MÉTODOS: Os dados foram colhidos por um protocolo, sendo considerados todos os atendimentos realizados durante dois meses. RESULTADOS: Foram preenchidos 600 protocolos que corresponderam a 96,5% dos atendimentos efetuados no período estudado, referentes a 487 pacientes. A maioria desses era do sexo masculino, sem vínculos conjugais, com baixa escolaridade, profissionalmente inativa e morava com familiares. Os diagnósticos mais freqüentes foram transtorno do uso de substância psicoativa (26,3%), esquizofrenias (15,5%), episódio maníaco (11,8%), depressão maior (10,9%) e transtornos não psicóticos (10,9%), havendo diferenças entre os sexos quanto à proporção de algumas categorias diagnósticas. Após o atendimento inicial, 2/3 recebeu medicação e 1/2 permaneceu em observação, sendo que 1/4 permaneceu mais de 10h no serviço. Cerca de 20% dos atendimentos resultaram em internação integral e 60%, em encaminhamentos para seguimento ambulatorial. Alta por evasão representou apenas 2,0% dos atendimentos. Os usuários repetitivos não diferiram daqueles que tiveram atendimento único quanto a estado civil, vínculo empregatício e condições de moradia, mas apresentaram maior freqüência de internações anteriores e de transtornos psicóticos. CONCLUSÕES: O serviço atendeu pacientes com quadros psiquiátricos graves, em real situação de urgência, sendo observada uma ampliação das funções do serviço de emergências psiquiátricas e sua efetiva inserção na rede pública de serviços de saúde mental.

Serviços de emergência psiquiátrica; Serviços de saúde mental; Assistência ao paciente; Transtornos mentais; Serviço hospitalar de emergência; Fatores socioeconômicos; Estudos prospectivos


OBJECTIVES: The aim was to carry out a prospective study about the characteristics of the public seen at a psychiatric emergency room and of its service. METHODS: The data were acquired though a protocol developed for this study and applied to all the patients seen during two months. RESULTS: 600 protocols were filled out, corresponding to 96.5% (487 patients) of the attendance during the study period. Most of the patients seen were males, single, with a low educational level, professionally inactive and living with their families. The most frequent diagnoses were psychoactive substance use disorders (26.3%), schizophrenia (15.5%), manic episode (11.8%), major depression (10.9%) and non-psychotic disorders (10.9%). There were differences between gender in some diagnostic categories. After initial evaluation, 2/3 were medicated, 1/2 stayed under observation, and 1/4 stayed more than 10 hours in the service unit. About 20% of the attendance resulted in hospitalization and 60% in referrals to outpatient services. Discharges due to evasion represented only 2.0% of the total. Returning service users did not differ from those seen only once to what concern marital status, professional situation and household conditions. However, returning users presented a higher frequency of previous hospitalization and psychotic disorders. CONCLUSIONS: Individuals with severe psychiatric disorders were seen in an actual emergency situation. The psychiatric emergency service has been expanding its actions and has been an effective part of the mental health service network.

Emergency services, psychiatric; Mental health services; Pacient care; Mental disorders; Emergency services, hospital; Socioeconomic factors; Prospective studies


Serviço de emergências psiquiátricas em hospital geral universitário: estudo prospectivo

Psychiatric emergency service in a school general hospital: a prospective study

Maria Eugênia de SB dos Santosa,Jafesson dos A do Amora, Cristina M Del-Benb e Antonio W Zuardib

aHospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. bDepartamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil

DESCRITORES
Serviços de emergência psiquiátrica#. Serviços de saúde mental, utilização#. Assistência ao paciente#. Transtornos mentais, diagnóstico#. Serviço hospitalar de emergência. Fatores socioeconômicos. Estudos prospectivos. RESUMO

OBJETIVO:

Realizar estudo transversal de serviço regionalizado de emergências psiquiátricas inserido em hospital universitário de emergências pela caracterização da clientela e do atendimento.

MÉTODOS:

Os dados foram colhidos por um protocolo, sendo considerados todos os atendimentos realizados durante dois meses.

RESULTADOS:

Foram preenchidos 600 protocolos que corresponderam a 96,5% dos atendimentos efetuados no período estudado, referentes a 487 pacientes. A maioria desses era do sexo masculino, sem vínculos conjugais, com baixa escolaridade, profissionalmente inativa e morava com familiares. Os diagnósticos mais freqüentes foram transtorno do uso de substância psicoativa (26,3%), esquizofrenias (15,5%), episódio maníaco (11,8%), depressão maior (10,9%) e transtornos não psicóticos (10,9%), havendo diferenças entre os sexos quanto à proporção de algumas categorias diagnósticas. Após o atendimento inicial, 2/3 recebeu medicação e 1/2 permaneceu em observação, sendo que 1/4 permaneceu mais de 10h no serviço. Cerca de 20% dos atendimentos resultaram em internação integral e 60%, em encaminhamentos para seguimento ambulatorial. Alta por evasão representou apenas 2,0% dos atendimentos. Os usuários repetitivos não diferiram daqueles que tiveram atendimento único quanto a estado civil, vínculo empregatício e condições de moradia, mas apresentaram maior freqüência de internações anteriores e de transtornos psicóticos.

CONCLUSÕES:

O serviço atendeu pacientes com quadros psiquiátricos graves, em real situação de urgência, sendo observada uma ampliação das funções do serviço de emergências psiquiátricas e sua efetiva inserção na rede pública de serviços de saúde mental.

KEYWORDS
Emergency services, psychiatric#. Mental health services, utilization#. Pacient care#. Mental disorders, diagnosis#. Emergency services, hospital. Socioeconomic factors. Prospective studies. ABSTRACT

OBJECTIVES:

The aim was to carry out a prospective study about the characteristics of the public seen at a psychiatric emergency room and of its service.

METHODS:

The data were acquired though a protocol developed for this study and applied to all the patients seen during two months.

RESULTS:

600 protocols were filled out, corresponding to 96.5% (487 patients) of the attendance during the study period. Most of the patients seen were males, single, with a low educational level, professionally inactive and living with their families. The most frequent diagnoses were psychoactive substance use disorders (26.3%), schizophrenia (15.5%), manic episode (11.8%), major depression (10.9%) and non-psychotic disorders (10.9%). There were differences between gender in some diagnostic categories. After initial evaluation, 2/3 were medicated, 1/2 stayed under observation, and 1/4 stayed more than 10 hours in the service unit. About 20% of the attendance resulted in hospitalization and 60% in referrals to outpatient services. Discharges due to evasion represented only 2.0% of the total. Returning service users did not differ from those seen only once to what concern marital status, professional situation and household conditions. However, returning users presented a higher frequency of previous hospitalization and psychotic disorders.

CONCLUSIONS:

Individuals with severe psychiatric disorders were seen in an actual emergency situation. The psychiatric emergency service has been expanding its actions and has been an effective part of the mental health service network.

INTRODUÇÃO

Durante as três últimas décadas, os serviços de emergência psiquiátrica foram fortemente influenciados por mudanças ocorridas nas políticas de saúde mental, como a desinstitucionalização dos pacientes psiquiátricos e o desenvolvimento de serviços psiquiátricos extra-hospitalares, como hospital-dia, pensão protegida, serviços para usuários de álcool ou drogas, entre outros.5 Frente a essas mudanças, a emergência psiquiátrica reestruturou-se para se adaptar às novas demandas, ampliando suas funções. Além de proporcionar suporte psicossocial, passou também a triar casos de internação e a intervir em quadros agudos, estabilizando ou iniciando o tratamento definitivo em um paciente em crise.3,4,8

O único serviço de Emergências Psiquiátricas (EP-RP) da décima oitava Divisão Regional de Saúde do Estado de São Paulo (DIR-XVIII) atende a uma população aproximada de 1.100.000 habitantes, moradores de um dos 25 municípios da DIR-XVIII, cuja sede é a cidade de Ribeirão Preto. Esse serviço, instalado em 1975 e consolidado, a partir de 1980,10 em um hospital universitário de emergências, funciona 24 horas e conta com 6 leitos para observação ou curta permanência (até 72 horas). Os atendimentos são realizados por médicos residentes sob supervisão de médicos assistentes e docentes.

A partir de 1990, várias medidas foram tomadas pelas autoridades sanitárias da região com o objetivo de aprimorar a qualidade do atendimento em saúde mental, contribuindo para que as características do atendimento realizado pelo EP-RP mudassem. Entre essas medidas estão a fixação de critérios e instruções sobre a qualidade de atendimento psiquiátrico, a criação da Central de Vagas Psiquiátricas (CVP) em 1990 e a integração da EP-RP ao sistema público de Saúde Mental da região.

Em 1990, havia três hospitais psiquiátricos na região, com um total de 1.118 leitos, sendo 685 para internações agudas e 433 de pacientes moradores, com taxas de ocupação chegando a 96% e tempo de permanência elevado, com grande número de reinternações e internações efetuadas diretamente pelo próprio hospital psiquiátrico; as chamadas "internações de porta".11

No início de 1993, os hospitais psiquiátricos foram redimensionados e se iniciou a redução de leitos, tendo como critérios os índices populacionais e as normas de regionalização. No final de 1993, iniciou-se processo de reavaliação dos serviços de saúde mental, culminando, em 1995, no fechamento de um hospital psiquiátrico privado e no cancelamento dos leitos agudos de um hospital filantrópico.11 A DIR-XVIII passou a contar com 114 leitos para internações de pacientes agudos, sendo 100 leitos em um hospital psiquiátrico público e 14 em uma enfermaria de psiquiatria em hospital geral universitário. Concomitante à redução de leitos psiquiátricos, houve uma ampliação dos serviços extra-hospitalares de saúde mental da região, como a criação de serviços ambulatoriais em diversos municípios, o aumento da capacidade dos serviços pré-existentes e a criação de Núcleos de Assistência Psicossocial.

Essas medidas levaram a uma diminuição no número de internações realizadas na região. Em 1991 foram feitas 3.503 internações, enquanto em 1996 foram 1.239, o que representa redução de 64,6%. Houve também redução na taxa de ocupação dos leitos, oscilando atualmente entre 60% e 70%.12

As mudanças ocorridas nas políticas de saúde mental da região alteraram o perfil dos pacientes atendidos pelo EP-RP, que passou a atender uma maior proporção de pacientes do sexo masculino, de mais idade e com transtornos psicóticos e transtornos relacionados ao uso de substâncias, além de quase dobrar o número de atendimentos realizados por ano.2 Essas mudanças no perfil do paciente atendido, observadas em estudo retrospectivo,2 resultaram provavelmente em mudanças no tipo de atendimento oferecido. Assim, o presente trabalho teve por objetivo ampliar a caracterização da clientela em um estudo prospectivo e analisar o tipo de atendimento que está sendo oferecido no EP-RP.

MÉTODOS

Critérios para a composição da Amostra

Foram considerados todos os pacientes atendidos no EP-RP em um período de 2 meses. Os pacientes são encaminhados ao serviço de três maneiras distintas: por triagem médica do hospital geral de emergências; por transferência de outra clínica; por interconsulta para pacientes internados; ou por atendimento em outra especialidade. Foram considerados somente os pacientes da primeira e da segunda condições. A terceira condição foi desconsiderada devido às dificuldades de operacionalizar o preenchimento do protocolo.

Protocolo de pesquisa

Foi formulado um protocolo de pesquisa, preenchido em cada atendimento realizado no período em estudo. Esse protocolo constou de 41 itens em sua maioria com respostas de múltipla escolha, que incluíam informações sobre dados demográficos e características do atendimento realizado, como horários, condições de entrada ao serviço, queixa principal, necessidade de intervenção, quadro clínico, hipótese diagnóstica, conduta imediata, informações sobre a alta do serviço, entre outros.

O protocolo foi preenchido pelo médico que realizou o atendimento. No período diurno, havia de 2 a 3 médicos residentes de estágio no EP-RP e, durante a noite, havia sempre 2 médicos residentes de plantão, além de um médico contratado ou docente da disciplina de psiquiatria; durante as 24 horas, responsáveis pelas supervisões e, ocasionalmente, atendimentos. Trabalhavam no serviço, considerando dias úteis e plantões (finais de semana, feriados e horário noturno), 25 médicos residentes do primeiro ao terceiro anos, 4 médicos contratados e 5 docentes.

Foi realizado um trabalho informativo e de esclarecimento sobre a pesquisa e sobre o protocolo da mesma, para todos os médicos que atendem no setor, de forma contínua, durante todo o período de coleta de dados, com o objetivo de conseguir a colaboração de todos para um preenchimento adequado do protocolo. Ao final do período estudado, todos os protocolos foram revisados e, para aqueles que possuíam itens que não foram preenchidos no momento do atendimento, foi realizada uma consulta ao prontuário do paciente para complementação das informações disponíveis na ficha de atendimento no EP-RP.

De maneira geral, as partes de "dados demográficos" e "características do atendimento atual" foram preenchidas durante ou logo após o atendimento inicial, possibilitando que alguma outra informação, necessária ao protocolo, fosse esclarecida imediatamente com o paciente. A parte que corresponde às informações de "alta" foi preenchida pelo médico que definiu o destino do paciente.

Análise dos dados

Como alguns pacientes utilizaram o serviço mais de uma vez, o número de atendimentos difere do número de pacientes. Para a descrição das características demográficas, considerou-se o número total de pacientes atendidos no período, enquanto para a descrição do tipo de atendimento oferecido, considerou-se o número total de atendimentos realizados no período de estudo.

Para a caracterização dos pacientes que usaram o serviço mais de uma vez, foi criada uma subamostra, considerando-se apenas os pacientes atendidos durante o primeiro mês do estudo, divididos em dois grupos para comparação: pacientes que não retornaram ao serviço no mês seguinte, ou seja, com atendimento único (AU); e pacientes que foram atendidos pelo menos uma segunda vez durante o período de estudo, classificados como usuários repetitivos (UR).

Os dados foram analisados com o programa Epi Info versão 6.0. Para caracterização das amostras foram utilizadas listas de freqüência, distribuições modais e análises estratificadas. Foram utilizados o teste do qui-quadrado e o teste não paramétrico de Mann-Whitney.

RESULTADOS

Características demográficas e clínicas

Foram realizados 622 atendimentos, sendo obtidos 600 formulários preenchidos, que corresponderam a 96,5% dos atendimentos realizados pelo EP-RP. Foram atendidos 487 pacientes, o que significa que 18,8% dos atendimentos foram de pacientes que procuraram o serviço mais de uma vez no período.

Quanto às características demográficas dos usuários, constatou-se que a idade média foi de 34,5+/-12,7 anos, e que a maioria (qui-quadrado, p<0,05) era do sexo masculino (56,7%), sem vínculos conjugais (62,5%), com primeiro grau incompleto (67,2%) e profissionalmente inativos (62,3%).

Mais de 2/3 dos pacientes atendidos eram procedentes de Ribeirão Preto e somente 1,4% não era morador da região da DIR-XVIII. Cerca de 80% dos pacientes moravam com seus familiares, 7% moravam sozinhos e apenas 1,8% foi incluído na categoria de "andarilho".

Observa-se, pela Tabela 1, que entre os pacientes do sexo masculino havia uma maior proporção de solteiros, com menor nível de escolaridade, profissionalmente inativos, com maior número de internações anteriores e menor proporção de indivíduos morando com familiares. Nota-se também que houve uma proporção maior de homens que procuraram o serviço desacompanhados, enquanto a transferência de outra clínica foi mais freqüente entre as mulheres, devido à ideação ou tentativa de suicídio, ambos com diferença estatisticamente significativa (p<0,05).

A Tabela 2 apresenta a proporção de diagnósticos levantados, sendo o mais freqüente o transtorno por uso de álcool, seguido por esquizofrenias, episódio maníaco, episódio depressivo e transtornos não psicóticos. A comparação entre os sexos mostrou que o diagnóstico de transtorno do uso de álcool e de outras substâncias psicoativas foi mais freqüente entre os homens, enquanto os diagnósticos de episódio depressivo, transtornos não psicóticos e transtornos de personalidade foram mais freqüentes entre as mulheres. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes para as demais categorias diagnósticas.

Características do atendimento

A média de espera para o atendimento foi de 66,9 min, e o tempo de permanência médio no serviço foi de 10,9 horas, com 25% tendo alta em até 2h, enquanto 25% ficaram mais de 10h. Imediatamente após o atendimento inicial, 40,2% dos pacientes tiveram alta hospitalar, 54,7% permaneceram em observação e 2,8% foram transferidos para outras clínicas. Quanto à conduta imediata após o atendimento inicial, verificou-se que em 31,3% dos atendimentos os pacientes não receberam qualquer tipo de medicação, 44,3% foram medicados por via oral e 18,5% necessitaram de medicação intramuscular.

Como principal motivo de procura do serviço, encontrou-se "agitação psicomotora ou comportamento agressivo" (23,9%), seguido por "tentativa ou ideação suicida" (15,7%) e por "desejo de tratamento ou internação" (10,8%).

A grande maioria dos pacientes foi atendida por médicos residentes (94,7%), dos quais 47,8% tiveram supervisão imediata. Houve uma menor proporção de pacientes atendidos aos domingos e em todos os dias da semana no período das 0h às 7h.

A Tabela 3 apresenta o tipo de encaminhamento oferecido ao paciente, no momento da sua alta do serviço. Observou-se que 19,6% (118) dos atendimentos resultaram em uma internação integral, que a grande maioria dos pacientes foi encaminhada para seguimento ambulatorial e que a freqüência de evasão e de alta a pedido foram muito pequenas. Das 118 internações realizadas, 11,9% foram em enfermaria de psiquiatria em hospital geral universitário e 87,3% no hospital psiquiátrico público. Somente uma internação (0,8%) não foi em um dos hospitais da DIR-XVIII, por ser um paciente procedente de outra região. Entre os atendimentos com encaminhamentos ambulatoriais, 85,4% foram para algum serviço público de saúde mental da região.

Usuários repetitivos

Durante o primeiro mês do estudo, 279 pacientes foram atendidos no EP-RP, sendo que 54 retornaram ao serviço pelo menos uma vez durante o mês subseqüente, realizando um total de 106 visitas no período (UR). Comparando-os com os pacientes que visitaram o serviço uma vez no período (AU), não foram detectadas diferenças estatisticamente significativas quanto ao sexo, estado civil e atividade profissional. Também não foram observadas diferenças nas proporções de pacientes que moravam acompanhados, sendo que 90,7% dos UR moravam com amigos ou familiares.

Para a análise do diagnóstico, foi realizada nova categorização de dados, e os pacientes foram agrupados em 6 grandes grupos devido à diversidade diagnóstica e ao pequeno número amostral no grupo UR. A Figura apresenta a freqüência dos diagnósticos nos dois grupos. Observa-se que, no grupo UR, houve uma proporção significativamente maior de transtornos psicóticos (esquizofrenias e outros transtornos psicóticos) e uma proporção significativamente menor de transtorno, devido ao uso de substâncias psicoativas. Não foram observadas diferenças significativas nas demais categorias diagnósticas.


Houve tendência entre os usuários repetitivos de chegarem ao serviço desacompanhados ou trazidos por policiais (p=0,07), atingindo atendimento em 33,3% das vezes, enquanto os demais, em 23,3%.

Também foi detectado que os UR apresentavam uma freqüência significativamente maior (p<0,05) de internações psiquiátricas anteriores (66,0%), do que os pacientes com atendimento único (43,0%). Entretanto, uma menor proporção de pacientes do grupo UR (10,4%), do que do grupo AU (24,9%), foi encaminhada para internação integral, também com diferença estatisticamente significativa (p<0,05). Quanto aos encaminhamentos para seguimento ambulatorial, notou-se que uma maior proporção de pacientes UR eram acompanhados em serviços ambulatoriais vinculados ao serviço de emergências psiquiátricas, cujo objetivo é o manejo do paciente em crise.

DISCUSSÃO

O perfil demográfico da população usuária da EP-RP é semelhante ao que se encontra na literatura: a maioria é homem, jovem, não casado, de baixa escolaridade e com diagnósticos graves como esquizofrenias e transtornos relacionados ao uso de substâncias.1,7,10 De maneira geral, possuem um prejuízo no funcionamento global, que é maior no sexo masculino. Essas diferenças entre os sexos podem ser justificadas pela maior proporção de diagnóstico de quadros não psicóticos entre as mulheres.

A população em estudo, no entanto, diferenciou-se em relação aos dados de literatura, na pequena percentagem encontrada para andarilhos (1,8%), pois esse número costuma ser bem maior, chegando a 14%.7

Os diagnósticos são variados, porém em sua maioria são quadros graves como esquizofrenias, transtornos do humor, ou transtornos relacionados ao uso de substâncias, no qual nem sempre há sintoma psicótico, mas alteração de comportamento importante com auto e heteroagressividade.7,9,10 Apesar dos dados concordarem com os da literatura, existe a complexidade de fazer um diagnóstico em uma situação de emergência, pois na maioria das vezes o diagnóstico é realizado em um corte transversal pela avaliação do momento, muitas vezes sem informações adicionais de acompanhantes. Nem sempre, pelo movimento e rotatividade do serviço, o paciente fica tempo suficiente para maior período de observação da evolução do quadro.7 Outro fator que pode influenciar a qualidade do atendimento e a realização da hipótese diagnóstica é a demanda, que afeta diretamente a qualidade técnica do serviço, além de prejudicar o "tempo ideal" de consulta.13

Como principal motivo de procura ao serviço, a agitação psicomotora, o comportamento agressivo e o desejo de tratamento ou interrupção da medicação também foram os principais motivos encontrados por Oldham et al7 (1990). No presente estudo houve também alta percentagem (15%) de "tentativa ou ideação suicida", devido talvez ao atendimento junto a um serviço de emergência geral, em que todo paciente atendido por intoxicação exógena é encaminhado para avaliação psiquiátrica.

A percentagem de pacientes encaminhados para internação integral (19,6%) está próximo aos valores encontrados na literatura.7,9

Ficou evidente que o EP-RP é um serviço inserido na rede pública de saúde mental e que a regionalização é bastante respeitada. Nos dados sobre encaminhamentos após o atendimento, observou-se a mesma obediência à regionalização. A única internação efetuada fora da DIR-XVIII ocorreu justamente porque o paciente não era procedente da região e, dos encaminhamentos ambulatoriais, 85,4% foram para algum serviço público de saúde mental da região. Com essa análise evidenciam-se as vantagens de um serviço psiquiátrico regionalizado: poucas portas de entrada para internação aumentam a qualidade do serviço, facilitam a continuidade do contato e propiciam um maior controle do fluxo de casos de internação. Mas para que esse sistema funcione de modo positivo, como ocorre nessa região, são necessários dois ingredientes essenciais: deve existir uma aproximação colaborativa das instituições, mesmo que ocasionalmente custe uma redução de autonomia, além das equipes do sistema manterem contatos pessoais freqüentes.6

Diferindo de dados da literatura, nos quais a reentrada freqüente a serviços de emergência psiquiátrica tem correlação importante com a falta de suporte social,8 no presente estudo, os UR não se diferenciaram dos pacientes de AU quanto a alguns parâmetros como estado civil, vínculo empregatício e condições de moradia, os quais poderiam ser considerados como medidas indiretas do suporte social.

Os UR diferem dos pacientes com AU, por apresentarem maior proporção de diagnóstico de transtornos psicóticos, particularmente esquizofrenias, e por terem maior freqüência de internações psiquiátricas anteriores, o que pode sugerir uma associação entre a complexidade da doença e o uso do serviço de emergência.14

A menor proporção de diagnóstico de problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas, particularmente o álcool, entre os UR provavelmente deve-se à existência de serviços específicos na rede pública de saúde mental do município. Há 4 anos, dados semelhantes foram colhidos na EP-RP, quando se observou que a população de alcoolistas era conhecida pela repetição de atendimentos e reinternações.10

A instalação de outros tipos de serviços psiquiátricos pode oferecer suporte adequado a determinadas categorias de pacientes, diminuindo o uso da emergência, a exemplo dos pacientes com diagnóstico de transtornos relacionados ao uso de álcool. Isso pode ser um estímulo para novas estratégias para aumentar a continência de pacientes psiquiátricos graves, que são os principais usuários da emergência psiquiátrica.

Em conclusão, pode-se afirmar que o EP-RP está efetivamente inserido na rede pública, mantendo-se como a principal porta de entrada para internação integral da região de Ribeirão Preto, conforme detectado em estudo retrospectivo realizado anteriormente.2 Além disso, confirmou-se a ampliação das funções do EP-RP, pelo atendimento a uma maior diversidade de quadros clínicos, a pacientes mais graves e realmente em situação de urgência, como pode ser observado pelas categorias diagnósticas e pelo motivo de procura ao serviço. O tempo médio de permanência dos pacientes no serviço sugere que, além da função de triagem, o EP-RP passou a desempenhar outros papéis, provavelmente relacionados à investigação diagnóstica e ao estabelecimento do tratamento inicial.

Correspondência para/Correspondence to:

Cristina Marta Del-Ben

Av. dos Bandeirantes, 3900

14049-900 Ribeirão Preto, SP, Brasil

E-mail: delben@fmrp.usp.br

Edição subvencionada pela Fapesp (Processo nº 00/01601-8).

Recebido em 10/5/1999. Reapresentado em 21/3/2000. Aprovado em 20/4/2000.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Out 2000

Histórico

  • Aceito
    20 Abr 2000
  • Revisado
    21 Mar 2000
  • Recebido
    10 Maio 1999
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