Acessibilidade / Reportar erro

Causas básicas e associadas de morte por Aids, Estado de São Paulo, Brasil, 1998

Aids as underlying and associated causes of death, State of S. Paulo, Brazil, 1998

Resumos

OBJETIVOS: Descrever o padrão da mortalidade devida a Aids segundo causas básica e associadas de morte no Estado de São Paulo, em 1998. MÉTODOS: Os dados sobre a mortalidade e a população residente no Estado de São Paulo, SP, para 1998, foram obtidos na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). As causas de morte foram codificadas pelas disposições da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Os registros de Aids como causa básica e associada de morte foram recuperados e revistos. RESULTADOS: A Aids foi a causa básica em 4.619 mortes, correspondendo à décima causa (2,0%) e ao coeficiente de mortalidade de 13,1 por 100.000 habitantes. As razões das mortes e os respectivos coeficientes entre homens e mulheres foram de 2,4 e 2,5. A Aids foi a segunda causa entre os homens de 20 a 34 anos de idade e entre as mulheres de 25 a 34. A idade média ao morrer entre as mulheres (34,1±12,2 anos) foi estatisticamente menor que a dos homens (36,4±10,7 anos) -- p<0,001. As principais causas associadas em mortes por Aids foram a insuficiência respiratória (36,1%), pneumonias (27,0%), tuberculose (19,6%), septicemias (18,6%), toxoplasmose (12,2%), pneumonia por P. carinii (8,3%) e caquexia (7,9%). A Aids apresentou-se como causa associada em outras 84 mortes. As principais causas básicas destas mortes foram neoplasias malignas (28/84), afecções devidas ao uso do álcool (23/84) e diabetes mellitus (7/84). A idade média ao morrer por Aids como causa básica (35,7±11,2 anos) foi estatisticamente menor que a idade média nas mortes em que Aids foi mencionada como causa associada (39,9±11,8 anos) -- p<0,001. CONCLUSÕES: As causas múltiplas de morte resgatam parcialmente a história natural da Aids e oferecem subsídios para medidas preventivas adequadas e específicas.

Síndrome de imunodeficiência adquirida; Causa da morte; Infecções oportunistas relacionadas com a Aids; Causa básica da morte; Causalidade; Causas múltiplas de morte


OBJECTIVES: To describe the Aids mortality according to its underlying and associated causes of death in the State of S. Paulo in 1998. METHODS: Mortality and population data for 1998 were obtained from the State Data Analysis System Department (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - Seade). Causes of death were coded according to the Tenth Revision of the International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems. RESULTS: Aids was the underlying cause in 4,619 deaths, corresponding to the 10th leading cause of death (2.0%) and a mortality rate of 13.1/100,000 population. Male/female death ratio and rate ratios were respectively 2.4 and 2.5. Aids was the second leading cause of death among men aged 20--34 and women aged 25--34 years. Median age at death for women (34.1±12.2 years old) was lower than men (36.4±10.7 years old) -- p<0,001. The main associated causes of Aids deaths were respiratory insufficiency (36.1%), pneumonia (27.0%), tuberculosis (19.6%), septicemia (18.6%), toxoplasmosis (12.2%), P. carinii pneumonia (8.3%) and cachexia (7.9%). Aids was an associated cause of death in additional 84 cases. The main underlying causes of these deaths were malignant neoplasms (28/84), conditions secondary to alcohol abuse (23/84) and diabetes mellitus (7/84). The median age at death due to Aids as an underlying cause (35.7±11.2 years old) was lower than the age at death with Aids as an associated cause (39.9±11.8 years old -- p<0.001). CONCLUSIONS: Multiple causes of death allow to track part of the Aids natural history and provide additional data to develop adequate and specific preventive actions.

Acquired immunodeficiency syndrome; Cause of death; Aids-related opportunistic infections; Underlying cause of death; Causality; Multiple causes of death


Causas básicas e associadas de morte por Aids, Estado de São Paulo, Brasil, 1998* * Versão preliminar apresentada ao I Fórum e II Conferência de Cooperação Técnica Horizontal da América Latina e do Caribe em HIV/Aids e DST. Rio de Janeiro, RJ, 2000.

Aids as underlying and associated causes of death, State of S. Paulo, Brazil, 1998

Augusto Hasiak Santoa, Celso Escobar Pinheirob e Margarete Silva Jordanic

aDepartamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. bDepartamento de Informática da Fundação Nacional de Saúde. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. cFundação Sistema Estadual de Análise de Dados. São Paulo, SP, Brasil

DESCRITORES
Síndrome de imunodeficiência adquirida, mortalidade#. Causa da morte#. Infecções oportunistas relacionadas com a Aids, mortalidade#. Causa básica da morte. Causalidade. – Causas múltiplas de morte. RESUMO

OBJETIVOS:

Descrever o padrão da mortalidade devida a Aids segundo causas básica e associadas de morte no Estado de São Paulo, em 1998.

MÉTODOS:

Os dados sobre a mortalidade e a população residente no Estado de São Paulo, SP, para 1998, foram obtidos na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). As causas de morte foram codificadas pelas disposições da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Os registros de Aids como causa básica e associada de morte foram recuperados e revistos.

RESULTADOS:

A Aids foi a causa básica em 4.619 mortes, correspondendo à décima causa (2,0%) e ao coeficiente de mortalidade de 13,1 por 100.000 habitantes. As razões das mortes e os respectivos coeficientes entre homens e mulheres foram de 2,4 e 2,5. A Aids foi a segunda causa entre os homens de 20 a 34 anos de idade e entre as mulheres de 25 a 34. A idade média ao morrer entre as mulheres (34,1±12,2 anos) foi estatisticamente menor que a dos homens (36,4±10,7 anos) ¾ p<0,001. As principais causas associadas em mortes por Aids foram a insuficiência respiratória (36,1%), pneumonias (27,0%), tuberculose (19,6%), septicemias (18,6%), toxoplasmose (12,2%), pneumonia por P. carinii (8,3%) e caquexia (7,9%). A Aids apresentou-se como causa associada em outras 84 mortes. As principais causas básicas destas mortes foram neoplasias malignas (28/84), afecções devidas ao uso do álcool (23/84) e diabetes mellitus (7/84). A idade média ao morrer por Aids como causa básica (35,7±11,2 anos) foi estatisticamente menor que a idade média nas mortes em que Aids foi mencionada como causa associada (39,9±11,8 anos) ¾ p<0,001.

CONCLUSÕES:

As causas múltiplas de morte resgatam parcialmente a história natural da Aids e oferecem subsídios para medidas preventivas adequadas e específicas.

KEYWORDS
Acquired immunodeficiency syndrome, mortality#. Cause of death#. Aids-related opportunistic infections, mortality#. Underlying cause of death. Causality. ¾ Multiple causes of death. ABSTRACT

OBJECTIVES:

To describe the Aids mortality according to its underlying and associated causes of death in the State of S. Paulo in 1998.

METHODS:

Mortality and population data for 1998 were obtained from the State Data Analysis System Department (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - Seade). Causes of death were coded according to the Tenth Revision of the International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems.

RESULTS:

Aids was the underlying cause in 4,619 deaths, corresponding to the 10th leading cause of death (2.0%) and a mortality rate of 13.1/100,000 population. Male/female death ratio and rate ratios were respectively 2.4 and 2.5. Aids was the second leading cause of death among men aged 20¾34 and women aged 25¾34 years. Median age at death for women (34.1±12.2 years old) was lower than men (36.4±10.7 years old) ¾ p<0,001. The main associated causes of Aids deaths were respiratory insufficiency (36.1%), pneumonia (27.0%), tuberculosis (19.6%), septicemia (18.6%), toxoplasmosis (12.2%), P. carinii pneumonia (8.3%) and cachexia (7.9%). Aids was an associated cause of death in additional 84 cases. The main underlying causes of these deaths were malignant neoplasms (28/84), conditions secondary to alcohol abuse (23/84) and diabetes mellitus (7/84). The median age at death due to Aids as an underlying cause (35.7±11.2 years old) was lower than the age at death with Aids as an associated cause (39.9±11.8 years old ¾ p<0.001).

CONCLUSIONS:

Multiple causes of death allow to track part of the Aids natural history and provide additional data to develop adequate and specific preventive actions.

INTRODUÇÃO

As causas de morte são conhecidas a partir das informações registradas pelos médicos nas declarações de óbito. A Organização Mundial da Saúde12 define a causa básica de morte como "a doença ou lesão que inicia a cadeia de eventos patológicos que conduziram diretamente a morte". A causa básica tem sido considerada mais eficaz para prevenir a morte. Nas últimas décadas, a demanda para o uso das causas múltiplas de morte acrescentou-se ao uso da causa básica. Essas informações oferecidas pelos médicos sobre a determinação da morte aumentariam o espectro da ações preventivas possíveis.

A doença pelo vírus da imunodeficiência humana ¾ HIV (Aids) constitui-se em importante problema de saúde pública. A Aids apresenta-se como uma das principais causas de morte prematura, especialmente no grupo etário entre 24 e 44 anos. Esta mortalidade está em grande parte relacionada a infecções oportunistas graves e a neoplasias decorrentes do comprometimento do sistema imunológico. O presente estudo descreve o padrão da mortalidade devida à Aids segundo causas básicas e associadas de morte no Estado de São Paulo, em 1998.

MÉTODOS

Os dados sobre os óbitos ocorridos e sobre a população residente no Estado de São Paulo, em 1998, foram obtidos na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Fundação Seade), responsável pelas estatísticas vitais no Estado de São Paulo, que compila os dados das declarações de óbito. Desde 1983, todas as causas informadas pelos médicos são arquivadas nos bancos de dados de óbitos, o que permite o estudo das causas múltiplas.13,15

A estrutura dos registros dos dados de mortalidade incluiu campos que reproduziram as variáveis da declaração de óbito utilizada no Brasil pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade coordenado pelo Ministério da Saúde. As causas de morte foram codificadas segundo as disposições da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)12 e a causa básica foi processada pelo Sistema DOSP/SCBX.13 A causa básica e as causas múltiplas foram arquivadas em campos específicos distintos, estas últimas por meio de "string" que reproduzia a linha e a posição na linha em que as mesmas causas tivessem sido informadas no Modelo Internacional de Atestado Médico. A causa básica de morte foi considerada segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde12 e as demais causas foram designadas causas associadas de morte. Assim, as causas associadas compreendem as causas terminais e as intervenientes, as chamadas causas-conseqüências e também vistas como resultantes da causa básica, bem como as causas-contribuintes, estas sem relação com o processo patológico que conduziu diretamente a morte. O conjunto das causas básica e associada foi designado causas múltiplas de morte. Os registros dos óbitos em que a Aids foi mencionada como causa associada de morte foram identificados e as respectivas declarações de óbito recuperadas e revistas. De comum acordo com a Fundação Seade, em 10 desses óbitos a Aids foi reavaliada como causa básica de morte.14 No Capítulo I, intitulado "Algumas doenças infecciosas e parasitárias", a Aids teve a sua importância comparada com as outras causas de morte agrupadas segundo todos os demais capítulos da CID-10.11

As variáveis demográficas e médicas foram processadas pelos programas dBASE III Plus (versão 1.1), Epi Info (versão 6.04b/c, 1997) e as causas múltiplas pelo programa Tabulador de Causas Múltiplas de Morte, versão 2.0, 25/8/99 (TCM),15 tendo sido eliminadas as duplicações de causas apresentadas segundo listas abreviadas. Chama-se a atenção para o fato de que o número de causas associadas depende da amplitude da classe para a sua apresentação. Este fato se deve à necessidade de eliminar-se da contagem a duplicação/multiplicação de causas.15 Uma causa foi incluída em determinada classe (agrupamento, capítulo e outras) apenas se duas (ou mais) causas pertinentes à classe tivessem sido informadas na mesma declaração de óbito.

Foram calculados os coeficientes de mortalidade por 100.000 habitantes, segundo sexo e grupos etários, para as causas básicas clássicas e para o total de óbitos em que houve menção da Aids, como causa básica ou associada de morte.

A análise de variância foi usada para testar as diferenças entre médias de idades ao morrer e o teste t de Student para a diferença entre o número médio de causas informadas em declarações de óbito.1 O nível de significância foi estabelecido em 1%.

RESULTADOS

No ano de 1998 ocorreram 4.619 óbitos em que a Aids foi a causa básica e 84 em que foi a causa associada de morte, dos quais, respectivamente 28 e 2 óbitos correspondiam a não residentes no Estado de São Paulo. Considerando o pequeno número destes últimos, todos os óbitos foram estudados em conjunto.

A Aids como causa básica foi responsável por 2,0% dos óbitos do Estado de São Paulo em 1998, equivalente a décima mais importante quando comparada com todas as demais causas distribuídas pelos capítulos da CID-10. A Aids foi a segunda causa de morte entre as idades de 20 e 34 anos nos homens e entre 25 e 34 anos nas mulheres, em que as causas externas, responsáveis pelas morte violentas, se constituíram na primeira causa nesses grupos etários em ambos sexos. Entre os óbitos, 70,9% foram de homens e 29,1% de mulheres, dos quais, respectivamente, 75,5% e 71,7% entre 25 e 44 anos de idade consistindo no grupo etário no qual os coeficientes mais elevados foram observados (Tabela 1). As mortes nos grupos etários extremos foram assim evidenciadas, quais sejam a menção da Aids em 99 mortes entre 0 e 4 anos, das quais 98 como causa básica, e a citação em 147 mortes acima dos 60anos de idade, das quais 141 como causa básica. O estado civil predominante foi de solteiros, correspondendo a 67,0% entre os homens e a 59,6% entre as mulheres.

A mortalidade entre os homens foi maior em relação a das mulheres, com razões gerais de 2,5 para os coeficientes e de 2,4 para o número de óbitos. A razão de 2,4 entre os óbitos foi menor que as respectivas razões de 2,6 e 2,8 observadas nos anos de 1997 e de 1996.21 Essa observação reflete o aumento relativo da mortalidade de mulheres por Aids.

Dentre os 4.703 óbitos nos quais houve menção da Aids em qualquer parte do atestado médico, a síndrome foi identificada como causa básica em 4.619 (98,2%) e associada em 84 (1,8%), correspondendo a uma razão de 1,0 entre menções e causas básicas (4.703/4.619) bem como entre os respectivos coeficientes (13,3/13.1).

Os óbitos cuja causa básica foi a Aids apresentaram idade média (35,7±11,2 anos) significativamente menor (p<0,001) que a correspondente idade nos óbitos em que a mesma foi mencionada como causa associada de morte (39,9±11,8 anos). Dentre os primeiros, devidos à Aids como causa básica, verificou-se que a idade média ao morrer nas mulheres (34,1±12,2 anos) foi significativamente menor (p<0,001) que nos homens (36,4±10,7 anos), correspondendo a diferença de 2,3 anos de idade para menos.

Dentre os critérios para o aproveitamento e o uso das causas múltiplas de morte, o número médio de diagnósticos informados no atestado médico da declaração de óbito é um dos mais importantes. O número médio geral de diagnósticos nas declarações de óbito, em que a Aids foi indicada como causa básica de morte (3,2±1,1), mostrou-se significativamente maior que o correspondente valor (2,7±1,7) para os óbitos totais ocorridos no Estado de São Paulo em 1998 (p<0,001). Do mesmo modo, tais números médios, com valores iguais ou superiores a três, mostraram-se maiores em todos os grupos etários em que existiram óbitos por Aids, mesmo quando a idade foi ignorada (Tabela 2).

A Tabela 3 mostra a distribuição dos 4.619 óbitos em que a Aids foi selecionada como causa básica segundo as causas associadas de morte. As percentagens foram calculadas em relação ao número dos respectivos óbitos masculinos, femininos e totais. Lembrando que um determinado óbito poderia apresentar uma ou mais causas associadas,15 destacam-se como tais as doenças infecciosas e parasitárias que incluem as infecções oportunistas. Uma ou mais dessas causas, segundo as rubricas respectivas descritas na Tabela 3, foi mencionada em 74,0% (3.416/4.619) desses atestados de óbito. Dentre essas causas a tuberculose, as septicemias, a toxoplasmose e a pneumocistose, que inclui a pneumonia por Pneumocystis carinii, devem ser evidenciadas. As doenças infecciosas e parasitárias, agregadas segundo o capítulo, foram mencionadas como causas associadas em 57,7% (2.667/4.619) destes óbitos.

O grupo das doenças do aparelho respiratório foi o segundo em importância como causa associada de morte. As afecções incluídas nas rubricas descritas na Tabela 3 foram mencionadas em 71,3% (3.295/4.619) dos óbitos devidos a Aids. Se agregadas no capítulo específico, constituíram-se em causas associadas de morte em 54,0% (2.496/4.619) desses óbitos. As pneumonias e a insuficiência respiratória predominaram neste grupo, ambas com características de afecções terminais, e a insuficiência respiratória foi mencionada em cerca de um terço dos atestados de óbito.

As afecções agrupadas pelo capítulo dos sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados em outra parte,11 conhecido como das afecções mal definidas,14 foram mencionadas em 23,5% (1.086/4.619) como causas associadas nos óbitos devidos a Aids, em geral na condição de causas terminais. No Brasil, a caquexia pode ser em parte identificada à síndrome de emaciação, uma vez que esta última é raramente informada como causa de morte. Verificou-se que, nos mesmos atestados de óbito, a caquexia e a diarréia associadas estavam mencionadas em 5,8% (28/481) e a desnutrição e a diarréia em 7,8% (10/128). Ao isolar-se a caquexia das afecções restantes desse capítulo, verificou-se que as percentagens respectivas atingiram 7,9% (365/4.619) e 17,2% (795/4.619), totalizando a presença de afecções mal definidas em 25,1% (1.160/4.619) desses atestados (Tabela 3).

Dentre as 121 (2,6%) neoplasias resultantes da Aids mencionadas como causas associadas incluem-se o sarcoma de Kaposi (50), o linfoma de Burkitt (2), outros tipos de linfoma não-Hodgkin (57) e outras neoplasias malignas dos tecidos linfático, hematopoético e correlatos (12). O sarcoma de Kaposi foi mencionado em 92,0% (46/50) nos óbitos de homens; essa percentagem foi semelhante a de 96% verificada nos Estados Unidos como tendo ocorrido nas declarações de óbito de homens com história de contato sexual com homens.4

As neoplasias malignas não relacionadas com a Aids, as afecções resultantes do uso do álcool e o diabetes mellitus foram as principais causas básicas naqueles óbitos em que a Aids foi identificada como causa associada de morte (Tabela 4). As principais localizações dentre as 29 neoplasias malignas foram encéfalo (5), colo do útero (5), fígado (4), pulmões (3), estômago (2), mama (2) e rim (2). Três óbitos devidos ao uso do álcool, dentre os 4 por transtornos mentais devidos ao uso de substância psicoativa, um óbito devido a cardiomiopatia alcoólica incluída entre as doenças do aparelho circulatório e os 19 óbitos devidos a doença alcoólica do fígado, somam 23 óbitos que fazem das afecções devidas ao uso do álcool a segunda causa básica neste grupo, sendo 19 (82,6%) entre os homens.

DISCUSSÃO

As disposições para a identificação da Aids como causa básica de morte vêm sofrendo modificações desde a sua descrição no início da década de oitenta.4,7,14,19 Quando o agente etiológico não era ainda conhecido e a patogenia da doença pouco clara, as doenças que agora participam do complexo da síndrome, dentre as quais as infecções oportunistas, poderiam ser apontadas ao invés da Aids. Com o advento da CID-10, disposições que incorporam o conhecimento atualizado de sua etiopatogenia foram introduzidas para a identificação da Aids como causa básica, com maior consistência e propriedade.12,14 A revisão das causas de morte em dez atestados médicos teve por objetivo atender a estas disposições.14

As 98 mortes entre 0 e 4 anos de idade correspondem a 72,6% dos óbitos por Aids como causa básica entre os menores de 13 anos em 1998. A transmissão vertical foi responsável por 90,0% (2.008/2.230) dos casos notificados de Aids entre 0 e 4 anos de idade, no Estado de São Paulo, entre 1980 e 1999.18 O aumento relativo da infecção em mulheres e as deficiências que caracterizam as assistências materna e perinatal17 explicam o aumento paralelo dos riscos da transmissão do HIV das mães para os filhos. O coeficiente de incidência de Aids no grupo etário entre 0 e 4 anos aumentou cerca de sete vezes entre 1980/1987 e 1996, respectivamente, de 1,5 por 100.000 habitantes para 10,5 por 100.000 habitantes, tendo sido o maior aumento verificado entre grupos etários no Estado de São Paulo.18 Esse coeficiente diminuiu para 7,8 e 3,9 por 100.000 habitantes em 1997 e 1998, respectivamente.18 O aumento do número de casos e os resultados pouco expressivos da terapia anti-retroviral em crianças,20 são fatores que levam a prognósticos pouco favoráveis sobre tendência futura da mortalidade entre 0 e 4 anos de idade.

A mortalidade proporcional pelos óbitos acima de 60 anos de idade dentre as mortes por Aids como causa básica, foi de 3,1% (141/4619) em 1998. O coeficiente de incidência de casos notificados de Aids aumentou progressivamente de 1,9 por 100.000 habitantes em 1980/1987 para 4,7 por 100.000 habitantes em 1998.18 Este aumento do número de casos e a maior gravidade da doença, nesse grupo etário, são fatores que permitem prever o aumento da mortalidade proporcional por Aids acima de 60 anos de idade.

A idade média ao morrer, nos óbitos devidos a Aids, foi menor do que a correspondente para as demais causas básicas, diferentes das definidoras da síndrome, naqueles óbitos em que a Aids se apresentou como causa associada. Este fato reflete certa consistência dos dados de mortalidade. A maioria das causas básicas atribuídas a essas mortes, inclui afecções que mostram sobrevida maior que a da Aids (Tabela 4). Dentre todos os óbitos devidos a essas causas ocorridas no Estado de São Paulo em 1998, respectivamente para os sexos masculino e feminino, a idade média das mortes devidas a neoplasias malignas não relacionadas à Aids foi de 64,7 e 63,6 anos, para o diabetes mellitus não especificado de 65,5 e 69,9 anos e para a doença alcoólica do fígado de 48,5 e 48,4 anos de vida. O maior peso para a configuração da idade média de 39,9 anos nesses óbitos, deveu-se às neoplasias malignas não relacionadas à Aids, às doenças do aparelho circulatório e ao diabetes mellitus.

Além disso, nos óbitos em que a Aids se apresentou como causa básica, a verificação de que a idade média ao morrer nas mulheres foi menor que nos homens, vem sendo observada também em outros trabalhos. Um estudo sobre a mortalidade resultante da Aids entre 25 e 44 anos de idade mostra que no conjunto de dez países industrializados a diferença da idade média ao morrer foi de 5,4 anos, sendo a maior diferença de nove anos entre homens e mulheres na Holanda.9 Alguns estudos que avaliam a história natural de doentes com Aids mostram que a sobrevida é menor nas mulheres. Dentre os fatores sugeridos para explicar tal fato são citados a discriminação, a desconsideração da sintomatologia na mulher, a disponibilidade e acesso limitados, além do início retardado e em escala reduzida da terapia anti-retroviral.6,8,16

O número médio de diagnósticos informados nas declarações de óbito é usado como indicador de qualidade dos dados de mortalidade. Pode-se inferir que, ao menos, três causas de morte são descritas nas linhas da parte I dos atestados médicos corretos, uma vez que a seqüência patológica que levou a morte inclui, respectivamente, as causas básica, interveniente e terminal. Quando apropriado, uma ou mais causas contribuintes podem ser acrescentadas na parte II do atestado médico. Quanto maior o número informado de causas melhor será o conhecimento da história natural de doenças e conseqüentemente maiores as possibilidades de prevenção dessas mortes. O número médio de causas por declaração de óbito nas mortes devidas à Aids, foi maior que o correspondente nos óbitos totais do Estado de São Paulo em ambos os sexos e em diversos grupos etários. Este fato propicia o estudo de causas múltiplas de morte. Os valores foram iguais ou maiores a três causas por declaração de óbito, incluindo o grupo etário de idades ignoradas, em que a má qualidade dos dados é a norma, haja vista o número médio de 1,61 verificado para os óbitos totais do Estado. Ressalvando o pequeno número de menções à Aids (26) e de óbitos (9), a única exceção ocorreu no sexo feminino do grupo etário de 5 a 9 anos de idade, em que o número médio de causas foi 2,9. Nos Estados Unidos, o número médio de causas, em declarações de óbito, variou segundo o tipo do grupo de exposição à infecção pelo HIV; sendo que as declarações de óbito de homens homossexuais e bissexuais, apresentaram número médio de três causas, ao passo que as declarações de usuários de drogas injetáveis e de pessoas com Aids atribuída a contato heterossexual, continham número médio de duas causas de morte mencionadas.4

Nos óbitos em que a Aids se apresentou como causa associada, entre as 29 neoplasias malignas identificadas como causa básica, estavam incluídas cinco do encéfalo e cinco do colo do útero. Certas neoplasias destas localizações podem estar relacionadas com a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana ¾ HIV.

A experiência com a manipulação de declarações de óbito tem mostrado que é pouco precisa a informação sobre neoplasias e tumores no encéfalo. A natureza da neoplasia, se benigna, maligna ou outra, não é especificada. Do mesmo modo, rara é a descrição do seu tipo morfológico. Os termos usados para descrever estas causas são vagos, sendo mencionados com freqüência massa tumoral e processo expansivo cerebral. A precária identificação dessas neoplasias pode comprometer a determinação da causa de morte, principalmente se a Aids estiver mencionada também no atestado de óbito. O linfoma primário do cérebro é uma doença indicativa de Aids de acordo com os critérios do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos5,10 e os óbitos correlatos seriam atribuídos à Aids. O diagnóstico acurado, incluindo a realização de necropsia3 e a informação apropriada das neoplasias do encéfalo são providências necessárias para o aprimoramento da qualidade das estatísticas de mortalidade nas declarações de óbito em que a Aids participa do processo que conduziu à morte.

O carcinoma cervical invasivo foi considerado doença indicativa de Aids em indivíduos do sexo feminino, com 13 anos de idade ou mais, pelo CDC, e pelo Ministério da Saúde nas respectivas últimas revisões da definição de casos de Aids.5,10 Os comentários que justificam a definição revista enfatizam a importância da prevenção do câncer do colo de útero e a integração da assistência ginecológica nos serviços médicos para mulheres infectadas pelo HIV. Por outro lado, as evidências epidemiológicas disponíveis sugerem que o câncer cervical invasivo não aparenta possuir freqüência maior entre mulheres com Aids.2 Deste modo, a ocorrência conjunta do câncer cervical invasivo e da Aids importa principalmente para a vigilância epidemiológica e não será levada em consideração para caracterizar a Aids como causa básica de morte. Além dos cinco óbitos, em que o câncer cervical foi mencionado como causa básica, outros dois óbitos tiveram o câncer cervical como causa associada de morte dentre os 15 incluídos no restante das neoplasias no sexo feminino (Tabela 3). A indicação da causa básica, se Aids ou câncer do colo do útero, dependerá do juízo médico que fornecer a declaração de óbito.

A história natural da infecção e da doença pelo vírus da imunodeficiência humana ¾ HIV pode ser parcialmente recuperada com o uso de causas múltiplas de morte. Neste sentido, os médicos que fornecem as declarações de óbito contribuem de modo significativo ao informar com propriedade a seqüência do eventos patológicos desencadeados pela Aids. O conhecimento de toda a amplitude de causas de morte oferece orientação adicional para medidas preventivas adequadas e específicas.

Correspondência para/Correpondence to:

Augusto Hasiak Santo

Av. Dr. Arnaldo, 715

01246-904 São Paulo, SP, Brasil

E-mail: auhsanto@usp.br

Edição subvencionada pela Fapesp (Processo nº 00/01601-8).

Recebido em 18/2/2000. Reapresentado em 6/7/2000. Aprovado em 9/8/2000.

  • 1. Armitage P, Berry G. Statistical methods in medical research 3rd ed. Oxford: Blackwell Scientific Publications; 1994.
  • 2. Beral V, Newton R. Overview of the epidemiology of immunodeficiency-associated cancers. J Natl Cancer Inst Monogr 1998;23:1-6.
  • 3. Borges AS, Ferreira MS, Nishioka SA, Silvestre MTA, Silva AM, Rocha A. Agreement between premortem and postmortem diagnoses in patients with acquired immunodeficiency syndrome observed at a Brazilian teaching hospital. Rev Inst Med Trop Săo Paulo 1997;39:217-21.
  • 4. Buehler JW, Devine OJ, Berkelman RL, Chevarley FM. Impact of the human immunodeficiency virus epidemic on mortality trends in young men, United States. Am J Public Health 1990;80:1080-6.
  • 5. Centers for Disease Control and Prevention. 1993 revised classification system for HIV infection and expanded surveillance case definition for Aids among adolescents and adults. Morb Mortal Wkly Rep 1992;41(RR-17):1-19.
  • 6. Cohen M. Natural history of HIV infection in women. Obstet Gynecol Clin North Am 1997;24:743-58.
  • 7. Chu SY, Buehler JW, Lieb L, Beckett G, Conti L, Costa S et al. Causes of death among persons reported with AIDS. Am J Public Health 1993;83:1429-32.
  • 8. Drumond Jr M. AIDS mortality in the city of Săo Paulo, Brazil: trend and impact of combined anti-retroviral therapy. In: 12nd International Conference on AIDS; 1998; Geneva; Switzerland, v.12, p.947 (Abstract nş 43512).
  • 9. Heath KV, Frank O. Human immunodeficiency virus (HIV)/acquired immunodeficiency syndrome (AIDS) mortaltiy in industrialized nations, 1987-1991. Int J Epidemiol 1999;27:685-90.
  • 10
    Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Revisão da definição nacional de casos de Aids em indivíduos com 13 anos ou mais, para fins de vigilância epidemiológica. Brasília (DF); 1998.
  • 11
    Organização Mundial da Saúde. Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde: 10a revisão. São Paulo: EDUSP; 1993. v 1.
  • 12
    Organização Mundial da Saúde. Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde: 10a revisão. São Paulo: EDUSP; 1994. v 2. (Manual de instrução).
  • 13. Pinheiro CE, Santo AH. Processamento de causas de morte em lote pelo sistema de seleçăo de causa básica. Rev Saúde Pública 1998;32:72-3.
  • 14. Santo AH. Equivalęncia entre revisőes da classificaçăo internacional de doenças: causas de morte. Rev Saúde Pública 2000;34:21-8.
  • 15. Santo AH, Pinheiro CE. Tabulador de causas múltiplas de morte. Rev Bras Epidemiol 1999;2:90-7.
  • 16. Santoro-Lopes G, Harrison LH, Gender and survival after AIDS in Rio de Janeiro, Brazil. J Acquir Immune Defic Syndr Hum Retrovirol 1998;19:403-7.
  • 17. Santos V, Cunha CS, Vasconcelos AL, Sudo E, Chequer PJ. The challenge to reduce HIV vertical transmission in Brazil. In: 12nd International Conference on AIDS; 1998; Geneva; Switzerland;v. 12, p. 400. (abstract nş. 23295)
  • 18. Secretaria de Estado da Saúde. Centro de Referęncia e Treinamento - Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids. Centro de Vigilância Epidemiológica. Programa Estadual de Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids. Bol Epidemiol 1999;17(2):8-19.
  • 19. Selik RM, Karon JM, Ward JW. Effect of the human immunodeficiency virus epidemic on mortality from opportunistic infections in the United States in 1993. J Infect Dis 1997;176:632-6.
  • 20. Simpson BJ, Shapiro E, Andiman WA. Trends in the risk of vertical transmission, mortality, and AIDS-defining illnesses among children of HIV+ mothers enrolled in a cohort study, 1985-1995 [abstract]. Pediatr AIDS HIV Infect 1996;7:281.
  • 21. Waldvogel B, Morais LCC. Mortalidade por Aids em Săo Paulo: dezoito anos de história. Bol Epidemiol Aids 1998;16(2):3-12.
  • *
    Versão preliminar apresentada ao I Fórum e II Conferência de Cooperação Técnica Horizontal da América Latina e do Caribe em HIV/Aids e DST. Rio de Janeiro, RJ, 2000.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2001
    • Data do Fascículo
      Dez 2000

    Histórico

    • Aceito
      09 Ago 2000
    • Revisado
      06 Jul 2000
    • Recebido
      18 Fev 2000
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br