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Tendências da incidência e da mortalidade por Aids no Maranhão, 1985 a 1998

Trends in AIDS incidence and mortality in Brazil, 1985 to 1998

Resumos

INTRODUÇÃO: A mortalidade por Aids no Brasil está decrescendo, principalmente, após a introdução dos anti-retrovirais. Nesse sentido, foi realizado estudo com o objetivo de analisar a incidência e mortalidade, segundo sexo, em uma determinada região do Brasil. MÉTODOS: O estudo foi realizado a partir do número de óbitos ocorrido por Aids na população residente no Estado do Maranhão, segundo sexo, no período de 1985 a 1998. Utilizou-se como numerador a quantidade de óbitos do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). De 1985 a 1995, foram utilizados registros com código 279/1 da nona revisão da Classificação Internacional de Doenças. A partir de 1996, foram utilizados os códigos B20 a B24 da décima revisão dessa classificação. Foram utilizados como numerador dos coeficientes de incidência os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação Compulsória (SINAM). Os percentuais de variação dos coeficientes foram calculados utilizando-se modelo de regressão de Poisson. RESULTADOS: Ocorreram 1.211 casos e 501 óbitos por Aids no período. Os coeficientes de incidência anual mostraram crescimento de 21,6% (p<0,05) em ambos os sexos, com aumento maior no sexo feminino. A mortalidade mostrou aumento do tipo exponencial de 122,5% até 1991. De 1992 até 1998, a mortalidade estabilizou-se em homens, mas continuou aumentando entre as mulheres. CONCLUSÕES: A estabilização da mortalidade no sexo masculino pode estar refletindo maior utilização de anti-retrovirais. O aumento da mortalidade no sexo feminino pode ser devido a diferentes dinâmicas da epidemia nesse sexo. Esta tendência difere da observada no Brasil, onde foi detectada a queda da mortalidade por Aids em ambos os sexos, principalmente após 1991.

Síndrome de imunodeficiência adquirida; Mortalidade; Mortalidade; Sistemas de informação; Coeficiente de mortalidade


INTRODUCTION: AIDS mortality is decreasing in Brazil, especially after the introduction of anti-retroviral therapy. A study was conducted to evaluate AIDS incidence and mortality in a certain area of Brazil. METHODS: The number of AIDS deaths according to sex in the study period, obtained from registry sources, were used as the numerator of mortality rates. From 1985 to 1995, deaths with underlying cause classified as code 279/1 in the 9th International Classification of Diseases (ICD) and, from 1996 onwards, B20 to B24 codes in the 10th Review were considered AIDS cases. SINAN/MS disease compulsory notification data were used as the numerator of incidence rates. Percentage of variation of the incidence and mortality rates were calculated using a Poisson regression model. RESULTS: In the study period, there were 1,211 AIDS cases and 501 deaths. AIDS incidence increased 21.6% during this period (p<0.05) in both sexes, though higher among women. The mortality rates increased exponentially (122.5%) from 1985 to 1991. From 1991 to 1998, mortality remained steady among men but continued to rise among women. CONCLUSIONS: Stabilization of AIDS mortality in men may be a reflection of large utilization of anti-retroviral therapy. Increasing mortality rate among women could be due to different epidemic dynamics according to sex. This trend is different from the observed in the rest of Brazil, where there has been a fall in AIDS mortality for both sexes since 1991.

Acquired immunodeficiency syndrome; Mortality; Mortality; Information systems; Mortality rate


ARTIGO ORIGINAL

Tendências da incidência e da mortalidade por Aids no Maranhão, 1985 a 1998

Trends in AIDS incidence and mortality in Brazil, 1985 to 1998

Maria Teresa S S B AlvesI; Antônio Augusto M SilvaI; Maria Ines Battistella NemesII; Luis Gustavo Oliveira BritoI

IDepartamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão. São Luis, MA, Brasil

IIDepartamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maria Teresa Seabra S B Alves Departamento de Saúde Pública/UFMA Rua Barão de Itapary, 155 Centro 65020-070 São Luís, MA, Brasil E-mail: seabra@elo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A mortalidade por Aids no Brasil está decrescendo, principalmente, após a introdução dos anti-retrovirais. Nesse sentido, foi realizado estudo com o objetivo de analisar a incidência e mortalidade, segundo sexo, em uma determinada região do Brasil.

MÉTODOS: O estudo foi realizado a partir do número de óbitos ocorrido por Aids na população residente no Estado do Maranhão, segundo sexo, no período de 1985 a 1998. Utilizou-se como numerador a quantidade de óbitos do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). De 1985 a 1995, foram utilizados registros com código 279/1 da nona revisão da Classificação Internacional de Doenças. A partir de 1996, foram utilizados os códigos B20 a B24 da décima revisão dessa classificação. Foram utilizados como numerador dos coeficientes de incidência os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação Compulsória (SINAM). Os percentuais de variação dos coeficientes foram calculados utilizando-se modelo de regressão de Poisson.

RESULTADOS: Ocorreram 1.211 casos e 501 óbitos por Aids no período. Os coeficientes de incidência anual mostraram crescimento de 21,6% (p<0,05) em ambos os sexos, com aumento maior no sexo feminino. A mortalidade mostrou aumento do tipo exponencial de 122,5% até 1991. De 1992 até 1998, a mortalidade estabilizou-se em homens, mas continuou aumentando entre as mulheres.

CONCLUSÕES: A estabilização da mortalidade no sexo masculino pode estar refletindo maior utilização de anti-retrovirais. O aumento da mortalidade no sexo feminino pode ser devido a diferentes dinâmicas da epidemia nesse sexo. Esta tendência difere da observada no Brasil, onde foi detectada a queda da mortalidade por Aids em ambos os sexos, principalmente após 1991.

Descritores: Síndrome de imunodeficiência adquirida, epidemiologia. Mortalidade, tendência. Incidência. Sistemas de informação. Coeficiente de mortalidade.

ABSTRACT

INTRODUCTION: AIDS mortality is decreasing in Brazil, especially after the introduction of anti-retroviral therapy. A study was conducted to evaluate AIDS incidence and mortality in a certain area of Brazil.

METHODS: The number of AIDS deaths according to sex in the study period, obtained from registry sources, were used as the numerator of mortality rates. From 1985 to 1995, deaths with underlying cause classified as code 279/1 in the 9th International Classification of Diseases (ICD) and, from 1996 onwards, B20 to B24 codes in the 10th Review were considered AIDS cases. SINAN/MS disease compulsory notification data were used as the numerator of incidence rates. Percentage of variation of the incidence and mortality rates were calculated using a Poisson regression model.

RESULTS: In the study period, there were 1,211 AIDS cases and 501 deaths. AIDS incidence increased 21.6% during this period (p<0.05) in both sexes, though higher among women. The mortality rates increased exponentially (122.5%) from 1985 to 1991. From 1991 to 1998, mortality remained steady among men but continued to rise among women.

CONCLUSIONS: Stabilization of AIDS mortality in men may be a reflection of large utilization of anti-retroviral therapy. Increasing mortality rate among women could be due to different epidemic dynamics according to sex. This trend is different from the observed in the rest of Brazil, where there has been a fall in AIDS mortality for both sexes since 1991.

Keywords: Acquired immunodeficiency syndrome, epidemiology. Mortality, trends. Incidence. Information systems. Mortality rate.

INTRODUÇÃO

O coeficiente de mortalidade por Aids é um importante indicador de efetividade do programa de controle, sobretudo após o uso dos novos anti-retrovirais, mais especificamente os inibidores de protease. No Brasil, a garantia de acesso universal aos anti-retrovirais tem modificado o panorama da mortalidade. A queda do coeficiente de mortalidade por Aids no Brasil foi mais evidente após o ano de 1995 – 16,2% de 1995 a 1998, coincidindo com a implantação dessa política.3

Assim como a maior sobrevida, a melhoria da qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV e Aids também tem sido associada ao uso de anti-retrovirais. Esses fatores resultam em aumento do número de pacientes que demandam serviços especializados, principalmente ambulatoriais, em busca dos benefícios da terapêutica combinada. Há evidências, entretanto, de que o tratamento como um todo – e não apenas a prescrição de medicamentos – não é homogêneo no País.

Nessa direção, um estudo realizado no Estado de São Paulo6 mostrou que a forma de organização dos serviços – em todas suas dimensões, inclusive a da qualidade do cuidado prestado – é um dos principais determinantes da adesão do paciente ao uso de anti-retrovirais. Dentre os fatores relacionados ao serviço, merecem maior destaque a relação médico-paciente e os aspectos de acessibilidade ao serviço.12

Tais questões têm motivado diferentes pesquisadores a promover estudos no sentido de se conhecer a realidade local de cada epidemia para basear intervenções mais adequadas, visando à melhoria dos programas de controle.6

Embora a incidência de Aids continue alta no País, tem-se observado desaceleração de seu crescimento. Em algumas regiões, já é possível detectar tendência de estabilidade, o que demonstra melhor controle da epidemia.2 No início dos anos 80, a epidemia de Aids no Brasil estava concentrada em grandes centros urbanos. A partir do final dos anos 90, os maiores ritmos de crescimento da Aids ocorrem em municípios pequenos, com menos de 50 mil habitantes. O dado demonstra que a epidemia está ainda em expansão nessas localidades.11

O primeiro caso notificado de Aids em pessoa residente no Estado do Maranhão foi em 1985. Hoje, o Estado é responsável por aproximadamente oito por cento dos casos da região Nordeste, com coeficiente de incidência de 2,2 por 100 mil habitantes no ano de 1999. Trata-se da quarta posição em números absolutos de casos entre todos os estados da região. O município de São Luís é responsável por 47,4% dos casos notificados no Estado e, em 1998, tinha coeficiente de 12,6 casos por 100 mil habitantes.5

Os estudos das tendências de mortalidade de diferentes agravos, apesar de conterem imperfeições, vêm apresentando queda progressiva do sub-registro e do percentual de registros fora de prazo. Isto mostra melhor qualidade e dados mais próximos da realidade, principalmente após as modificações implantadas no sistema de registro de óbitos, ocorridas em 1996, quando foi revisto todo o sistema de codificação, especialmente em relação a Aids. Mesmo com as imperfeições existentes, o sistema permite uma avaliação aproximada da situação real.8 A análise da evolução da mortalidade por Aids tem permitido pensar formas de desenvolver estratégias para um controle mais eficaz da epidemia.

Os diferentes perfis da epidemia têm mostrado características geográficas. Sua análise em unidades menores, como um Estado, permite melhor entendimento da dinâmica local.

O presente estudo tem o objetivo de descrever e analisar os coeficientes de incidência e de mortalidade por Aids, separadamente para cada sexo, tendo em conta a diversidade do perfil da epidemia entre homens e mulheres no Brasil.

MÉTODOS

Para a construção do coeficiente de incidência foram utilizados os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação Compulsória, do Ministério da Saúde (SINAN) sobre o número de casos notificados de Aids em pessoas residentes no Maranhão, no período de 1985 a 1998.

Para construção do coeficiente de mortalidade, foram utilizados os números de óbitos ocorridos por Aids em pessoas residentes no Estado do Maranhão, segundo sexo, obtidos no Sistema de Informação de Mortalidade da Saúde (SIM) do Ministério da Saúde. De 1985 a 1995 foram incluídos todos os óbitos que tiveram como causa básica "Aids", código 279/1 da nona revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID). A partir de 1996, foram utilizados os códigos B20 a B24 da décima revisão da CID. O ano de 1998 é o último ano disponível com dados confirmados.

Os coeficientes específicos de incidência e mortalidade por Aids para cada 100 mil habitantes foram calculados considerando-se a população residente no Estado por ano e segundo sexo. A população anual utilizada foi obtida de acordo com os dados dos censos e projeções intercensitárias da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os percentuais de variação dos coeficientes de incidência e mortalidade global e segundo sexo foram calculados pelo modelo de regressão de Poisson, devido ao pequeno número de óbitos a cada ano, quando analisado segundo sexo. Esta distribuição foi usada por ser o modelo de probabilidade mais apropriado para eventos independentes e raros, de qualquer natureza, assim como para dados derivados de sistemas de registro de rotina. Os coeficientes estimados pelo modelo também têm sido usados para análise de tendências.14 Utilizou-se o pacote estatístico Stata, versão 6.0. A significância estatística foi considerada para valores de p<0,05.

Em algumas análises, o período total do estudo foi subdividido em dois períodos. O ponto de corte considerado foi a mudança, percebida à inspeção visual, da curva construída a partir dos coeficientes calculados.

RESULTADOS

O número de casos de Aids notificados em pessoas residentes no Estado do Maranhão, no período de 1985 a 1998, foi de 1.211, sendo 78,6% do sexo masculino (952) e 21,4% do sexo feminino (259). O total de óbitos (em que a Aids foi a causa básica) registrados no SIM, no mesmo período, foi de 501 pessoas, sendo 81,6% do sexo masculino (409) e 18,4% do sexo feminino (92).

Os coeficientes de incidência calculados mostraram uma tendência de crescimento aproximadamente linear ao longo de todo o período (Figura 1), com taxa de crescimento anual estatisticamente significante de 21,6% (p<0,001) (Tabela 1).


Os coeficientes de mortalidade apresentaram tendência ascendente até o ano de 1991. A partir daí, percebe-se tendência de estabilização com pequenas variações ao longo do período. Como não foi uniforme ao longo de toda a série, a tendência de mortalidade foi dividida em dois períodos, para fins de análise: 1985 a 1991 e de 1992 a 1998 (Figura 1). A tendência dos coeficientes de mortalidade mostrou taxa de crescimento anual de 122,5% até o ano de 1991 (p<0,01). A partir de 1992, o crescimento do coeficiente foi menor, com taxa anual de 3,9%, sem significância estatística (p=0,123) (Tabela 2).

A Figura 2 mostra a tendência dos coeficientes de incidência e de mortalidade por Aids em indivíduos do sexo masculino. A incidência apresentou crescimento aproximadamente linear ao longo de todo o período, com pequenas oscilações, mais evidentes ao final do período. A análise estatística mostrou taxa anual de crescimento desse coeficiente de 19,2% no período estudado (p<0,001) (Tabela 1).


À inspeção visual observa-se que a mortalidade em homens apresentou crescimento acelerado a cada ano até 1991 (Figura 2), com taxa anual de crescimento de 118,2% (p<0,001). A partir desse ano, apresenta oscilações. No último ano analisado, o coeficiente retorna a valores próximos aos do final do período anterior. De 1992 a 1998, a taxa anual de crescimento foi de 1,9%, sem significância estatística (p=0,679). (Tabela 2).

Embora tenha apresentado um crescimento aproximadamente linear ao longo da série estudada, é possível delimitar dois períodos (à inspeção visual do gráfico) na evolução do coeficiente de incidência em indivíduos do sexo feminino. No período compreendido entre 1987 e 1993, a incidência apresentou oscilações, que variaram de 0,08 por 100 mil habitantes, em 1988, a 0,78 por 100 mil habitantes em 1993, com taxa de crescimento anual de 31,3% (p<0,001). No segundo período, o maior coeficiente foi de 2,37 por 100 mil habitantes, no último ano analisado, com taxa de crescimento anual de 35,1% a partir de 1994 (p<0,001) (Figura 3 e Tabela 1).


Os coeficientes de mortalidade em mulheres oscilaram menos ao longo de todo o período, apresentando crescimento mais homogêneo. O maior coeficiente foi no ano de 1998, que atingiu o valor de 0,59 óbito por 100 mil habitantes (Figura 3), com percentual de crescimento anual ao longo de todo o período de 22,5% (p<0,001) (Tabela 2).

DISCUSSÃO

A maior sobrevida dos portadores de HIV e Aids, atualmente observada no País, tem sido explicada por vários fatores. Dentre eles, estão: diagnóstico precoce da infecção pelo HIV, acesso aos serviços de assistência especializada, prevenção de doenças oportunistas, disponibilização de anti-retrovirais e, principalmente, adesão do paciente ao uso da medicação associada ao aconselhamento individual específico para situações vivenciadas pelos pacientes.1,13

O controle da doença baseado nesses fatores tem tido como resultado alterações diferenciadas na taxa de incidência e de mortalidade por Aids no País, de acordo com o nível de execução do programa e as diferentes características de cada local.3

Em estudo recente, Fonseca & Barreira3 (2000) detectaram, no período que coincide com o início da utilização da terapia anti-retroviral no País, que a mortalidade apresentou redução importante nas taxas de crescimento anual, em ambos os sexos, mesmo em regiões onde a epidemia apresentou crescimento significativo nos coeficientes de incidência, como nas regiões Nordeste e Sul.

No Maranhão, o comportamento da incidência e da mortalidade por Aids, em ambos os sexos, é muito semelhante ao que ocorre quando se refere somente a indivíduos do sexo masculino, provavelmente porque os homens têm os maiores valores absolutos a cada ano, tanto de casos, quanto de óbitos, em todo o período estudado.

Porém, na análise segundo sexo, podem ser observados diferentes comportamentos da epidemia entre os homens e as mulheres residentes no Maranhão. Estudo realizado no Rio de Janeiro também sugere um menor tempo de sobrevida para as mulheres após o diagnóstico de Aids.9 Um outro estudo realizado com 1.403 pacientes em uma clínica de Londrina mostrou que as mulheres eram menos propensas a iniciar o tratamento com anti-retrovirais, o que poderia impactar diferentemente a mortalidade desse grupo.7

A comparação das tendências dos coeficientes de incidência e de mortalidade por Aids em indivíduos do sexo masculino mostra que esses coeficientes eram muito semelhantes nos primeiros anos da epidemia no Maranhão. A partir de 1991, a mortalidade comporta-se de maneira diferente da incidência. Enquanto a incidência continua apresentando aumento de seus coeficientes anuais, a mortalidade apresenta tendência à estabilização.

No sexo feminino, tanto o coeficiente de incidência quanto o de mortalidade apresentaram tendência de crescimento ao longo de toda a série histórica, com taxas de crescimento estatisticamente significantes.

O fato indica algumas questões específicas da epidemia no Maranhão que merecem ser analisadas. Em todo o Brasil, a utilização da terapia anti-retroviral teve como conseqüência um já esperado aumento no número de notificações.5 Pode-se supor que tenha ocorrido situação semelhante no Maranhão, o que explica o crescimento dos coeficientes de incidência no sexo masculino e no feminino. O aumento no registro de casos também pode explicar a estabilização da mortalidade, mascarando a sua esperada queda.

Corroborando esse fato, o período final do presente estudo coincide com a organização de locais de diagnóstico – abertura de COAS/CTA (Centro de Orientação e Apoio Sorológico/Centro de Testagem Anônima) – e de atendimento de portadores de HIV e Aids de forma mais descentralizada, principalmente nos municípios de São Luis e Imperatriz. Isto facilitou o acesso ao teste e ao acompanhamento médico e, conseqüentemente, melhorou as ações de vigilância epidemiológica.

A introdução da terapia combinada, a partir de 1996, não parece ter sido suficiente para reduzir os coeficientes de mortalidade, como ocorreu em outros países e em outros Estados do Brasil.4,9,10,13 Pode-se supor que, embora disponível, o uso de anti-retrovirais não foi adequado, considerando o pequeno número de serviços especializados disponíveis com capacidade de acompanhar esses pacientes e desenvolver políticas de adesão suficientes para interferir na dinâmica da doença.

No sexo masculino, pode-se observar uma dissociação entre a curva de incidência e de mortalidade no Maranhão, já a partir de 1991. Da mesma forma, a tendência de estabilização da mortalidade entre homens parece ter sido pouco influenciada pelo tratamento com anti-retrovirais, diferentemente do observado em outras regiões do País, como na região Sudeste, onde a queda da mortalidade em homens foi evidente, com redução estatisticamente significante de 19,37% no período de 1995 a 1998.3 Tanto no Maranhão quanto na região Nordeste a redução desse coeficiente não foi estatisticamente significante neste período.3

Uma outra explicação para esses achados é o número pequeno de ocorrências analisadas, o que aumenta o erro aleatório. Outras explicações devem ser buscadas na forma de organização da assistência, aqui considerando diferentes acessos ao diagnóstico, fase da doença à época do diagnóstico, dificuldades para o acompanhamento médico especializado e atualizado e pouca valorização das ações de acompanhamento e uso adequado do medicamento.

Em pessoas do sexo feminino, não houve a esperada estabilização ou a aparente redução da mortalidade, como vem acontecendo em outras regiões do Brasil, como no Nordeste, onde a taxa anual de crescimento da mortalidade feminina caiu de 113,61%, em 1987-1990, para 0,93% no período de 1995 a 1999.3

O aumento da taxa de crescimento da mortalidade em mulheres no Maranhão pode refletir o crescimento ainda importante da epidemia nesse sexo, como também diferenças no acesso às informações e particularidades da doença entre as mulheres, principalmente as relacionadas a seu papel na sociedade, suas responsabilidades familiares – como cuidar de crianças – e se assumir como doente de Aids perante a comunidade. Tais fatores podem estar influenciando desproporcionalmente a adesão ao uso de anti-retrovirais,15 além das questões levantadas em parágrafo anterior sobre a qualidade dos serviços disponíveis.

Mesmo considerando a existência de sub-registro, não quantificado, porém esperado, na notificação de casos e óbitos no Estado do Maranhão, as tendências detectadas no presente estudo poderiam refletir uma situação ainda pior no controle da doença, especialmente em pessoas do sexo feminino.

A epidemia da Aids pode estar em franca expansão no Maranhão, com taxa anual de crescimento de 21,6% para ambos os sexos ao longo do período estudado. Também pode ter ocorrido melhoria no sistema de registro de casos. Porém, não há razão para supor diferenças no registro entre homens e mulheres, que possam explicar as diferentes dinâmicas da epidemia segundo sexo, descritas no presente trabalho. Entre as mulheres, o crescimento foi maior quando comparado ao crescimento entre os homens, sugerindo diferença real na dinâmica da epidemia segundo o sexo.

O aumento na incidência está interferindo na taxa de crescimento do coeficiente de mortalidade geral. Entretanto, quando se analisa a mortalidade segundo o sexo, constata-se aumento no sexo feminino e estabilização no masculino. O dado indica a necessidade de investigação que esclareça as particularidades no controle da doença ligadas ao gênero.

A presente análise também mostra a necessidade de investigar as opções e disponibilidade dos serviços de atenção a portadores de HIV e Aids já implantados, assim como a política de descentralização dessas ações, incluindo investimentos em formação e capacitação de recursos humanos para adaptar os serviços a uma atuação mais eficiente e precoce.

O presente estudo também justifica a importância de análises mais desagregadas, capazes de compreender a grande diversidade da epidemia de Aids no País e orientar ações mais eficientes para a prevenção e assistência aos portadores, considerando-se as diferenças locais, buscando contribuir para alterar os indicadores de morbi-mortalidade em cada unidade federada.

Recebido em 4/1/2002

Reapresentado em 25/7/2002

Aprovado em 16/12/2002

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  • Endereço para correspondência
    Maria Teresa Seabra S B Alves
    Departamento de Saúde Pública/UFMA
    Rua Barão de Itapary, 155 Centro
    65020-070 São Luís, MA, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Abr 2003

    Histórico

    • Aceito
      16 Dez 2002
    • Revisado
      25 Jul 2002
    • Recebido
      04 Jan 2002
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