Acessibilidade / Reportar erro

Síndrome do climatério: inquérito populacional domiciliar em Campinas, SP

Resumos

OBJETIVO: Estudar a prevalência de sintomas climatéricos, urogeniatais e sexuais em população de mulheres do Brasil. MÉTODOS: Estudo descritivo de corte transversal, de base populacional. Selecionaram-se, por meio de processo de amostragem, 456 mulheres, residentes no município de Campinas, SP, na faixa etária de 45-60 anos de idade, em 1997, segundo informações da agência local do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Os dados foram coletados por meio de entrevistas domiciliares, com questionários estruturados e pré-testados. A análise dos dados foi realizada pelo teste do qui-quadrado, teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, com nível de significância estatística menor que 0,05. A intensidade dos sintomas climatéricos foi analisada pelos índices circulatório e psicológico. A análise de componentes principais foi utilizada para determinar a inter-relação dos sintomas climatéricos. RESULTADOS: Os sintomas climatéricos mais prevalentes foram: nervosismo (82%), fogachos (70%), cefaléia (68%), irritabilidade (67%) e sudorese (59%). Os fogachos, a sudorese e a insônia foram significativamente mais prevalentes na peri e pós-menopausa. A freqüência (intensidade) dos sintomas vasomotores e psicológicos não variou segundo o estado menopausal. A prevalência de incontinência urinária foi de 27,4%. A queixa de dispareunia e secura vaginal foi pouco freqüente. Em relação às queixas sexuais, a diminuição do interesse sexual foi a mais freqüente. Constatou-se que algumas queixas climatéricas são inter-relacionadas. O primeiro aglomerado incluiu as ondas de calor e a sudorese (aglomerado vasomotor). O segundo, depressão, nervosismo e irritabilidade (aglomerado psicológico) e o terceiro, tontura e palpitação (aglomerado atípico). CONCLUSÕES: A prevalência de sintomas climatéricos na população estudada foi elevada e semelhante à descrita em países ocidentais desenvolvidos.

Climatério; Menopausa; Estudos transversais


OBJECTIVES: To study the prevalence of climacteric, urogenital and sexual symptoms in a population of Brazilian women. METHODS: A cross-sectional descriptive population-based study was conducted. The selection of 456 women aged 45-60 years, living in Campinas, SP, in 1997, was done through area cluster sampling, according to data from the Brazilian Institute of Geography and Statistics. Data were collected via home interviews, using structured pretested questionnaires. Data were analyzed using the chi-squared test and the nonparametric Kruskal-Wallis test; a probability of <0.05 was considered statistically significant. The degree of climacteric symptoms was analyzed through circulatory and psychological indices. Analysis of the main components was used to determine symptom interrelationships. RESULTS: The most prevalent symptoms were nervousness (82%), hot flushes (70%), headache (68%), irritability (67%) and sweating (59%). Hot flushes, sweating and insomnia were significantly more prevalent in the peri and postmenopausal phases. The frequency (severity) of vasomotor and psychological symptoms did not vary according to the menopause phase. The prevalence of urinary incontinence was 27.4%. Complaints of dyspareunia and vaginal dryness were infrequent. Decreased libido was the most frequent sexual complaint. It was observed that some climacteric complaints were interrelated. The first cluster included hot flushes and sweating (vasomotor cluster). The second cluster included nervousness, depression and irritability (psychological cluster). The third cluster included dizziness and palpitation (atypical cluster). CONCLUSION: Climacteric symptoms in this population were highly prevalent and similar to those described in developed Western countries.

Climacteric; Menopause; Cross-sectional studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Síndrome do climatério: inquérito populacional domiciliar em Campinas, SP

Adriana Orcesi PedroI; Aarão Mendes Pinto-NetoI; Lúcia Helena Simões Costa-PaivaI; Maria José Duarte OsisII; Ellen Elizabeth HardyI

IDepartamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil

IICentro Materno Infantil de Campinas (CEMICAMP). Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Aarão Mendes Pinto-Neto Rua Alexander Fleming, 101 Cidade Universitária "Zeferino Vaz" 13083-970 Campinas, SP, Brasil E-mail: aarao@unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: Estudar a prevalência de sintomas climatéricos, urogeniatais e sexuais em população de mulheres do Brasil.

MÉTODOS: Estudo descritivo de corte transversal, de base populacional. Selecionaram-se, por meio de processo de amostragem, 456 mulheres, residentes no município de Campinas, SP, na faixa etária de 45-60 anos de idade, em 1997, segundo informações da agência local do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Os dados foram coletados por meio de entrevistas domiciliares, com questionários estruturados e pré-testados. A análise dos dados foi realizada pelo teste do qui-quadrado, teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, com nível de significância estatística menor que 0,05. A intensidade dos sintomas climatéricos foi analisada pelos índices circulatório e psicológico. A análise de componentes principais foi utilizada para determinar a inter-relação dos sintomas climatéricos.

RESULTADOS: Os sintomas climatéricos mais prevalentes foram: nervosismo (82%), fogachos (70%), cefaléia (68%), irritabilidade (67%) e sudorese (59%). Os fogachos, a sudorese e a insônia foram significativamente mais prevalentes na peri e pós-menopausa. A freqüência (intensidade) dos sintomas vasomotores e psicológicos não variou segundo o estado menopausal. A prevalência de incontinência urinária foi de 27,4%. A queixa de dispareunia e secura vaginal foi pouco freqüente. Em relação às queixas sexuais, a diminuição do interesse sexual foi a mais freqüente. Constatou-se que algumas queixas climatéricas são inter-relacionadas. O primeiro aglomerado incluiu as ondas de calor e a sudorese (aglomerado vasomotor). O segundo, depressão, nervosismo e irritabilidade (aglomerado psicológico) e o terceiro, tontura e palpitação (aglomerado atípico).

CONCLUSÕES: A prevalência de sintomas climatéricos na população estudada foi elevada e semelhante à descrita em países ocidentais desenvolvidos.

Descritores: Climatério. Menopausa. Estudos transversais.

INTRODUÇÃO

A menopausa é definida como a última menstruação e o climatério como o período de transição entre a fase reprodutiva para a não reprodutiva. O climatério é caracterizado por mudanças endócrinas devido ao declínio da atividade ovariana; mudanças biológicas em função da diminuição da fertilidade; e mudanças clínicas conseqüentes das alterações do ciclo menstrual e de uma variedade de sintomas.25

Os sintomas associados ao período de climatério já estão bem documentados em outros países e atingem cerca de 60 a 80% das mulheres, sendo que estes podem ocorrer mesmo antes da parada fisiológica dos ciclos menstruais.19 A associação da menopausa com sintomas já foi descrita há mais de 200 anos.23 A explicação associava a parada do fluxo menstrual a mecanismos físicos e relatava sua associação com atrofia vaginal e sintomas urinários. Um dos primeiros livros sobre a menopausa reportou que a mulher durante a "mudança de vida" é freqüentemente acometida com câncer, reumatismo e em alguns casos por uma "afecção nervosa bem localizada".

Porém, somente nas últimas décadas há referências da universalidade dos sintomas climatéricos, apesar deles sofrerem influências de características sociodemográficas, como por exemplo, a raça. A transição climatérica é um fenômeno cultural extremamente variável e a complexidade dos fatores hormonais e psicossocioculturais e o próprio envelhecimento biológico produzem uma grande variabilidade de sintomas como também conseqüências para a saúde a longo prazo. Nessas circunstâncias, a menopausa representa um sinal cronológico importante no ciclo da vida e um evento fisiológico a ser considerado sob uma perspectiva médica. Assim, o presente estudo teve como objetivo conhecer a prevalência dos sintomas climatéricos, urogeniatais e sexuais em mulheres do Brasil.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo descritivo de corte transversal e exploratório, tipo inquérito populacional. O tamanho da população alvo considerada para o cálculo foi a população feminina, brasileira, nata, residente em Campinas, São Paulo, na faixa etária entre 45 e 60 anos, no ano de 1997. O número mínimo calculado de entrevistas foi de 367 mulheres, acrescido de 20%, resultando em 456 entrevistas, para contemplar as possíveis usuárias terapia de reposição hormonal. A seleção dos sujeitos foi por conglomerados e a unidade referência foi um setor censitário, conforme definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística como a menor unidade de amostragem, geralmente composta por vários quarteirões e outras vezes por uma favela. Estudaram-se 82 setores censitários sorteados entre todos os 845 de Campinas. Em cada um dos setores selecionou-se no mínimo uma e no máximo seis mulheres. As que participaram do estudo foram identificadas por meio de entrevistas domiciliares. Para fazer uma seleção aleatória das mulheres, adotou-se um intervalo de seis endereços entre as casas em que as entrevistadoras deveriam obter informações sobre as mulheres residentes. Para as mulheres selecionadas, que aceitassem participar, a entrevistadora lia o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, redigido conforme a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

A coleta de dados foi iniciada em 14 de outubro de 1997 e encerrada em 15 de janeiro de 1998, totalizando 73 dias de trabalho de campo. No total, foram listados 12.238 endereços, dos quais 2.805 foram sorteados e abordados, sendo que destes 1.771 eram residenciais e 1.034 não residenciais. Em 57% (1.008/1.771) dos endereços residenciais tinha-se conhecimento de que não moravam mulheres na faixa etária a ser estudada. Em 11% (192/1.771) dos endereços residenciais sorteados, as entrevistadoras não puderam saber se havia moradoras elegíveis para o estudo ou porque os moradores se recusavam a informar ou porque nunca encontravam alguém que pudesse informá-las. Das 571 mulheres elegíveis, em 51 (9%) a entrevista não foi realizada pela dificuldade de se conseguir uma ocasião mais apropriada, e 64 mulheres (11,2%) recusaram-se a participar do estudo. De modo geral, a receptividade das mulheres abordadas foi boa, tendo a maioria manifestado interesse em responder às perguntas. Para cada mulher entrevistada, foram visitados 3,8 domicílios residenciais (456/1.771), sendo que na maior parte deles as mulheres residentes estavam fora da faixa etária fixada para o estudo.

Foi utilizado um questionário estruturado e pré-testado para obter as informações relatadas pelas mulheres, elaborado a partir de dois outros e adaptados pelos autores. O primeiro questionário foi fornecido pela Sociedade Internacional de Menopausa e Fundação Internacional de Saúde após ter sido aplicado em sete países do Sudeste Asiático em 1993.3 O segundo foi fornecido pela Sociedade Norte Americana de Menopausa e foi aplicado nos Estados Unidos em 1993.22

O estado menopausal foi definido por Jaszmann,10 1973: pré-menopausa - mulheres com ciclos menstruais regulares ou com padrão menstrual similar ao que elas tiveram durante a vida reprodutiva; peri-menopausa - mulheres com ciclos menstruais nos últimos 12 meses, mas com mudança do padrão menstrual quando comparado aos padrões anteriores; pós-menopausa -mulheres em que o último período menstrual ocorreu pelo menos há 12 meses antes da entrevista.

As mulheres foram questionadas a respeito da existência e da freqüência de sintomas como ondas de calor, sudorese, palpitação e tontura (sintomas vasomotores), nas quatro últimas semanas anteriores ao estudo. As respostas pré-codificadas foram "nunca"; "menos que três vezes no dia"; "de três a 10 vezes ao dia"; e "11 ou mais vezes ao dia". As mulheres também foram questionadas a respeito da existência de sintomas como nervosismo, irritabilidade, cefaléia, depressão e insônia (sintomas psicológicos) nas últimas quatro semanas anteriores ao estudo. As respostas pré-codificadas foram "nunca"; "menos que três dias ao mês"; "de quatro a 10 dias ao mês" e "11 ou mais dias ao mês". Utilizou-se a pontuação proposta pela Sociedade Internacional de Menopausa.3

Para os sintomas urológicos avaliou-se a questão sobre incontinência urinária. Incluíram-se perguntas sobre perda da urina quando tossia, ria ou carregava peso e se aquele sintoma apareceu no período de três anos anteriores ao estudo. Casos de incontinência urinária que iniciaram há mais de três anos antes do estudo ou após parto ou cirurgia ginecológica não foram considerados por serem irrelevantes ao objetivos do estudo. Em relações às queixas genitais, realizaram-se perguntas somente a respeito de dispareunia e secura vaginal, considerando apenas a presença desses sintomas nos 12 meses anteriores ao estudo. Outros casos, como início precoce e existência prévia, não foram considerados. Para a avaliação das queixas sexuais, realizaram-se perguntas a respeito da diminuição do interesse sexual, aumento ou diminuição da freqüência sexual, sentimento de não se sentir atraente e outras queixas sexuais (pergunta aberta) ocorridas há menos de um ano da entrevista.

As seguintes atividades e estratégias foram realizadas para assegurar a qualidade dos dados: treinamento das entrevistadoras e supervisora; preparação e uso do manual de instrução para as entrevistadoras; supervisão e monitorização da coleta de dados pelo supervisor e pesquisador principal; verificação durante as entrevistas em campo pela supervisora e pesquisador principal; verificação do preenchimento completo e fidedignidade da entrevista; repetição da aplicação de seções do questionário pela supervisora. As entrevistadoras receberam treinamento específico para a aplicação do "Termo de consentimento" e conceitos éticos para pesquisas com seres humanos.

Para a análise dos dados, utilizou-se o pacote "Statitical Package For Social Sciences" para Personal Computer (SPSS-PC). Para análise dos dados, em tabelas de contingência, foi utilizado teste do Qui-quadrado. O nível de significância estatística considerado foi de 0,05. Como o objetivo deste estudo foi analisar o climatério natural, mulheres usando contraceptivo hormonal ou terapia de reposição hormonal foram excluídas da análise dos sinais vasomotores e psicológicos, porque estas medicações poderiam mascarar os sintomas climatéricos.

Para analisar a prevalência dos sintomas climatéricos, estes foram inicialmente classificados em existente ou não existentes. Para obter mais enfoque na intensidade dos sintomas, foi adotado o índice circulatório que expressa valores médios para a freqüência de cada um dos sintomas vasomotores (ondas de calor, sudorese, palpitação, tontura) sofridos pelas mulheres da amostra. Este índice é obtido por simples adição dos escores das freqüências indicadas pelas mulheres (cada sintomas varia de um, "nunca" a quatro, "11 vezes ou mais por dia"). O índice psicológico foi utilizado de forma similar com base nas queixas psicológicas (nervosismo, irritabilidade, cefaléia, depressão e insônia) também com escore variando de um a quatro. Estes índices são padronizados e utilizados pela Sociedade Internacional de Menopausa/ Fundação Internacional de Saúde.3 As diferenças entre as médias deste índice para os três grupos de estado menopausal foram avaliados pela análise de variância de Kruskall-Wallis.

A análise estatística de componentes principais foi utilizada para avaliar a extensão em que os sintomas climatéricos experimentados estão inter-relacionados. Um conjunto de variáveis foi transformado em um novo conjunto de variáveis compostas ou componentes principais que não são correlacionados entre si, usando a informação contida na matriz de correlação. Esta análise das correlações foi feita em apresentação gráfica. Elas foram apresentadas de modo que a distância entre as variáveis no gráfico representem sua inter-relação. Isto é, quanto maior a distância entre as variáveis, menor a inter-relação entre elas, e vice-versa.

O protocolo do presente estudo foi avaliado e aprovado pela Comissão de Pesquisa do Departamento de Tocoginecologia e Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

RESULTADOS

A sintomatologia associada à síndrome do climatério foi altamente prevalente, sendo que cerca de 96,9% das mulheres experimentaram pelo menos um dos sintomas. Para essa análise de prevalência, excluíram-se 88 mulheres em uso corrente de terapia de reposição hormonal (19,3%) e uma mulher em uso de anticoncepcional hormonal oral. A comparação estatística foi realizada de acordo com o estado menopausal. Dentre os sintomas vasomotores, os mais prevalentes foram os fogachos, a tontura e a sudorese. Os fogachos e a sudorese foram significativamente mais freqüentes em mulheres na peri e pós-menopausa (Tabela 1).

Dentre os sintomas psicológicos, os mais freqüentes foram o nervosismo, a cefaléia e irritabilidade. A prevalência desses sintomas foi alta e semelhante nos três grupos, independente do estado menopausal, com exceção da insônia, significativamente mais freqüente nas mulheres peri e pós-menopausadas (Tabela 2).

O índice circulatório poderia variar entre 4 a 16. A Tabela 3 mostra que a intensidade dos sintomas vasomotores foi baixa. O escore mais alto observado foi de 6,85 em mulheres na peri-menopausa. A intensidade das queixas psicológicas foi igualmente baixa, uma vez que o índice psicológico poderia variar de 5 a 20. O índice psicológico mais alto foi observado em mulheres na peri-menopausa, sendo de 10,99. A intensidade dos sintomas vasomotores e psicológicos, calculada pelo índice circulatório e psicológico, não evidenciou diferença significativa de acordo com o estado menopausal, ou seja, uma vez presente o sintoma, a sua intensidade não se modificou de acordo com o estado menopausal (Tabela 3).

Procurou-se avaliar apenas os sintomas urogenitais associados ao climatério. Portanto, incontinência urinária de início há mais de três anos e/ou decorrente de parto ou cirurgia ginecológica não foi considerada. A freqüência de incontinência urinária relacionada ao período do climatério foi de aproximadamente 27,4%, sendo mais prevalente em mulheres na pré e peri menopausa. A queixa da dispareunia e secura vaginal foi pouco freqüente, porém mais prevalente no período de pós-menopausa (Tabela 4).

Em relação às queixas sexuais, a diminuição do interesse sexual foi a mais freqüente, e predominou na peri e pós-menopausa sendo que 66,4% das mulheres estavam com vida sexual ativa. Das que não estavam em atividade sexual, a principal causa foi a falta de parceiro (63,4%) ou doença no parceiro (11,7%). A dispareunia ou o medo de engravidar não constituíram causa de abstinência sexual e a freqüência sexual média foi de seis relações sexuais por mês. Das mulheres com vida sexual ativa, cerca de 86,2% referiam ter relações sexuais orgásmicas.

Pela análise de componentes principais, considerando-se nove variáveis indicadoras de sintomatologia do climatério e incontinência urinária, extraíram-se três fatores. A correlação entre os vários sintomas da síndrome do climatério está representada graficamente na Figura.


Os três fatores identificados na análise de componentes principais explicam um total de 54,5% da variância observada. Constatou-se que algumas queixas climatéricas são inter-relacionadas. O primeiro fator incluiu as ondas de calor, sudorese (aglomerado vasomotor); o segundo incluiu depressão, nervosismo e irritabilidade (aglomerado psicológico); o terceiro, tontura e palpitação (aglomerado atípico). Os demais sintomas estão a uma distância relativamente grande no gráfico, parecendo ser relativamente pouco inter-relacionados com os outros sintomas, como se verificou em relação à cefaléia e à incontinência urinária. A insônia inter-relacionou-se mais ao aglomerado dos sintomas vasomotores do que ao dos sintomas psicológicos.

DISCUSSÃO

A prevalência de sintomas climatéricos como fogachos, sudorese, palpitação, tontura, ansiedade, irritabilidade, cefaléia, depressão e insônia foi muito elevada na população estudada, confirmando-se que a transição climatérica tem um grande impacto na vida dessas mulheres. É semelhante ao relato de mulheres de países desenvolvidos do ocidente onde, por exemplo, foi de 85% em mulheres holandesas;17 55% em mulheres inglesas.8 Na Austrália estas queixas foram de 77%1 e nos Estados Unidos em 74%.15

Em países do sudeste asiático, a prevalência dos sintomas vasomotores variaram de 8,3% a 48,9%;3 na Tanzânia, 82%14 e no Paquistão estas queixas variaram de 7% a 57%, dependendo da classe econômica.24 Nos Emirados Árabes esta prevalência foi de 45%.18 No Japão, apenas 9,7% das mulheres referiram ondas de calor no climatério.13

Na literatura médica indexada, não foram identificados estudos de base populacional que estudassem a prevalência de sintomas climatéricos em população latino-americana. Verificaram-se apenas estudos em populações hospitalares, onde a prevalência desses sintomas foi alta, na faixa entre 74,6 a 97%.6 Leidy,12 (1998) comparando dois grupos de populações, uma hospitalar e outra de base populacional, não encontrou diferenças na prevalência de sintomas, sendo que as únicas diferenças observadas foram relativas ao uso de terapia de reposição hormonal (52% vs 20%) e ao número de histerectomias, que como era de se supor, predomiaram na população hospitalar.

No presente estudo, os fogachos ocorreram em cerca de 50,5% das mulheres na pré- menopausa. Observou-se que estudos prévios, tanto de corte transversal como longitudinal, também evidenciaram a presença de ondas de calor em 15 a 25% das mulheres que ainda menstruavam regularmente.8,9 Oldenhave et al,17 (1993) encontraram uma prevalência de fogachos em mulheres na pré-menopausa acima dos 39 anos de idade em torno de 41,1%. A explicação para este fato não é clara. Possivelmente, a definição do estado menopausal, baseado apenas no padrão menstrual, pode não caracterizar adequadamente as mulheres que estão na peri menopausa e que ainda menstruam regularmente.

Pode ser que mulheres que menstruam regularmente e referem ondas de calor têm nível do hormônio folículo estimulante maior do que mulheres que não sentem fogachos, enquanto que o nível de estradiol permanece inalterado. O critério menstrual adotado no presente estudo foi o que comumente se usa, mas há alguns problemas consideráveis com esta definição de estado menopausal. Outra explicação para este fato é que algumas mulheres têm o sistema termo-regulador menos estável ou são mais sensíveis a essas mudanças e, portanto, são mais susceptíveis a experimentar sintomas no climatério.20 As mulheres estudadas pertenciam à faixa etária igual ou superior a 45 anos e sabe-se que os sintomas climatéricos podem ser percebidos já a partir dos 40 anos, ou seja, alguns anos antes da parada da menstruação.

As mulheres que têm tensão pré-menstrual podem desenvolver algumas reações e são mais sensíveis ao processo menstrual, portanto, antecipam alguns sintomas quando há mudança no seu padrão menstrual. Há alguma vulnerabilidade hormonal nessas mulheres que pode causar tanto os sintomas pré-menstruais, como os sintomas vasomotores. Também é possível que os sintomas vasomotores sejam mais comuns em mulheres que são depressivas antes da menopausa.4 No presente estudo, encontrou-se uma prevalência de depressão na pré-menopausa em torno de 55,4%.

A inter-relação dos sintomas mostrou que os vasomotores como os fogachos e sudorese, estão intimamente interligados, associam-se também à insônia e foram significativamente mais prevalentes na peri e pós menopausa. Os demais sintomas climatéricos foram relatados independentemente do estado menopausal. Esses dados coincidem com estudos prévios que mostram que os sintomas estão intimamente relacionados ao hipoestrogenismo e, portanto, mais comuns na peri e pós menopausa são os fogachos, a sudorese e a insônia.8

De acordo com o consenso sobre "a Síndrome do Climatério",21 as ondas de calor, sudorese e vaginite atrófica são os únicos sintomas caracterizados como decorrentes do hipoestrogenismo. Uma explicação diferente deveria ser dada aos outros sintomas que são usualmente atribuídos à deficiência estrogênica ou listados como parte da síndrome do climatério. Se, por um lado, os sintomas vasomotores estão associados ao desenvolvimento da menopausa, por outro, os sintomas psicológicos não estão ligados ao estado menopausal. Nos presentes achados, observou-se uma alta prevalência de sintomas psicológicos na população estudada, mas nem a sua prevalência, nem a sua intensidade, correlacionaram-se ao estado menopausal.

A observação de que os sintomas psicológicos e os vasomotores são aglomerados separadamente sugere que eles têm um mecanismo etiológico diferente. Há fortes evidências de que os sintomas vasomotores refletem mudanças hormonais, enquanto que alguns sintomas psicológicos podem ser atribuídos a alterações hormonais ou a fatores sociais que coincidem com a menopausa. Os resultados deste estudo coincidem com estudos prévios, onde a prevalência dos sintomas psicológicos depende mais do processo psicossocial ou do envelhecimento, simultâneos ao processo endócrino.7

Atualmente há estudos que evidenciam que a depressão, ansiedade, irritabilidade e cefaléia não são mais freqüentes na peri e pós menopausa do que em qualquer outro período da vida da mulher. Um dos fatores que prediz a ocorrência desses sintomas psicológicos no climatério é o antecedente de tensão pré-menstrual. Novaes et al16 (1998) destacaram que um dos fatores que podem predizer a ocorrência dos sintomas psicológicos no climatério é o antecedente de tensão pré-menstrual.

A insônia é freqüentemente atribuída às ondas de calor, mas também pode estar associada aos sintomas psicológicos, o que refletiria a sua associação com depressão. No presente estudo, a insônia relacionou-se tanto com os sintomas vasomotores como com os psicológicos, embora tenha sido observada uma associação mais íntima com os sintomas vasomotores, provavelmente decorrente da cascata clássica de sintomas: fogachos e sudorese noturnos gerando a insônia e, em conseqüência, irritabilidade e fadiga no dia posterior.

Verificou-se neste estudo que a incontinência urinária é uma queixa freqüente em mulheres no período do climatério. Este sintoma ocorre precocemente, visto que um terço das mulheres na pré-menopausa e aproximadamente metade na peri-menopausa o referiram, ao contrário das mulheres na pós-menopausa, onde somente um quarto delas referiram incontinência urinária. Este achado concorda com estudo realizado no sudeste asiático, onde este tipo de queixa foi mais freqüente em mulheres na peri-menopausa.3 Ao contrário, observa-se que, em países ocidentais, ela aparece mais tardiamente, isto é, na pós-menopausa. Por outro lado, pode não se observar diferenças nas taxas de prevalência de incontinência urinária entre as mulheres pré e pós-menopausadas. De modo geral, observou-se que 27,4% das mulheres na faixa etária estudada apresentavam incontinência urinária de esforço.

As queixas de secura vaginal e dispareunia foram pouco freqüentes no presente estudo. A explicação para este fato pode estar na forma em que foi realizada a coleta de dados, que envolveu entrevista domiciliar com pessoal não médico, o que faz supor que as mulheres podem ter se sentido constrangidas ao serem abordadas sobre esta queixa e respondido negativamente. Se a coleta tivesse sido feita através de um questionário auto-aplicável, talvez esses sintomas pudessem ter sido mais freqüentes. Era de se esperar maior freqüência desses sintomas, pois o tempo médio decorrido da menopausa foi de sete anos, tempo suficiente para o desenvolvimento de atrofia genital. Segundo Larson et al11 (1997), a secura vaginal ocorre mais freqüentemente de quatro a seis anos após a menopausa e está diretamente relacionada ao estado de hipoestrogenismo.

Sabe-se que mulheres que convivem com parceiro apresentam maior prevalência de queixas genitais do que as que não convivem. Este fato poderia ser explicado pela melhor percepção do trato genital baixo pelas mulheres que, tendo parceiro, conseqüentemente, teriam maior atividade sexual. Porém, com o avanço da idade, pode existir também uma perda gradual da libido resultando na diminuição de atividade sexual, o que reduziria a percepção da atrofia do epitélio vaginal.5

Aproximadamente 30% das mulheres estudadas referiram alteração na sua vida sexual nos últimos 12 meses. Destas, cerca de 22% relataram diminuição do interesse sexual, independentemente do estado menopausal. Apesar da diminuição do interesse sexual, a freqüência das relações não se modificou. Utian & Schiff22 (1994) também referiram uma taxa de 31% de mudança na vida sexual de mulheres climatéricas nos Estados Unidos. A queixa principal foi a diminuição do interesse sexual (62%), secura vaginal (55%) e dispareunia (32%). Apesar disso, apenas 30% das mulheres referiram diminuição da freqüência sexual. Os fatores que afetam a expressão sexual são múltiplos e a contribuição relativa da interação entre os determinantes hormonais, psicossociais e do próprio envelhecimento não estão claramente delineados.2

Acredita-se que as informações oriundas do presente estudo poderão servir como motivação aos provedores de saúde para dirigir recursos na área de informação às mulheres e de formação de serviços para assistência ao climatérico dirigido para a realidade da mulher brasileira na tentativa de corresponder às suas expectativas e necessidades. Registre-se que não foi encontrado na literatura nacional e internacional nenhum estudo similar, o que sugere a necessidade de haver outras pesquisas sobre esse tema.

Recebido em 26/3/2002

Reapresentado em 25/7/2003

Aprovado em 30/7/2003

Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp – Processo n. 96/10341-2) e pelo Fundo de Apoio ao Ensino e Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FAEP – Processo n. 008/98)

  • 1. Abraham S, Llewellyn-Jones D, Perz J. Changes in Australian women's perception of the menopause and menopausal symptoms before and after the climacteric. Maturitas 1995;20:121-8.
  • 2. Bachmann GA, Leiblum SR. Sexuality in sexagenarian women. Maturitas 1991;13:43-50.
  • 3. Boulet MJ, Oddens BJ, Lehert P, Vemer HM, Visser A. Climacteric and menopause in seven South-east Asian countries. Maturitas 1994;19:157-76.
  • 4. Gath D, Osborne M, Bungay G et al. Psychiatric disorder and gynecological symptoms in middle aged women. BMJ 1987;294:213-8.
  • 5. Guarisi T, Pinto-Neto AM, Costa-Paiva LHS, Pedro AO, Faundes A. Sintomas urinários e genitais em mulheres climatéricas. J Bras Ginec 1998;108:125-30.
  • 6. Halbe HW, Fonseca AM, Assis JS, Vitória SM, Arie MHA, Elias DS et al. Aspectos epidemiológicos e clínicos em 1.319 pacientes climatéricas. Rev Ginec Obstet 1990;1:182-94.
  • 7. Holte A, Mikkelsen A. Psychosocial determinants of climacteric complaints. Maturitas 1991;13:205-15.
  • 8. Hunter M. The south-east England longitudinal study of the climacteric and postmenopausal. Maturitas 1992;14:117-26.
  • 9. Hunter MS. Emotional well-being, sexual behavior and hormone replacement therapy. Maturitas 1990;12:299-314.
  • 10. Jaszmann L. Epidemiology of climacteric and post-climacteric complaints. In: Van Keep PA, Lauritzen C, editors. Ageing and estrogens Front Hormone Res 2nd ed. Basel: Karger; 1973. p. 22-34.
  • 11. Larson B, Collins A, Landgren BM. Urogenital and vasomotor symptoms in relation to menopausal status and the use of hormone replacement therapy (TRH) in healthy women during transition to menopause. Maturitas 1997;28:99-105.
  • 12. Leidy LE, Canali C, Callahan WE. Reconsidering the assumption that clinical populations are nonrepresentative for studies of menopause: initial inquiries. In: Anais do 9th Annual Meeting of the North American Menopause Society; 1998. p. 59.
  • 13. Lock M. Contested meanings of the menopause. Lancet 1991;337:1270-2.
  • 14. Moore B, Kombe H. Climateric symptoms in a Tanzanian community. Maturitas 1991;13:229-34.
  • 15. Mühlen DG, Kritz-Silverstein D, Barret-Connor E. A community-based study of menopause symptoms and estrogen replacement in older women. Maturitas 1995;22:71-8.
  • 16. Novaes C, Almeida OP, Melo NR. Mental health among perimenopausal women attending a menopause clinic: possible association with premenstrual syndrome? Climacteric 1998;1:264-70.
  • 17. Oldenhave A, Jaszmann LJB, Haspels AA, Everaerd WThAM. Impact of climacteric on well-being. Am J Obstet Gynecol 1993;168:772-80.
  • 18. Rizk DEE, Bener A, Ezimokhai M, Hassan MY, Micallef R. The age and symptomathology of natural menopause among United Arab Emirates women. Maturitas 1998;29:197-202.
  • 19. Speroff L, Glass RH, Kase NG. Clinical gynecologic endocrinology and infertility 4th ed. Baltimore: Willians & Wilkins; 1989. p. 134-55.
  • 20. Sukwatana P, Meekhanguan J, Tamrongterakul T, Tanapat Y, Asavarait S, Boonjitrpimon P. Menopausal symptoms among Thai women in Bangkok. Maturitas 1991;13:217-28.
  • 21. Utian W. Consensus Workshop: the climacteric syndrome. In: Van Keep, editor. Consensus on Menopause Research. Lancaster, MTP; 1976. p. 1-4.
  • 22. Utian WH, Schiff I. North American Menopause Society - Gallup survey on women's knowledge, information sources, and attitudes to menopause and hormone replament therapy. Menopause 1994;1:39-48.
  • 23. Utian WH. Menopausal - a moderm perspective from a controversial history, Maturitas 1997;26:73-82.
  • 24. Wasti A, Robinson SC, Akhtar Y, Khan S, Badaruddin N. Characteristics of menopause in three socioeconomic urban groups in Karachi, Pakistan. Maturitas 1993;16:61-9.
  • 25. World Health Organization. Reasearch on the Menopause Geneve: WHO; 1981. [Technical Report Series, p. 670].
  • E
    ndereço para correspondência
    Aarão Mendes Pinto-Neto
    Rua Alexander Fleming, 101 Cidade Universitária "Zeferino Vaz"
    13083-970 Campinas, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      30 Jul 2003
    • Recebido
      26 Mar 2002
    • Revisado
      25 Jul 2003
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br