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Conhecimento, atitude e prática sobre métodos anticoncepcionais entre adolescentes gestantes

Knowledge, attitudes, and practices on previous use of contraceptive methods among pregnant teenagers

Resumos

OBJETIVO: Estudar o conhecimento, a atitude e a prática em relação ao uso prévio de métodos anticoncepcionais em adolescentes gestantes, bem como algumas de suas características sociodemográficas e da sua vida sexual. MÉTODOS: Estudo observacional, associado a inquérito conhecimento, atitude e prática. Envolveu 156 adolescentes grávidas com idade menor ou igual a 19 anos, que responderam a questionário antes da primeira consulta pré-natal, entre outubro de 1999 a agosto de 2000. Foram realizadas análises univariada e bivariada.Para esta foram utilizados os testes qui-quadrado de Pearson e de Yates e de regressão logística. RESULTADOS: As adolescentes apresentaram média de idade de 16,1 anos. Houve predomínio de primigestas (78,8%). A idade média da menarca foi 12,2 anos, sendo 14,5 anos para a primeira relação sexual. Condom (99,4%) e anticoncepcional oral hormonal (98%) foram os métodos anticoncepcionais mais conhecidos. Cerca de 67,3% não estavam utilizando qualquer método antes de ficar grávida. O principal motivo isolado alegado para o não uso foi o desejo de engravidar (24,5%). As adolescentes mais velhas, as que informaram professar alguma religião e as que pertenciam a uma classe socioeconômica mais alta tinham um maior conhecimento dos métodos. As adolescentes multíparas usaram com maior freqüência contraceptivos antes de ficar grávidas. CONCLUSÕES: As adolescentes mostraram ter conhecimento adequado sobre os métodos anticoncepcionais e concordaram com seu uso durante o período da adolescência. A religião, a idade e a classe socioeconômica estão relacionadas ao maior ou mais adequado conhecimento dos métodos, enquanto a multiparidade a seu maior uso. Cinqüenta e quatro por cento de adolescentes usaram algum contraceptivo na primeira relação sexual. Ocorreu um decréscimo de utilização de contraceptivos, havendo um período de tempo curto entre o início da vida sexual e a gravidez.

Gravidez na adolescência; Conhecimentos, atitudes e prática; Anticoncepção; Planejamento familiar; Sexualidade; Fatores socioeconômicos; Fatores etários


OBJECTIVE: To describe the knowledge, attitudes and practices related to previous contraceptive methods used among pregnant teenagers as well as to outline some sociodemographic characteristics and sexual practices. METHODS: An observational study associated to the KAP (Knowledge, Attitudes, and Practices) survey was carried out in 156 pregnant teenagers aged 19 years or more. A structured questionnaire was applied before their first prenatal visit from October 1999 to August 2000. Univariate and bivariate analyses were performed using Pearson's and Yates' chi-square test and logistic regression. RESULTS: The adolescents had an average age of 16.1 years and most were in their first pregnancy (78.8%). Average age of menarche was 12.2 years and their first sexual intercourse was at the age of 14.5 years. Condoms (99.4%) and oral contraceptives (98%) were the most common contraceptive methods known. Of all, 67.3% were not using any contraceptive method before getting pregnant. The main reason reported for not using any contraceptive method was wanting to get pregnant (24.5%). The older ones who reported having religious beliefs and had a higher socioeconomic status had better knowledge on contraceptive methods. Teenagers who had had previous pregnancies reported more often use of contraceptive methods before getting pregnant. CONCLUSIONS: The pregnant teenagers showed to have adequate knowledge of contraceptive methods and agreed to use them throughout their teenage years. Religion, age group, and socioeconomic status were directly related to their knowledge on contraceptive methods, and multiple pregnancies brought more awareness on that. Of all, 54% had used any contraceptive on first sexual intercourse but their use decreased over time and shortly after their first intercourse the studied teenagers got pregnant.

Pregnancy in adolescence; Knowledge, attitudes, and practices; Contraception; Family planning; Sexuality; Socioeconomic factors; Age factors


ARTIGOS ORIGINAIS

Conhecimento, atitude e prática sobre métodos anticoncepcionais entre adolescentes gestantes

Knowledge, attitudes, and practices on previous use of contraceptive methods among pregnant teenagers

Márcio Alves Vieira Belo; João Luiz Pinto e Silva

Departamento de Tocoginecologia. Faculdade de Ciências Médicas. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência João Luiz Pinto e Silva Departamento de Tocoginecologia Faculdade de Ciências Médicas - CAISM/Unicamp Rua Alexander Fleming, 101 13081-975 Campinas, SP, Brasil E-mail: psilva@.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: Estudar o conhecimento, a atitude e a prática em relação ao uso prévio de métodos anticoncepcionais em adolescentes gestantes, bem como algumas de suas características sociodemográficas e da sua vida sexual.

MÉTODOS: Estudo observacional, associado a inquérito conhecimento, atitude e prática. Envolveu 156 adolescentes grávidas com idade menor ou igual a 19 anos, que responderam a questionário antes da primeira consulta pré-natal, entre outubro de 1999 a agosto de 2000. Foram realizadas análises univariada e bivariada.Para esta foram utilizados os testes qui-quadrado de Pearson e de Yates e de regressão logística.

RESULTADOS: As adolescentes apresentaram média de idade de 16,1 anos. Houve predomínio de primigestas (78,8%). A idade média da menarca foi 12,2 anos, sendo 14,5 anos para a primeira relação sexual. Condom (99,4%) e anticoncepcional oral hormonal (98%) foram os métodos anticoncepcionais mais conhecidos. Cerca de 67,3% não estavam utilizando qualquer método antes de ficar grávida. O principal motivo isolado alegado para o não uso foi o desejo de engravidar (24,5%). As adolescentes mais velhas, as que informaram professar alguma religião e as que pertenciam a uma classe socioeconômica mais alta tinham um maior conhecimento dos métodos. As adolescentes multíparas usaram com maior freqüência contraceptivos antes de ficar grávidas.

CONCLUSÕES: As adolescentes mostraram ter conhecimento adequado sobre os métodos anticoncepcionais e concordaram com seu uso durante o período da adolescência. A religião, a idade e a classe socioeconômica estão relacionadas ao maior ou mais adequado conhecimento dos métodos, enquanto a multiparidade a seu maior uso. Cinqüenta e quatro por cento de adolescentes usaram algum contraceptivo na primeira relação sexual. Ocorreu um decréscimo de utilização de contraceptivos, havendo um período de tempo curto entre o início da vida sexual e a gravidez.

Descritores: Gravidez na adolescência. Conhecimentos, atitudes e prática. Anticoncepção. Planejamento familiar. Sexualidade. Fatores socioeconômicos. Fatores etários.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe the knowledge, attitudes and practices related to previous contraceptive methods used among pregnant teenagers as well as to outline some sociodemographic characteristics and sexual practices.

METHODS: An observational study associated to the KAP (Knowledge, Attitudes, and Practices) survey was carried out in 156 pregnant teenagers aged 19 years or more. A structured questionnaire was applied before their first prenatal visit from October 1999 to August 2000. Univariate and bivariate analyses were performed using Pearson's and Yates' chi-square test and logistic regression.

RESULTS: The adolescents had an average age of 16.1 years and most were in their first pregnancy (78.8%). Average age of menarche was 12.2 years and their first sexual intercourse was at the age of 14.5 years. Condoms (99.4%) and oral contraceptives (98%) were the most common contraceptive methods known. Of all, 67.3% were not using any contraceptive method before getting pregnant. The main reason reported for not using any contraceptive method was wanting to get pregnant (24.5%). The older ones who reported having religious beliefs and had a higher socioeconomic status had better knowledge on contraceptive methods. Teenagers who had had previous pregnancies reported more often use of contraceptive methods before getting pregnant.

CONCLUSIONS: The pregnant teenagers showed to have adequate knowledge of contraceptive methods and agreed to use them throughout their teenage years. Religion, age group, and socioeconomic status were directly related to their knowledge on contraceptive methods, and multiple pregnancies brought more awareness on that. Of all, 54% had used any contraceptive on first sexual intercourse but their use decreased over time and shortly after their first intercourse the studied teenagers got pregnant.

Keywords: Pregnancy in adolescence. Knowledge, attitudes, and practices. Contraception. Family planning. Sexuality. Socioeconomic factors. Age factors.

INTRODUÇÃO

São complexas a percepção e a vivência da sexualidade dos jovens, relacionadas que estão a valores, crenças e atitudes que determinam o comportamento social do indivíduo. Nessa perspectiva, a gravidez na adolescência tem sido alvo de inúmeros estudos e reflexões por ameaçar o bem-estar e futuro dos adolescentes devido aos riscos físicos, emocionais e sociais que acarreta.6

A gravidez na adolescência é um problema de saúde pública tanto no Brasil como em muitos outros países do mundo. Sua importância transcendeu a prática assistencial, dado seu aumento no final do século passado. Para entender os possíveis fatores etiológicos ligados ao incremento das gestações nessa faixa etária, é preciso perceber a complexidade e a multicasualidade desses fatores, que tornam os adolescentes especialmente vulneráveis a essa situação.16

A maternidade no início da vida reprodutiva antecipa a maturidade biológica, e precipita momentos socialmente institucionalizados para a reprodução, com claras implicações para a constituição de família e a organização social dominante.17 As expectativas sociais diante da idade para o início da reprodução, no entanto, alteram-se cultural e historicamente, e a gravidez, no período modernamente chamado de adolescência, é abordada de modo diferente de décadas passadas.11

As novas responsabilidades atribuídas às mulheres jovens, como a sua inserção no trabalho fora do lar, passaram a competir com a maternidade. Observa-se na população geral, paralelamente a essas mudanças, que a taxa de fecundidade vem declinando ao longo do tempo. Em 1960, a taxa de fecundidade era de 6,2 filhos por mulher; em 1980, 3,7, e em 1996, 2,4.1 Essa relação, entretanto, não é observada de modo claro entre adolescentes. No período de 1935 a 1995, pode-se observar que a fecundidade precoce, aquela entre 15 e 19 anos, tem aumentado em relação à faixa de 20 aos 24 anos. Nesse grupo, a fecundidade vem diminuindo paulatinamente, e de forma mais nítida e consistente em relação a faixas superiores do período reprodutivo.4 Em inquérito domiciliar realizado no Brasil no ano de 1996, cerca de 18% das mulheres entre 15 e 19 anos de idade já haviam iniciado a vida reprodutiva e referiram pelo menos uma gravidez.1

Alguns autores tentam correlacionar algumas variáveis que se constituiriam em fatores de risco potenciais para a ocorrência da gravidez na adolescência, o que se tem mostrado de acordo com a sociedade e os grupos sociais estudados.9 Algumas variáveis que poderiam ser associadas à fecundidade mais elevada no período: o início precoce da vida sexual, o que determinaria maior tempo de exposição à concepção, nível de escolaridade e socioeconômico baixos, cor, estado civil e o desconhecimento da fisiologia reprodutiva, como a capacidade de identificação do período fértil.1

A inter-relação dessas variáveis e informações parece revelar que a juventude atual é fortemente afetada pelas mudanças que vêm ocorrendo nas relações entre a família, a escola, o mercado de trabalho e demais agentes sociais. As conseqüências de se tornar mãe precocemente são a perda de liberdade, adiamento ou comprometimento dos projetos de estudos, limitação de perspectivas de ingresso no mercado de trabalho, aproveitamento pleno das oportunidades para completo desenvolvimento pessoal. E até mesmo a ter opções de vida e oportunidades para um pleno desenvolvimento pessoal a que têm direito.14

A gestação entre adolescentes nem sempre é fato inconseqüente ou desastroso, principalmente quando ocorre em faixas superiores da adolescência, entre 17 e 19 anos. Em alguns casos, pode ser resultado de planejamento prévio consciente e decorrente de vida afetiva estável.8 Alguns estudos mostram que cerca de 40% das adolescentes gestantes desejavam naturalmente engravidar.3 Embora no início o impacto da gravidez indesejada e não planejada seja doloroso, com o passar do tempo a gravidez é aceita e passa a ser referida como realmente desejada.2

Autores brasileiros têm mostrado, entretanto, que a gravidez indesejada chega a uma proporção de 50% entre adolescentes de 15 a 19 anos, como a verificada no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM – Universidade Estadual de Campinas), que foi de 45,9%.5,15 A principal razão alegada por essas jovens para sua ocorrência foi o não uso de métodos anticoncepcionais. Entre os motivos citados para essa atitude estão a falta de conhecimento sobre os métodos, a objeção de seu uso pelo parceiro, "o pensar que não engravidaria" (pensamento característico do período adolescente), ou por "não esperar ter relações naquele momento".1,13,15

Dentro dessa perspectiva, foi desenvolvido o presente estudo, cujos objetivos foram: estudar o conhecimento, a atitude e a prática em relação ao uso de métodos anticoncepcionais entre adolescentes gestantes, bem como algumas características sociodemográficas e da sua vida sexual.

Espera-se que as suas conclusões possam servir de subsídios para a formulação de programas de educação sexual e de saúde global da adolescente, proporcionando melhor abordagem no acompanhamento médico de prevenção à gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis. Devem assim auxiliar no entendimento da sexualidade como meio de enriquecimento pessoal, integração e formação da personalidade e uma forma de obter e proporcionar prazer sem riscos.

MÉTODOS

O estudo foi observacional, descritivo, associado a inquérito CAP – conhecimento, atitude e prática. Os sujeitos da pesquisa foram 156 adolescentes grávidas que participaram voluntariamente, após a leitura e assinatura do consentimento livre e esclarecido. Foram entrevistadas durante a primeira consulta do pré-natal de adolescentes realizada em um Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) ou em um hospital universitário, com idade igual ou menor que 19 anos. Essa amostra corresponde a 59% dos casos novos das adolescentes grávidas matriculadas nesse ambulatório e no centro, no período da coleta dos dados.

Os dados foram coletados por meio de questionário estruturado com perguntas pré-codificadas e abertas, previamente testado em um grupo de sujeitos similares aos incluídos na pesquisa para confirmar a adequação do instrumento, visando à qualidade das informações obtidas.

O preenchimento do questionário foi realizado no dia da primeira consulta de pré-natal, antes de qualquer contato da adolescente com outros profissionais de saúde do serviço, no período de outubro de 1999 a agosto de 2000. Os questionários devidamente preenchidos foram submetidos à revisão manual com relação à qualidade das informações. As respostas textuais foram codificadas. Foi criado um banco de dados no software Epi Info 6.04b com os dados digitados por duas pessoas diferentes e revisados por um programa para a detecção de erros lógicos e inconsistências nos registros.

As variáveis foram agrupadas da seguinte maneira: conhecimento adequado ou suficiente, quando a adolescente conhecia espontaneamente pelo menos três métodos anticoncepcionais, e inadequado ou insuficiente, quando conhecia espontaneamente menos de três métodos. A atitude era considerada adequada quando concordava com o uso de métodos anticoncepcionais durante a adolescência e inadequada quando não concordava. Em relação à prática do uso dos métodos anticoncepcionais, as adolescentes foram divididas em dois grupos: as que usaram pelo menos um método antes de ficar grávida (grupo 1) e as que não usaram nenhum (grupo 2).

A análise descritiva, univariada, incluiu a utilização de distribuições de freqüência para as variáveis. Na análise bivariada, foram utilizados os testes qui-quadrado de Pearson, ou de Yates (quando necessário) e regressão logística para análise da associação entre características socioeconômicas e o conhecimento e o uso de métodos anticoncepcionais, considerando-se um erro tipo I de 5%. A análise estatística foi realizada utilizando-se além do Epi Info 6.04b, o SPSS/PC.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Foi assegurado o conhecimento e a concordância dos sujeitos, bem como a confidenciabilidade das informações e seu direito à recusa em participar, sem prejuízo a seu acompanhamento obstétrico.

RESULTADOS

Características sociodemográficas das adolescentes grávidas

As idades das adolescentes estudadas variavam de 12 a 19 anos, sendo a média de 16,1 anos (dp=1,8). A menor idade observada foi 12 anos, sendo que 31,4% das gestantes tinham até 15 anos de idade. Em relação ao estado conjugal, 42,3% eram solteiras, 48,1% viviam em união consensual e 9,0% estavam casadas.

No momento da entrevista, 51,9% não freqüentavam a escola e das que freqüentavam (48,1%), 44% estavam no primeiro grau e 54,7% cursavam o segundo grau. Das adolescentes que abandonaram a escola, 65,4% interromperam os estudos no primeiro grau e o principal motivo alegado para o abandono escolar foi a gravidez (30,9%). Afirmaram ter alguma religião 80,8% das entrevistadas, 58,3% referiram ser católicas e 19,2% evangélicas. Dessas, 55,6% compareciam pelo menos uma vez por semana às cerimônias religiosas.

A maioria das adolescentes (57,1%) tinha cor parda, 35,9% eram brancas e 7,1% negras. Quanto à situação ocupacional, 11,5% estavam trabalhando; as ocupações mais freqüentes foram empregada doméstica (33,3%) e comerciária (38,9%).

Em relação à classe socioeconômica, 54,5% pertenciam à classe média baixa (C), 35,3% eram pobres (D), 10,3% muito pobres (E) e 5,8% eram da classe média alta (B) segundo a classificação da Associação Brasileira de Pesquisa de Mercado (Abipeme). A análise da escolaridade dos genitores das gestantes adolescentes encontrou que 48,7% dos pais e 59,6% das mães tinham apenas o primeiro grau incompleto.

Os meios de comunicação mais acessados diariamente pelas adolescentes foram televisão (83,9%) e rádio (79,4%), enquanto revistas (13,5%) e jornais (5,1%) foram os menos usados. Quando indagadas sobre qual o meio de comunicação onde obtiveram informações sobre algum método anticoncepcional nos últimos seis meses, os cartazes (72,9%) e os folhetos (70,5%) foram os mais citados.

Antecedentes reprodutivos e características da vida sexual das adolescentes gestantes

A média de idade da primeira menstruação das adolescentes gestantes foi de 12,2 anos. Em relação à paridade, 78,8% eram primigestas, 21,2% engravidaram mais de uma vez e 12,8% já tinham um filho vivo.

A idade média na primeira relação sexual foi 14,5 anos e os principais motivos que levaram essas adolescentes a iniciar a vida sexual foram: 36,5% disseram que era um desejo dela e do parceiro; 19,2% porque amavam, gostavam ou estavam apaixonadas pelo parceiro; 14,1% estavam com vontade e queriam sentir prazer; 10,3% disseram que foram convencidas ou pressionadas para satisfazer o parceiro; 8,3% por curiosidade; 6,3% diziam que a relação sexual fazia parte do casamento; 3,2% não sabiam explicar, 1,3% foi vítima de agressão sexual e 0,8% queria mudar de vida e sair de casa.

Nessa primeira relação sexual, 54,5% usaram algum método contraceptivo, sendo o condom masculino o mais utilizado (87,1%), seguido do anticoncepcional hormonal oral (10,6%) e do coito interrompido (2,4%) (Tabela 1). A distribuição em relação à faixa etária entre as que utilizaram algum método foi: 55,3% tinham entre 15 e 17 anos, 43,5% eram menores de 14 anos e 1,2% entre 18 e 19 anos.

Das adolescentes que não usaram qualquer método na primeira relação sexual (45,5%), as principais razões alegadas foram: não pensaram "nisso" na hora (32,4%), não esperavam ter relação sexual naquele momento (12,7%), não conheciam nenhum método anticoncepcional (11,3%), 8,5% afirmaram que os parceiros não quiseram usar, 8,5% não se importavam em ficar grávida, 5,6% confiavam no parceiro, 5,6% achavam caros ou inconveniente para usar, 5,6% tinham dificuldade de acesso, 2,8% não tinham experiência e não pensaram nisso na hora, 2,8% não tiveram cuidado, 2,8% achavam o uso de contraceptivo desnecessário e 1,4% foi vítima de agressão sexual.

Conhecimento, atitude e prática dos métodos anticoncepcionais e percepção acerca do período fértil

Em relação ao conhecimento revelado espontaneamente, 94,2 e 91,7% das adolescentes informaram o anticoncepcional oral e o condom, respectivamente, como os mais freqüentes. Essa relação quase não se modificou com a indução da questão de conhecimento dos métodos anticoncepcionais pelo entrevistador. O coito interrompido (62,8%), a tabelinha (60,9%) e o diafragma (39,1%) foram os menos citados, mesmo após a indução do conhecimento (Tabela 2).

Quando se relacionou o conhecimento espontâneo dos métodos anticoncepcionais e algumas características sociodemográficas, houve diferença significativa em relação ao conhecimento adequado dos métodos entre aquelas que possuíam alguma religião ou pertenciam à classe socioeconômica mais alta (Tabela 3).

Quando indagadas em que época seria o período fértil entre o início da menstruação e o início da próxima menstruação, apenas 11,5% conseguiram identificá-lo corretamente. Não houve diferença significativa entre as adolescentes primigestas e adolescentes com no mínimo um filho vivo.

Sobre a atitude em relação aos métodos anticoncepcionais, todas as adolescentes (100%) acharam que deveriam usar algum deles nessa fase da vida. Cerca de 83% afirmaram que a decisão sobre o seu uso deve ser do casal. Das adolescentes grávidas, 27,7% não concordavam em ter relações sexuais antes do casamento, ou antes de morar junto com seu parceiro. Com essa opinião, 8,0% eram solteiras.

Cerca de 32,7% estavam usando algum método anticoncepcional antes de ficarem grávidas. Os mais utilizados eram condom (49%), anticoncepcional oral (37,3%), coito interrompido (7,8%), anticoncepcional injetável (3,9%) e DIU (2%).

Na análise da relação entre fatores sociodemográficos e uso de métodos anticoncepcionais, houve diferença significativa apenas entre o uso de um método antes da gravidez e o maior número de gestações anteriores (Tabela 4).

A gravidez foi planejada por 27,6% das adolescentes. As principais justificativas para a ocorrência da gravidez foram: 51,2% queriam ser mães, 18,6% disseram que gostavam de crianças, 9,3% referiram ser desejo do casal, 4,7% não queriam perder o parceiro. Os outros motivos citados incluíram: vontade de ficar grávida (2,3%), desejo de ter uma companhia (2,3%), o fato de que o outro filho já estava crescendo (2,3%), crença de que estava na hora (2,3%), reatamento do casal (2,3%), desejo de ir se acostumando com o filho (2,3%) e idade do parceiro (2,3%).

Na análise múltipla por regressão logística, o conhecimento adequado dos métodos anticoncepcionais mostrou uma relação direta com a classe econômica e a idade (Tabela 5), enquanto o uso dos métodos anticoncepcionais antes da gravidez teve relação direta com o número de gestações (Tabela 6).

DISCUSSÃO

Os resultados da presente pesquisa mostraram que as adolescentes grávidas têm conhecimento elevado em relação à existência de métodos anticoncepcionais, embora uma prática inadequada para sua utilização.

Os métodos mais citados espontaneamente pela grande maioria das adolescentes foram os contraceptivos orais e o condom. Os demais, menos populares, mostraram-se razoavelmente conhecidos quando lembrados pelo entrevistador; mais de 60% conheciam pelo menos seis tipos diferentes de contraceptivos. Apesar do conhecimento ser um elemento necessário para o uso, a literatura mostra que não existe associação entre os níveis de conhecimento e taxas de utilização. Uma das razões que poderia justificar esse comportamento seria a imaturidade psico-emocional, característica da adolescência.7

Esse percentual alto de conhecimento, de certo modo, já era esperado, considerando que as adolescentes da amostra estudada residem majoritariamente na zona urbana, como a maioria das adolescentes brasileiras, segundo dados de 1999 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).12 Admite-se que os jovens nos centros urbanos mais desenvolvidos tenham maior acesso à escola, a serviços de saúde de melhor qualidade e às informações da mídia, situação que garantiria melhor e maior conhecimento.

Os resultados encontrados atestam essas suposições: a televisão (83,9%) e o rádio (79,4%) foram os meios de comunicação mais acessados diariamente pelas adolescentes grávidas. Os meios de comunicação de massa são bastante utilizados pelos jovens em todo o País, como já demonstrou a Pesquisa de Demografia e Saúde realizada em 1996.1 Embora existam vários programas televisivos e radiofônicos que abordem a sexualidade, alguns especialistas os consideram excessivamente superficiais, pouco informativos e de cunho banalizado.18

Comparativamente com estudos anteriores, pode-se demonstrar significativo aumento do conhecimento do condom, o que poderia ser em parte justificado pelas campanhas de combate e prevenção às DST/Aids, muito veiculadas nos últimos anos em todos os meios de comunicação. Essas campanhas não teriam qualquer direcionamento para o tema de procriação. Em 1980, antes do aparecimento do HIV, em pesquisa com desenho muito semelhante a essa, encontrou-se que apenas 12,3% das adolescentes conheciam o condom; atualmente, a maioria absoluta o conhece.15

O coito interrompido não se mostrou conhecido como um método anticoncepcional (3,8%) entre as adolescentes grávidas. Quando o conhecimento foi induzido através da sinonímia popular, houve um aumento para 59%. A diferença permite especular sobre a fragilidade dos instrumentos de entrevistas, que nem sempre apresentam perguntas e esclarecimentos com sinonímia e termos adequados ao entendimento da jovem. A esse argumento, associa-se a diversidade dos momentos em que são realizadas essas entrevistas (adolescentes grávidas, puérperas, estudantes ou inquérito domiciliar), justificando a existência de tantas e aparentes discrepâncias nos resultados dessas pesquisas, e o risco das conclusões delas decorrentes para a construção de juízos de valor.

A difusão dos métodos naturais é sempre necessária, apesar de sua eficácia contraceptiva ser claramente inferior aos outros métodos disponíveis. Pode, entretanto, alcançar eficácias aceitáveis, comparáveis à dos métodos de barreira quando utilizados corretamente. Outra vantagem a considerar seria a de que permitiria, por suas características peculiares, ser utilizados emergencialmente, situação relatada constantemente na prática sexual dos adolescentes. Seu uso, entretanto, exige maior conhecimento da fisiologia reprodutiva e da maneira adequada para usá-los. São recomendáveis quando são o único recurso disponível, nas situações de relação sexual inesperada e em virtude de dificuldades de acesso, razões alegadas pelas adolescentes para a gravidez inesperada.10

Na análise múltipla realizada em relação à idade, as adolescentes mais velhas tiveram claramente maior conhecimento dos métodos anticoncepcionais que as mais jovens. O dado reflete provavelmente maior capacidade dedutiva, e melhor nível de escolaridade, como demonstrado por outros estudiosos.7

Outro aspecto importante dos achados do presente trabalho relaciona-se ao grau de escolaridade dos pais das adolescentes, que aparentemente não modificou o conhecimento ou influenciou o uso dos métodos anticoncepcionais entre as adolescentes entrevistadas. Esse dado, de certo modo, aponta para as dificuldades ou mesmo para a ineficiência ou inexistência de diálogos familiares acerca da orientação sexual e, obviamente, para as limitações próprias do núcleo familiar.

As adolescentes com maior nível socioeconômico apresentaram conhecimento significativamente maior sobre os métodos anticoncepcionais, indicando que as classes consideradas mais privilegiadas teriam maior acesso e contato com os meios de informação mais eficientes. Os presentes resultados, entretanto, não foram suficientes para induzir diferenças claras em relação à prática contraceptiva entre as mais e menos informadas.

O conhecimento, a atitude e a prática relacionados aos métodos anticoncepcionais observados no presente estudo mostraram que houve significativos avanços na informação disponível e apropriada pelas adolescentes. Entretanto, a disponibilidade do conhecimento, de mais serviços e dos próprios métodos para favorecer a mudança de atitude dos adolescentes em relação a uma prática de uso eficiente e preventiva aparentemente não foram suficientes. Portanto, verifica-se a necessidade de buscar novas formas de atuação com a população de adolescentes, uma vez que a questão da gravidez nessa fase é um problema de saúde pública no Brasil e em vários países do mundo.

Recebido em 7/10/2002

Reapresentado em 16/9/2003

Aprovado em 22/10/2003

Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp - Processo n. 99/10922-3)

Baseado em dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, 2001

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  • Endereço para correspondência
    João Luiz Pinto e Silva
    Departamento de Tocoginecologia Faculdade de Ciências Médicas - CAISM/Unicamp
    Rua Alexander Fleming, 101
    13081-975 Campinas, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      22 Out 2003
    • Revisado
      16 Set 2003
    • Recebido
      07 Out 2002
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