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Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto

Brazilian women and physicians' viewpoints on their preferred route of delivery

Resumos

OBJETIVO: Conhecer a preferência de mulheres quanto às vias e formas de parto, e a opinião de médicos a respeito dessa preferência. MÉTODOS: Foram entrevistadas 656 mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde, em hospitais de São Paulo e Pernambuco incluídos no Estudo Latino-Americano de Cesárea (ELAC): 230 em três hospitais de intervenção, em que a estratégia da segunda opinião diante da decisão de realizar uma cesárea foi adotada como rotina, e 426 mulheres em quatro hospitais de controle, onde não houve intervenção. Os médicos responderam a um auto-questionário, sendo 77 dos hospitais de intervenção e 70 dos de controle. Para análise dos dados foram utilizados o qui-quadrado de Mantel-Haenszel, o teste Yates ou o Exacto de Fischer. RESULTADOS: Nos dois tipos de hospital, a grande maioria das mulheres declarou preferir o parto vaginal à cesárea. Essa preferência foi significativamente maior entre as entrevistadas que já haviam experimentado as duas formas de parto (cerca de 90% nos dois tipos de hospital), comparadas às que haviam tido só cesáreas (72,8% nos hospitais de intervenção e 77,8% nos de controle). Na opinião de 45% dos médicos dos hospitais de intervenção e de 55% dos de hospitais de controle, a maioria das mulheres submetidas a uma cesárea sentia-se satisfeita; 81 e 85% dos médicos, respectivamente, consideraram que as mulheres solicitam cesariana, porque têm medo do parto vaginal. CONCLUSÕES: O conceito de que a principal causa do aumento na taxa de cesárea é o respeito dos desejos das mulheres por parte dos médicos não tem sustentação na opinião declarada pelas mulheres. Uma melhor comunicação entre médicos e mulheres grávidas talvez possa contribuir para melhoria da situação atual.

Cesárea; Parto normal; Mulheres; Médicos; Conhecimentos, atitudes e prática; Entrevistas


OBJECTIVE: To describe women's preferred route of delivery and physicians' viewpoint on that. METHODS: A total of 656 women who gave birth in the National Health System hospitals of the state of São Paulo and Pernambuco and were enrolled in the Latin American Cesarean Section Study (ELAC) were interviewed. Of them, 230 women were selected from three intervention hospitals where patients routinely sought a second opinion when faced with the decision of undergoing a cesarean section, and 426 women were selected from control hospitals. Also, 72 physicians in the intervention hospitals and 70 in the control hospitals filled out a self-administered structured questionnaire. Data analysis was carried out using Mantel-Haenszel's chi-square test, Yates' test and Fischer's exact test. RESULTS: The majority of women reported preferring vaginal delivery than a cesarean section in both groups of hospitals. This preference was significantly higher among women who had had both vaginal delivery and cesarean section (nearly 90% in both groups of hospitals) compared to those who had cesarean sections only (72.8% in intervention hospitals and 77.8% in control hospitals). According to 45% physicians from intervention hospitals and 55% from control hospitals, most women who underwent cesarean sections are satisfied with that; 81% and 85% physicians from intervention and control hospitals, respectively, believed women prefer a cesarean sections out of fear of vaginal deliveries. CONCLUSIONS: The belief that the main reason for increasing cesarean section rates is fulfilling women's desire by their doctors seems to have no support. Better communication between physicians and pregnant women could possibly contribute to improve the current situation.

Cesarean section; Natural childbirth; Women; Physicians; Knowledge, attitudes, practice; Interviews


ARTIGOS ORIGINAIS

Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto

Brazilian women and physicians' viewpoints on their preferred route of delivery

Aníbal FaúndesI; Karla Simônia de PáduaI; Maria José Duarte OsisI; José Guilherme CecattiII; Maria Helena de SousaI

ICentro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas. Campinas, SP, Brasil

IIDepartamento de Tocoginecologia. Faculdade de Ciências Médicas. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Anibal Faúndes Cemicamp Caixa Postal 6181 13084-971 Campinas, SP, Brasil E-mail: afaundes@unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer a preferência de mulheres quanto às vias e formas de parto, e a opinião de médicos a respeito dessa preferência.

MÉTODOS: Foram entrevistadas 656 mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde, em hospitais de São Paulo e Pernambuco incluídos no Estudo Latino-Americano de Cesárea (ELAC): 230 em três hospitais de intervenção, em que a estratégia da segunda opinião diante da decisão de realizar uma cesárea foi adotada como rotina, e 426 mulheres em quatro hospitais de controle, onde não houve intervenção. Os médicos responderam a um auto-questionário, sendo 77 dos hospitais de intervenção e 70 dos de controle. Para análise dos dados foram utilizados o qui-quadrado de Mantel-Haenszel, o teste Yates ou o Exacto de Fischer.

RESULTADOS: Nos dois tipos de hospital, a grande maioria das mulheres declarou preferir o parto vaginal à cesárea. Essa preferência foi significativamente maior entre as entrevistadas que já haviam experimentado as duas formas de parto (cerca de 90% nos dois tipos de hospital), comparadas às que haviam tido só cesáreas (72,8% nos hospitais de intervenção e 77,8% nos de controle). Na opinião de 45% dos médicos dos hospitais de intervenção e de 55% dos de hospitais de controle, a maioria das mulheres submetidas a uma cesárea sentia-se satisfeita; 81 e 85% dos médicos, respectivamente, consideraram que as mulheres solicitam cesariana, porque têm medo do parto vaginal.

CONCLUSÕES: O conceito de que a principal causa do aumento na taxa de cesárea é o respeito dos desejos das mulheres por parte dos médicos não tem sustentação na opinião declarada pelas mulheres. Uma melhor comunicação entre médicos e mulheres grávidas talvez possa contribuir para melhoria da situação atual.

Descritores: Cesárea. Parto normal. Mulheres. Médicos. Conhecimentos, atitudes e prática. Entrevistas.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe women's preferred route of delivery and physicians' viewpoint on that.

METHODS: A total of 656 women who gave birth in the National Health System hospitals of the state of São Paulo and Pernambuco and were enrolled in the Latin American Cesarean Section Study (ELAC) were interviewed. Of them, 230 women were selected from three intervention hospitals where patients routinely sought a second opinion when faced with the decision of undergoing a cesarean section, and 426 women were selected from control hospitals. Also, 72 physicians in the intervention hospitals and 70 in the control hospitals filled out a self-administered structured questionnaire. Data analysis was carried out using Mantel-Haenszel's chi-square test, Yates' test and Fischer's exact test.

RESULTS: The majority of women reported preferring vaginal delivery than a cesarean section in both groups of hospitals. This preference was significantly higher among women who had had both vaginal delivery and cesarean section (nearly 90% in both groups of hospitals) compared to those who had cesarean sections only (72.8% in intervention hospitals and 77.8% in control hospitals). According to 45% physicians from intervention hospitals and 55% from control hospitals, most women who underwent cesarean sections are satisfied with that; 81% and 85% physicians from intervention and control hospitals, respectively, believed women prefer a cesarean sections out of fear of vaginal deliveries.

CONCLUSIONS: The belief that the main reason for increasing cesarean section rates is fulfilling women's desire by their doctors seems to have no support. Better communication between physicians and pregnant women could possibly contribute to improve the current situation.

Keywords: Cesarean section. Natural childbirth. Women. Physicians. Knowledge, attitudes, practice. Interviews.

INTRODUÇÃO

O rápido aumento nas taxas de cesáreas, observado no Brasil a partir da década de 1970, tem sido motivo de discussão tanto entre os especialistas quanto entre pessoas preocupadas com os aspectos sociais, psicológicos e antropológicos desse fenômeno.3,6,8,11

Enquanto a maioria dos autores concorda que a cesárea deve ser rejeitada quando não há indicação médica, porque implica maior risco de complicações para mãe e filho, outros dão preferência ao parto cesáreo em qualquer circunstância, baseados na suposta segurança fornecida por novas técnicas de anestesia e aprimoramento da técnica cirúrgica.4

Mas o principal argumento atualmente utilizado pelos que defendem o parto por cesárea como melhor opção é o de que a mulher tem o direito de decidir qual a via de parto de sua preferência.2 Ao médico caberia apenas aceitar a decisão de sua paciente. Esse argumento supõe que a grande maioria das mulheres prefere a cesárea ao parto vaginal, o que parece não corresponder à realidade.5,9,12

O objetivo do presente estudo foi verificar qual é a opinião das mulheres sobre a forma de parto preferida por elas e se as razões para essa preferência coincidem com as que são atribuídas pelos médicos.

MÉTODOS

O presente estudo foi composto por dois módulos: um clínico e outro social. O módulo social foi desenvolvido como parte do "Estudo Latino-Americano de Cesáreas (ELAC)", para produzir informação que permitisse identificar e descrever a opinião das mulheres e dos médicos acerca do parto vaginal e da cesárea, bem como avaliar a intervenção da segunda opinião a partir do ponto de vista dos médicos envolvidos.

A população estudada foi constituída tanto de mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde, que tiveram seu parto em hospitais do Estado de São Paulo e Pernambuco, como de médicos que trabalham nesses hospitais. Os hospitais selecionados são os que participaram do ELAC.9

O projeto de pesquisa do ELAC envolveu 40 hospitais de cinco países (Argentina, Brasil, Cuba, Guatemala e México), que testaram de forma cientificamente rigorosa a estratégia da segunda opinião como intervenção para reduzir as cesáreas desnecessárias.1 Basicamente, essa estratégia consiste em que o médico que está atendendo uma parturiente consulte outro profissional de igual ou maior hierarquia (consultor) frente à decisão de uma cesárea, seja ela eletiva ou intraparto. O consultor e o médico que estiver atendendo a parturiente farão uma avaliação da situação, baseando-se nos parâmetros e critérios dos protocolos ou fluxogramas de procedimentos clínicos elaborados especialmente para facilitar a decisão, nos quais estão incorporadas as melhores evidências científicas disponíveis.7,13

A seleção dos hospitais que participaram do ELAC no Brasil foi feita com base nos seguintes critérios: região (optou-se por hospitais das regiões Sudeste e Nordeste, pelas diferenças socioeconômicas e culturais); número de partos atendidos por ano (mil ou mais); taxa de cesárea (igual ou maior que 15% ao ano); voluntariedade (concordância em participar do estudo, incluindo a aleatorização). Foram incluídos oito hospitais, sendo quatro do Estado de São Paulo, localizados nos municípios de Campinas, Botucatu, São Paulo e Taubaté; e quatro hospitais de Recife, Estado de Pernambuco.

A partir dos critérios já mencionados, os hospitais foram escolhidos e inicialmente convidados a participar, por representarem maternidades públicas com envolvimento em atividades de ensino e que reconheciam que suas taxas de cesárea estavam elevadas e que precisavam tomar providências para diminuí-las.

Os hospitais incluídos foram aleatoriamente divididos em dois grupos: de intervenção, em que foi implantada a estratégia da segunda opinião durante seis meses, e hospitais de controle, em que se manteve o protocolo rotineiro de atendimento. Antes da aleatorização, em todos os hospitais foram realizados seminários de nivelação onde os participantes do estudo receberam uma atualização sobre as condutas apropriadas para o término da gravidez e a atenção ao parto. Os hospitais de intervenção tiveram o seu protocolo de atendimento ao parto adequado à estratégia da segunda opinião, incluindo a incorporação de guias de conduta clínica para o diagnóstico das principais indicações de cesárea.

Para as análises referentes ao módulo clínico, foi necessário excluir um hospital de intervenção em Recife e seu respectivo controle, porque o primeiro esteve fechado durante certo período do estudo. Para o módulo social, foi excluído apenas o hospital de intervenção, mantendo-se o seu controle, uma vez que não se previa análise emparelhada.

Em abril de 2000, que correspondeu ao quinto mês da intervenção, foram selecionadas 656 mulheres que tiveram parto nos hospitais participantes do estudo. Nos hospitais de intervenção foram incluídas apenas aquelas que tiveram indicação de cesárea e que, por isso, passaram pela segunda opinião, totalizando 230 mulheres. Nos hospitais de controle foram incluídas apenas as que tiveram parto por cesárea, exceto as de emergência, no total de 426. Decidiu-se incluir na amostra dos hospitais de controle apenas as mulheres que tiveram cesárea para homogeneizar, na amostra total, as circunstâncias em que ocorreu o parto, uma vez que, se essas mulheres estivessem nos hospitais de intervenção, passariam pela segunda opinião diante da indicação de cesárea.

Diariamente, entrevistadoras especialmente treinadas iam aos hospitais e identificavam as mulheres selecionadas para a entrevista, por meio do registro diário mantido pelo coordenador do ELAC em cada hospital. Eram anotadas todas as mulheres que, no dia anterior, haviam recebido a segunda opinião (hospitais de intervenção), ou feito cesárea (hospitais de controle). Elas foram entrevistadas durante o período de internação, após o parto e antes da alta hospitalar, utilizando-se um questionário estruturado, pré-testado.

Terminada a intervenção, em junho de 2000, os 215 médicos que haviam estado envolvidos no projeto foram convidados a participar do módulo social, sendo 87 dos hospitais de intervenção e 128 dos hospitais de controle. Esses profissionais receberam um questionário estruturado e pré-testado, a ser auto-respondido, acompanhado de uma carta explicativa. Nela foi dado um prazo de uma semana para a devolução dos questionários preenchidos e indicada a forma de devolução: em cada um dos hospitais, foi disponibilizado um envelope ou caixa, em local onde havia uma pessoa, indicada pelo coordenador do módulo clínico, para registrar o recebimento do material. Ao final do prazo estipulado, 72 médicos dos hospitais de intervenção e 70 dos hospitais de controle devolveram o questionário respondido, total ou parcialmente, representando 66% dos médicos incluídos no módulo clínico.

As informações coletadas por meio dos questionários foram organizadas em um banco de dados, utilizando-se o Statistical Package for Social Sciences for Personal Computer (SPSS-PC). No presente trabalho, as mulheres entrevistadas nos dois tipos de hospitais participantes do ELAC (intervenção e controle) foram alocadas em dois subgrupos, conforme a sua experiência com as vias de parto: mulheres que só haviam tido cesáreas e mulheres que haviam experimentado as duas formas de parto ou somente haviam tido parto vaginal (duas mulheres apenas nessa condição). As diferenças entre os subgrupos foram avaliadas por tipo de hospital e o teste comparativo foi o qui-quadrado de Mantel-Haenszel. Além disso, comparou-se a preferência das mulheres pelo parto vaginal ou pela cesárea segundo o tipo de hospital, controlando-se pelos subgrupos de experiência com as vias de parto. A opinião dos médicos foi comparada segundo o tipo de hospital, aplicando-se o teste qui-quadrado de Yates ou o Exacto de Fisher. O nível de significância estabelecido foi de 5%.

A participação das mulheres e dos médicos(as) foi voluntária, após a leitura de um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). O protocolo que orientou a realização da pesquisa, bem como os TCLE utilizados, foram avaliados e aprovados pela Comissão de Pesquisa do Departamento de Tocoginecologia do CAISM/Unicamp e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

RESULTADOS

Caracterização da amostra estudada

Ao comparar as características sociodemográficas e reprodutivas das mulheres entrevistadas nos hospitais de controle e de intervenção, não se observaram diferenças estatisticamente significativas: mais da metade tinha entre 20 e 29 anos de idade (56,1% nos hospitais de intervenção e 55,6% nos de controle); cerca de 42% nos dois grupos declararam de cinco a oito anos de escolaridade; pouco mais de um terço estava vivendo a primeira gravidez (34,8% nos hospitais de intervenção e 35,9% nos de controle). Dentre as mulheres que referiram gestações anteriores, 70% nos hospitais de intervenção e 63% nos hospitais de controle não haviam tido partos vaginais.

Quanto aos médicos que responderam ao questionário, não houve também diferenças significativas em relação à idade e ao sexo: metade dos que trabalhavam nos hospitais de intervenção e 63% dos que atuavam nos hospitais de controle tinham, no máximo, 40 anos de idade por ocasião da entrevista; 54% nos hospitais de intervenção e 51% nos de controle eram do sexo feminino. Observou-se diferença estatística, porém, quanto ao tipo de instituição em que os médicos trabalhavam: nos hospitais de intervenção, 60% disseram atuar tanto em instituições públicas quanto privadas e 40% apenas em serviços públicos, enquanto nos hospitais de controle as proporções foram de 87% e 13%, respectivamente.

Opinião das mulheres

A grande maioria das mulheres, nos tipos de hospital, declarou preferir o parto vaginal: cerca de nove em cada 10 entrevistadas que tinham experimentado ambas as vias de parto, e três em cada quatro que tiveram só cesáreas, uma diferença significativa (Tabela 1).

A questão da dor, durante ou após o parto, foi mencionada entre os principais motivos para preferir o parto vaginal ou a cesárea. Tanto nos hospitais de intervenção quanto nos de controle, cerca de 40% das mulheres que haviam experimentado as duas vias de parto declararam que preferiam o parto vaginal, porque provoca menos dor/sofrimento. A mesma razão foi mencionada por 36% das mulheres dos hospitais de intervenção que somente haviam tido cesáreas, e por quase 30% das entrevistadas nos hospitais de controle no mesmo subgrupo. Observando-se as proporções de mulheres que declararam preferir a cesárea porque produz menos dor no momento do parto, nos dois tipos de hospitais, verificou-se diferença significativa ao comparar as entrevistadas que haviam tido partos vaginais e cesáreas com as que só haviam passado por partos cirúrgicos: 4,3% versus 22,5%, e 7% versus 16,1% (Tabela 2).

Também se observou diferença estatística quanto à proporção de mulheres que declaram preferir o parto vaginal pela "possibilidade de retornar à vida social logo" entre as que experimentaram as duas formas de parto e as que só haviam tido cesáreas: nos hospitais de intervenção, mais de um terço no primeiro grupo apontou essa razão, comparadas a menos de um quinto; nos hospitais de controle, mais de um quinto no primeiro grupo alegou esse motivo em comparação a um décimo das demais (Tabela 2).

Quando se comparou a preferência das mulheres pelo parto vaginal ou pela cesárea segundo o tipo de hospital, controlando-se pelos subgrupos de experiência com as vias de parto, não se detectaram diferenças significativas.

Opinião dos médicos

Na percepção dos médicos, as razões pelas quais as mulheres preferiam a cesárea, levando-as a solicitá-la, estavam relacionadas ao medo do parto vaginal (81% nos hospitais de intervenção e 85% nos de controle) e às conseqüências de um trabalho de parto demorado (40% nos hospitais de intervenção e 49% nos de controle) ao que se poderia agregar 16% dos hospitais de intervenção e 18% dos hospitais de controle que citaram o possível efeito do parto vaginal sobre a vida sexual futura. A dor do parto foi citada indiretamente quando 47% dos médicos dos hospitais de intervenção e 34% de controle atribuíram à falta de acesso à analgesia para o parto vaginal a preferência pela cesárea. Além dessas razões, também apareceram com destaque as idéias de que a cesárea permite realizar a laqueadura tubária (69% nos hospitais de intervenção e 59% de controle) e de que ela é valorizada como a melhor forma de dar à luz, mencionada por 29% dos médicos dos hospitais de intervenção e 24% de controle. Não se detectaram diferenças significativas entre as razões apontadas pelos médicos segundo o tipo de hospital (Tabela 3).

Pouco menos da metade dos médicos dos hospitais de intervenção e um pouco mais da metade dos que trabalhavam nos hospitais de controle opinaram que as mulheres sentem-se satisfeitas de ter parido por cesárea, enquanto um terço no primeiro grupo e cerca de um quinto no segundo disseram que elas ficam indiferentes. Cerca de 10% dos médicos nos dois tipos de hospitais opinaram que as mulheres sentem-se desiludidas e tristes por ter dado à luz por via abdominal. Não houve diferença significativa quanto a essa questão (Tabela 4).

Na opinião de 39% dos médicos dos hospitais de intervenção e 41% dos de controle, as mulheres sentem-se satisfeitas por serem submetidas a uma cesárea, porque assim não sofrem a dor do parto. Cerca de um quinto dos entrevistados dos hospitais de intervenção e dois quintos dos de controle apontaram como razão de satisfação a aceitação cultural de que na cesárea o risco para o bebê é menor; 25% nos hospitais de intervenção e 14% nos de controle entendiam que existe satisfação, porque as mulheres não querem e/ou têm medo de um trabalho de parto prolongado. Quanto a essas razões de satisfação não se verificou diferença estatística conforme o tipo de hospital. Houve diferença, porém, quanto à razão de satisfação "Buscam o resultado/ que ela e o bebê estejam bem", que foi mencionada por 18% dos médicos dos hospitais de intervenção, mas não foi referida por nenhum dos entrevistados dos hospitais de controle (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Os resultados da presente pesquisa mostram um contraste entre o que os médicos declaram perceber como sendo a opinião das mulheres, e o que as próprias mulheres manifestaram como suas preferências e os motivos das mesmas. Além do equívoco quanto à via de parto preferida pelas mulheres, que é majoritariamente a via vaginal e não a cesárea, como os médicos supunham, houve uma total discrepância entre os motivos que os médicos percebiam como razão para preferir o parto cesáreo e a opinião expressada pelas mulheres. Mais ainda, os resultados parecem ter sido pouco influenciados pelo fato das mulheres e/ou médicos entrevistados serem originalmente de hospitais de intervenção ou de controle.

Conforme o esperado, não se detectaram diferenças significativas de respostas, tanto entre as mulheres quanto entre os profissionais, segundo o hospital. Considerando-se que a intervenção era mais dirigida a aspectos técnicos e práticos da conduta obstétrica recomendada, é provável que ela não tenha produzido efeitos sobre a opinião das mulheres e dos médicos em relação às preferências pela via de parto.

A questão do medo ao parto vaginal e à dor durante o parto, que figura prioritariamente na percepção dos médicos, foi expressa excepcionalmente pelas mulheres. As entrevistadas, pelo contrário, manifestaram que a dor após a cesariana é o principal motivo para preferirem o parto vaginal. Mais ainda, é notável que, entre as mulheres que tiveram tanto a experiência de parto vaginal como de cesárea, a menor dor foi citada mais freqüentemente como motivo para preferir a via vaginal do que a cesárea: 10 vezes mais freqüentemente pelas mulheres nos hospitais de intervenção, e quase seis vezes mais pelas mulheres nos hospitais de controle.

Razões estéticas e o temor de prejuízo na função sexual após parto vaginal não foram relatados pelas mulheres entrevistadas como motivos de preferência pela cesárea, enquanto figuraram na percepção dos médicos. Outros estudos, com maior representatividade amostral, já tinham verificado a grande diferença entre a opinião das mulheres, majoritariamente favorável ao parto vaginal, e a concepção dos médicos de que a preferência das mulheres é pela cesárea.5,9,10,12 Porém, esses estudos não investigaram e compararam, ao mesmo tempo, os motivos dessa preferência entre as mulheres e os médicos.

Como se explica esse abismo entre a declaração das mulheres e a percepção dos médicos acerca do que pensam suas pacientes? Talvez parte da diferença possa ser atribuída ao fato de as mulheres terem tido mais liberdade e tempo para se expressarem nas entrevistas dessa pesquisa do que durante as consultas, sabidamente apressadas e sem muita oportunidade de intercâmbio de idéias.

Por outro lado, como a prática médica atual tende a ser de marcada preferência pela cesárea, o gineco-obstetra precisa encontrar uma forma de justificar, frente a si mesmo e aos outros, essa conduta. Como, efetivamente, há um grupo de mulheres que solicita a cesárea, pode tornar-se fácil generalizar essa opção para a maior parte das mulheres, o que passa a ser uma justificativa tranqüilizadora.

Da mesma forma, a queixa de dor, evidentemente observada pelo médico durante o período do parto, pode ser interpretada como motivo para preferir a cesárea. Mas esta interpretação contrasta com o desconhecimento do médico acerca da dor mais prolongada que se segue à cirurgia abdominal, enquanto a mulher que teve ambas as experiências pode comparar mais objetivamente quão significativa é para ela cada uma dessas duas circunstâncias.

Quando os profissionais expressaram a sua opinião sobre as causas do aumento na taxa de cesárea, a conveniência dos médicos passou a ser destacada em igual ou superior proporção que o desejo e as limitações das mulheres.5,6 Ao se mostrar também a falta de treinamento dos médicos no atendimento ao parto vaginal, reconhece-se que o profissional que realiza o parto tem uma grande parcela de responsabilidade na preferência pela cesárea como via de parto.

Os presentes achados permitem concluir que a principal justificativa para o aumento na taxa de cesárea, ou seja, o respeito do desejo das mulheres por parte dos médicos, não tem sustentação nos fatos. Uma melhor comunicação entre médicos e mulheres grávidas pode contribuir para a melhora da situação atual.

Recebido em 18/3/2003

Reapresentado em 19/9/2003

Aprovado em 3/11/2003

Financiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp – Processo n. 99/07520-0) e pelo Fundo de Apoio ao Ensino e à Pesquisa (Faep/Unicamp – Processo n. 0105/00)

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  • Endereço para correspondência
    Anibal Faúndes
    Cemicamp
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      03 Nov 2003
    • Revisado
      19 Set 2003
    • Recebido
      18 Mar 2003
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