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Delineamento e validação de matriz de exposição ocupacional à sílica

Design and validation of a job-exposure matrix to silica

Resumos

OBJETIVO: Desenvolver matriz de exposição ocupacional de base populacional para a sílica cristalina no Brasil e estimar sua validade. MÉTODOS: A matriz de exposição ocupacional foi desenvolvida por um epidemiologista e um higienista ocupacional em quatro etapas: a) codificação da variável ocupação; b) codificação da variável setor econômico; c) classificação da exposição por consenso entre os pesquisadores e; d) estimativa do número de trabalhadores registrados, em 1995, para cada nível de exposição. As 8.675 células da matriz, formadas pela intersecção das variáveis setor econômico (25 colunas) e ocupação (347 linhas), foram classificadas de acordo com a freqüência da exposição à sílica em quatro níveis: não expostos, possivelmente expostos, provavelmente expostos e definitivamente expostos. Para a validação da matriz de exposição ocupacional, cinco setores econômicos (extração mineral, construção civil, metalurgia, administração de serviços de pessoal técnico e indústria têxtil) foram re-codificados quanto à exposição por peritos convidados. Avaliou-se a confiabilidade pela proporção de acordos e o grau de concordância pelo Kappa. RESULTADOS: A matriz de exposição ocupacional apresentou alta concordância geral, variando de 64,0% na metalurgia a 94,4% na extração mineral. O Kappa revelou boa concordância no setor de extração mineral (0,9) e baixa ou regular nos demais (variação de 0,1 a 0,5). A especificidade foi alta para os setores de metalurgia (86,5%) e extração mineral (100,0%). A construção civil apresentou especificidade de 56,0%. CONCLUSÕES: A matriz de exposição ocupacional apresentou boa acurácia, revelando-se adequada para estimar a exposição à sílica na força de trabalho ocupada no País.

Sílica livre; Poluentes do ar; Exposição ocupacional; Validade; Matriz de exposição ocupacional, avaliação, confiabilidade


OBJECTIVE: To develop a population-based matrix of job-exposure to crystalline silica in Brazil and to estimate its validity. METHODS: An epidemiologist and an industrial hygienist developed a matrix of job-exposure in four stages: coding of occupation variable; coding of industry variable; consensual exposure classification between researchers; and estimate of registered workforce in 1995 for each level of exposure. The cross-tabulation of the variables industry (25 columns) and occupation (347 lines) resulted in 8,675 cells, classified according to silica exposure in four levels: non-exposed, possibly exposed, probably exposed, and definitively exposed. For validating the job-exposure matrix, five industries (mining and quarrying, construction, foundry, management of technical personal and textiles), were re-coded according to exposure by external experts. Reliability of the study and external experts was evaluated by agreement measured using kappa analysis. RESULTS: The job-exposure matrix showed high coding agreement, ranging from 64.0% for foundry to 94.0% for mining. Kappa analysis showed good agreement in mining (0.9), and low or average for other sectors (ranging from 0.1 to 0.5). High specificity was found in foundry (86.5%) and mining (100.0%). Construction had 56% specificity. CONCLUSIONS: The study job-exposure matrix showed good accuracy and seems to be appropriate for estimating silica exposure among Brazilian workers.

Free silica; Air pollutants; Occupational exposure; Validity; Job-exposure matrix, assessment; Reliability


ARTIGOS ORIGINAIS

Delineamento e validação de matriz de exposição ocupacional à sílica

Design and validation of a job-exposure matrix to silica

Fátima Sueli Neto RibeiroI; Esther Archer de CamargoII; Victor Wünsch FilhoIII

IInstitutuo Nacional do Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Área de Vigilância do Câncer Ocupacional. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIDepartamento de Enfermagem. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIIDepartamento de Epidemiologia. Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Fátima Sueli Neto Ribeiro Instituto Nacional do Câncer - CONPREV Rua dos Inválidos, 212 2º andar 20231-020 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: fatsue@inca.gov.br

RESUMO

OBJETIVO: Desenvolver matriz de exposição ocupacional de base populacional para a sílica cristalina no Brasil e estimar sua validade.

MÉTODOS: A matriz de exposição ocupacional foi desenvolvida por um epidemiologista e um higienista ocupacional em quatro etapas: a) codificação da variável ocupação; b) codificação da variável setor econômico; c) classificação da exposição por consenso entre os pesquisadores e; d) estimativa do número de trabalhadores registrados, em 1995, para cada nível de exposição. As 8.675 células da matriz, formadas pela intersecção das variáveis setor econômico (25 colunas) e ocupação (347 linhas), foram classificadas de acordo com a freqüência da exposição à sílica em quatro níveis: não expostos, possivelmente expostos, provavelmente expostos e definitivamente expostos. Para a validação da matriz de exposição ocupacional, cinco setores econômicos (extração mineral, construção civil, metalurgia, administração de serviços de pessoal técnico e indústria têxtil) foram re-codificados quanto à exposição por peritos convidados. Avaliou-se a confiabilidade pela proporção de acordos e o grau de concordância pelo Kappa.

RESULTADOS: A matriz de exposição ocupacional apresentou alta concordância geral, variando de 64,0% na metalurgia a 94,4% na extração mineral. O Kappa revelou boa concordância no setor de extração mineral (0,9) e baixa ou regular nos demais (variação de 0,1 a 0,5). A especificidade foi alta para os setores de metalurgia (86,5%) e extração mineral (100,0%). A construção civil apresentou especificidade de 56,0%.

CONCLUSÕES: A matriz de exposição ocupacional apresentou boa acurácia, revelando-se adequada para estimar a exposição à sílica na força de trabalho ocupada no País.

Descritores: Sílica livre. Poluentes do ar. Exposição ocupacional. Validade. Matriz de exposição ocupacional, avaliação, confiabilidade.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To develop a population-based matrix of job-exposure to crystalline silica in Brazil and to estimate its validity.

METHODS: An epidemiologist and an industrial hygienist developed a matrix of job-exposure in four stages: coding of occupation variable; coding of industry variable; consensual exposure classification between researchers; and estimate of registered workforce in 1995 for each level of exposure. The cross-tabulation of the variables industry (25 columns) and occupation (347 lines) resulted in 8,675 cells, classified according to silica exposure in four levels: non-exposed, possibly exposed, probably exposed, and definitively exposed. For validating the job-exposure matrix, five industries (mining and quarrying, construction, foundry, management of technical personal and textiles), were re-coded according to exposure by external experts. Reliability of the study and external experts was evaluated by agreement measured using kappa analysis.

RESULTS: The job-exposure matrix showed high coding agreement, ranging from 64.0% for foundry to 94.0% for mining. Kappa analysis showed good agreement in mining (0.9), and low or average for other sectors (ranging from 0.1 to 0.5). High specificity was found in foundry (86.5%) and mining (100.0%). Construction had 56% specificity.

CONCLUSIONS: The study job-exposure matrix showed good accuracy and seems to be appropriate for estimating silica exposure among Brazilian workers.

Keywords: Free silica. Air pollutants. Occupational exposure. Validity. Job-exposure matrix, assessment. Reliability.

INTRODUÇÃO

A análise dos métodos de avaliação de exposições, considerando-se a adequação dos instrumentos e os aspectos temporais da mensuração, é uma etapa necessária e fundamental dos estudos epidemiológicos que buscam relacionar exposições ocupacionais e a ocorrência de doenças.

As informações obtidas por entrevistas e os registros de mensurações da presença de determinada substância nos ambientes de trabalho têm sido freqüentemente utilizadas para avaliar exposições ocupacionais. Todavia, poucas investigações realizaram estimativas da acurácia e reprodutibilidade destas informações.8 Entre os diversos métodos de avaliação da exposição ocupacional a agentes ou substâncias deletérias para a saúde, as matrizes de exposição ocupacional destacam-se pela confiabilidade, relativo baixo custo e flexibilidade na incorporação de informações provenientes de diferentes origens. Uma matriz de exposição ocupacional (MEO) consiste num sistema de classificação da exposição para uma ou mais substâncias ou agentes em distintas ocupações por ramos de atividade específicos.8

As primeiras descrições de MEO remontam à década de 30. O formato computadorizado começou a ser utilizado nos anos 708 e seu uso foi expandido nos anos 80, com a intensa aplicação das MEO em estudos epidemiológicos, na avaliação de empresas e setores econômicos2 ou tendo como fontes para estimativas bases de dados populacionais.10,13 No Brasil, a primeira aplicação desse instrumento foi feita num estudo caso-controle para avaliar a associação entre exposições ocupacionais e câncer de pulmão.17

As MEO são instrumentos eficientes para identificar padrões genéricos de exposição, o que pode ser útil nos estudos epidemiológicos ou no planejamento de ações de vigilância. As MEO requerem estimativas qualificadas, sistemáticas e detalhadas das exposições potenciais, e podem ser construídas com informações primárias ou secundárias. Na ausência de dados de avaliações realizadas diretamente nos ambientes de trabalho, as informações mais utilizadas para estimar a exposição provêm do título da ocupação do trabalhador ou da reconstrução de sua trajetória ocupacional por meio de entrevista.

As dificuldades para elaboração da MEO são inerentes ao método adotado para estimar a exposição e, dependendo da abordagem escolhida, os custos e o tempo necessário para sua execução podem ser expressivos. Na Finlândia, foram necessários três anos para o desenvolvimento de MEO populacional com dados de avaliações ambientais de rotina.8 No Canadá, a MEO elaborada para um estudo epidemiológico com informações provenientes de questionários aplicados a mil trabalhadores o custo foi de aproximadamente 60 mil dólares americanos.15

O uso de bases de dados de fontes secundárias e estimativas da exposição realizada por especialistas com conhecimento amplo e profundo de higiene ocupacional, permite reduzir tempo e custos. Nos estudos epidemiológicos, essa alternativa tem a vantagem de proporcionar resultados mais abrangentes do que avaliações pontuais por métodos diretos ou informações declaradas pelos trabalhadores, pois os especialistas podem assumir critérios de exposição que representem a situação média das empresas no tocante ao tipo de processo produtivo, ao maquinário utilizado e à gerência do risco.

A sílica é reconhecida como substância definitivamente carcinogênica para os humanos pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC)6 da Organização Mundial da Saúde. Nesse estudo, a exposição ocupacional à sílica foi avaliada considerando-se a realidade de trabalho no contexto brasileiro, onde há vasta presença de poeiras ricas em quartzo livre em distintas atividades econômicas e amplo limite de exposição à sílica permitida pela legislação em vigor.

Com o objetivo de obter-se um instrumento capaz de produzir estimativas confiáveis da exposição ocupacional à sílica no País com informações em fontes de bases de dados populacionais, construiu-se uma matriz de exposição ocupacional e avaliou-se sua acurácia e confiabilidade para os dados secundários de origem.

MÉTODOS

A MEO foi construída para a população ocupada em 1995 e a estimativa da exposição nos setores econômicos foi feita de acordo com processos de trabalho e a tecnologia utilizada nas décadas de 80 e 90. A validação da MEO foi realizada pelas análises de confiabilidade e de acurácia.

Fonte de dados e variáveis utilizadas

A fonte utilizada para a construção da MEO foi a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que comporta informações sobre a ocupação, vínculo de emprego, setores econômicos e características pessoais dos trabalhadores.

A variável setor econômico foi examinada segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE)* * Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CONCLA. Disponível em: <URL: http://www.ibge.gov.br/concla/cnae/ cnae.shtm> [30 mar 2003] de 1980, com desagregação em dois dígitos, ampliada para quatro dígitos quando um melhor detalhamento de determinado setor econômico se fazia necessário. Dessa forma, foram definidas 25 divisões dos setores de agricultura, comércio, extração mineral e indústrias. A variável ocupação foi analisada de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), de 1995, com discriminação em três dígitos, comportando 347 grupos ocupacionais, exceto os grupos sem informação e os mal definidos.

Estrutura da matriz e classificação da exposição

Foram quatro as etapas de construção da MEO: análise das atividades dos grupos ocupacionais por setores econômicos, identificação das fontes de exposição, codificação das células de intersecção, produto do cruzamento dos 25 setores econômicos (colunas) com os 347 grupos ocupacionais (linhas), e, finalmente, a identificação, para cada célula da MEO do número de trabalhadores registrados na RAIS em 1995. Os critérios de decisão para a classificação da exposição estão descritos esquematicamente na Figura.


Na classificação da exposição considerou-se a análise cuidadosa de cada grupo ocupacional dentro de cada setor econômico. Um epidemiologista e um higienista ocupacional, ambos com prática profissional na área da saúde ocupacional e experiência em avaliação de exposições nos ambientes de trabalho, realizaram ampla revisão sobre as potenciais exposições à sílica em setores econômicos e ocupações na bibliografia científica nacional e internacional e, ainda, nas bases de órgãos internacionais como a IARC6 e a Organização Internacional do Trabalho.7 Adicionalmente, levantaram informações de avaliações ambientais descritas em relatórios técnicos institucionais,** * * Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). Levantamento das condições de higiene e segurança do trabalho. Mineração Lapa Vermelha Ltda. Pedro Leopoldo/MG. Projeto Pedreiras, 1985. São Paulo: MTE/Fundacentro. Relatório técnico. [Dados inéditos] dissertações acadêmicas12,16 e conduziram entrevistas com profissionais da área de higiene industrial e sindicalistas.

A exposição foi assumida como presente nas situações em que as atividades descritas na CBO permitissem presumir a exposição dos trabalhadores à sílica cristalina livre, com freqüência de contato pelo menos semanal no ambiente de trabalho. Consideraram-se as tarefas descritas na CBO para cada grupo ocupacional em cada setor econômico, bem como as condições médias de saúde e segurança no trabalho conhecidas para empresas de setores econômicos específicos no Brasil. A decisão sobre a categoria de exposição para cada célula foi tomada por consenso entre os dois pesquisadores que realizaram a classificação.

Para cada célula da MEO foram presumidas as potenciais fontes de exposição à sílica, incluindo: matéria-prima, produto final, formas químicas intermediárias, pirólise ou produtos de decomposição, produtos de limpeza, tipo de máquina, contaminação ambiental e condições gerais de manutenção do maquinário. A exposição à sílica foi então classificada segundo quatro categorias qualitativas, considerando-se a freqüência presumida de exposição e os critérios estabelecidos por Gérin et al4 (1985): não expostos (NE), possivelmente expostos (PsE), provavelmente expostos (PrE) e definitivamente expostos (DE), conforme detalhado na Tabela 1. As informações sobre intensidade, alternância e variação na exposição não foram consideradas.

Para alguns setores econômicos, com intensa utilização de sílica cristalina, considerou-se que a exposição ocorria de forma generalizada na empresa. Os setores assim considerados foram definidos como típicos e incluem: indústria de extração mineral (pedreiras e extração de metais em minas subterrâneas), fundição, indústria de minerais não metálicos (indústrias do vidro e cerâmica), construção civil, indústria de construção e reparo naval.

Nos grupos ocupacionais para os quais em que se pressupôs exposição muito freqüente à sílica (por exemplo, ceramistas) adotou-se a categoria DE, quando o grupo estava incluído em indústrias típicas, e as categorias NE, PsE ou PrE conforme cada situação em outros setores econômicos. Nos grupos ocupacionais que aglutinam ocupações com padrões heterogêneos de exposição estimou-se o nível de exposição com referência à ocupação predominante em cada subsetor econômico. Nesses casos, procedeu-se à análise deste grupo ocupacional por subsetores com a CNAE desagregada em até cinco dígitos, buscando-se identificar a ocupação predominante. Por exemplo, no grupo dos engenheiros, arquitetos e urbanistas do setor de extração, assumiu-se a predominância de engenheiros e a codificação desta ocupação foi adotada para todo o grupo. Nas situações sem predominância presumível, foram consideradas para classificação as condições ambientais e ocupacionais conhecidas das indústrias no Brasil.

Nos setores econômicos com exposição improvável à sílica ou restrita a algumas operações específicas em áreas delimitadas, como na indústria eletroeletrônica, utilizou-se o código que designa o menor nível de exposição (NE). Porém, nos setores com exposição freqüente e disseminada à sílica aplicou-se o código da ocupação com a maior freqüência de exposição (DE).

Alguns setores econômicos, pela classificação da CNAE, agregam indústrias heterogêneas em relação à sílica — o setor metalúrgico por exemplo — e inclui subsetores com baixa exposição, como a fabricação de tubos, e outros com alta exposição, como a fundição. Nesses casos, analisou-se o número de trabalhadores em cada subsetor. Naqueles que apresentavam exposição importante, mas agregavam menos de 25% dos trabalhadores de todo o setor adotou-se o código dos demais subsetores. Em outros, com exposição importante e que aglutinavam entre 25 e 50% dos trabalhadores, utilizou-se código intermediário entre este e os demais subsetores. Finalmente, naqueles com exposições importantes à sílica e que aglutinavam mais de 50% dos trabalhadores, o código referente a este subsetor foi aplicado para todo o setor.

Diferenças regionais foram consideradas pela identificação da concentração de empresas em alguns Estados, como nos setores de transporte, construção e reparo naval, reparo de veículos ferroviários e reparo de aeronaves.

Mudanças nas condições de trabalho, capazes de alterar o padrão de exposição ocupacional à sílica nas duas décadas analisadas, ocorreram principalmente durante a década de 90, mas foram localizadas. Cabe destacar a proibição do uso de areia seca como abrasivo nas tarefas de jateamento (mais intenso na metalurgia e na construção naval) em alguns Estados e Municípios.12 Na construção civil, a produção de concreto fora dos canteiros de obras e a substituição de estruturas de concreto por colunas e vigas de aço são fatos que resultaram na menor manipulação de areia e brita e, conseqüentemente, possível menor exposição à sílica neste setor.

As planilhas geradas pelo software SGT6 (Sistema Gerador de Tabelas, versão 6) da base RAIS, com o número de trabalhadores foram sobrepostas às planilhas de codificação da MEO com as células de exposição geradas no software Excelâ. As análises quantitativas foram processadas por meio do Statistical Analysis Software - SASâ, versão 8.02.

Estimativa do número de trabalhadores

No cálculo dos trabalhadores ocupados em 1995 para cada célula da MEO aplicou-se um indicador de empregabilidade de acordo com o percentual de trabalhadores ocupados ao longo do ano e os desligamentos mensais para cada setor econômico. Dessa forma, evitou-se utilizar o total de trabalhadores ocupados em 31 de dezembro, pois poderia subestimar a base em até 30%, ou o total de trabalhadores empregados em algum momento no decorrer do ano, o que superestimaria a base em até 4%.

A matriz final resultou em uma planilha com 8.675 células correspondentes às intersecções das variáveis setor econômico e ocupação, que foram analisadas individualmente quanto à probabilidade de exposição à sílica.

Aferição da matriz

O controle de possíveis vieses na codificação foi feito por meio de critérios uniformes aplicados a toda MEO. A decisão sobre a codificação de cada célula foi fundamentada em cuidadosa documentação das situações analisadas e as decisões adotadas foram conservadoras e consoante com a literatura.

Para a identificação de possíveis erros de preenchimento da RAIS avaliou-se a consistência interna dos dados, examinando-se os grupos ocupacionais com prevalências inusitadas em subsetores específicos. Quando determinada ocupação não era esperada em determinado subsetor, mas representava 10% ou mais do subsetor investigado, assumiu-se a possibilidade de haver alguma outra atividade econômica associada e a ocupação foi considerada nos critérios de codificação. Abaixo deste nível a presença dessas ocupações inusitadas foi tratada como erro de preenchimento e não considerada pelos codificadores.

Validação da matriz

A confiabilidade da MEO foi mensurada por testes de concordância e a acurácia por meio da sensibilidade e da especificidade. Para tais procedimentos foi selecionada amostra intencional de três setores econômicos reconhecidos como de intensa exposição à sílica (extração mineral, metalurgia e construção civil); um setor onde a sílica é pouco utilizada (indústria têxtil); e um setor que aglutina empresas que alocam mão-de-obra em diversas atividades, com níveis de exposição variados (administração de serviços de pessoal técnico).

Peritos externos ao estudo foram convidados por sua expertise específica nos setores amostrados. Estes peritos apresentavam experiências e formações distintas, como sindicalista, técnico em segurança do trabalho, higienista industrial, engenheiro, médico. Cada perito re-classificou as células da matriz referente ao seu setor econômico de domínio com relação à exposição à sílica. Este trabalho foi conduzido de forma cega à aferição anterior realizada pelos pesquisadores do estudo.

A avaliação da precisão, ou confiabilidade da classificação, foi realizada calculando-se a concordância geral da aferição da exposição inicial, conduzida pelos pesquisadores do estudo, e a realizada pelos peritos convidados para cada um dos cinco setores econômicos selecionados. A concordância específica também foi calculada de forma semelhante para cada categoria de exposição. Utilizou-se o índice Kappa de Cohen para análise da concordância geral e específica. Este indicador leva em consideração a concordância esperada ao acaso.3 O índice foi interpretado à luz dos critérios de Landis & Koch11 (1977).

A validade da classificação realizada pelos pesquisadores foi analisada em relação à classificação dos peritos convidados, tomada como "padrão-ouro".5 A comparação das proporções de trabalhadores classificados pelos pesquisadores do estudo e pelos peritos como expostos (PsE, PrE, DE) definiu a sensibilidade. Paralelamente, estimou-se a especificidade comparando-se as proporções de trabalhadores classificados como NE pelos pesquisadores e pelos peritos.

RESULTADOS

Os procedimentos de classificação da exposição identificaram nos setores econômicos reconhecidos como de intensa utilização de sílica cristalina uma expressiva proporção de trabalhadores classificados como DE em 1995. Destacando-se a extração mineral (57,4%), a construção civil (56,0%) e a metalurgia (26,9%). No setor da administração de serviços de pessoal técnico, com níveis de exposição variados à sílica, a proporção de trabalhadores DE foi 1,4% e a proporção de não expostos 82,7%. No setor econômico com menor uso presumido de sílica, a indústria têxtil, a proporção de DE foi de 0,1% e os não expostos de 91,2% (Tabela 2).

A proporção de concordância geral entre a codificação dos pesquisadores do estudo e a dos peritos convidados foi alta, variando de 64,0% na metalurgia a 94,4% na extração mineral. O índice Kappa mostrou concordância considerada ótima para o setor de extração mineral (0,90) e regular para os setores de construção civil, metalurgia e administração de serviços de pessoal técnico, variando de 0,34 a 0,49. Apenas a indústria têxtil apresentou Kappa considerado baixo (0,06), embora com boa concordância geral de 91,5%. (Tabela 3).

A proporção de concordância específica por setor apresentou ampla variação. Entre os não expostos variou de 56,0% na construção civil a 100,0% na extração mineral. O Kappa variou de regular a ótimo, 0,55 na administração de serviços a 0,98 na extração mineral, com exceção da indústria têxtil. A categoria DE apresentou proporções de concordância acima de 50,0%, para todos os setores, exceto para a administração de serviço de pessoal técnico cuja proporção foi igual a 24,5% e Kappa baixo (0,37).

Para a categoria PrE a proporção de concordância foi baixa no setor de metalurgia e administração de serviços de pessoal técnico, com 9,2% e 0% respectivamente, o índice Kappa ficou abaixo de 0,02 (Tabela 3).

O setor econômico com melhor padrão de concordância foi o da extração mineral, pois todas as proporções ficaram acima de 50,0% e o Kappa acima de 0,54. Os demais setores apresentaram grande variação nas categorias intermediárias de classificação. Na categoria PsE os setores que apresentaram proporção de concordância abaixo de 10,0% foram administração de serviços de pessoal técnico e indústria têxtil, nos dois casos o índice Kappa ficou abaixo de 0,06.

O setor da administração de serviços de pessoal técnico apresentou resultados altos para a concordância geral (85,0%), mas forte variação na concordância específica, com melhor estimativa para a classificação dos não expostos (98,1%) e Kappa de 0,55.

A indústria têxtil apresentou concordância geral alta, 91,5%, porém possivelmente influenciada pelo acaso, pois o Kappa situou-se em 0,06. Este padrão reproduziu-se na concordância específica, à exceção dos DE (Tabela 3).

A sensibilidade e a especificidade da classificação foram altas para os setores da extração mineral, 99,4 e 100,0 respectivamente; construção civil com 100,0 e 56,0 e metalurgia com 78,4 e 86,5. Nos outros dois setores destacou-se a alta especificidade (acima de 98,0), indicando que no processo de classificação da exposição foi privilegiada a identificação dos não expostos (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Matrizes nacionais e regionais com informações de exposições ocupacionais estimadas a partir de dados secundários são amplamente utilizadas, a exemplo do sistema Carcinogen Exposure (CAREX), no qual foram utilizadas as prevalências de exposições obtidas em estudos nos Estados Unidos e na Finlândia e aplicadas à situação de quinze países europeus10 e na Costa Rica.11 A presente MEO, embora construída seguindo metodologias similares às utilizadas no CAREX11 e no Canadá,4 resulta do julgamento de especialistas nacionais com experiência prática na investigação e vigilância de ambientes de trabalho. Portanto, infere-se que as possíveis limitações nas estimativas da exposição retratadas nesta MEO foram compensadas pela melhor aproximação dos juízes, pesquisadores e peritos, com a realidade estudada. A MEO mostrou-se viável e operacional para utilização de informações obtidas de bases de dados secundários.

A concordância entre as classificações conduzidas pelos pesquisadores e pelos peritos foi particularmente alta na extração mineral, setor onde também com maior proporção de indivíduos classificados na categoria DE. A classificação nos setores de metalurgia e construção civil, embora revelando concordância geral alta, apresentaram valores de Kappa regulares, indicando a possível influência do acaso nas codificações. Também a concordância específica mostrou grande variabilidade nesses dois setores, particularmente nas categorias intermediárias de exposição (Tabela 3). As frágeis concordâncias encontradas nos critérios intermediários de classificação de exposição (PrE e PsE), à exceção da extração mineral, denotam a maior capacidade desta MEO para classificar corretamente situações extremas de exposição. Entretanto, as dificuldades de classificar indivíduos nas faixas intermediárias de exposição com instrumentos de avaliação com critérios subjetivos, como os utilizados no presente estudo, foram também observadas por outros autores.9 Embora apenas razoáveis para algumas categorias, as concordâncias obtidas neste estudo estão em consonância com as obtidas por Benke.1 A alta proporção de concordância geral na indústria têxtil, não obstante os valores baixos de Kappa, configuram um paradoxo que pode ter ocorrido pela inadequação da estimativa Kappa para situações com baixa proporção de expostos.3 A alta especificidade e a boa concordância observada entre as classificações conduzidas pelos pesquisadores e pelos peritos convidados, nos cinco setores amostrados, permitem considerar que o método de classificação da exposição seguiu critérios semelhantes e confiáveis em toda a estrutura da MEO e que podem ser extrapolados para os demais setores econômicos e ocupações examinadas pela MEO. Em síntese, pode-se com base nestes resultados inferir que os possíveis erros de classificação ocorreram no sentido de subestimar a exposição.

As dificuldades encontradas na construção desta MEO foram também identificadas na elaboração de matriz na Finlândia.9 E referem-se especialmente à avaliação da validade e da confiabilidade de uma medida de exposição na ausência de medidas de referência mensuradas diretamente nos ambientes de trabalho. Tal situação, leva a assumir-se como "padrão-ouro" outras estimativas de exposição,5 no presente estudo a classificação realizada pelos peritos. A alta especificidade encontrada sugere que alguns expostos podem não ter sido identificados pela MEO, porém os incluídos tendem a ser realmente expostos.

Entre as limitações do método aqui empregado deve-se considerar o julgamento da variável ocupação. Para uma mesma ocupação há grande variabilidade de tarefas em empresas com condições de trabalho distintas e em diferentes localizações geográficas. Os grupos ocupacionais, constituídos por critérios administrativos na CBO, não permitiram a sua desagregação em mais de três dígitos da RAIS, resultando em grupos que muitas vezes impedem a perfeita compreensão da heterogeneidade da força de trabalho ocupada e, por conseguinte, da exposição em alguns subsetores. Com os procedimentos de consistência interna buscou-se controlar essas possíveis distorções. Entre os grupos ocupacionais heterogêneos, a decisão de classificá-los como expostos apenas quando expressassem mais de 50% do conjunto do grupo excluiu uma parcela de trabalhadores que pode estar submetida a baixos níveis de exposição à sílica.

As informações do setor econômico também não foram de fácil interpretação, pois a declaração de uma atividade econômica predominante por parte de determinada empresa não significa a ausência de outra estrutura produtiva simultânea com níveis de exposição distintos.

A base de dados RAIS pode conter erros de informação, nas situações onde a declaração não tenha sido realizada criteriosamente. Como não há acompanhamento da qualidade do preenchimento destas declarações torna-se impossível a identificação da dimensão ou da direção destas distorções. A reduzida possibilidade de desagregação do grupo ocupacional na base RAIS e o desconhecimento dos padrões de exposição locais limitam a aplicação desta MEO apenas até o plano de Estado, para além deste nível os vieses podem ser muito intensos e comprometer a acurácia das estimativas de exposição.

Apesar de todas as limitações assinaladas, que não são inerentes exclusivamente a este estudo, mas da própria abordagem metodológica, os resultados obtidos sugerem que a aplicação desta MEO permite estimativas da exposição à sílica na força de trabalho brasileira a partir dos dados da RAIS. É possível considerar um aprimoramento desta matriz com a reclassificação das células de intersecção por um grupo nacional de especialistas para todos os setores, num processo que incorporasse a variável "confiança da classificação", associado a um trabalho de reconstituição das ocupações em situações de baixa confiança na estimativa da exposição. Dessa forma, seria possível, talvez, aumentar a confiabilidade nas categorias intermediárias de exposição e contemplar maiores variações regionais. Porém, tal estratégia exigiria um alto nível de organização nacional com custos consideráveis. Para melhorar a acurácia, julga-se viável a combinação do modelo aqui discutido com informações adicionais dos próprios trabalhadores, painéis de consenso entre especialistas, mensurações ambientais diretas ou a reconstrução do processo de trabalho em empresas-chave.

A elaboração da MEO foi realizada em 12 meses e os custos foram inferiores às estimativas internacionais. O uso de uma base de dados secundárias otimizou tempo e custos e, ainda, definiu critérios de prioridades para ações de vigilância. Mostrou também a viabilidade da construção de denominadores para o cálculo de coeficientes de freqüência e de gravidade onde houver informações sobre casos de silicose ou câncer de pulmão decorrentes da exposição à sílica.

Por fim, os resultados obtidos de validade da MEO estão de acordo com as descrições de outros autores,1,2 particularmente para os setores com intensa utilização de sílica. Como o propósito de construção desta MEO não foi o de particularizar o risco, mas criar instrumento confiável e válido, capaz de estimar a exposição à sílica em setores econômicos a partir de dados secundários, conclui-se que esta MEO é apropriada para atingir tais objetivos.

AGRADECIMENTOS

Aos pesquisadores, técnicos e sindicalistas que contribuíram nos procedimentos de codificação da exposição. À empresa Datamec/Unysis pelo suprimento dos CD-ROM com as informações utilizadas neste trabalho e ao suporte prestado na análise destes dados. Ao Laboratório de Epidemiologia e Estatística do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia pelas contribuições e sugestões na análise de concordância. Aos técnicos da Fundacentro, pelo apoio na realização das classificações e na interpretação de exposições específicas e, ainda, pelo auxílio na análise estatística.

Recebido em 26/9/2003. Reapresentado em 10/5/2004. Aprovado em 14/7/2004

Projeto parcialmente financiado pela Fundacentro/CTN, São Paulo (Processo n. 4901093).

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  • Endereço para correspondência

    Fátima Sueli Neto Ribeiro
    Instituto Nacional do Câncer - CONPREV
    Rua dos Inválidos, 212 2º andar
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    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CONCLA. Disponível em: <URL:
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    Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). Levantamento das condições de higiene e segurança do trabalho. Mineração Lapa Vermelha Ltda. Pedro Leopoldo/MG. Projeto Pedreiras, 1985. São Paulo: MTE/Fundacentro. Relatório técnico. [Dados inéditos]
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Jan 2005

    Histórico

    • Recebido
      26 Set 2003
    • Revisado
      10 Maio 2004
    • Aceito
      14 Jul 2004
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