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Análise econômica de programa para rastreamento do diabetes mellitus no Brasil

Economic analysis of a screening program for diabetes mellitus in Brazil

Resumos

OBJETIVO: Diabetes mellitus é um problema de saúde pública com elevado ônus social e econômico, cujo diagnóstico é desconhecido em metade dos indivíduos portadores. Em 2001, o Ministério da Saúde realizou a Campanha Nacional para a Detecção do Diabetes Mellitus. Assim, o objetivo do estudo foi estimar o impacto econômico e o rendimento desse rastreamento populacional. MÉTODOS: Baseado no número de rastreados com resultados positivos (glicemia capilar em jejum >100 mg/dl ou fora do jejum >140 mg/dl), foram estimados os prováveis casos novos de diabetes mellitus e construído modelo de decisão analítico. Dados primários e secundários foram utilizados para estimar os custos (em Reais) e o rendimento (casos novos de diabetes mellitus detectados) do rastreamento com o pressuposto de pagador único. Análises de sensibilidade foram conduzidas para avaliar o efeito de alguns parâmetros nessas estimativas. RESULTADOS: Considerando-se a prevalência de diabetes mellitus não diagnosticado na população-alvo de 4,8%, o número provável de novos casos de diabetes mellitus diagnosticados foi de 518.579. Isso, pressupondo que um terço dos participantes com teste positivo procurou a confirmação (23 casos por 1.000 rastreados). O custo por novo caso de diabetes mellitus diagnosticado a partir desses pressupostos seria de R$89. Em análises de sensibilidade, os resultados foram sensíveis ao percentual dos testes confirmatórios. CONCLUSÕES: Apesar dos expressivos custos com a campanha de rastreamento no Brasil, o rendimento foi comparável a outras ações preventivas e, em termos absolutos, o custo por novo caso de diabetes mellitus detectado foi inferior ao relatado por outros países.

Diabetes mellitus; Análise custo-benefício; Promoção da saúde; Diabetes mellitus; Diabetes mellitus


OBJECTIVE: Diabetes mellitus is a common disease and costly public health concern and an expressive number of affected individuals have undiagnosed diabetes mellitus. In 2001, the Brazilian Ministry of Health conducted a national diabetes screening campaign. The purpose of this study was to estimate the yield and economic impact of this screening strategy. METHODS: Based on positive screenees (fasting glucose >100 mg/dL or nonfasting >140 mg/dL) probable new cases of diabetes were estimated and a decision analytic model was built up. Primary and secondary data were used to estimate screening cost (in Brazilian Reais, R$) and yield (new cases of diabetes detected), assuming a single-payer-perspective. Sensitivity analyses were performed. RESULTS: Assuming a prevalence of undiagnosed diabetes mellitus of 4.8%, probable new cases of diabetes were 518,579 (23 new cases per 1,000 subjects screened), considering that 33% of positive-screening individuals underwent confirmatory glucose testing. The cost per new case of diabetes diagnosed would be R$89. The results were sensitive to percentage of confirmatory tests performed. CONCLUSIONS: The costs of nationwide community screening in Brazil were significant, however, in absolute terms lower than those described by other countries.

Diabetes mellitus; Cost-benefit analysis; Health promotion; Diabetes mellitus; Diabetes mellitus


ARTIGOS ORIGINAIS

Análise econômica de programa para rastreamento do diabetes mellitus no Brasil

Economic analysis of a screening program for diabetes mellitus in Brazil

Alvaro E GeorgI; Bruce B DuncanII; Cristiana M ToscanoI; Maria Inês SchmidtII; Sotero MengueI; Cláudio DuarteIII; Carísi A PolanczykI; Grupo de Trabalho de Avaliação da Campanha Nacional de Detecção de Diabetes Mellitus* * A lista dos componentes do Grupo encontra-se no final do artigo.

IPrograma de Pós-graduação em Epidemiologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil

IIDepartamento de Medicina Social. Faculdade de Medicina. UFRGS. Porto Alegre, RS, Brasil

IIIDepartamento de Epidemiologia. Instituto de Saúde Coletiva. Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Carísi Anne Polanczyk Hospital de Clínicas de Porto Alegre Rua Ramiro Barcelos, 2350/2225 90035-005 Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: cpolanczyk@hcpa.ufrgs.br

RESUMO

OBJETIVO: Diabetes mellitus é um problema de saúde pública com elevado ônus social e econômico, cujo diagnóstico é desconhecido em metade dos indivíduos portadores. Em 2001, o Ministério da Saúde realizou a Campanha Nacional para a Detecção do Diabetes Mellitus. Assim, o objetivo do estudo foi estimar o impacto econômico e o rendimento desse rastreamento populacional.

MÉTODOS: Baseado no número de rastreados com resultados positivos (glicemia capilar em jejum >100 mg/dl ou fora do jejum >140 mg/dl), foram estimados os prováveis casos novos de diabetes mellitus e construído modelo de decisão analítico. Dados primários e secundários foram utilizados para estimar os custos (em Reais) e o rendimento (casos novos de diabetes mellitus detectados) do rastreamento com o pressuposto de pagador único. Análises de sensibilidade foram conduzidas para avaliar o efeito de alguns parâmetros nessas estimativas.

RESULTADOS: Considerando-se a prevalência de diabetes mellitus não diagnosticado na população-alvo de 4,8%, o número provável de novos casos de diabetes mellitus diagnosticados foi de 518.579. Isso, pressupondo que um terço dos participantes com teste positivo procurou a confirmação (23 casos por 1.000 rastreados). O custo por novo caso de diabetes mellitus diagnosticado a partir desses pressupostos seria de R$89. Em análises de sensibilidade, os resultados foram sensíveis ao percentual dos testes confirmatórios.

CONCLUSÕES: Apesar dos expressivos custos com a campanha de rastreamento no Brasil, o rendimento foi comparável a outras ações preventivas e, em termos absolutos, o custo por novo caso de diabetes mellitus detectado foi inferior ao relatado por outros países.

Descritores: Diabetes mellitus, economia. Análise custo-benefício. Promoção da saúde. Diabetes mellitus, diagnóstico. Diabetes mellitus, prevenção e controle.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Diabetes mellitus is a common disease and costly public health concern and an expressive number of affected individuals have undiagnosed diabetes mellitus. In 2001, the Brazilian Ministry of Health conducted a national diabetes screening campaign. The purpose of this study was to estimate the yield and economic impact of this screening strategy.

METHODS: Based on positive screenees (fasting glucose >100 mg/dL or nonfasting >140 mg/dL) probable new cases of diabetes were estimated and a decision analytic model was built up. Primary and secondary data were used to estimate screening cost (in Brazilian Reais, R$) and yield (new cases of diabetes detected), assuming a single-payer-perspective. Sensitivity analyses were performed.

RESULTS: Assuming a prevalence of undiagnosed diabetes mellitus of 4.8%, probable new cases of diabetes were 518,579 (23 new cases per 1,000 subjects screened), considering that 33% of positive-screening individuals underwent confirmatory glucose testing. The cost per new case of diabetes diagnosed would be R$89. The results were sensitive to percentage of confirmatory tests performed.

CONCLUSIONS: The costs of nationwide community screening in Brazil were significant, however, in absolute terms lower than those described by other countries.

Keywords: Diabetes mellitus, economy. Cost-benefit analysis. Health promotion. Diabetes mellitus, diagnosis. Diabetes mellitus, prevention and control.

INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus (DM) é considerado problema de saúde pública prevalente, em ascendência, oneroso do ponto vista social e econômico e com potencial reconhecido para prevenção. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, está previsto aumento na prevalência de DM de 170% no período de 1995 a 2025.10,16 Mesmo em países desenvolvidos, apesar dos avanços científicos e o acesso fácil a cuidados contínuos de saúde, a prevalência do diabetes está aumentando e intervenções com a finalidade de prevenir tal condição, como a atividade física e dieta, são sub-utilizados.10 A prevalência do DM não diagnosticado é alta e até 25% dos indivíduos tem evidência de complicações microvasculares no momento do diagnóstico clínico.9 Levando-se em conta esses aspectos, tem sido considerado o rastreamento para essa condição clínica em adultos assintomáticos.

Apesar do embasamento teórico apontar para o benefício da identificação precoce de indivíduos sob maior risco,23 existem controvérsias na literatura sobre a validade de programas de rastreamento para o diabetes. Por exemplo, no Reino Unido, o Comitê Nacional para o Rastreamento não recomenda o rastreamento universal para o diabetes tipo 2, basicamente pela falta de evidências conclusivas sobre os benefícios da detecção precoce e do tratamento do diabetes não diagnosticado.25 No Canadá e Estados Unidos, não existe uma recomendação formal para o rastreamento populacional em indivíduos assintomáticos. No entanto, recomenda-se o rastreamento de oportunidade em subgrupos específicos de mais alto risco.1,22

Conforme assinalado por esses comitês, além das incertezas clínicas, o rastreamento tem um impacto econômico que deve ser quantificado. Estudos recentes do Centers for Diseases Control and Prevention (CDC), baseados em modelos hipotéticos, mostraram que o rastreamento para o diabetes e a redução intensiva da glicemia subseqüente teria limitada relação de custo-efetividade quando comparados com outras intervenções preventivas em saúde, como o controle intensivo da hipertensão arterial.4,19 Outros estudos têm relatado que o rastreamento poderia ser mais custo-efetivo em subgrupos de indivíduos com maior prevalência de diabetes não diagnosticado e alto risco para complicações cardiovasculares.12

Nas últimas décadas, a proporção da mortalidade atribuível às doenças não-transmissíveis aumentou significativamente no Brasil, atingindo o primeiro lugar em muitos Estados.13 Entre elas, o diabetes mellitus está entre as 10 principais causas de mortalidade. Contribuindo para esse cenário desfavorável, existe alta prevalência de diabéticos não diagnosticados e expressiva proporção de casos com evidência de complicações ao diagnóstico.2,14

Nesse contexto, o Ministério da Saúde desenvolveu o plano Nacional de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus.18 A primeira fase do plano foi a realização de campanha nacional de rastreamento na comunidade para detecção do DM, conduzida entre março e abril de 2001. A população alvo foram adultos com 40 anos de idade ou mais e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).2,18

O objetivo do presente estudo foi avaliar o rendimento e o impacto econômico da Campanha Nacional para o Rastreamento do Diabetes Mellitus (CNDDM), relacionando os custos ao número de casos detectados.

MÉTODOS

Entre 3 de março e 7 de abril de 2001, adultos com 40 anos ou mais foram convidados a participar da CNDDM que consistia na mensuração da glicemia capilar. A população alvo para a campanha foi definida por 34,1 milhões de brasileiros, sem o diagnóstico de diabetes e usuários do SUS. Aproximadamente 22 milhões de testes de glicemia capilar foram realizados com cobertura de 73% da população alvo. Nessa ocasião, foram coletados dados que incluíam características sociodemográficas, jejum prévio, história sobre tratamento para o diabetes e resultado do teste de rastreamento. Maiores detalhes sobre da citada Campanha foram descritos previamente.2,15,18

Considerando que a CNDDM foi inquérito sem seguimento dos casos, foi desenvolvido modelo de decisão analítico consistindo numa fase de rastreamento e uma fase de diagnóstico para obtenção de uma estimativa de casos novos de DM detectados (Figura). O modelo da fase de rastreamento foi construído utilizando dados coletados dos 22 milhões de indivíduos que participaram da CNDDM, enquanto o modelo da fase diagnóstica utilizou dados administrativos secundários obtidos do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) do SUS. Os dados do sistema ambulatorial foram utilizados para estimar o percentual de indivíduos com resultados de glicemia capilar positivos que realizaram o exame de glicemia confirmatório para o diagnóstico de DM. O rendimento esperado do rastreamento, ou seja, os casos efetivamente diagnosticados de DM, foram estimados a partir de valores preditivos positivos descritos na literatura para os diferentes pontos de corte de glicemia capilar no rastreamento (Tabela 1).


Esse modelo pressupõe que cada pessoa é rastreada somente uma vez. Dessa maneira, o modelo usa como parâmetros: a proporção de exames de glicemia capilar positivas, o valor preditivo positivo do teste de rastreamento em jejum e fora de jejum, a prevalência de diabetes não diagnosticado, a proporção de confirmação diagnóstica, os custos associados com o rastreamento e a probabilidade de que o rastreamento resulte em diagnóstico de diabetes após exame de glicemia sérica confirmatório.

Os indivíduos foram estratificados de acordo com os valores do resultado do exame de glicemia capilar. Aqueles com a glicemia em jejum (mais de quatro horas) maior ou igual a 100 mg/dl ou glicemia fora do jejum maior ou igual a 140 mg/dl foram considerados como rastreamento positivo. Esses indivíduos receberam seu resultado por escrito e foram encaminhados ao médico. Dependendo dos níveis glicêmicos, as instruções fornecidas eram mais ou menos intensas quanto à necessidade da procura de médico ou serviço de saúde.15

A identificação de novos casos de diabetes variou de acordo com o número de rastreados que efetuaram o teste em jejum ou não. Para estimar esses números, verificou-se dados coletados no momento da campanha em amostra probabilística de 100 mil participantes.15 Nessa amostra, 6% relataram fazer tratamento para diabetes. Considerando que esses indivíduos não eram candidatos ao rastreamento, os mesmos foram excluídos das estimativas do número de novos casos de diabetes diagnosticados. Nesta amostra de 100 mil indivíduos, 34% relataram jejum superior a quatro horas antes do teste de glicemia capilar, os demais relataram não estar em jejum ou então não se lembravam (Tabela 1).

Dados da amostra de 100 mil indivíduos que participaram da campanha, foram base para classificar aqueles com resultados alterados de acordo com os estratos de glicemia (quatro em jejum e três fora do jejum) (Figura). Para estimar os casos novos de DM, o número absoluto de indivíduos rastreados foi multiplicado pelo valor preditivo positivo (VPP) de cada estrato. Os VPPs dos diferentes estratos de glicemia capilar detectados no rastreamento, descritos na literatura, foram calculados de acordo com o teorema de Bayes, usando diferentes níveis de sensibilidade e especificidade.3,7 A prevalência do diabetes foi obtida do estudo multicêntrico sobre a prevalência do diabetes mellitus no Brasil que descreveu a prevalência de 4,8% de casos previamente desconhecidos de diabéticos em indivíduos com 40 anos ou mais em regiões urbanas do País.14

Entretanto, embora os indivíduos com resultado positivo tenham sido orientados a buscar confirmação diagnóstica, é esperado que a adesão não tenha sido total. Por esse motivo, o número absoluto esperado de casos de DM foi corrigido para a proporção de indivíduos com rastreamento positivo que realizou exame de glicemia confirmatório. Esse número foi estimado pelo incremento no número de exames de glicemias de jejum realizadas em nível ambulatorial pelo SUS no período que se seguiu a campanha. Foram utilizados dados do SIA-SUS, considerando-se o período do ano anterior à realização da CNDDM e por três meses após a mesma. Os valores utilizados no modelo estão descritos na Tabela 1.

A perspectiva do estudo adotada é de um pagador único do setor saúde, o SUS. As estimativas de custos empregadas envolveram os gastos com a CNDDM diretos do sistema, em nível federal e local.

Os custos da CNDDM foram obtidos diretamente do Ministério da Saúde (custos federais) e são compostos por custos de mobilização social (mídia), contratação e viagens de consultores, impressão de formulários e material diagnóstico. Anúncios foram veiculados no rádio, TV e jornais para divulgar os dias de rastreamento. Além disso, foram oferecidos para os profissionais de saúde materiais institucionais sobre a realização dos exames de glicemia capilar e aulas sobre o manejo de DM. O custo total federal da campanha de rastreamento foi de R$38.620.775,00.

Outros custos diretos que ocorreram nos níveis local e regional não foram registrados durante a campanha. Estimativas de salário médio e o tempo gasto na campanha de profissionais de saúde no nível local foram baseados em questionários abertos aplicados a gestores de saúde de 14 municípios do País. A estimativa de custos locais foi adicionada como percentagem em relação ao custo total federal.

Foi considerado que aqueles indivíduos que tiveram resultados do exame de rastreamento positivos foram encaminhados para realização de exame de glicemia sérica para confirmação. Esses indivíduos consumiriam recursos adicionais pelo custo do teste confirmatório (glicemia plasmática em jejum, R$1,85) e duas consultas médicas (R$2,55 cada). Esses valores foram obtidos da tabela de remuneração do SUS da época da campanha. Todos os custos são expressos em Reais (em dezembro de 2001, US$1 = R$2,35) e com o pressuposto de pagador único. Os resultados são expressos como custos por caso novo de DM diagnosticado.

Em análises econômicas, vários pressupostos precisam ser feitos devido à ausência de dados ou pela imprecisão das estimativas de alguns parâmetros utilizados. Para avaliar o impacto que variações de alguns pressupostos básicos do modelo teriam nos resultados, análises paralelas de sensibilidade foram realizadas.

As análises de sensibilidade foram realizadas considerando a variação da percentagem de indivíduos com o rastreamento anormal que efetuaram o teste confirmatório e também para os valores de sensibilidade e especificidade do teste da glicemia capilar, ou seja, o valor preditivo positivo para os exames realizados em jejum e fora do jejum. Também foi considerada a variação do custo total ao incorporar estimativa de custos locais e outros custos adicionais. Ainda, análises de sensibilidade foram conduzidas considerando os custos da rede privada. A Tabela 1 apresenta esses valores empregados no modelo analítico.

Os dados foram tabulados em planilha Excel e analisados em programa de análise de decisão clínico específico DATA, TreeAge, versão 3.5. A árvore de decisão construída permitiu análises de sensibilidade univariada e bivariada (Figura).

RESULTADOS

A CNDDM cobriu 73% da população alvo (variação entre 65% e 91% nas diversas regiões do País), com realização de cerca de 22 milhões de exames de glicemia capilar. Desses, 15,7% (3,4 milhões) foram considerados anormais, sendo que foram excluídos aqueles com diagnóstico prévio de diabetes (6%). Dos 3,2 milhões rastreados anormais, 1.110.578 relatavam jejum e 2.155.828 estavam sem jejum no momento do teste (Tabela 2).

Baseado nos exames com resultados positivos no rastreamento, considerando valores preditivos positivos para o exame de glicemia em jejum nos cinco estratos (sucessivamente, 14%, 22%, 55%, 66% e 66%) com prevalência de DM desconhecida de 4,8%, são esperados 290.449 casos novos de diabéticos detectados (Tabela 3). Para os indivíduos rastreados sem jejum foram utilizados valores preditivos positivos de 41%, 71% e 71% para os três estratos, com rendimento de 1.059.805 casos novos de diabetes (Tabela 3). Assim, o número total de casos novos esperados é de 1.350.255 (6,1% da população rastreada), 61 casos por mil indivíduos rastreados.

No entanto, nem todos os indivíduos com resultados positivos realizaram exame de glicemia sérica para confirmação do diagnóstico. Se, em média, 33% dos indivíduos com teste positivo tivessem realizado o teste confirmatório, a campanha teria identificado 518.579 casos novos de diabéticos em nível nacional (23 casos por mil indivíduos rastreados) (Tabela 3).

O rendimento da campanha foi estimado considerando a proporção de novos indivíduos com DM em relação ao número esperado de indivíduos com DM na população com mais de 40 anos. Num melhor cenário, onde metade dos rastreados com resultado positivo tivessem retornado para exame confirmatório, o rendimento da campanha teria sido de 46% (percentual do total de diabéticos desconhecidos na população alvo que teria sido diagnosticado). Nesse cenário, 33 indivíduos teriam sido rastreados para cada novo caso de DM efetivamente confirmado (30 casos para mil rastreados). Se somente 33% tivessem retornado para confirmar o diagnóstico, o número de indivíduos rastreados por caso detectado aumentaria para 43 (23 casos para mil rastreados), com rendimento de 36%.

Se todos os indivíduos com resultados anormais no rastreamento sem diagnóstico prévio de diabetes tivessem retornado para realizar um exame confirmatório, o custo por indivíduo com DM detectado teria sido de R$45. Supondo-se que somente 33% procurou a confirmação, o custo por cada novo indivíduo diagnosticado com DM aumentaria para R$89.

Os valores preditivos positivos para os testes em jejum e fora do jejum foram alterados para avaliar seu impacto nos resultados obtidos. A variação testada para os valores preditivos positivos nas amostras em jejum foi de ±20% em cada estrato e o número esperado de indivíduos diabéticos ficaria entre 22 a 25 casos por mil rastreados. Para amostras fora do jejum, variações de ±20% nos valores preditivos positivos em cada estrato, resultaria em 20 a 27 novos casos de DM por mil rastreados.

O número de testes confirmatórios realizados entre os indivíduos com resultados anormais no rastreamento teve impacto significativo nos resultados. Se os indivíduos que efetivamente confirmassem seus diagnósticos representassem 75%, 50% ou 25%, o número esperado por mil rastreados teria variado de 15 a 46 casos novos e o custo por caso detectado teria uma variação entre R$51 a R$109 (Tabela 4).

Na eventualidade de que os custos totais de rastreamento fossem maiores do que os antecipados pelo Ministério da Saúde (devido aos gastos no nível local, por exemplo), o custo por caso detectado seria proporcionalmente afetado. As variações nos custos e nos preços pagos pelo teste da glicemia e nas visitas médicas também tiveram um impacto nos resultados dependendo da percentagem de testes confirmatórios realizados. Por exemplo, se somente 25% procurassem pela confirmação no setor privado, o custo por caso detectado aumentaria 1,7 vezes e, no outro extremo, se 75% dos testes confirmatórios fossem realizados no setor privado, o custo por caso detectado duplicaria (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Os resultados permitiram avaliar o rendimento do programa e o custo por caso detectado, os valores encontrados são relativamente baixos se considerado o montante gasto com as complicações do DM no Brasil. Além disso, a proporção de casos detectados da doença em relação aos indivíduos testados aponta para um expressivo rendimento clínico em comparação a outros programas de rastreamento em populações assintomáticas consagrados em medicina preventiva. Por exemplo, mamografia para rastreamento de câncer de mama, exame Papanicolaou para detecção de câncer de colón de útero, entre inúmeros outros. Considerando mamografia em mulheres entre 50-69 anos, rastreamentos populacionais resultam usualmente em quatro a oito casos detectados por mil indivíduos rastreados.17 Na CNDDM, foram detectados pelo menos 23 casos de DM por mil indivíduos rastreados.

Existem critérios na literatura internacional que norteiam a indicação do rastreamento de populações assintomáticas.1,22 Um desses critérios é a importância ou magnitude do problema de saúde pública considerado, além do fato da história natural do diabetes ser bem conhecida. Aproximadamente a metade dos diabéticos não sabem de sua condição14 e existe um período de latência assintomático significativo, que varia de quatro a 12 anos.9 Durante esse período, teoricamente, poderiam ser aplicadas intervenções específicas buscando redução das complicações e mortalidade associadas ao DM.

Os testes utilizados para o rastreamento do DM são considerados aceitáveis pela população e têm acurácia relativamente boa. Porém, existe ainda algum questionamento sobre qual o teste, glicemia de jejum ou a glicemia pós-carga de glicose, seria o melhor e qual o ponto de corte ideal para definir a suspeita da doença.3,5-7,12,20

Contrário ao rastreamento do DM, ainda não é conhecido o impacto do manejo precoce na evolução da doença, nem se os benefícios alcançados com o tratamento agressivo na fase sintomática podem ser extrapoláveis. Igualmente, os estudos de custos, a relação de custo-efetividade, a organização e infra-estrutura necessárias para a realização de programas de rastreamento são pré-requisitos não plenamente satisfeitos por muitos sistemas de saúde.1,22 Nessa direção, deve ser considerada a inserção dos indivíduos rastreados e diagnosticados com DM no sistema de saúde, bem como a capacidade do SUS de comportar o grande número de novos casos diagnosticados e prover acompanhamento adequado.

Evidências provenientes de recentes ensaios clínicos sobre a prevenção do DM em pacientes intolerantes à glicose ou com diabetes gestacional poderão alterar em um futuro próximo essas recomendações.11,21 Nesses estudos, a detecção em fases precoces da doença permitiu que desfechos intermediários, como a glicemia, fossem controlados com intervenções no estilo de vida e com o uso de medicações. Seria uma intervenção em etapa anterior ao já reconhecido benefício do controle intensivo do diabetes estabelecido.23

O ônus econômico dos programas de rastreamento sempre é um fator considerado na escolha dessa estratégia de saúde pública. Estudos de custo-efetividade prévios sobre o rastreamento do diabetes são escassos e controversos.4,12 O mais conhecido é o do grupo de estudos em custo-efetividade do CDC,4 onde os autores usando um modelo bastante abrangente da história natural do DM, avaliaram a relação de custo-efetividade de programas de rastreamento de oportunidade.4,19 Nesse modelo foi assumido que os benefícios do rastreamento seriam obtidos com a postergação das complicações do DM e pela melhora da qualidade de vida. Por cada ano de vida ajustado pela qualidade o custo adicional com o rastreamento nos Estados Unidos, em pessoas acima dos 25 anos de idade, seria de US$56,649, valor aceitável para os padrões americanos. Segundo os autores, esse procedimento seria mais custo-efetivo em populações alvo mais apropriadas, inclusive, pela maior prevalência da doença, como os afro-americanos. O custo do rastreamento, sem o posterior tratamento, seria de US$1,166. Uma das principais limitações desse estudo, além de ser baseado em dados secundários e em um modelo matemático de Markov, foi a não incorporação do potencial benefício do manejo precoce do diabetes em reduzir eventos cardiovasculares. Esse fato é bastante relevante na medida que outro estudo de custo-efetividade, utilizando o mesmo modelo do CDC, mas assumindo uma redução de 30% nos desfechos cardiovasculares, concluiu que o rastreamento se torna custo-efetivo com uma economia de US$619 por indivíduo com DM detectado.12

O impacto econômico de um rastreamento populacional para diabetes foi avaliado numa população em Taiwan, China.24 Baseado igualmente num modelo de Markov, o rastreamento em indivíduos acima de 30 anos de idade realizado a cada cinco anos, teria custo adicional de US$10,531 por ano de vida ganho e de US$17,113 por ano de vida ganho ajustado pela qualidade.

Obviamente, além dos fatores descritos, outros motivos podem levar à decisão de se implementar um programa de rastreamento. No caso da CNDDM, existe por parte do Ministério da Saúde um plano de reorganização da atenção à hipertensão arterial e ao DM2,18 que subsidiaria o rastreamento como uma etapa de um plano maior de reestruturação e ampliação do atendimento a esses agravos de saúde. Nesse contexto, o rastreamento populacional é uma iniciativa pioneira em termos mundiais, considerando que a recomendação vigente de comitês nacionais e painéis científicos e de organismos internacionais orientam somente a realização de rastreamento de oportunidade e não o rastreamento populacional para detecção de DM.

A estimativa do custo por caso de DM diagnosticado está diretamente relacionada ao número de casos com testes suspeitos que efetivamente confirmados por exame. Em cenário ideal onde todos os indivíduos com teste suspeito tivessem confirmado o exame, o custo por caso de DM diagnosticado teria sido de R$45, considerando-se somente custos federais. Quanto menor a proporção de suspeitos que procuraram confirmar este resultado, maior foi o custo por caso efetivamente detectado.

Os valores obtidos são inferiores em termos absolutos aos dados de outros países, que relatam custo de US$100 por caso detectado,12 embora esta comparação seja de difícil interpretação. Ressalta-se a ausência de comparações semelhantes em nível nacional. Utilizando como referencial o custo para o SUS de outros valores de procedimentos médicos, os dados obtidos apontam para patamares elevados, na mesma ordem daqueles pagos para testes diagnósticos mais especializados e alguns procedimentos cirúrgicos (R$50 por colonoscopia ou videolaparoscopia). Por outro lado, considerando-se o custo das descompensações agudas e do manejo das complicações crônicas potencialmente prevenidas, as cifras obtidas com a campanha são pouco expressivas no gasto total despendido a pacientes com DM.

Algumas limitações devem ser reconhecidas: não foi avaliado o impacto do resultado do exame em indivíduos com DM conhecidos ou da detecção de casos de intolerância à glicose. Ainda, o presente estudo foi realizado com estimativas de uma campanha para detecção nacional em um ponto no tempo e os valores não podem ser extrapolados para outras campanhas de rastreamento a serem realizadas no futuro. Na medida que a prevalência de casos de DM desconhecidos será menor, o custo por caso diagnosticado será significativamente maior.

O real impacto econômico da CNDDM será obtido se os casos detectados precocemente forem manejados com o objetivo de reduzir ou retardar as complicações e mortalidade da doença.8 Para ser atrativa do ponto de vista econômico, tal redução dos custos com prevenção de complicações deve ser superior ao custo cumulativo do rastreamento e subseqüente tratamento que será oferecido a essa população.

Grupo de Trabalho de Avaliação da Campanha Nacional de Detecção de Diabetes Mellitus:

Secretaria de Políticas de Saúde - Ministério da Saúde: Ana Luiza Vilasbôas, Ana Lourdes Marques Maia, Carlos Alberto Machado, Cláudio Duarte da Fonseca, Cristiana M. Toscano, Elisabeth Kalil Nader, Islene de Araujo Carvalho, Laurenice Pereira Lima, Marco Antonio Mota Gomes, Maria Moema Borges Leal de Britto, Romero Bezerra Barbosa, Tatiana Lotfi de Sampaio, Vaneide Marcon Cachoeira.

Sociedade Brasileira de Diabetes: Adriana Costa e Forti.

Instituto de Saúde Coletiva - Universidade Federal da Bahia: Lucélia Magalhães.

Programa de Pós-graduação em Epidemiologia - Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Bruce Bartholow Duncan, Luciana Bertoldi Nucci, Maria Inês Schmidt, Sotero Serrate Mengue.

Departamento de Medicina Social - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo: Laércio Joel Franco.

Recebido em 26/1/2004. Reapresentado em 8/9/2004. Aprovado em 3/2/2005.

Estudo com financiamento do Ministério da Saúde em colaboração com Organização Pan-Americana da Saúde (MS/OPAS).

Artigo baseado em dissertação de mestrado apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2002.

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  • Endereço para correspondência
    Carísi Anne Polanczyk
    Hospital de Clínicas de Porto Alegre
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jun 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Revisado
      08 Set 2004
    • Recebido
      26 Jan 2004
    • Aceito
      03 Fev 2005
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