Acessibilidade / Reportar erro

Manter ou suspender a revacinação BCG em adolescentes

Resumos

A revacinação com BCG foi introduzida no Brasil em meados dos anos 90 e desde então não foram conduzidos estudos que avaliassem a cobertura vacinal alcançada por meio de investigação da cicatriz do BCG. Nesse sentido, foram estudados 2.785 adolescentes de 13-14 anos matriculados em escolas públicas da cidade de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, entre setembro de 2001 e maio de 2002. A prevalência da revacinação foi de 64,3% (IC 95%: 62,5-66,0). Os esforços empreendidos para obter tais níveis de cobertura conflitam com a falta de evidências sobre sua efetividade e recomendam a reavaliação da continuidade da revacinação nos serviços de saúde brasileiros.

Vacina BCG; Vacinação; Cobertura vacinal; Efetividade; Adolescente


BCG revaccination was introduced in Brazil in the mid-90's but no study has evaluated vaccine coverage through direct assessment of the scar. BCG scars were assessed in 2,785 public school adolescents, aged 13 to 14 years, in Southeastern Brazil, between September 2001 and May 2002. The prevalence rate of revaccination was 64.3% (95% CI: 62.5-66.0). Despite the efforts to implement and sustain revaccination, continuing this practice should be reevaluated by public health authorities due to the lack of evidence on its effectiveness.

BCG vaccine; Vaccination; Vaccinal coverage; Effectiveness; Adolescent


COMUNICAÇÕES BREVES

Manter ou suspender a revacinação BCG em adolescentes

Paulo A M CamargosI; Maurício L BarretoII; Cristina AlvimI; Renata BedranI

IDepartamento de Pediatria. Faculdade de Medicina. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil

IIInstituto de Saúde Coletiva. Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA, Brasil

Correspondência Correspondência: Paulo Camargos Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina - UFMG Av. Alfredo Balena, 190 sala 4061 30130-100 Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: pcamargs@medicina.ufmg.br

RESUMO

A revacinação com BCG foi introduzida no Brasil em meados dos anos 90 e desde então não foram conduzidos estudos que avaliassem a cobertura vacinal alcançada por meio de investigação da cicatriz do BCG. Nesse sentido, foram estudados 2.785 adolescentes de 13-14 anos matriculados em escolas públicas da cidade de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, entre setembro de 2001 e maio de 2002. A prevalência da revacinação foi de 64,3% (IC 95%: 62,5-66,0). Os esforços empreendidos para obter tais níveis de cobertura conflitam com a falta de evidências sobre sua efetividade e recomendam a reavaliação da continuidade da revacinação nos serviços de saúde brasileiros.

Descritores: Vacina BCG. Vacinação. Cobertura vacinal. Efetividade. Adolescente.

INTRODUÇÃO

A aplicação da segunda dose da vacina BCG em escolares brasileiros foi introduzida em meados dos anos 90, entre outras razões, pela suposição de que o efeito da vacina BCG diminuía após alguns anos da vacina. Também, porque a revacinação poderia provocar um efeito booster e assim evitar o aumento da incidência da tuberculose observada a partir da adolescência. Em virtude das elevadas taxas de evasão escolar sua administração se daria, preferentemente, à entrada da escola, mas o Ministério da Saúde deixou a cargo das Secretarias Estaduais a definição da época mais adequada para aplicá-la. Porém, torna-se difícil para os serviços de saúde estimar a cobertura vacinal a partir da análise do número de doses aplicadas e dos dados populacionais. Isso porque a faixa etária que compreende esta população-alvo pode variar amplamente pois alunos matriculados da primeira à oitava série do primeiro grau, iniciando-se aos 6-7 anos e até os 15-17 anos de idade.

Ademais, não se localizaram estudos nacionais que estimassem a cobertura vacinal do BCG por meio da pesquisa direta da cicatriz vacinal, a qual mostrou ser um indicador de elevada sensibilidade e especificidade da primo-vacinação BCG nos primeiros 14 anos de vida.4

O presente estudo foi conduzido com o objetivo de verificar as prevalências de cicatriz vacinal associadas à primo-vacinação e à revacinação BCG entre os alunos de escolas públicas.

MÉTODOS

O estudo, de desenho transversal, foi realizado em Belo Horizonte, MG. A revacinação BCG contemplou, basicamente, crianças e adolescentes com idade igual ou superior a 10 anos. Na primeira etapa da pesquisa foi realizado o censo das escolas públicas municipais que ofereciam as oito primeiras séries do ensino fundamental. Elas totalizaram 182 estabelecimentos e entre estes, para facilidade operacional, foram excluídos aqueles com menos que 200 alunos. Assim procedendo, restaram 43 instituições e 14 delas (32,5%) foram aleatoriamente selecionadas a partir do pacote estatístico Epi Info 6.04.

Entre os meses de setembro de 2001 e maio de 2002, realizou-se a coleta de dados onde foram incluídos apenas os alunos de 13 e 14 anos completos. Com o objetivo de minimizar as perdas por absenteísmo cada escola foi visitada duas ou três vezes.

A cicatriz vacinal foi definida como cicatriz de aspecto atrófico, plana ou levemente escavada, arredondada, com 3 mm a 10 mm de diâmetro, localizada em torno da região de inserção inferior do músculo deltóide direito. Os escolares não foram indagados quanto à vacinação prévia com BCG e a eles não foi revelado o objetivo da pesquisa. A identificação e contagem do número de cicatrizes vacinais foi efetuada por indivíduos especificamente treinados.

Dadas as dificuldades de, clinicamente, diferenciar-se cicatrizes correspondentes a cada episódio vacinal, definiu-se como primo-vacinado e revacinado o adolescente que apresentasse uma ou duas cicatrizes, respectivamente.

RESULTADOS

A Tabela apresenta as características da população estudada.

Observa-se discreta predominância de adolescentes do sexo feminino (53,1%) e daqueles com 14 anos de idade (54,6%). A prevalência da primo-vacinação foi de 98,3% (IC 95%: 97,8-98,7), pois constitui a soma dos (34,0%) que possuíam uma única cicatriz com aqueles (64,3%, IC 95%: 62,5-66,0) nos quais foram identificadas duas cicatrizes. Aproximadamente 2/3 dos indivíduos primo-vacinados foram revacinados.

DISCUSSÃO

A presença de duas cicatrizes vacinais não necessariamente traduz que a primo-vacinação tenha sido realizada nos primeiros anos de vida e revacinação após os 10 anos de idade, mas os resultados mostram semelhança entre a cobertura da primo-vacinação encontrada e aquela verificada em estimativas oficiais para o município de Belo Horizonte. Desse modo, é razoável argumentar que a taxa de revacinação encontrada seja também uma estimativa válida. Dado o processo de amostragem utilizado, é bem provável que a parcela de revacinados encontrada reflita a ocorrência deste evento para o grupo populacional estudado.

Uma cobertura da revacinação BCG que alcance quase 2/3 da população-alvo não é atingida sem a alocação e mobilização de recursos financeiros, humanos e materiais. Entretanto, todo este esforço logístico ocorreu (e ocorre) sem que haja evidências favoráveis à eficácia da revacinação BCG1,3 e até mesmo em desacordo com recomendações da Organização Mundial da Saúde.2

Ademais, ensaio randomizado no Brasil,5 publicado em 2005, avaliou que a eficácia da revacinação sobre a tuberculose em crianças em idade escolar não foi significante (apenas 9%; IC 95%: -16%-29%). Diante dessas constatações, parece prudente a adoção de medidas que visem a suspender a revacinação BCG no Brasil.

Esses resultados revelam a falta de proteção contra tuberculose na adolescência em indivíduos que receberam a segunda dose quando escolares. Além disso, a cobertura obtida em Belo Horizonte e em outras capitais brasileiras cria condições propícias para a realização de estudos observacionais do tipo caso-controle. Sugere-se que sejam contempladas faixas etárias distintas daquelas analisadas no citado ensaio,5 seja quanto à época da revacinação, seja quando da verificação do desfecho (ocorrência ou não de tuberculose). O presente estudo sugere que em Belo Horizonte, MG, a média de idade no momento da aplicação da segunda dose do BCG tenha sido superior àquela dos participantes no ensaio randomizado.5 Entretanto, se a verificação do desfecho for transferida para, por exemplo, 25-30 anos de idade, estas novas observações gerariam novos elementos de inegável relevância clínico-epidemiológica para entendimento dos efeitos da revacinação BCG e da própria epidemiologia da tuberculose.

AGRADECIMENTOS

Às Dras. Maria Jussara Fontes e Cláudia Andrade, e aos estudantes Lucas Andrade, Marcelo Freire, Marina Fonseca, Marina Azevedo e Raquel Santos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, pela colaboração na coleta de dados.

Recebido: 3/11/2005. Aprovado: 11/1/2006.

  • 1. Fine PEM, Rodrigues LC. Vaccination against mycobacterial diseases. Lancet 1990;335(8696):1016-20.
  • 2. Global programme on tuberculosis and global programme on vaccines: statement on BCG revaccination for the prevention of tuberculosis. Wkly Epidemiol Rec 1995;70(32):229-31.
  • 3. Karonga Prevention Trial. Randomised controlled trial of single BCG, repeated BCG, or combined BCG and killed mycobacterium leprae vaccine for prevention of leprosy and tuberculosis in Malawi. Lancet 1996;348(9019):17-24.
  • 4. Pereira SM, Bierrenbach AL, Dourado I, Barreto ML, Ichihara MY, Hijjar MA, et al. Sensibilidade e especificidade da leitura da cicatriz vacinal do BCG. Rev Saúde Pública 2003;37(2):254-9.
  • 5. Rodrigues LC, Pereira SM, Cunha SS, Genser B, Ichihara MY, Brito SC, et al. Effect of BCG revaccination on incidence of tuberculosis in school-aged children in Brazil: the BCG-REVAC cluster-randomised trial. Lancet 2005;366(9493):1290-5.
  • Correspondência:
    Paulo Camargos
    Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina - UFMG
    Av. Alfredo Balena, 190 sala 4061
    30130-100 Belo Horizonte, MG, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Jan 2006
    • Recebido
      03 Nov 2005
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br