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Desigualdades sociodemográficas e suas conseqüências sobre o peso do recém-nascido

Resumos

OBJETIVO: Analisar as desigualdades sociodemográficas, na assistência pré-natal e ao parto e suas conseqüências sobre o peso ao nascer. MÉTODOS: Estudo realizado em amostra de 10.072 puérperas atendidas em maternidades públicas, conveniadas com o Sistema Único de Saúde, e particulares do Município do Rio de Janeiro, no período de 1999-2001. Para verificar a associação entre peso ao nascer e características maternas, sociodemográficas, biológicas e da assistência pré-natal (índice de Kotelchuck modificado), realizaram-se regressões lineares múltiplas, estratificando as puérperas segundo nível de instrução. Foi utilizada a técnica de bootstrap com intervalos de confiança acurados para as estimativas dos efeitos. RESULTADOS: Na análise bivariada, para quase todas as variáveis estudadas, as médias de peso ao nascer foram menores entre as mães de escolaridade mais baixa. Na análise da regressão múltipla para o grupo de baixa escolaridade, o peso ao nascer associou-se diretamente com o índice de Kotelchuck modificado e a idade gestacional, e inversamente com as variáveis cor da pele preta, hábito de fumar e a experiência de filhos prematuros anteriores. Idade materna e paridade tiveram comportamentos distintos nos extremos e na faixa central dos dados. No grupo de maior escolaridade somente a paridade, a idade gestacional e o índice de Kotelchuck modificado foram significativos e se associaram diretamente com o peso ao nascer. Verificou-se o papel protetor da assistência pré-natal, assim como o efeito negativo do hábito de fumar independente do nível de escolaridade das mães. CONCLUSÕES: As variáveis que explicaram o peso ao nascer dos neonatos de mães com elevada escolaridade foram de natureza biológica, em contraste com os determinantes sociais encontrados no grupo de baixa escolaridade.

Peso ao nascer; Iniqüidade social; Iniqüidade na saúde; Eqüidade no acesso; Saúde materno-infantil; Cuidado pré-natal


OBJECTIVE: To analyze sociodemographic inequalities in prenatal and childbirth care and their consequences on birth weight. METHODS: The study was based on a sample of 10,072 postpartum women treated at public (those outsourced by the National Health System) and private maternity hospitals in Rio de Janeiro, Brazil, from 1999 to 2001. To test the association between birth weight and maternal sociodemographic and biological characteristics and prenatal care (modified Kotelchuck index), postpartum women were stratified by level of schooling and two multiple linear regressions were performed. The bootstrap technique was used in addition to accurate confidence intervals for the estimated effects. RESULTS: For nearly all of the variables analyzed in the bivariate analysis, birth weight was lower among children of mothers with low schooling. In the multivariate analysis, among women with low schooling, there was a direct association between birth weight and the modified Kotelchuck index and gestational age. The variables black skin color, smoking, and history of premature birth were negatively associated with birth weight, while maternal age and parity showed distinct behaviors from the central range of data at the extremes. In the group with high schooling, only parity, gestational age, and modified Kotelchuck index were significant and directly associated with birth weight. The protective effect of prenatal care was observed, as well as the negative effect of smoking, regardless of the mother's level of schooling. CONCLUSIONS: The variables associated with neonates' birth weight of mothers with high schooling in Rio de Janeiro were biological, in contrast to the social determinants in the group with low schooling.

Birth weight; Social inequity; Health inequity; Equity in access; Maternal and child health; Prenatal care


ARTIGOS ORIGINAIS

Desigualdades sociodemográficas e suas conseqüências sobre o peso do recém-nascido

Maria do Carmo Leal; Silvana Granado Nogueira da Gama; Cynthia Braga da Cunha

Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência Correspondência: Maria do Carmo Leal Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde ENSP/Fiocruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 8º andar 21041-210 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: duca@ensp.fiocruz.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as desigualdades sociodemográficas, na assistência pré-natal e ao parto e suas conseqüências sobre o peso ao nascer.

MÉTODOS: Estudo realizado em amostra de 10.072 puérperas atendidas em maternidades públicas, conveniadas com o Sistema Único de Saúde, e particulares do Município do Rio de Janeiro, no período de 1999-2001. Para verificar a associação entre peso ao nascer e características maternas, sociodemográficas, biológicas e da assistência pré-natal (índice de Kotelchuck modificado), realizaram-se regressões lineares múltiplas, estratificando as puérperas segundo nível de instrução. Foi utilizada a técnica de bootstrap com intervalos de confiança acurados para as estimativas dos efeitos.

RESULTADOS: Na análise bivariada, para quase todas as variáveis estudadas, as médias de peso ao nascer foram menores entre as mães de escolaridade mais baixa. Na análise da regressão múltipla para o grupo de baixa escolaridade, o peso ao nascer associou-se diretamente com o índice de Kotelchuck modificado e a idade gestacional, e inversamente com as variáveis cor da pele preta, hábito de fumar e a experiência de filhos prematuros anteriores. Idade materna e paridade tiveram comportamentos distintos nos extremos e na faixa central dos dados. No grupo de maior escolaridade somente a paridade, a idade gestacional e o índice de Kotelchuck modificado foram significativos e se associaram diretamente com o peso ao nascer. Verificou-se o papel protetor da assistência pré-natal, assim como o efeito negativo do hábito de fumar independente do nível de escolaridade das mães.

CONCLUSÕES: As variáveis que explicaram o peso ao nascer dos neonatos de mães com elevada escolaridade foram de natureza biológica, em contraste com os determinantes sociais encontrados no grupo de baixa escolaridade.

Descritores: Peso ao nascer. Iniqüidade social. Iniqüidade na saúde. Eqüidade no acesso. Saúde materno-infantil. Cuidado pré-natal.

INTRODUÇÃO

O peso ao nascer é o melhor preditor do padrão de saúde imediato e futuro do recém-nascido. No período peri e neonatal, o baixo peso ao nascer relaciona-se diretamente com a morbidade e mortalidade.5,18 Durante o primeiro ano de vida, além dos riscos elevados de adoecer e morrer, os efeitos do baixo peso ao nascer (BPN) se estendem para o domínio do crescimento e desenvolvimento infantis, demandando o uso intensivo de serviços de saúde.17,18 O impacto sobre o desenvolvimento cognitivo é percebido após o ingresso na vida escolar e determinará as possibilidades da vida profissional futura.5,16 Mais recentemente têm sido destacadas as conseqüências do baixo peso (<2.500 g) e do peso inadequado ao nascer – PIN (<3.000 g) sobre a ocorrência de doenças crônicas, como a hipertensão arterial na vida futura.1,8

A freqüência do BPN relaciona-se com os fatores da saúde materna e com as condições sociais da família de origem. Quanto mais elevada a proporção do BPN em uma comunidade, maior é a participação dos determinantes sociais na sua ocorrência.

Monteiro et al15 analisando a tendência secular do BPN na cidade de São Paulo, utilizaram modelo de explicação para o BPN que inclui determinantes proximais (duração da gestação e velocidade do crescimento intra-uterino); determinantes intermediários (idade materna, estado nutricional da gestante, história obstétrica, patologias na gestação, tabagismo, estresse durante a gravidez, assistência pré-natal adequada) e determinantes distais (condição socioeconômica).

No Brasil, onde são elevadas as desigualdades sociais e no acesso aos serviços de saúde, ocorreram cerca de 8% dos nascimentos com BPN em 2002, em contraposição aos países desenvolvidos, que têm em média 5% de prevalência.12,15

Em estudo realizado no Município do Rio de Janeiro, Gama et al4 encontraram associação positiva entre peso do recém-nascido e utilização adequada de serviços pré-natais pelas gestantes, e inversamente com a dificuldade de acesso à maternidade no momento do parto, indicando a importância dos serviços de saúde para o parto.

No presente trabalho foram analisadas as repercussões das desigualdades sociodemográficas e de acesso à atenção pré-natal e assistência ao parto sobre o peso ao nascer dos conceptos, em amostra de puérperas que se hospitalizaram para o parto.

MÉTODOS

A partir de amostra estratificada proporcional, os estabelecimentos de saúde do Município do Rio de Janeiro foram agrupados segundo a proporção de BPN em três estratos: 1) estabelecimentos municipais e federais; 2) estabelecimentos privados conveniados com o SUS, militares, estaduais e filantrópicos; 3) estabelecimentos privados. Em cada estrato selecionaram-se, aproximadamente, 10% de parturientes do número previsto de partos em cada hospital. Foram excluídos os hospitais com menos de 200 partos por ano por razões de logística do trabalho de campo, que corresponderam a 3,7% do total de partos. A informação relativa à quantidade de partos por ano foi extraída da base de dados SINASC, tabulada e cedida pela coordenação de Programas de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

O tamanho da amostra em cada estrato foi estabelecido com o objetivo de comparar proporções em amostras iguais com nível de significância de 5% e detectar diferenças na proporção de BPN de pelo menos 3% com poder do teste de 90%. O tamanho calculado foi de 3.282 puérperas. Considerando-se a possibilidade de perdas, o total em cada estrato foi estabelecido em 3.500 puérperas. A partir da definição do número de puérperas, foram incluídas no estudo todas aquelas que pariram na maternidade até completar o número de entrevistas previstas para cada estabelecimento. O único critério de inegibilidade das mães foram os casos de aborto (idade gestacional menor do que 22 semanas).

No total, foram selecionadas 47 instituições, 12 no primeiro estrato amostral (34,8% dos partos), 10 no segundo estrato (34,4%), e 25 no terceiro (30,8% dos partos).

A coleta de dados do estudo foi feita por meio de questionários padronizados, aplicados às mães no pós-parto imediato e a partir do levantamento de informações contidas nos prontuários, diariamente. Tanto as entrevistas com as puérperas, quanto a consulta aos prontuários foram realizadas por acadêmicos de enfermagem e medicina. Esses estudantes foram devidamente treinados para essa tarefa e contaram com a assistência de três médicos supervisores de campo.

As perdas foram de 4,5% na amostra total, sendo 2,6% no primeiro estrato, 1,9% no segundo e 9,3% no terceiro. Nos dois primeiros estratos, os principais motivos das perdas foram a alta precoce da mãe, e no terceiro, a recusa em participar do estudo.

As variáveis estudadas foram: "idade materna"; "cor da pele" (branca, amarela, parda e preta); "viver com o pai do bebê" (sim/não); "paridade"; "fumar durante a gravidez" (sim/não); "filhos prematuros anteriores" (sim/não); "índice de Kotelchuck modificado" (sem assistência pré-natal, inadequado, intermediário, adequado, mais que adequado); "procura por mais de uma maternidade no momento do parto" (sim/não); "idade gestacional" e "peso ao nascer".

A cor da pele foi considerada como uma alternativa de classificação racial, baseada em resposta dada pela própria puérpera.

O índice de Kotelchuck avalia a adequação de uso dos serviços pré-natais, considerando o número de consultas e o mês do início da atenção pré-natal ponderado pela idade gestacional. Gama et al4 utilizaram esse escore, adequando-o às características da população de puérperas do município.

Foram excluídas da análise 439 mulheres. Destas, 225 eram mães amarelas, que formavam um grupo pequeno, representando 2,2% da amostra inicial, motivo pelo qual foram excluídas. A exclusão das mães de partos gemelares (n=214; 2,1%) tem sua justificativa no fato de crianças gêmeas terem menor peso ao nascer, o que poderia trazer um viés de interpretação dos resultados.

Na análise bivariada, foram calculadas médias de peso ao nascer para os dois grupos de nível de instrução: até o ensino médio incompleto e ensino médio completo e mais. Utilizou-se análise de variância (ANOVA) para averiguar a diferença entre médias de peso ao nascer para as variáveis categóricas e ordinais.

Objetivando verificar a associação de características maternas com o peso ao nascer realizaram-se duas regressões lineares múltiplas, estratificando as puérperas pelo nível de instrução. As variáveis introduzidas no modelo foram selecionadas por meio do estudo de meta-análise de Kramer10 e das análises bivariadas dos possíveis preditores.12 O peso ao nascer, idade materna, paridade e idade gestacional entraram no modelo como variáveis contínuas; a cor da pele com a categoria de referência "branca" e o índice de Kotelchuck como ordinal.

A acurácia preditiva de cada modelo foi avaliada pela realização de bootstrap, uma técnica de reamostragem, com o propósito de obter estimativas não enviesadas da performance do modelo, bem como intervalos de confiança acurados para as estimativas dos efeitos das variáveis.6 Para cada modelo foi feita a checagem da adequação do ajuste. Nos dois modelos, para as variáveis contínuas, as estimativas foram realizadas com base na amplitude inter-quartílica (diferença entre o primeiro e terceiro quartil da variável). Adicionaram-se termos quadráticos às variáveis "idade materna" e "paridade", pois na exploração inicial encontrou-se um relacionamento curvilinear.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Para cada puérpera amostrada para participar do estudo ou seu responsável, em caso de menores de idade, foi entregue um termo de consentimento livre e esclarecido, exposto o objetivo da pesquisa e solicitada sua autorização por escrito.

RESULTADOS

Entre as mulheres com menor nível de instrução as médias do peso ao nascer foram mais baixas entre as adolescentes, primíparas com 35 anos e mais, mulheres que tiveram três filhos e mais, que não viviam com o pai do recém-nascido e que fumaram durante a gestação. Foram também mais baixas as médias de peso ao nascer entre as puérperas que tiveram assistência pré-natal inadequada, história de filho prematuro e as que necessitaram procurar mais de uma maternidade para receber atendimento para o parto. Além dessas variáveis, a prematuridade do recém-nascido atual também se associou com menor peso ao nascer. Houve um gradiente no peso ao nascer segundo cor da pele. Os recém-nascidos das mulheres brancas apresentaram maior média de peso, os das pardas ficaram em situação intermediária e os das pretas, apresentaram os menores valores (Tabela 1).

Nas parturientes com melhor grau de instrução, somente são significativas as variáveis: paridade, filho prematuro anterior e atual e o índice de Kotelchuck. As demais variáveis não apresentaram diferença estatística (Tabela 2).

As Tabelas 3 e 4 apresentam o resultado da regressão linear múltipla para as mulheres com baixo e alto nível de instrução. Para as primeiras, a cor da pele preta, hábito de fumar durante a gestação e filhos prematuros anteriores foram preditores para um menor peso ao nascer. Quanto à idade e paridade, os valores extremos apresentaram comportamentos distintos da faixa central dos dados, motivo pelo qual se utilizou o termo quadrático. O índice de Kotelchuck modificado e a idade gestacional correlacionaram-se positivamente com o peso ao nascer.

As variáveis que se associaram ao peso ao nascer dos filhos das puérperas de mais alta instrução (Tabela 4) foram o índice de Kotelchuck modificado, a paridade e a idade gestacional do recém-nascido.

DISCUSSÃO

Na análise bivariada, para quase todas as variáveis analisadas, as médias de peso ao nascer foram menores entre as mães de menor escolaridade. Essas mães se apresentam como um grupo social em desvantagem não somente de recursos materiais, mas também carente de apoio social, como mostrado por Leal et al.12 Nesse grupo, foi maior a proporção de gestantes adolescentes que vivem sem companheiros e que referiram ter sido agredida fisicamente durante a gestação.

As únicas variáveis que mostraram médias de peso ao nascer maiores no grupo de instrução mais baixa foram o índice de Kotelchuck na categoria mais que adequada e a prematuridade do recém-nascido atual.

Na análise da regressão múltipla para o grupo de menor instrução a idade materna foi selecionada como uma variável explicativa do peso ao nascer. As gestantes com 35 anos e mais são reconhecidas como de risco para a gravidez, por apresentarem maior proporção de conceptos com baixo peso, prematuridade e outros desfechos desfavoráveis.11 Embora a presente investigação tenha confirmado esse fato, a inclusão da idade materna no modelo deu-se principalmente pelos menores valores do peso ao nascer entre as adolescentes de baixo nível de instrução. Vários estudos nacionais têm mostrado que a gravidez na adolescência é maior entre os grupos populacionais vivendo sob condições sociais desfavoráveis, constituindo-se, às vezes, no projeto de vida possível para as jovens de baixa renda.12,13 É controversa na literatura a associação do peso ao nascer com a gestação na adolescência. Para alguns autores, a adolescência não se constitui em um fator de risco para o baixo peso do recém-nascido, porém ela expressa a condição social desse grupo de mulheres que inicia a vida reprodutiva precocemente. Entretanto, a mesma relação não é verificada nas adolescentes de melhor situação socioeconômica,14 tal como encontrado no presente estudo. Outros autores concordam que há um real efeito para as adolescentes muito jovens, em fase de crescimento acentuado.15 Nos estudos referidos acima,14,15 o agrupamento de adolescentes em diferentes faixas etárias não permite análise mais refinada da idade das mães como fator associado ao BPN. Nesse artigo a maioria das gestantes adolescentes tinha idade acima de 15 anos, 95,7% nas de baixa escolaridade e 100% nas de melhor nível.

A associação entre cor da pele preta e BPN somente no grupo de mais baixa instrução sugere algumas reflexões. A primeira delas é a reafirmação da raça como expressão de condição de saúde subordinada às condições sociais da população. A segunda é destacar a força da sua presença, capaz de permanecer como variável explicativa para a determinação do peso ao nascer, mesmo dentro de um grupo já estratificado pela escolaridade. Um terceiro aspecto é que pode estar expressando os efeitos da discriminação social vivenciada pelas mulheres de cor de pele preta e baixa escolaridade sobre o produto da sua concepção. Entretanto, a ausência de associação com a cor da pele na explicação do peso ao nascer para as mulheres de mais alta instrução relativiza o papel da discriminação racial, o qual não se mostra suficiente para produzir efeito sobre o peso ao nascer, estando condicionada ao grau de escolaridade materno.

Leal et al12 verificaram uma persistente situação desfavorável das mulheres de pele preta em relação às pardas e destas em relação às brancas, quanto às condições sociais, hábitos e estilos de vida saudáveis e acesso aos serviços de saúde durante a gestação e o parto. No grupo de mais elevada escolaridade os indicadores melhoram, mas o mesmo padrão se repete num gradiente que contempla simultaneamente o nível de instrução e o escurecimento da cor da pele.

Em Pelotas, Sul do Brasil, Barros et al,2 analisando uma amostra de nascimentos de um estudo longitudinal, encontraram maior prevalência de indicadores desfavoráveis ao nascimento entre filhos de pretos ou pardos em relação aos filhos de brancos. Em modelo de regressão logística ajustado pelo estado marital, idade materna, paridade, planejamento da gestação, suporte social, fumo e assistência pré-natal, foi observado o desaparecimento da significância estatística da associação entre a cor da pele dos pais e resultados adversos ao nascimento, tais como o BPN, a prematuridade, recém-nascido pequeno para a idade gestacional, mortalidade fetal, neonatal precoce e infantil.

O hábito de fumar é um reconhecido fator de risco para o BPN, como pode ser reafirmado no presente estudo. Mas ao comparar os dois modelos de regressão linear, o poder de explicação atribuída ao fumo foi maior entre as mulheres com menor grau de instrução, grupo com maior prevalência de fumantes.12 No presente estudo, as mulheres de melhor nível de instrução interromperam o tabagismo com maior freqüência durante a gestação do que as de pior condição educacional (58,4% contra 33,8%), possivelmente beneficiando-se mais do conhecimento disponível sobre os efeitos deletérios do fumo sobre o concepto.

Também a paridade, história de filhos prematuros e idade gestacional tiveram participações diferenciadas na explicação do padrão de peso ao nascer entre os dois grupos. Martins & Almeida,14 estudando os diferenciais de fecundidade intra-urbanos na cidade de São Paulo, constataram que as mulheres residentes em áreas de menor índice de desenvolvimento humano têm um número médio maior de filhos e em idades mais precoces. A história de filhos prematuros anteriores pode refletir também menor acesso e ou uma baixa qualidade na assistência pré-natal recebida em gestações anteriores pelas mulheres de piores condições sociais.13

A idade gestacional é um determinante proximal do peso ao nascer.15 O maior poder de explicação desta variável sobre o peso ao nascer no grupo de mais alta escolaridade é coerente com os achados de Monteiro et al15 que analisaram a tendência secular do peso ao nascer na cidade de São Paulo no período 1976 a 1998. Esses autores verificaram um aumento da prevalência de prematuridade no grupo de mulheres de mais elevada escolaridade, não tendo sido possível identificar suas causas. Nas últimas décadas tem sido descrito um aumento das taxas de prematuridade nos países desenvolvidos,3 sem que a epidemiologia perinatal alcance identificar os seus determinantes, sendo considerado um dos maiores desafios da saúde pública atual, sobretudo para os países com taxas de fecundidade muito baixas.

A proteção conferida pela assistência pré-natal, avaliada pelo índice de Kotelchuck modificado, beneficiou todas as gestantes, independente do nível de instrução. Muito embora não tenha sido avaliada a qualidade da atenção pré-natal prestada, quanto mais adequada foi a utilização destes serviços em relação ao número de consultas e período da gestação, maior o benefício proporcionado.

Atualmente, tem ocorrido um grande questionamento sobre a efetividade da atenção pré-natal para prevenir o baixo peso ao nascer e a prematuridade, principalmente nos EUA, onde a cobertura da atenção e o número médio de consultas são muito elevados.9 É necessário pontuar que no município estudado, a adequada atenção pré-natal constitui-se em fator de proteção para os recém-nascidos, principalmente entre as mulheres de piores condições educacionais. Uma das possíveis explicações para a diferença entre os resultados obtidos no presente trabalho em relação aos dados EUA pode estar na prevalência do BPN, quase duas vezes maior do que a norte-americana. É provável que nos EUA e em outros países desenvolvidos a redução na ocorrência de BPN tenha decorrido do acesso universal a assistência pré-natal de qualidade em período anterior, fazendo com que restassem como fatores determinantes do BPN causas não preveníveis pela atenção médica. Na realidade brasileira, essa etapa ainda não foi devidamente cumprida, de forma a que se possa alcançar o patamar atingido por aqueles países.

Concluindo, constatou-se no presente estudo que as variáveis que explicaram o peso ao nascer dos conceptos de mães com elevada escolaridade no Município do Rio de Janeiro foram de natureza biológica, em contraste com a forte presença dos determinantes sociais encontrados no grupo com baixa escolaridade. Verificou-se também o papel protetor da assistência pré-natal, independente do nível de escolaridade das mães, assim como o efeito negativo do hábito de fumar.

Como limitações, identificam-se a simultaneidade da tomada da informação do peso do recém-nascido e das variáveis predisponentes para o desfecho, por se tratar de estudo de corte transversal. Reconhece-se também que a auto-classificação da cor da pele é subjetiva e influenciada pela inserção social dos indivíduos.

Recebido: 10/1/2005

Revisado: 17/11/2005

Aprovado: 6/2/2006

Financiado pelo Ministério da Saúde (convênio n. 3067) e Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. (FAPERJ - Processo n. 150892/99).

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  • Correspondência:
    Maria do Carmo Leal
    Departamento de Epidemiologia e Métodos
    Quantitativos em Saúde
    ENSP/Fiocruz
    Rua Leopoldo Bulhões, 1480 8º andar
    21041-210 Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      06 Fev 2006
    • Revisado
      17 Nov 2005
    • Recebido
      10 Jan 2005
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