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Comentário: Estado atual do problema da poliomielite no Município de São Paulo

Current state of poliomyelitis problem in São Paulo municipality

CLÁSSICOS DOS PRIMEIROS DEZ ANOS LANDMARKS FROM THE FIRST TEN YEARS

Comentário: Estado atual do problema da poliomielite no Município de São Paulo

Current state of poliomyelitis problem in São Paulo municipality

José Cássio de Moraes

Departamento de Medicina Social. Faculdade de Ciências Médicas. Santa Casa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: José Cássio de Moraes Departamento de Medicina Social Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Rua Cesário Mota Jr, 61 6º andar 01221-020 São Paulo, SP, Brasil E-mail: jcassiom@uol.com.br

O convite para comentar o artigo do Professor Victório Barbosa é duplamente honroso. Em primeiro lugar por ter convivido com ele no início da minha carreira na Secretaria Estadual de Saúde durante a epidemia de doença meningocócica devido aos sorogrupos A e C, que grassou no Município de São Paulo em 1974. Em segundo lugar por ter participado na execução das estratégias adotadas para a eliminação da doença em nosso continente e permitiram atender ao anseio expresso no artigo e na época considerado utópico do Professor Barbosa.

A transmissão autóctone do poliovírus selvagem foi interrompida no Brasil em 1989 e, dois anos após, na América Latina. As estratégias adotadas para a interrupção foram: melhoria da cobertura vacinal de rotina, campanhas nacionais de vacinação indiscriminada – realizadas pelo menos duas vezes ao ano desde 1980 para menores de cinco anos de idade – e intensificação da vigilância epidemiológica, por meio da notificação e investigação clínica e laboratorial de todos os casos de paralisia flácida aguda em menores de 15 anos de idade.

Atualmente, a Organização Mundial da Saúde intensifica seus esforços para erradicar a doença. Em 2005 foram confirmados 1.856 casos de poliomielite, 54% ocorreram em países que importaram o vírus selvagem. Mais recentemente ocorreu transmissão sustentada do poliovírus selvagem em apenas seis países: Angola, Etiópia, Indonésia, Somália, Iêmen e Nepal. A interrupção das campanhas de vacinação contra poliomielite no norte da Nigéria e a baixa cobertura vacinal nos países vizinhos permitiram a exportação do poliovírus selvagem para países que já estavam livres da transmissão autóctone.2 A doença foi eliminada com vigilância epidemiológica adequada e a adoção imediata das medidas de controle, campanhas de vacinação casa a casa nos locais onde ainda circula o vírus.

O número de casos ocorridos em todo mundo durante o ano de 2005 é atualmente 2,3 vezes superior ao de 1960, quando houve maior incidência da doença no Município de São Paulo.

O artigo do Professor Victório Barbosa, escrito com estilo quase professoral, se reveste de grande importância no momento em que estamos perto de atingir a meta da erradicação da doença em todo mundo.

O autor defendeu apaixonadamente, como era de seu estilo, a adoção de algumas estratégias para minimizar o aumento da incidência observada na época. No final da década de 60 ocorreu aumento do número de casos, apresentando taxas superiores a 3/100.000 habitantes, atingindo 20/100.000 habitantes. A magnitude do dano classificava o Município de São Paulo como uma área epidêmica e merecedora de adoção imediata de estratégias para o controle da poliomielite.

Recentemente colocada à disposição no mundo, o uso em massa da vacina oral contra a poliomielite estava entre as estratégias adotadas. A vacina oral bivalente, composta pelos poliovírus 1 e 2 atenuados, foi liberada nos Estados Unidos em 1961, a vacina contra o pólio vírus 3 em 1962 e no ano seguinte começou-se usar a vacina com os três poliovírus.1 De acordo com o Professor Barbosa, as duas primeiras campanhas foram realizadas em 1962, uma em janeiro e outra em junho, e no ano seguinte somente uma campanha em dezembro.

Outro aspecto importante é a proposição do autor para reduzir a ocorrência da doença ou mesmo "erradicá-la", com a adoção de campanhas anuais de vacinação aliada à vacinação de rotina até a transformação da população suscetível menor de cinco anos de idade em uma população imune. Somente, em 1966 após diversas interrupções na aplicação da estratégia proposta é que se conseguiu baixar a incidência da doença em níveis aceitáveis na época.

Depreende-se do texto o estabelecimento da falsa polêmica entre a aplicação da vacina de forma rotineira versus a vacinação sob a forma de campanhas. Mas a estratégia de campanha foi interrompida em 1965, sem que a cobertura vacinal de rotina atingisse níveis satisfatórios.

Contudo, essa polêmica foi reavivada em 1980, quando se adotou o esquema de pelo menos duas campanhas nacionais de vacinação para a população menor de cinco anos de idade, aplicada de forma indiscriminada (sem levar em conta o estado imunitário anterior). Havia um receio de que as campanhas desestimulariam as mães a levarem suas crianças aos postos de vacinação para receber a vacinação da rotina, o que posteriormente se mostrou infundado no Brasil e na América Latina. O aumento da cobertura vacinal para todos os imunobiológicos aumentou sensivelmente em praticamente todos os países do continente sul-americano; o Programa Nacional de Imunização foi implantado e implementado em todos os países nas décadas de 80 e 90. Devemos, portanto compreender que a vacinação de rotina e as campanhas são estratégias complementares e não concorrentes.

A adoção desse mesmo conjunto de atividades permitiu eliminação do sarampo no País, desde 2001. Os poucos casos ocorridos foram importados e não se estabeleceu uma segunda geração de casos.

O estabelecimento de um programa consistente, com objetivos claramente definidos, foi proposto pelo Professor Barbosa para o controle da poliomielite em 1968. Um programa semelhante e mais ampliado com ações de vigilância epidemiológica foi adotado pela Organização Pan-americana de Saúde, quase 20 anos depois. Após cerca de cinco anos de sua implementação, o continente americano se viu livre da transmissão autóctone do poliovírus selvagem.

O artigo faz parte da história da poliomielite no País e da América Latina. Se as autoridades sanitárias tivessem adotado as medidas sugeridas, muitos casos e conseqüentemente seqüelas e óbitos poderiam ter sido evitados e talvez, mais precocemente teríamos atingido a atual situação epidemiológica.

REFERÊNCIAS

1. Atkinson W, Hamborsky J, McIntyre L, Wolfe S, editors. In: Epidemiology & prevention of vaccine-preventable diseases: The Pink Book. 9th ed. Washington(DC):CDC/Public Health Foundation; 2006. Poliomyelitis; p. 97-110.

2. Centers for disease Control and Prevention. Resurgence of wild poliovirus type 1 and consequences of importation - 21 countries, 2002-2005. MMWR 2006;55:145-50.

  • Correspondência | Correspondence:
    José Cássio de Moraes
    Departamento de Medicina Social
    Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
    Rua Cesário Mota Jr, 61 6º andar
    01221-020 São Paulo, SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006
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