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Uso de preservativos nas relações sexuais: estudo de base populacional

Resumos

OBJETIVO: Descrever as características associadas ao não-uso de preservativos masculinos nas relações sexuais por mulheres. MÉTODOS: Estudo transversal de base populacional, realizado com 1.026 mulheres de 20 a 60 anos de idade, residentes da zona urbana de São Leopoldo, Estado do Rio Grande do Sul, em 2003. A amostragem foi por conglomerados, sendo realizado sorteio de 40 setores censitários dos 270 existentes. Foram realizadas análises de regressão logística quanto ao não uso de preservativos masculinos em relação às variáveis socioeconômicas, demográficas, obstétricas e de utilização de serviços de saúde. RESULTADOS: Das mulheres incluídas no estudo, 867 (84,5%) relataram manter relações sexuais, destas, 252 (29,1%) faziam uso de preservativo nas relações. A regressão logística mostrou que os grupos mais vulneráveis eram mulheres casadas ou em união estável e com idade acima de 40 anos. Não foram encontradas diferenças entre as outras variáveis exploradas. CONCLUSÕES: Constatou-se a baixa prevalência do uso de preservativos, e se identificou um grupo de mulheres que precisa ser alvo das políticas e serviços de saúde, melhorando a sua percepção quanto aos riscos de adquirir doenças sexualmente transmissíveis.

Preservativos; Comportamento sexual; Doenças sexualmente transmissíveis; Fatores epidemiológicos; Fatores socioeconômicos; Prevenção primária; Estudos transversais


OBJECTIVE: To describe characteristics associated with failure to use condoms during sexual intercourse by women. METHODS: We conducted a cross-sectional population-based study including 1,026 women aged 20-60 years living in the urban area of a city in Southern Brazil, in 2003. Cluster sampling was carried out by randomly selecting 40 of the city's 270 census sectors. We performed logistic regression analysis of failure to use condoms in relation to socioeconomic, demographic, obstetric, and health care usage variables. RESULTS: Among studied women, 867 (84.5%) reported being sexually active; of these, 252 (29.1%) wore condoms during sexual intercourse. Logistic regression showed that the most vulnerable groups were women who were married or in stable partnerships, and women aged more than 40 years. We found no associations with the other variables explored. CONCLUSIONS: Prevalence of condom use was low; we were able to identify a group of women that needs to be targeted by health policies and services in order to improve perception of the risk of acquiring sexually transmitted diseases.

Condoms; Sexual behavior; Sexually transmitted diseases; Epidemiologic factors; Socioeconomic factors; Primary prevention; Cross-sectional studies


Uso de preservativos nas relações sexuais: estudo de base populacional

Ioná CarrenoI; Juvenal Soares Dias da CostaII

IPrograma de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, RS, Brasil

IIDepartamento de Medicina Social. Faculdade de Medicina. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, RS, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Juvenal Soares Dias da Costa Av. Duque de Caxias, 250 96030-002 Pelotas, RS, Brasil E-mail: jcosta@epidemio-ufpel.org.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever as características associadas ao não-uso de preservativos masculinos nas relações sexuais por mulheres.

MÉTODOS: Estudo transversal de base populacional, realizado com 1.026 mulheres de 20 a 60 anos de idade, residentes da zona urbana de São Leopoldo, Estado do Rio Grande do Sul, em 2003. A amostragem foi por conglomerados, sendo realizado sorteio de 40 setores censitários dos 270 existentes. Foram realizadas análises de regressão logística quanto ao não uso de preservativos masculinos em relação às variáveis socioeconômicas, demográficas, obstétricas e de utilização de serviços de saúde.

RESULTADOS: Das mulheres incluídas no estudo, 867 (84,5%) relataram manter relações sexuais, destas, 252 (29,1%) faziam uso de preservativo nas relações. A regressão logística mostrou que os grupos mais vulneráveis eram mulheres casadas ou em união estável e com idade acima de 40 anos. Não foram encontradas diferenças entre as outras variáveis exploradas.

CONCLUSÕES: Constatou-se a baixa prevalência do uso de preservativos, e se identificou um grupo de mulheres que precisa ser alvo das políticas e serviços de saúde, melhorando a sua percepção quanto aos riscos de adquirir doenças sexualmente transmissíveis.

Descritores: Preservativos, utilização. Comportamento sexual. Doenças sexualmente transmissíveis, prevenção e controle. Fatores epidemiológicos. Fatores socioeconômicos. Prevenção primária. Estudos transversais.

INTRODUÇÃO

O sistema de informações do Ministério da Saúde tem disponibilizado dados epidemiológicos sobre Aids no Brasil a partir de 1980. Observou-se a tendência das taxas de incidência de casos de Aids alcançando o nível máximo de 19,5 casos por 100.000 habitantes em 1998. A partir de então, constatou-se uma discreta diminuição, sendo que a taxa de incidência em 2003 foi de 18,2 por 100.000 habitantes. No Estado do Rio Grande do Sul a taxa de incidência tem aumentado no transcorrer dos anos, atingiu o valor máximo de 33,0 por 100.000 habitantes em 2002, enquanto que em 2003 a taxa foi de 31,3 por 100.000 habitantes. As taxas observadas no Rio Grande do Sul são maiores que as notificadas nos outros estados brasileiros.1 1 Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Bol Epidemiol Aids/DST 2004;28(1). Disponível em

http://www.aids.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?

DocumentID={A6749630-58F8-4E1A-A778-23F453F27EFD}&ServiceInstUID={B8EF

5DAF -23AE-4891-AD36-1903553A3174}

Dados sobre mortalidade por Aids no Brasil têm feito parte do sistema de informações a partir de 1983. As taxas de mortalidade apresentaram tendência de elevação até o ano de 1996, quando atingiram 9,6 por 100.000 habitantes, diminuindo para 6,3 por 100.000 habitantes em 2002. Na Região Sul do Brasil, tem se observado um aumento das taxas de mortalidade que atingiram 9,0 por 100.000 em 2003. Em 2002, no Estado do Rio Grande do Sul, o coeficiente de mortalidade para todas as idades do sexo masculino foi de 16,7 e de 7,5 por 100000 habitantes entre a população feminina.2 2 Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, Núcleo de Informações em Saúde. Estatísticas de saúde: mortalidade 2002. Porto Alegre: Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul; 2003.

O comportamento da Aids tem se alterado, acometendo inúmeros grupos populacionais no decorrer da sua história. Foram observados diferentes grupos desenvolvendo a doença ao longo do tempo, percebendo-se uma mudança no seu perfil epidemiológico. As alterações constatadas modificaram comportamentos ou provocaram mudanças em determinadas situações que diminuíram a vulnerabilidade dos indivíduos, como o comportamento sexual, o uso de drogas injetáveis ou situações como a transfusão sangüínea e acidentes com materiais biológicos contaminados.

No momento, a epidemia tem apresentado um aumento significativo entre as mulheres, entre os grupos populacionais de baixa renda e com uma tendência em direção às cidades de médio porte.1,8,14

O número de casos entre as mulheres tem crescido de tal forma que a razão de casos entre homens e mulheres, que era de 23,2 em 1985, atualmente situa-se em 1,5.3 3 Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Bol Epidemiol Aids/DST 2004;28(1), Disponível em

http://www.aids.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?

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DAF-23AE-4891-AD36-1903553A3174}

Além disso, com o aumento de casos entre as mulheres tem sido motivo de preocupação a possibilidade de acometimento de crianças pela transmissão vertical.

As características de tratamento clínico da infecção foram modificadas desde o início da epidemia. A melhoria da qualidade de vida dos indivíduos infectados pelo HIV iniciou com a introdução da terapia anti-retroviral. Houve mudança progressiva no perfil da morbi-mortalidade com diminuição do número de óbitos, e de até 80% no aparecimento de infecções oportunistas, refletindo na redução nas internações hospitalares, e aumento da sobrevida e da qualidade de vida dos pacientes.6

No Brasil, o tratamento da Aids é realizado por meio de terapia medicamentosa anti-retroviral disponibilizada pelo Ministério da Saúde e 100% das pessoas que preenchem os critérios estabelecidos para diagnóstico da Aids têm acesso ao tratamento.4 4 Ministério da Saúde. Programa Nacional de Combate a Aids. Disponível em http://www.aids.gov.br/final/dados/aids.htm [acesso em 13 de dez 2004] Contudo, as formas de prevenção mediante o uso de preservativos em todas as relações sexuais ainda são os agentes mais eficazes e preconizados para o controle da disseminação da doença por via sexual. Sua utilização remete a uma necessária mudança na vida sexual dos indivíduos, já que a sua maioria não tem o hábito de utilizá-la.7,12

Dessa forma, o comportamento sexual dos indivíduos tem sido tema importante de vários estudos, devido à sua relação estreita com as doenças sexualmente transmissíveis e com a Aids.12 As informações sobre as práticas sexuais das pessoas tornam-se importantes por apresentarem evidências sobre os fatores de risco e de proteção em relação à doença. O conhecimento fornecido por estudos epidemiológicos pode auxiliar a formular e implantar políticas que visem reduzir e controlar os riscos de aquisição da doença.

Portanto, o presente estudo teve por objetivo verificar as características associadas à não-utilização de preservativos pelas mulheres com vida sexual ativa.

MÉTODOS

Este estudo transversal faz parte de um projeto de pesquisa5 5 Projeto de Pesquisa "Condições de Saúde das Mulheres: Estudo de Base Populacional na Região do Vale do Rio dos Sinos", realizado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em 2003. realizado em 2003, que buscou caracterizar a saúde das mulheres residentes na zona urbana de São Leopoldo, Estado do Rio Grande do Sul, na faixa etária de 20 a 60 anos.

O tamanho da amostra foi estimado pelos desfechos que exigiram maior número de indivíduos, além de nível de confiança de 95%, poder de 80%, razão de não-expostos e expostos de 1:3 conforme a distribuição de classe social encontrada em outro município (Pelotas),5 e razão de prevalência de 2,0. Também, acrescentaram-se 10% por motivos de recusas e perdas e 15% para controlar fatores de confusão na análise dos dados.

A amostragem foi realizada por conglomerados entre os 270 setores censitários existentes em São Leopoldo. Foram sorteados 40 setores, em cada setor 36 residências foram visitadas. Dentro de cada setor foram sorteados o quarteirão de início e o ponto de partida.

Ao final do trabalho de campo, foram incluídas 1.026 mulheres no estudo, 58 (5,6%) identificadas como perdas ou recusas.

Às mulheres incluídas no estudo foram aplicados questionários padronizados, pré-codificados e pré-testados. Os entrevistadores receberam treinamento para aplicação dos questionários e coleta de algumas medidas. O controle de qualidade da coleta dos dados foi realizado em 10% da amostra, por meio de questionário simplificado, composto por variáveis que não se alteravam em curto espaço de tempo.

A variável dependente foi coletada entre as mulheres que referiram vida sexual ativa, sobre o uso ou não de preservativos nas relações sexuais, na seqüência de uma questão que investigava o consumo de métodos contraceptivos.

As outras variáveis incluídas com o objetivo de caracterizar as mulheres que não utilizavam preservativos foram idade, cor da pele (observada pelo entrevistador), estado civil, escolaridade, renda familiar per capita em salários-mínimos, classe econômica conforme Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa (ABEP),6 6 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de Classificação Econômica Brasil. Disponível em http://www.abep.org.br [acesso em 27 jun 2006] número de filhos e número de consultas com médico ginecologista nos últimos 12 meses a partir da data da entrevista.

A classificação econômica da ABEP é construída a partir de um escore que leva em consideração a posse de bens materiais, a escolaridade do chefe da família e a presença de empregados domésticos.

O banco de dados foi criado no programa Epi Info 6.0, com dupla entrada, com o intuito de diminuir erros de digitação. Realizou-se a análise bi e multivariada por meio do programa SPSS, calculando-se freqüência do não-uso do preservativo nas relações sexuais, razão de prevalência, intervalos de confiança e níveis de significância pelo teste do qui-quadrado. Para análise multivariada foi realizada regressão logística de acordo com modelo hierarquizado17 descrito na Figura 1. Desta forma, as variáveis demográficas e socioeconômicas encontram-se em um nível distal e as variáveis obstétricas e de utilização dos serviços de saúde no segundo nível, todas determinando o desfecho de uso de preservativo nas relações sexuais. A entrada das variáveis no modelo está condicionada à obtenção de significância estatística na análise bivariada, enquanto sua permanência na regressão depende de um nível de significância ao redor de 20%.

O Projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas.

RESULTADOS

Entre as mulheres incluídas no estudo, 867 (84,5%) relataram manter relações sexuais, e 252 (29,1%) delas utilizavam preservativos.

De acordo com as variáveis demográficas da amostra, a maioria das mulheres tinham entre 40 e 49 anos (n=252; 29,1%), e eram brancas (n=734; 84,7%). Quanto ao estado civil, foi encontrada predominância de mulheres casadas ou em união estável, com 638 (73,6%) referências. Quanto às variáveis socioeconômicas, a maioria (n=377; 43,5%) possuía até sete anos de estudo. Em relação à renda familiar, 671 (77,4%) mulheres relataram receber menos de três salários-mínimos por mês. A distribuição de classe econômica mostrou 580 (67,0%) mulheres classificadas nas classes B e C; 589 (67,9%) relataram ter de um a três filhos. A média anual de consultas foi de 4,5 e a mediana foi de três; 604 (69,7%) das mulheres haviam consultado com médico ginecologista no último ano (Tabela 1).

Ainda na Tabela 1 observa-se a distribuição do uso de preservativos de acordo com as características da amostra. Os dados mostraram associação linear (p<0,0001) direta com idade, ou seja, à medida que as mulheres iam envelhecendo aumentava o não-uso de preservativos. Estas diferenças foram estatisticamente significativas e os intervalos de confiança em 95% mostraram o mesmo efeito.

Quanto ao estado civil, observaram-se diferenças estatisticamente significativas mostrando que as mulheres viúvas, separadas ou solteiras usavam mais preservativos masculinos do que as casadas ou em união. A cor da pele não apresentou diferença estatisticamente significativa em relação ao uso de preservativos (Tabela 1).

A análise das características socioeconômicas mostrou diferenças significativas em relação à escolaridade (p<0,001). Mulheres com 12 a 14 anos de escolaridade usavam mais freqüentemente preservativos, quando comparadas com a categoria de referência. No entanto, os intervalos de confiança englobaram os valores unitários (razão de prevalência=0,86; IC 95% 0,73 a 1,01). Os resultados não foram significativos em relação às outras variáveis socioeconômicas (classe econômica segundo ABEP e renda familiar per capita em salários-mínimos) (Tabela 1).

Foi encontrada associação linear indireta de acordo com o número de filhos, com diferença estatisticamente significativa (p<0,0001). As mulheres sem filho apresentaram maior uso de preservativo. À medida que aumentava o número de filhos, diminuía o uso de preservativos (Tabela 1).

Tanto a análise do número total de consultas médicas no ano anterior à entrevista, como consultas com ginecologistas no último ano não apresentaram diferenças estatisticamente significativas (Tabela 1).

Na análise multivariada com regressão logística, foram mantidos os efeitos das variáveis idade e estado civil, mostrando que com o aumento da idade diminuía a probabilidade das mulheres utilizarem preservativos e que as mulheres casadas ou em união também utilizavam menos esse fator de proteção (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Os estudos de prevalência com base populacional apresentam a vantagem de serem representativos e possibilitarem estimativas do comportamento epidemiológico para toda a comunidade onde foram realizados. Os intervalos de confiança dos percentuais de distribuição por faixa etária mostraram-se semelhantes quando comparados aos do Recenseamento Geral em São Leopoldo no ano 2000, permitindo extrapolação para a população da cidade.

A prevalência de utilização de preservativos foi de 29,1% (IC 95%: 26,0 - 32,1), sendo que 104 (12,0%) mulheres referiram o uso de preservativos como método contraceptivo, outras 148 (17,1%) mulheres referiram o uso adicional de preservativos como forma de proteção nas relações sexuais.

Outras pesquisas realizadas no Brasil têm investigado o uso de preservativos como método contraceptivo ou como forma de proteção às doenças sexualmente transmissíveis. Embora a prevalência de uso de preservativos seja baixa, pode-se observar uma tendência ao aumento no consumo do método.7,10,12,16

Investigação realizada num bairro de Porto Alegre, em 1992, mostrou que apenas 0,2% das mulheres (n=100) utilizava preservativos como método contraceptivo.16 Em Pelotas, no mesmo ano, um inquérito epidemiológico de base populacional realizado entre 677 mulheres de 20 a 49 anos mostrou prevalência de 4,0% no uso de preservativos.3 Outro estudo transversal de base populacional realizado na cidade de Pelotas em 1995, com uma amostra representativa de 3.002 mulheres de 15 a 49 anos, mostrou 7,5% das mulheres casadas ou em união utilizando preservativos nas relações sexuais.11 Entre dezembro de 1999 e abril de 2000, mais um estudo foi realizado incluindo 766 mulheres e mostrando prevalência de 10,5% de utilização de preservativos.4 Finalmente, em 2000, outra pesquisa com desenho transversal, também de base populacional entre mulheres de 15 a 49 anos, mostrou que 72% das mulheres não usavam preservativos.12 Em inquérito nacional, realizado em 2004, entre indivíduos de ambos os sexos, de 15 a 54 anos, 25,3% da população sexualmente ativa faziam uso regular de preservativo.15 Dessa forma, a prevalência encontrada na presente investigação, ainda que baixa, foi a maior entre os estudos comparados.

Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as variáveis que tentavam expressar condições socioeconômicas (renda, classe econômica e escolaridade). Entretanto, em outras investigações foram encontradas diferenças quanto às condições socioeconômicas: há maior risco de aquisição de doenças sexualmente transmissíveis quando associado a pior status socioeconômico,10 baixa inserção de classe socioeconômica15 e baixo nível de renda.13

No presente estudo, mulheres com mais idade e em união estável apresentaram maior probabilidade de não usarem preservativos. A diminuição observada no uso de preservativos com o aumento da idade das mulheres não foi observada em estudo realizado em Pelotas.11 Contudo, na pesquisa de abrangência nacional realizado por Szwarcwald et al15 constatou-se a diminuição no uso regular de preservativos com o aumento da idade independentemente do tipo de união. A própria política de distribuição de preservativos do Ministério da Saúde tem priorizado os jovens.7 7 Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Política de distribuição do preservativo masculino na prevenção ao HIV/Aids e DST no Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002. Talvez, o uso de preservativos seja mais fácil para as gerações mais novas. Estudo epidemiológico envolvendo escolares em Pelotas, de 14 a 19 anos, mostrou que 64% dos rapazes e 42% das moças usaram preservativo na última relação sexual.2

O efeito de não-proteção das mulheres vivendo em união estável foi mantido mesmo controlado para idade. Provavelmente as mulheres, especialmente as casadas ou vivendo em união estável, têm sido colocadas em situação de vulnerabilidade em relação à Aids em decorrência de seu comportamento sexual desprotegido, creditando confiança em seus parceiros.10,12 As questões de gênero, que envolvem os parceiros, devem ser levadas em consideração. Isso porque as mulheres ainda encontram-se em desvantagem no momento da escolha do uso do preservativo na relação sexual na maioria das vezes.

Assim, os resultados do presente estudo mostraram a baixa utilização de preservativos como forma de proteção às doenças sexualmente transmissíveis e Aids, o que reforça a noção de que as mulheres mais idosas e vivendo em união estável estão mais vulneráveis à doença.

Existem evidências mostrando que o aumento de consultas médicas proporciona melhora nas coberturas de ações de saúde relacionadas ao Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher.5,18 Entretanto, a análise não evidenciou qualquer influência dos serviços de saúde determinando a utilização de preservativos. Há necessidade de se alertar os serviços de saúde como forma de estimular o uso de preservativos. Os trabalhadores de saúde devem conhecer a realidade do local no qual atuam para melhor entender e assim tentar mudanças nos costumes e hábitos dos indivíduos. As mudanças na comunidade partem das alterações na estrutura, na equipe de saúde e nos processos de trabalho. Assim, a lógica que determina o modelo assistencial deve superar a dicotomia entre cuidado individual e cuidado coletivo, principalmente quando alinhados aos referenciais de defesa da vida.9

Em função de fatores logísticos e de execução do trabalho de campo, alguns aspectos importantes não foram incluídos na investigação. O uso efetivo de preservativo na última relação e a quantidade/diversidade de parceiros podem ser citadas como variáveis que contribuiriam para a qualidade da análise e elevariam os níveis de contribuição para estudos futuros.

O presente estudo permitiu conhecer a realidade das mulheres de São Leopoldo quanto ao uso de preservativos. As políticas implantadas voltadas para mulheres casadas ou em relação estável devem ser monitoradas e comparadas quanto a sua efetividade e abrangência na comunidade.

Recebido: 2/5/2005 Aprovado: 13/2/2006

Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS -n°02/0645,9) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPQ n° 473478/200-0), com apoio da Secretaria Municipal de Saúde de São Leopoldo.

Parte da dissertação de mestrado apresentada à Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). São Leopoldo, RS, em 2005.

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  • Correspondência | Correspondence:
    Juvenal Soares Dias da Costa
    Av. Duque de Caxias, 250
    96030-002 Pelotas, RS, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
    Bol Epidemiol Aids/DST 2004;28(1). Disponível em
  • 2
    Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, Núcleo de Informações em Saúde. Estatísticas de saúde: mortalidade 2002. Porto Alegre: Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul; 2003.
  • 3
    Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
    Bol Epidemiol Aids/DST 2004;28(1), Disponível em
  • 4
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  • 5
    Projeto de Pesquisa "Condições de Saúde das Mulheres: Estudo de Base Populacional na Região do Vale do Rio dos Sinos", realizado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em 2003.
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    Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Política de distribuição do preservativo masculino na prevenção ao HIV/Aids e DST no Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      13 Fev 2006
    • Revisado
      02 Maio 2005
    • Recebido
      02 Maio 2005
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