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Validade do peso e da altura auto-referidos: o estudo de Goiânia

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a validade do peso e altura referidos no diagnóstico da obesidade e identificar características sociodemográficas e individuais que podem constituir viés de informação. MÉTODOS: Estudo transversal populacional realizado na cidade de Goiânia em 2001. Em entrevista domiciliar com 1.023 indivíduos de 20-64 anos, foram coletadas informações sociodemográficas e sobre peso e altura referidos. Na ocasião, os indivíduos foram pesados e medidos. Foram calculadas diferenças entre médias, coeficiente de correlação e de medidas referidas e aferidas, segundo idade, índice de massa corporal, escolaridade, renda e altura. RESULTADOS: Homens e mulheres superestimaram a altura (p<0,05) em 0,9 cm e 2,2cm, respectivamente. Não houve diferença entre peso referido e aferido dos homens (-0,44 kg; p=0,06) nem das mulheres (-0,03 kg; p>0,05). O comportamento de supestimar a altura foi influenciado pela idade, escolaridade, altura e índice de massa corporal. Embora o índice obtido a partir dos dados referidos tenha sido subestimado (p<0,05) em 0,27 kg/m² e 0,67 kg/m² para homens e mulheres, respectivamente, as medidas aferidas e reportadas apresentaram alto grau de concordância. A sensibilidade e especificidade do índice de massa corporal referido foram altas em identificar o índice aferido. CONCLUSÕES: Em estudos epidemiológicos de monitoramento da prevalência de excesso de peso na população o peso e a altura referidos constituem informações confiáveis, o que torna viável a metodologia utilizada.

Obesidade; Índice de massa corporal; Sensibilidade; especificidade


OBJECTIVE: To assess the validity of self-reported weight and height at the time of diagnosing obesity, and to identify the sociodemographic and individual characteristics that might be a source of information bias. METHODS: This was a cross-sectional population-based study carried out in the city of Goiânia in 2001. Interviews were conducted with 1,023 individuals aged 20-64 years, in their homes, to collect sociodemographic and self-reported weight and height information. On the same occasion, weight and height measurements were made on these individuals. The mean differences and correlation coefficients between self-reported and measured data were calculated according to age, body mass index (BMI), schooling, income and height. RESULTS: Both the men and women overestimated their heights (p<0.05), by 0.9 cm and 2.2 cm, respectively. There was no difference between self-reported and measured weights, either for the men (-0.44 kg; p=0.06) or for the women (-0.03 kg; p>0.05). The behavior of overestimating height was influenced by age, schooling, height and body mass index. Although this index obtained from the self-reported data was underestimated (p<0.05), by 0.27 kg/m² and 0.67 kg/m² for men and women respectively, the measured and self-reported data presented a high degree of agreement. Both the sensitivity and specificity of the self-reported body mass index were high, in relation to identifying the measured index. CONCLUSIONS: In epidemiological studies for monitoring the prevalence of excess weight in populations, self-reported weights and heights constitute reliable data, which gives validity to the methodology utilized.

Obesity; Body mass index; Sensitivity; specificity


ARTIGOS ORIGINAIS

Validade do peso e da altura auto-referidos: o estudo de Goiânia

Maria do Rosário Gondim PeixotoI; Maria Helena D'Aquino BenícioII; Paulo César Brandão Veiga JardimIII

IFaculdade de Nutrição. Universidade Federal de Goiás (UFG). Goiânia, GO, Brasil

IIFaculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIIFaculdade de Medicina. UFG. Goiânia, GO, Brasil

Correspondência Correspondência: Maria do Rosário Gondim Peixoto Faculdade de Nutrição Rua 227 Quadra 68 Setor Leste Universitário 74605-080 Goiânia, GO, Brasil E-mail: hbpeixoto@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a validade do peso e altura referidos no diagnóstico da obesidade e identificar características sociodemográficas e individuais que podem constituir viés de informação.

MÉTODOS: Estudo transversal populacional realizado na cidade de Goiânia em 2001. Em entrevista domiciliar com 1.023 indivíduos de 20-64 anos, foram coletadas informações sociodemográficas e sobre peso e altura referidos. Na ocasião, os indivíduos foram pesados e medidos. Foram calculadas diferenças entre médias, coeficiente de correlação e de medidas referidas e aferidas, segundo idade, índice de massa corporal, escolaridade, renda e altura.

RESULTADOS: Homens e mulheres superestimaram a altura (p<0,05) em 0,9 cm e 2,2cm, respectivamente. Não houve diferença entre peso referido e aferido dos homens (-0,44 kg; p=0,06) nem das mulheres (-0,03 kg; p>0,05). O comportamento de supestimar a altura foi influenciado pela idade, escolaridade, altura e índice de massa corporal. Embora o índice obtido a partir dos dados referidos tenha sido subestimado (p<0,05) em 0,27 kg/m2 e 0,67 kg/m2 para homens e mulheres, respectivamente, as medidas aferidas e reportadas apresentaram alto grau de concordância. A sensibilidade e especificidade do índice de massa corporal referido foram altas em identificar o índice aferido.

CONCLUSÕES: Em estudos epidemiológicos de monitoramento da prevalência de excesso de peso na população o peso e a altura referidos constituem informações confiáveis, o que torna viável a metodologia utilizada.

Descritores: Obesidade, diagnóstico. Índice de massa corporal. Sensibilidade e especificidade.

INTRODUÇÃO

A alta prevalência de doenças crônicas não transmissíveis tem aumentado o interesse em estudos nos quais as informações sobre sinais, sintomas e fatores de risco associados são obtidas por auto-informação da população. Os dados podem ser coletados por meio de entrevistas frente-a-frente, envio de questionários pelo correio ou entrevistas por telefone. Estes procedimentos permitem avaliar e acompanhar ao longo do tempo amostras representativas da população, com menor custo e simplificação do trabalho de campo.

Nesses estudos, entre as variáveis reportadas estão as medidas de peso e altura, utilizadas para o cálculo do índice de massa corporal (IMC), índice antropométrico mais utilizado em estudos populacionais. Os resultados de vários estudos4,7,8,12 mostram que o peso e a altura referidos apresentam alta concordância com os dados obtidos diretamente, sendo, portanto, uma alternativa interessante para medir e monitorar a prevalência da obesidade.

No entanto, evidências mostram que o erro na informação está relacionado a características como obesidade, idade, condição social, fatores culturais e psicológicos. No caso das medidas antropométricas, há uma tendência de se atingir uma estética corporal socialmente valorizada. Neste sentido, tem-se observado maior subestimação de peso entre indivíduos obesos, e uma superestimação da altura, principalmente entre pessoas de baixa estatura.3,4,8,13,14 Os indivíduos mais velhos também tendem a superestimar sua altura atual com magnitude maior do que os mais jovens, em parte, devido à perda gradual de altura que ocorre com o envelhecimento.4,8,12

Como o erro não é aleatório, a alta prevalência de indivíduos que subestimam ou superestimam as medidas de peso e/ou altura leva a uma classificação enviesada do IMC, com redução na prevalência dos indivíduos situados nos extremos da classificação (baixo peso e obesidade). Portanto, antes da utilização das medidas referidas de peso e altura de uma determinada população, é pertinente realizar estudos que permitam conhecer a magnitude do erro associado a estas informações.

Até o momento, foram realizados poucos estudos sobre a validade das medidas de peso e altura referidos no Brasil.1,2,10,11 No estudo realizado na população urbana de Porto Alegre, Schmidt et al10 (1993) observaram que o peso foi superestimado pelos homens e subestimado pelas mulheres. Porém, esses autores concluíram que a validade do peso reportado é aceitável em estudos de prevalência de adiposidade.

O objetivo do presente estudo foi avaliar a validade do peso e altura referidos no diagnóstico da obesidade e identificar as características sociodemográficas e individuais que possam constituir viés de informação.

MÉTODOS

Foram utilizados dados do projeto intitulado "Estudo da prevalência e do conhecimento da hipertensão arterial e alguns fatores de risco em uma região do Brasil".* * Projeto realizado pela equipe da Liga de Hipertensão Arterial da Universidade Federal de Goiás, em parceria com a Universidade Federal de Mato Grosso e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Trata-se de estudo transversal, de base populacional, realizado nas capitais e em duas cidades do interior dos Estados de Goiás e Mato Grosso. No presente estudo, foram analisados apenas os dados relativos a Goiânia, coletados de junho a dezembro de 2001.

O tamanho da amostra para o município de Goiânia foi calculado considerando-se uma população de 1.004.098 habitantes, a prevalência de hipertensão arterial no Brasil (20% da população adulta), intervalo de confiança de 95% e erro de estimação de 10%. À amostra obtida (N=1.534) foram acrescidos 30% para cobrir as perdas (N=1.994). Os domicílios foram selecionados por amostragem probabilística, por conglomerados, em duas etapas. A primeira consistiu na identificação dos setores censitários utilizados na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 1998 na zona urbana do município de Goiânia. A segunda etapa constou da seleção dos domicílios, em cada setor e o tamanho total da amostra. A partir do cálculo do tamanho da amostra por setor foram sorteados, de forma aleatória e sistemática, os domicílios de cada setor.

Nos domicílios selecionados, foi entrevistado apenas um morador sorteado entre os moradores maiores de 18 anos, para evitar problemas de interdependência de informação entre entrevistados. Foram excluídas do sorteio gestantes e mães de crianças menores de seis meses, para evitar erros na interpretação dos dados. Foram excluídos também moradores que estivessem hospitalizados. Entre as perdas (N=540), 121 endereços não foram localizados ou não havia residência no local e em 419 não foi realizada a entrevista por recusa dos moradores, domicílio vazio ou moradores não encontrados após três visitas em dias e horários diferentes.

A amostra constituiu-se de 1.454 indivíduos não internados e residentes na área urbana (72,9% da amostra total e 95% da amostra necessária). Desses, foram elegíveis 1.252 indivíduos (433 homens e 819 mulheres) com idade de 20 a 64 anos. Foram excluídos os indivíduos sem informação sobre altura referida (10 homens e 113 mulheres), peso referido (22 homens e 39 mulheres) e aqueles sem informação de ambos (6 homens e 39 mulheres). Portanto, foram excluídos 229 (18,3%) indivíduos, 38 (8,8%) homens e 191 (23,3%) mulheres, sendo a amostra final composta por 1.023 indivíduos.

A coleta de dados foi realizada por entrevistadores treinados que preencheram um questionário padronizado com questões sobre condições sociodemográficas, estilo de vida (dieta, atividade física, consumo de álcool e tabagismo) e mensuração da pressão arterial, peso, altura e circunferência da cintura. Antes da realização das medidas antropométricas, os indivíduos informavam seu peso e altura atuais.

As medidas antropométricas foram obtidas utilizando procedimentos padronizados de Lohman, Roche & Martorel.5

Os indivíduos foram pesados e medidos descalços e com roupas leves. Para a medida do peso utilizou-se balança eletrônica da marca Plenna, modelo Giant Lithium, com capacidade para 150 kg e precisão de 100 g. Para a medida da altura utilizou-se estadiômetro portátil (Seca), com precisão de 0,1 cm.

O IMC foi calculado dividindo-se o peso (kg) pelo quadrado da altura (m). Para a classificação dos valores de IMC foi utilizada a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1997):16 <18,5 kg/m2 (baixo peso); 18,5 a 24,99 kg/m2 (peso normal); 25 a 29,99 kg/m2 (sobrepeso) e >30 kg/m2 (obesidade).

Após a revisão dos questionários, os dados foram digitados duplamente para avaliação da qualidade da digitação. Para a análise utilizou-se o Stata 7.0.

Os erros na informação da altura, do peso e do IMC foram obtidos pela diferença entre os valores referidos e aferidos. Valores negativos significaram subestimação do valor referido e valores positivos representaram superestimação do valor referido.

Utilizou-se teste t de Student pareado para avaliar as diferenças entre as médias das medidas referidas e aferidas para cada sexo. A análise de variância foi utilizada para avaliar as diferenças entre as medidas referidas e aferidas segundo as categorias de idade (20-24; 25-34; 35-44; 45-54; 55-64), escolaridade (<9 anos e >9 anos); IMC (<18,5; 18,5-24; 25-29; >30); renda familiar (quartil de renda per capita) e altura (quartil). Para determinar quais dessas variáveis apresentavam associação independente com o erro da informação do peso e altura, foi realizada análise de regressão linear múltipla.

Para avaliação da concordância entre as medidas aferidas e referidas de peso e altura foi calculado o coeficiente de correlação intraclasse. Optou-se por este coeficiente, pois, além de avaliar a correlação entre grupos de valores, é também uma boa medida de concordância (reprodutibilidade), uma vez que considera a variabilidade entre indivíduos, ou seja, a tendência sistemática de subestimação ou superestimação dos valores.15

A validade do IMC, obtido a partir das medidas referidas de peso e altura, foi analisada segundo a sensibilidade e a especificidade para classificar corretamente o IMC.

As análises estatísticas foram corrigidas pelo delineamento complexo da amostra, por meio da utilização do conjunto de comandos SVY do Stata, que consideram a estrutura complexa da amostra, utilizando os pesos associados a cada conglomerado da amostra e o efeito do desenho amostral. Foi considerado o nível de significância de 5%.

As entrevistas foram realizadas após a assinatura do termo de consentimento. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica Humana e Animal do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás.

RESULTADOS

Foram entrevistados 1.023 indivíduos, sendo 628 (61,4%) mulheres e 395 (38,6%) homens. Homens e mulheres não apresentaram diferença significativa para idade, escolaridade e renda per capita, sendo estas médias de, respectivamente 37,8 anos vs 37,6 anos, 8,0 anos vs 7,90 anos e 2,1 salários-mínimos vs 1,8 salários-mínimos. A comparação dos indivíduos excluídos com os estudados não apresentou diferença segundo categorias de idade e IMC (dados não apresentados).

Os homens apresentaram uma tendência a superestimar o peso em média 0,44 kg, sem significância estatística (p=0,06). A superestimação de peso foi significativa para os homens mais jovens (até 34 anos), para os de maior escolaridade e para aqueles situados no terceiro quartil de renda e de altura. A diferença com maior magnitude foi observada entre os homens de baixo peso (IMC<18,5 kg/m2), os quais superestimaram o peso em média cerca de 3 kg. Por outro lado, os obesos informaram o peso abaixo do aferido com diferencial médio de -1,4 kg (p<0,01). A análise de variância mostrou que as diferenças entre as medidas referidas e aferidas de peso variaram significativamente com a idade (p=0,04), escolaridade (p=0,03) e IMC (p<0,01) (Tabela 1).

As mulheres tenderam a subestimar o peso, porém, sem significância estatística. A análise das diferenças, segundo as categorias das variáveis estudadas, mostra que a subestimação do peso foi significativa apenas para as mulheres de 35 a 44 anos, para aquelas situadas no terceiro quartil de renda e entre as obesas (p<0,01). As mulheres de baixo peso e de peso normal superestimaram o peso em média 0,81 kg e 0,27 kg (p<0,01), respectivamente. As diferenças entre as medidas de peso referidas e aferidas variaram significativamente com a idade (p<0,01) e IMC (p<0,01) (Tabela 2).

Na regressão linear múltipla, apenas o IMC apresentou associação independente com o erro na informação do peso, para ambos os sexos. Para cada aumento de 1 kg/m2 no IMC, a diferença entre o peso referido e o real diminuía 0,28 kg (IC 95%: -0,40 a -0,16; p<0,001) para os homens e 0,1 kg (IC 95%: -0,16 a -0,04; p<0,01) para as mulheres. Isto ocorreu em função dos indivíduos de baixo peso terem informado o peso com maior diferencial em relação aos indivíduos com excesso de peso.

Os coeficientes de correlação intraclasse entre as medidas do peso reportadas e aferidas foram de 0,96 e 0,97, para homens e mulheres, respectivamente. Observou-se elevado grau de concordância para todas as categorias das variáveis analisadas, em ambos os sexos (Tabelas 1 e 2).

A distribuição das diferenças entre peso referido e aferido mostra que 95% dos valores referidos pelos homens ficaram entre -7,9 kg e 8,0 kg e para as mulheres entre -5,7 kg e 5,4 kg. O peso foi informado com uma diferença >2 kg (<-2 ou >+2 kg) por 45% dos homens e 31% das mulheres. Somente 10,5% das mulheres informaram o peso com um erro >4 kg; para os homens este valor foi de 20,3%.

Os homens superestimaram sua altura em média 0,91 cm (p<0,01), sendo que a maior magnitude foi observada para os homens de 55 a 64 anos (1,57 cm) e naqueles de menor estatura (2,11 cm). As diferenças entre as medidas de altura referidas e aferidas variaram significativamente com o IMC (p<0,01) e altura (p<0,01) (Tabela 1).

Para as mulheres, a altura foi superestimada em 2,2 cm (p<0,01). A altura foi significativamente superestimada em todas as categorias das variáveis pesquisadas (faixa etária, escolaridade, renda, IMC e altura), sendo que as maiores magnitudes foram observadas para as mais velhas (3,33 cm), para as de menor escolaridade (2,63 cm) e menor altura (3,16 cm) e para aquelas situadas nos extremos da classificação do IMC, baixo peso (3,66 cm) e obesas (3,40 cm) (Tabela 2). As diferenças entre as medidas de altura referidas e aferidas variaram significativamente com a idade, escolaridade, IMC e altura (p<0,01).

Para os homens, a associação independente com o erro na informação da altura foi observada para o IMC e a altura. Para as mulheres, o erro se associou de forma independente com a escolaridade e a altura. No modelo para os homens, cada 1 kg/m2 aumenta a diferença na informação da altura em 0,12 cm (IC 95%: 0,05 a 0,20; p<0,01) e cada centímetro reduz a diferença de altura em 0,10 cm (IC 95%: -0,16 a -0,03; p<0,01). No modelo para as mulheres, cada ano de estudo reduz o erro na informação da altura em 0,05 cm (IC 95%: -0,09 a -0,01; p=0,03) e cada centímetro na altura reduz o erro em 0,09 cm (IC 95%: -0,13 a -0,01; p=0,03).

Os coeficientes de correlação intraclasse entre as medidas da altura reportadas e aferidas foram de 0,92 e 0,83, para homens e mulheres, respectivamente. Estes valores foram menores do que os coeficientes observados para o peso, indicando que a altura referida foi menos válida do que o peso, principalmente entre as mulheres (Tabelas 1 e 2).

A distribuição das diferenças entre altura referida e aferida mostra que 95% dos valores referidos pelos homens ficaram entre -6,0 cm e 7,6 cm e para as mulheres entre -5,0 cm e 11,1 cm. Cerca de 55% dos homens e 57% das mulheres informaram a altura com uma diferença >2 cm, sendo que 9,3% dos homens e 23,4% das mulheres superestimaram a altura em 5 cm ou mais.

A média do IMC obtido a partir das medidas de peso e altura referidas foi menor do que a média do IMC calculado a partir das medidas aferidas (p<0,01), de maneira mais acentuada entre as mulheres. Em ambos os sexos, as maiores subestimações foram observadas para os mais velhos, para os obesos e para os de menor altura. As diferenças entre as medidas referidas e aferidas do IMC variaram significativamente com o IMC e altura (p<0,01) para os homens e com a idade, escolaridade, IMC e altura para as mulheres (p<0,01). Apesar destas diferenças, foi observada alta correlação (0,97) entre IMC referido e IMC aferido para homens e mulheres (Tabelas 1 e 2).

Considerando o IMC aferido como padrão, observa-se que 25,1% dos homens e 3,2% das mulheres de baixo peso foram classificados como normais utilizando-se o IMC referido. No outro extremo, 10,2% dos homens obesos e 28,3% das mulheres obesas foram classificados como sobrepeso. Com isto, observa-se que, para os homens, a sensibilidade na identificação do sobrepeso e obesidade foi de 82,0% e 89,8%, respectivamente, sendo menor (74,9%) na identificação do baixo peso. Para as mulheres, as menores sensibilidades foram observadas na identificação do sobrepeso e obesidade, 77,2% e 71,7%, respectivamente (Figuras 1 e 2). Foram observadas altas especificidades do IMC obtido a partir das medidas referidas de peso e altura, para todas as categorias da classificação do IMC aferido, em ambos os sexos. A menor especificidade foi observada na classificação da normalidade (eutrofia), sendo de 88,6% para os homens e de 84,5% para as mulheres (dados não apresentados em tabela).



Na Tabela 3 são comparadas as prevalências (baixo peso, normalidade, sobrepeso e obesidade) baseadas nas medidas aferidas e referidas do IMC. Apesar de diferenças pontuais, os intervalos de confiança das medidas aferidas e referidas se sobrepõem, indicando que elas não diferem estatisticamente.

DISCUSSÃO

O presente estudo mostrou alta concordância entre as medidas de peso reportado e aferido e entre altura reportada e aferida em inquérito de base populacional realizado na cidade de Goiânia. Embora o peso e altura tenham sido reportados, em média, com pequenos erros, alguns subgrupos de indivíduos apresentaram maior tendência para superestimar ou subestimar as medidas antropométricas.

Nas entrevistas foi perguntado "Qual o seu peso atual?". Para garantir um controle da qualidade desta resposta, seria mais pertinente perguntar, anteriormente, quando e onde o indivíduo se pesou pela última vez, qual o tipo de balança utilizado e se estava descalço e com roupas leves nesta ocasião.

As diferenças entre os valores de peso referido e aferido poderiam ter sido menores se fossem excluídas da amostra as pessoas com história de doenças que provocam variabilidade do peso em curto tempo, como o diabetes e as doenças infecciosas, o que reduz a exatidão com que estas pessoas informam o peso atual. No entanto, o peso é uma medida freqüentemente mensurada nos serviços de saúde, farmácias e mesmo em alguns domicílios. Assim, a falta dos itens anteriores interferiu pouco nos valores do peso referido, que mostrou um alto coeficiente de correlação intraclasse com o peso aferido.

Outros fatores que podem interferir na acurácia das medidas referidas, não avaliados no presente estudo são: a freqüência com que os indivíduos se pesam ou medem; a percepção de auto-imagem corporal e o biótipo que os indivíduos gostariam de ter.

Em relação a altura referida, também não foi questionado quando foi realizada esta medida, por quem e se o indivíduo estava descalço na ocasião.

O fato de os indivíduos terem sido informados que seriam pesados e medidos, pode ter inibido a informação incorreta. Algumas pessoas não souberam ou não quiseram informar seu peso e altura atual. A percentagem de homens que não referiram o peso e/ou altura foi de 8,8% no total. Por outro lado, 14,8% das mulheres não referiram a altura, 3,4% não referiram o peso e 4,4% não referiram ambos. Ao contrário do peso, a altura é verificada raramente entre os adultos. O menor número de homens que não souberam referir a altura, em parte, deve-se ao fato deles geralmente se lembrarem da altura medida na época da convocação para o serviço militar. A comparação dos indivíduos excluídos com os estudados não apresentou diferença segundo as categorias de idade e IMC.

Estudos de base populacional, com entrevista domiciliar realizada por entrevistadores treinados permitem obter informações representativas e padronizadas. A obtenção das medidas aferidas e reportadas no mesmo dia constitui ponto positivo, pois o espaçamento entre as medidas gera vieses na interpretação das discrepâncias entre os valores referidos e aferidos. Além disso, as diferenças entre estas medidas foram avaliadas levando em consideração as características da população que podem influenciar nos resultados, como idade, escolaridade, renda, IMC e altura.

Os resultados observados são consistentes com estudos prévios4,12 que observaram alta correlação entre peso e atura reportados com as medidas aferidas de peso e altura. Há tendência de homens e mulheres com excesso de peso subestimarem o peso corpóreo, enquanto que homens de baixo peso tendem a superestimar o peso.4,6-8,10,12-14 No entanto, ao contrário desses estudos, não foi observada subestimação do peso para o total das mulheres.

A altura foi superestimada pelos homens (0,91 cm), com maior magnitude entre aqueles de menor estatura (2,11 cm) e sem associação com a idade. Ao contrário do observado em outros estudos populacionais, a superestimação da altura entre os homens não aumentou de forma significativa com a idade.12 Para as mulheres, a altura foi superestimada em 2,22 cm, sendo esta superestimação associada com a idade, escolaridade e renda.

A superestimação da altura pelos indivíduos mais baixos e mais velhos foi observada em vários estudos para ambos os sexos.4,12 O aumento da idade tem sido associado com o aumento no erro da informação da altura devido, em parte, ao fato de as pessoas relatarem a altura que possuíam quando eram mais jovens, desconsiderando a redução observada durante o processo de envelhecimento, estimada em cerca de 1 cm por década após os 40 anos.8,16 Por outro lado, a superestimação da altura pelos indivíduos mais baixos reforça a premissa de um erro sistemático na direção de um padrão cultural que, além da magreza, valoriza a alta estatura.

No presente estudo, o efeito conjunto das variações nos valores do peso e altura referidos em relação às medidas aferidas concorreu para que o IMC fosse subestimado para homens e mulheres, exceto para os indivíduos de baixo peso. Os obesos foram os mais erroneamente classificados. Os homens e mulheres mais velhos também subestimaram seu IMC mais do que os mais jovens. Outros estudos indicam que a utilização da informação recordatória de peso e altura para medir a associação entre doenças e o aumento do IMC deve ser interpretada com cautela.9

A sensibilidade para classificar corretamente a obesidade foi maior no presente estudo para os homens (89,8%) do que para as mulheres (71,7%), principalmente devido ao maior erro na informação da altura pelas mulheres. Os valores de sensibilidade para classificar a obesidade têm variado entre diversos estudos populacionais, mas no geral, tem sido observada maior sensibilidade para classificar mulheres do que homens.7,10,12,14

A sensibilidade do IMC referido para classificação da obesidade observada no presente estudo, ocasionou uma subestimação da prevalência da obesidade de 0,1% para os homens e 3,4% para as mulheres, sendo a prevalência verdadeira da obesidade de 10,4% para os homens e 13,4% para as mulheres. No estudo realizado na área urbana de Porto Alegre foi observada uma subestimação na prevalência da obesidade em 1% (para o total da amostra).10 Roberts (1995)7 encontrou 2%, em ambos os sexos, e Spencer et al12 (2002) observaram uma subestimação de 5,2% para os homens e de 3,4% para as mulheres. A prevalência verdadeira da obesidade nestes estudos foi de 10,0%, 8,0% e cerca de 15,0%, respectivamente.

A prevalência da obesidade baseada nas medidas referidas de peso e altura foi próxima à obtida pelos valores aferidos, o que permite a utilização de medidas aferidas de peso e altura em estudos de prevalência e monitoramento da obesidade.

Recebido: 23/5/2006

Aprovado: 24/8/2006

Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Processo n. 000520861/99).

Baseado em tese de doutorado de MRG Peixoto apresentada à Faculdade de Saúde Pública da USP, em 2004.

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  • Correspondência:
    Maria do Rosário Gondim Peixoto
    Faculdade de Nutrição
    Rua 227 Quadra 68 Setor Leste Universitário
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      24 Ago 2006
    • Recebido
      23 Maio 2006
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