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Crescimento de nascidos a termo com peso baixo e adequado nos dois primeiros anos de vida

Growth of full term low and adequate birth weight infants during the first two years of life

Resumos

OBJETIVO: Verificar o padrão de crescimento de crianças nascidas a termo com peso baixo e adequado nos primeiros dois anos de vida e identificar fatores determinantes no momento de desaceleração máxima do crescimento. MÉTODOS: Estudo de coorte prospectiva com 148 lactentes nascidos a termo, em cinco municípios do Estado de Pernambuco. Os recém-nascidos foram recrutados nas maternidades no período de janeiro de 1993 a janeiro de 1994 e tiveram as medidas antropométricas aferidas com um, dois, quatro, seis, 12 e 24 meses. Os fatores de risco foram avaliados por análise de regressão linear multivariada. RESULTADOS: Houve incremento na média dos índices peso/idade e comprimento/idade mais evidente nas crianças com baixo peso do que nas com peso adequado ao nascer, especialmente nos dois primeiros meses de vida. A partir desta idade, observou-se desaceleração progressiva do crescimento até os 12 meses. O padrão de crescimento pôndero-estatural foi semelhante entre todas as crianças. Contudo, as nascidas com peso adequado mantiveram peso e comprimento acima das nascidas com baixo peso. As variáveis socioeconômicas explicaram 23% da variação do índice peso/idade, e o peso ao nascer, 4%. A condição socioeconômica explicou 28% da variação do índice comprimento/idade, seguido do peso ao nascer, altura materna e ocorrência de diarréia. CONCLUSÕES: Intervenções visando ao crescimento adequado devem ser direcionadas à assistência pré-natal e aos fatores socioambientais durante a infância, como forma de garantir a expressão máxima do potencial genético neste grupo populacional.

Recém-nascido; Recém-nascido de baixo peso; Peso ao nascer; Ganho de peso; Peso-idade; Comprimento-idade; Fatores socioeconômicos; Estudos de coortes


OBJECTIVE: To assess the growth pattern of full term low and adequate birth weight infants during the first two years of life and to identify the determinants at the time of the greatest growth deceleration. METHODS: A prospective cohort study was conducted with 148 full term infants in five small towns of the state of Pernambuco, Northeastern Brazil. Newborns were recruited from maternities between January 1993 and January 1994 and their anthropometric measurements were taken at one, two, four, six, 12 and 24 months of life. Risk factors were analyzed using multivariable linear regression. RESULTS: The increment of mean weight-for-age and length-for-age were more evident for low birth weight when compared with adequate weight infants, especially during the first two months after birth. From this point onward it was observed a progressive mean growth deceleration in both indexes up to 12 months of life. All infants had similar weight and length growth patterns. However, adequate birth weight infants remained in an upper level. Socioeconomic variables explained 23% of variation for weight-for-age, followed by 4% for birth weight. Socioeconomic condition was also the factor mostly affecting length-for-age, explaining 28% of its variation, followed by birth weight, maternal height and diarrhea. CONCLUSIONS: The study results suggest that interventions aiming to adequate growth should focus on prenatal care and social and environmental factors during childhood as a way of ensuring full expression of the genetic potential of this population.

Newborn; Low birth weight; Birth weight; Weight gain; Weight-for-age; Length-for-age; Socioeconomic factors; Cohort studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Crescimento de nascidos a termo com peso baixo e adequado nos dois primeiros anos de vida

Growth of full term low and adequate birth weight infants during the first two years of life

Sophie H EickmannI; Marília de C LimaI; Maria Eugênia F A MottaI; Sylvia de Azevedo Mello RomaniII; Pedro I C LiraII

IDepartamento Materno-Infantil. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, PE, Brasil

IIDepartamento de Nutrição. UFPE. Recife, PE, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Pedro Israel Cabral de Lira Departamento de Nutrição Av. Prof. Moraes Rego, s/n 50670-420 Recife, PE, Brasil E-mail lirapic@ufpe.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar o padrão de crescimento de crianças nascidas a termo com peso baixo e adequado nos primeiros dois anos de vida e identificar fatores determinantes no momento de desaceleração máxima do crescimento.

MÉTODOS: Estudo de coorte prospectiva com 148 lactentes nascidos a termo, em cinco municípios do Estado de Pernambuco. Os recém-nascidos foram recrutados nas maternidades no período de janeiro de 1993 a janeiro de 1994 e tiveram as medidas antropométricas aferidas com um, dois, quatro, seis, 12 e 24 meses. Os fatores de risco foram avaliados por análise de regressão linear multivariada.

RESULTADOS: Houve incremento na média dos índices peso/idade e comprimento/idade mais evidente nas crianças com baixo peso do que nas com peso adequado ao nascer, especialmente nos dois primeiros meses de vida. A partir desta idade, observou-se desaceleração progressiva do crescimento até os 12 meses. O padrão de crescimento pôndero-estatural foi semelhante entre todas as crianças. Contudo, as nascidas com peso adequado mantiveram peso e comprimento acima das nascidas com baixo peso. As variáveis socioeconômicas explicaram 23% da variação do índice peso/idade, e o peso ao nascer, 4%. A condição socioeconômica explicou 28% da variação do índice comprimento/idade, seguido do peso ao nascer, altura materna e ocorrência de diarréia.

CONCLUSÕES: Intervenções visando ao crescimento adequado devem ser direcionadas à assistência pré-natal e aos fatores socioambientais durante a infância, como forma de garantir a expressão máxima do potencial genético neste grupo populacional.

Descritores: Recém-nascido, crescimento. Recém-nascido de baixo peso. Peso ao nascer. Ganho de peso. Peso-idade. Comprimento-idade. Fatores socioeconômicos. Estudos de coortes.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To assess the growth pattern of full term low and adequate birth weight infants during the first two years of life and to identify the determinants at the time of the greatest growth deceleration.

METHODS: A prospective cohort study was conducted with 148 full term infants in five small towns of the state of Pernambuco, Northeastern Brazil. Newborns were recruited from maternities between January 1993 and January 1994 and their anthropometric measurements were taken at one, two, four, six, 12 and 24 months of life. Risk factors were analyzed using multivariable linear regression.

RESULTS: The increment of mean weight-for-age and length-for-age were more evident for low birth weight when compared with adequate weight infants, especially during the first two months after birth. From this point onward it was observed a progressive mean growth deceleration in both indexes up to 12 months of life. All infants had similar weight and length growth patterns. However, adequate birth weight infants remained in an upper level. Socioeconomic variables explained 23% of variation for weight-for-age, followed by 4% for birth weight. Socioeconomic condition was also the factor mostly affecting length-for-age, explaining 28% of its variation, followed by birth weight, maternal height and diarrhea.

CONCLUSIONS: The study results suggest that interventions aiming to adequate growth should focus on prenatal care and social and environmental factors during childhood as a way of ensuring full expression of the genetic potential of this population.

Keywords: Newborn, growth. Low birth weight. Birth weight. Weight gain. Weight-for-age. Length-for-age. Socioeconomic factors. Cohort studies.

INTRODUÇÃO

O estudo do crescimento na infância tem contribuído para o acompanhamento das crianças, auxiliando o clínico a antever situações passíveis de prevenção. Tal acompanhamento é feito a partir de índices antropométricos, que são aproximações para avaliar o estado nutricional.14 Permanece atual o interesse em investigar os fatores determinantes do crescimento na primeira infância, principalmente devido ao impacto das alterações deste processo a médio e longo prazo, como o aumento do risco de morbi-mortalidade e de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor.6

Em geral, observa-se padrão de crescimento inicial idêntico dos recém-nascidos a termo com baixo peso ou peso adequado ao nascer, pois os dois grupos apresentam velocidade de crescimento similar.5,10 Conforme foi detectado após seguimento por períodos variados, o grupo com baixo peso ao nascer tende a permanecer com peso e comprimento mais baixos, a despeito da aceleração de crescimento compensatório nos primeiros meses de vida.5,11

O potencial para o crescimento físico pós-natal é determinado por fatores genéticos e extrínsecos, que incluem as condições socioeconômicas e ambientais, a alimentação e a morbidade, além do peso ao nascer, que traduz a evolução do crescimento intra-uterino.6,13 O baixo peso ao nascer contribui para o déficit de crescimento, pois essas crianças têm maior dificuldade de amamentação e são mais vulneráveis a doenças, entre outros fatores.1,2 Comparado aos fatores extrínsecos, o impacto do fator genético sobre o crescimento é limitado, uma vez que a precocidade e a persistência de situações ambientais adversas podem impedir que a criança alcance o seu potencial genético.6

Nos países em desenvolvimento em geral, o retardo de crescimento inicia-se entre quatro e seis meses de vida, quando ocorre a substituição do aleitamento materno por alimentos de baixo valor nutricional e freqüentemente contaminados, com conseqüente vulnerabilidade para infecções, especialmente as diarréicas.1 Além disso, a maioria dessas crianças é oriunda de famílias de baixa condição socioeconômica.14

Crianças nascidas a termo podem apresentar redução da velocidade de crescimento mesmo após período inicial de aceleração. Diante dessa hipótese, acompanhou-se uma coorte de recém-nascidos a termo com peso baixo e adequado ao nascer, objetivando verificar o padrão de crescimento desses grupos nos primeiros dois anos de vida e fatores determinantes no momento de desaceleração máxima do crescimento.

MÉTODOS

A pesquisa foi desenvolvida na Zona da Mata Meridional do Estado de Pernambuco, situada a 120 km do Recife e abrangeu cinco cidades (Palmares, Ribeirão, Catende, Água Preta e Joaquim Nabuco), com população total de 180.000 habitantes. A economia da região é baseada no plantio e processamento da cana-de-açúcar, com a maioria da população economicamente ativa trabalhando nessa atividade.

O tamanho da amostra foi calculado pela fórmula de comparação de duas médias. Tomando-se como referência dados estimados da região para o comprimento aos 12 meses de idade de -0,59±1,1 escore z para crianças com peso adequado, e -1,31±1,3 escore z para aquelas com baixo peso, considerando-se a significância de 5% e o poder estatístico de 90%, obteve-se uma amostra mínima de 73 crianças em cada grupo.

A amostra estudada foi constituída de 148 crianças (75 com baixo peso e 73 com peso adequado), pertencentes a uma coorte de 217 crianças (105 com baixo peso e 112 com peso adequado). Dessa amostra, foram perdidas 69 crianças, das quais 30 eram de baixo peso (28,6%) e 39, com peso adequado (34,8%). Desses, 17 de baixo peso e 8 de peso adequado foram a óbito e 13 e 31, respectivamente, migraram da área do estudo.

Os recém-nascidos foram recrutados nas primeiras 24h de vida em seis maternidades. Foram incluídos os recém-nascidos de famílias com renda mensal de até três salários-mínimos (um salário-mínimo correspondia a US$70) e com intenção de continuar residindo na área. Os critérios de exclusão foram prematuridade (<37 semanas de gestação), gestação múltipla, necessidade de tratamento intensivo no pós-parto imediato e evidência de infecções congênitas, anomalias cromossômicas e malformações. O grupo de baixo peso foi constituído por crianças com peso entre 1.500 e 2.499 g. Para o grupo controle, pareou-se individualmente o primeiro bebê do mesmo sexo nascido após o caso, que apresentou peso entre 3.000 e 3.499 g.

Após esclarecimento sobre os objetivos da pesquisa e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, as mães eram entrevistadas por um dos assistentes de pesquisa. Utilizou-se formulário com perguntas fechadas, para caracterização socioeconômica da amostra. Os recém-nascidos foram submetidos à avaliação da idade gestacional e à aferição antropométrica por um pediatra do projeto de pesquisa nas primeiras 24h de vida, utilizando técnicas padronizadas. O peso foi aferido utilizando-se balança portátil digital (modelo 725, Soenle, Hamburgo, Alemanha), com capacidade para 15 kg e sensibilidade de 10 g. Na aferição do comprimento, utilizou-se antropômetro de 94 cm (Harpenden Infantometer, Holtain Ltd., Crymych, Reino Unido) com acurácia de 0,1 cm.

As demais medidas antropométricas foram obtidas durante visitas domiciliares nas idades de um, dois, quatro, seis, 12 e 24 meses de vida por três assistentes de pesquisa treinadas para a aferição antropométrica. O peso foi aferido com auxílio de balança portátil com capacidade de 25 kg (modelo MP25, CMS Ltd., Londres, Reino Unido) e o comprimento com antropômetro de 130 cm (Shorr Productions, Rhode Island, USA). A aferição do comprimento era repetida duas vezes, sendo aceita como adequada diferença <0,5 cm entre as duas medidas. Quando a diferença era >0,5 cm, realizava-se a terceira medição e registravam-se as duas mais próximas. Os pesos e os comprimentos em todas as idades avaliadas foram convertidos nos índices peso/idade e comprimento/idade em escore z, usando a referência do National Center for Health Statistics.

Informações sobre aleitamento materno e ocorrência de diarréia foram obtidas a partir de visitas domiciliares diárias, exceto aos domingos, nos primeiros dois meses de vida e duas vezes por semana até seis meses de idade. Para o estudo, foi considerado que a criança estava em aleitamento materno quando recebia leite materno diretamente do seio ou extraído, independentemente de estar recebendo qualquer alimento ou líquido, incluindo leite não humano. Definiu-se presença de diarréia quando esta era referida pela mãe após ser questionada sobre como a criança tinha passado desde a última visita e analisada utilizando-se a prevalência em dias.

Os formulários foram pré-codificados e verificados diariamente quanto à consistência do seu preenchimento. A dupla entrada dos dados foi verificada no programa estatístico Epi Info 6,04. As análises estatísticas foram feitas com o SPSS 8.0.

Após examinar o crescimento pós-natal, observou-se que as menores médias do escore z para os índices peso/idade e comprimento/idade ocorreram aos 12 meses de vida. Esse ponto foi escolhido para a realização das análises de regressão linear multivariada, a fim de detectar os possíveis fatores determinantes desta redução máxima do crescimento. Os índices peso/idade e comprimento/idade foram analisados como variáveis contínuas. O teste t de Student e a análise de variância (ANOVA) foram utilizados para comparar as diferenças entre médias nas análises bivariadas, atribuindo-se significância estatística para valores de p<0,05. A matriz de correlação não identificou multicolinearidade entre as variáveis, visto que os coeficientes de correlação ficaram abaixo de 0,45.

A análise de regressão linear multivariada foi realizada a fim de avaliar o impacto das variáveis independentes previamente selecionadas sobre os índices peso/idade e comprimento/idade. Entre as variáveis independentes, somente a altura materna foi tratada como variável contínua. Todas as variáveis com p<0,20 nas análises bivariadas foram selecionadas para inclusão nos modelos de regressão. Inicialmente, foi realizada a regressão com as variáveis socioeconômicas e ambientais, e selecionadas as que se mantiveram com p<0,20, utilizando-se o método stepwise. Em seguida, foram introduzidas no modelo as variáveis maternas (idade, altura e fumo durante a gravidez) e depois, aquelas relacionadas às crianças (peso ao nascer, aleitamento materno e ocorrência de diarréia nos seis primeiros meses de vida). Finalmente, considerando que crianças com baixo peso são mais vulneráveis a condições socioeconômicas desfavoráveis do que as com peso adequado, foram examinadas as interações entre as variáveis escolaridade materna e tipo de sanitário com o peso ao nascer.

O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco e da London School of Hygiene and Tropical Medicine, University of London.

RESULTADOS

Para determinar se as crianças estudadas compunham uma amostra representativa da coorte original (217 crianças), compararam-se seus dados socioeconômicos e ambientais com os das crianças que não concluíram o estudo. A Tabela 1 mostra que não houve diferença estatística entre esses grupos para todas as variáveis analisadas.

As médias de peso/idade e comprimento/idade em escore z do nascimento até os dois anos para crianças com baixo peso ao nascer e peso adequado são apresentadas na Figura. O incremento na média do peso/idade em escore z foi mais evidente nas crianças com baixo peso do que nas com peso adequado ao nascer, especialmente nos dois primeiros meses após o nascimento, sendo menos acentuado para o índice comprimento/idade. A partir dessa idade, observou-se redução progressiva desses dois índices até os 12 meses de vida. As crianças com peso adequado apresentaram padrão de crescimento em peso e comprimento semelhante àquelas com baixo peso, mantendo-se, portanto, num patamar acima do apresentado neste grupo de crianças.


A Tabela 2 apresenta as características da amostra e as análises bivariadas entre os índices peso/idade e comprimento/idade e as variáveis socioeconômicas e demográficas maternas, e biológicas das crianças aos 12 meses de vida. Verificou-se que 60% das famílias tinham renda mensal <1 salário-mínimo. Muitos viviam em casas com limitadas condições de salubridade e reduzidas posses de bens domésticos. Cerca de metade das mães nunca tinham freqüentado a escola ou possuíam até quatro anos de escolaridade, 32,6% eram adolescentes e 22% tinham altura inferior a 150cm. Durante os seis primeiros meses de vida, 70% das crianças receberam leite materno e 36% tiveram diarréia por dois ou mais dias. As variáveis que apresentaram valor de p<0,20 nas análises bivariadas foram selecionadas para inclusão nos modelos de análise de regressão multivariada.

A Tabela 3 apresenta o modelo final das análises de regressão multivariada com o índice peso/idade em escore z como variável dependente aos 12 meses de vida. Verificou-se que as variáveis que explicaram a variação do peso/idade neste ponto foram: tipo de sanitário, coabitação com o pai da criança, altura materna e peso ao nascer. As variáveis envolvidas no estudo explicaram juntas 34,2% da variação do índice peso/idade. A condição socioeconômica, representada pelo tipo de sanitário e pela presença do pai no lar, foi o fator que mais influenciou este índice, explicando 23,2% da sua variação, seguindo-se do peso ao nascer, que explicou 4,2%. A interação entre tipo de sanitário e peso ao nascer não apresentou significância estatística.

A Tabela 4 apresenta o modelo final das análises de regressão multivariada com o índice comprimento/idade em escore z como variável dependente aos 12 meses de vida. As variáveis que explicaram a variação do comprimento/idade neste ponto foram escolaridade materna, tipo de sanitário, presença de TV no domicílio, altura materna, peso ao nascer e ocorrência de diarréia nos primeiros seis meses de vida. As variáveis envolvidas no estudo explicaram juntas 40,8% da variação do índice comprimento/idade. A condição socioeconômica, representada por escolaridade materna, tipo de sanitário e presença de TV no domicílio, também foi o fator que mais influenciou este índice, explicando 27,5% da sua variação. Outros fatores incluem peso ao nascer, que explicou 6,0% da variação do índice comprimento/idade, altura materna (5,0%) e ocorrência de diarréia (2,3%). As interações entre escolaridade materna e tipo de sanitário com o peso ao nascer não apresentaram significância estatística.

DISCUSSÃO

Os estudos de coorte são ideais para avaliar a relação entre exposição e doença, pois permitem o acompanhamento dos participantes ao longo do tempo. Entretanto, essa sua grande vantagem pode constituir ponto crítico devido às perdas no decorrer do seguimento, comprometendo os resultados obtidos. Uma das formas de avaliar o comprometimento desta possível limitação é realizar a comparação de algumas características da amostra estudada com a dos indivíduos que abandonaram o seguimento. No presente estudo, observou-se não haver diferença estatística entre os dois grupos, evidenciando que as crianças que permaneceram no estudo constituíram amostra representativa da população originalmente selecionada, sem prejuízo para os resultados apresentados.

Ao analisar o modelo de crescimento das crianças da coorte, observou-se uma aceleração inicial que não foi mantida ao longo do período do estudo, pois aproximadamente aos seis meses houve uma desaceleração do crescimento. Essa desaceleração atingiu redução máxima aos 12 meses, com recuperação discreta aos dois anos de vida. A aceleração inicial do crescimento foi mais pronunciada nas crianças com baixo peso, mas, ainda assim, elas permaneceram com peso e comprimento aquém daquelas com peso adequado. Outros autores também observaram aceleração compensatória do crescimento, especialmente nos seis primeiros meses de vida de crianças com baixo peso, porém, a maioria delas permanece menor e mais magra do que as crianças com peso adequado, mantendo um crescimento paralelo entre os dois grupos.5,6,16

A condição socioeconômica e ambiental explicou a maior parte da variação do peso e do comprimento das crianças aos 12 meses de vida. Todas as crianças envolvidas no estudo pertenciam a famílias de baixa condição socioeconômica, o que pode justificar a redução ocorrida na mesma época nas crianças dos dois grupos estudados. A alimentação complementar apropriada depende da qualidade, da quantidade e da técnica de preparo de alimentos, fatores relacionados à situação socioeconômica familiar.9 No entanto, alguns estudos que avaliaram a influência dos fatores econômicos e ambientais adversos sugerem que o modelo de crescimento não depende diretamente desses fatores, salientando que a ingestão nutricional inadequada e o baixo peso ao nascer teriam impacto negativo maior.5

Além disso, a maioria das crianças com retardo de crescimento vive em piores condições ambientais e tendem a pertencer a famílias de mais baixa renda, o que as tornaria mais propensas às infecções, repercutindo negativamente sobre as medidas antropométricas no primeiro ano de idade.9,14,19 Isso seria explicado pelo ciclo vicioso de nutrição precária, proteção mucosa e função imune inadequadas, resultando em maior suscetibilidade a doenças infecciosas e repercutindo indiretamente sobre o crescimento.7 O efeito das condições socioeconômicas e ambientais parece ser independente do peso ao nascer, pois crianças com baixo peso oriundas de famílias de alta renda podem alcançar peso e comprimento próximos ao padrão de crianças americanas ao final do primeiro ano de vida.16

Ao contrário do que se esperava, a escolaridade materna explicou apenas o índice comprimento/idade aos 12 meses de vida. A educação materna adequada permite o conhecimento sobre práticas de higiene e valor nutricional dos alimentos, contribuindo para a nutrição e para o acesso oportuno aos serviços de saúde. Assim, o nível de instrução da mãe auxilia a monitorização adequada da saúde e do crescimento da criança, com redução e limitação da morbidade, reduzindo o impacto negativo que repercutiria posteriormente sobre o crescimento linear.2,7,9,18,20

Observou-se que o aleitamento materno inferior a seis meses não apresentou associação significativa com os indicadores antropométricos aos 12 meses de vida, embora a literatura o aponte como um dos fatores mais diretamente relacionados ao crescimento.5 Entretanto, resultado semelhante ao do presente estudo foi encontrado por outros autores nos países em desenvolvimento.15 Em populações pobres, freqüentemente se observa o desmame precoce, associado à introdução de alimentos complementares de baixo valor nutricional e a altos índices de doenças infecciosas. As infecções repetidas traduzem uma exposição desfavorável contínua, à qual crianças de baixo poder aquisitivo são submetidas em qualquer idade.1 Portanto, intervenções efetivas para melhorar o crescimento devem incluir melhoria da condição socioeconômica e ambiental, associada à promoção do aleitamento materno.

Outro fator relacionado aos índices peso/idade e comprimento/idade aos 12 meses de vida foi a altura da mãe. Esse é um dos fatores mais consistentemente associados ao crescimento no primeiro ano de vida, sugerindo influência genética ou pré-natal que persiste após o nascimento.5,6 Filhos de mães com estatura elevada terão chance maior de recuperar seu crescimento, especialmente o linear, refletindo o potencial genético herdado.12

O baixo peso ao nascer apresentou uma associação significativa com os índices antropométricos aos 12 meses, mesmo após ser ajustado por outras variáveis. Existem evidências de que crianças com baixo peso permanecem menores e mais magras ao longo da vida, em países desenvolvidos e em desenvolvimento.8,11 O principal fator conduzindo à manutenção desse déficit de crescimento é o fato de essas crianças iniciarem em desvantagem em relação àquelas com peso adequado, visto que terão de recuperar o canal de crescimento normal, exigindo velocidade de crescimento maior. Outros fatores que podem corroborar a má evolução pôndero-estatural das crianças com baixo peso ao nascer são: menor adesão ao aleitamento materno, maior vulnerabilidade a infecções e condição socioeconômica precária.1,2

A diarréia por dois ou mais dias nos seis primeiros meses de vida foi associada ao déficit do índice comprimento/idade aos 12 meses de vida, mas não ao do índice peso/idade. Durante o período de doença, a ingestão calórica é limitada por fatores que podem afetar principalmente o peso, destacando-se: apetite reduzido, menor absorção de nutrientes, aumento das perdas de nutrientes nas fezes, e desvio nutricional para síntese tecidual e de fatores imunes.3,4,17 A diarréia aguda influencia o peso transitoriamente, em geral, com reflexo na aferição imediata após a ocorrência do episódio, indicando morbidade recente. O crescimento compensatório após o episódio diarréico pode reduzir seu efeito negativo transitório, motivo pelo qual deve-se evitar a constatação de alteração antropométrica logo após períodos de diarréia.3,9,21 Por outro lado, o impacto da diarréia sobre o crescimento linear evidencia-se a longo prazo, especialmente quando ocorrem múltiplos episódios diarréicos com desaceleração pontual e restrição das oportunidades para recuperação,12,21 o que foi constatado na população estudada.

Os resultados encontrados sugerem que a prevenção das alterações do crescimento deve ser direcionada para a assistência pré-natal e os fatores sociais e ambientais durante a infância, como forma de garantir a máxima expressão do potencial genético. A orientação de medidas que minimizem o impacto de um ambiente inadequado, como a higiene pessoal, dos utensílios e do preparo dos alimentos e os cuidados com a dieta de transição alimentar. Tais ações são necessárias para prevenir doenças, em especial as infecciosas. A assistência pré-natal apropriada deve ser uma prioridade em saúde pública, a fim de prevenir o baixo peso ao nascer, variável biológica que mostrou uma associação com o déficit do crescimento nesta população.

Recebido: 26/10/2005

Revisado: 1/6/2006

Aprovado: 12/7/2006

Financiado pela Wellcome Trust (Processo n. 036605/Z-1992).

PIC Lira e MC Lima receberam bolsas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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  • Correspondência | Correspondence:
    Pedro Israel Cabral de Lira
    Departamento de Nutrição
    Av. Prof. Moraes Rego, s/n
    50670-420 Recife, PE, Brasil
    E-mail
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      12 Jul 2006
    • Recebido
      26 Out 2005
    • Revisado
      01 Jun 2006
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