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Agravos provocados por medicamentos em hospitais do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

Drug adverse events in hospitals in the State of Rio de Janeiro, Brazil

Resumos

OBJETIVO: A ocorrência de agravos provocados por medicamentos no meio hospitalar é elevada e gera custos excedentes. O objetivo do estudo foi identificar problemas relacionados a medicamentos ocorridos durante a internação hospitalar e estimar a prevalência desses agravos. MÉTODOS: Estudo retrospectivo realizado no Estado do Rio de Janeiro. Foram analisadas as internações pagas pelo Sistema Único de Saúde entre 1999 e 2002. Os dados foram extraídos do Sistema de Informações Hospitalares. Selecionaram-se as internações que apresentaram um dos códigos da CID-10 (2000) suspeitos de serem agravos provocados por medicamentos, que estivessem nos campos do diagnóstico principal e/ou do diagnóstico secundário. Para as variáveis contínuas estimou-se a média, e o desvio-padrão, sendo a significância estatística entre as diferenças testada por meio de análise de variância (ANOVA, com intervalo de confiança de 95%). RESULTADOS: Foram identificados 3.421 casos equivalentes à freqüência de 1,8 casos/1.000 internações, ocorridos, sobretudo, em homens (64,5%), nos hospitais contratados (34,9%) e nos municipais (23,1%), nos leitos de psiquiatria (51,4%) e de clínica médica (45,2%), dos quais 84,1% resultaram em alta. A maioria dos agravos foi por reações adversas e de intoxicações e, entre essas categorias, há diferenças significativas (p<0,000) quanto à idade e tempo de permanência.Os pacientes com efeitos adversos são mais jovens (35,8 vs 40,5 anos) e permanecem mais tempo internados (26,5 vs 5,0 dias). CONCLUSÕES: A freqüência de reações adversas, embora abaixo dos patamares dos estudos internacionais, não é desprezível. O banco de dados do Sistema de Internações Hospitalares foi considerado fonte útil para o estudo dos agravos provocados por medicamentos.

Preparações farmacêuticas; Toxicidade de drogas; Farmacoepidemiologia; Sistemas de Informação Hospitalar; Sistema Único de Saúde


OBJECTIVE: The occurrence of drug adverse events in hospital settings is high and generates cost excess. The purpose of the study was to identify drug-related events during hospital admissions and to estimate their prevalence. METHODS: A retrospective study was carried out in the State of Rio de Janeiro, Southeastern Brazil. Hospitalizations from the Brazilian Health System's national hospital database during the period between 1999 and 2002 were assessed. Admitted cases including suspected drug adverse event cases with ICD-10 (2000) coding in the main diagnosis and/or secondary diagnosis fields were included in the study. Means and standard deviations of continuous variables as well as the statistical significance of differences were estimated using variance analysis (ANOVA with a 95% confidence interval). RESULTS: There were identified 3,421 drug-related adverse events, and a prevalence of 1.8 cases per 1,000 hospitalizations was estimated. Most cases occurred in males (64.5%) admitted in contracted (34.9%) and local public hospitals (23.1%) in the departments of psychiatry (51.4%) and internal medicine (45.2%), of them, 84.1% were discharged. Most of them were adverse drug reactions or drug poisoning, and there were significant difference (p<0.000) regarding age and length of stay between these categories. Patients having adverse events were younger (35.8 vs 40.5 years old) and stayed longer in hospital (26.5 vs 5.0 days). CONCLUSIONS: The frequency of drug adverse events, although lower than those findings of international studies, is significant. National hospital admission database was considered useful in the study of drug-related events.

Pharmaceutical preparations; Drug toxicity; Pharmacoepidemiology; Hospital Information Systems; National Health System (BR)


Agravos provocados por medicamentos em hospitais do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

Drug adverse events in hospitals in the State of Rio de Janeiro, Brazil

Suely Rozenfeld

Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública. Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Suely Rozenfeld Rua Leopoldo Bulhões, 1480 8º andar 21041-210 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: rozenfeld@ensp.fiocruz.br

RESUMO

OBJETIVO: A ocorrência de agravos provocados por medicamentos no meio hospitalar é elevada e gera custos excedentes. O objetivo do estudo foi identificar problemas relacionados a medicamentos ocorridos durante a internação hospitalar e estimar a prevalência desses agravos.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo realizado no Estado do Rio de Janeiro. Foram analisadas as internações pagas pelo Sistema Único de Saúde entre 1999 e 2002. Os dados foram extraídos do Sistema de Informações Hospitalares. Selecionaram-se as internações que apresentaram um dos códigos da CID-10 (2000) suspeitos de serem agravos provocados por medicamentos, que estivessem nos campos do diagnóstico principal e/ou do diagnóstico secundário. Para as variáveis contínuas estimou-se a média, e o desvio-padrão, sendo a significância estatística entre as diferenças testada por meio de análise de variância (ANOVA, com intervalo de confiança de 95%).

RESULTADOS: Foram identificados 3.421 casos equivalentes à freqüência de 1,8 casos/1.000 internações, ocorridos, sobretudo, em homens (64,5%), nos hospitais contratados (34,9%) e nos municipais (23,1%), nos leitos de psiquiatria (51,4%) e de clínica médica (45,2%), dos quais 84,1% resultaram em alta. A maioria dos agravos foi por reações adversas e de intoxicações e, entre essas categorias, há diferenças significativas (p<0,000) quanto à idade e tempo de permanência.Os pacientes com efeitos adversos são mais jovens (35,8 vs 40,5 anos) e permanecem mais tempo internados (26,5 vs 5,0 dias).

CONCLUSÕES: A freqüência de reações adversas, embora abaixo dos patamares dos estudos internacionais, não é desprezível. O banco de dados do Sistema de Internações Hospitalares foi considerado fonte útil para o estudo dos agravos provocados por medicamentos.

Descritores: Preparações farmacêuticas, efeitos adversos. Toxicidade de drogas. Farmacoepidemiologia. Sistemas de Informação Hospitalar. Sistema Único de Saúde.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The occurrence of drug adverse events in hospital settings is high and generates cost excess. The purpose of the study was to identify drug-related events during hospital admissions and to estimate their prevalence.

METHODS: A retrospective study was carried out in the State of Rio de Janeiro, Southeastern Brazil. Hospitalizations from the Brazilian Health System's national hospital database during the period between 1999 and 2002 were assessed. Admitted cases including suspected drug adverse event cases with ICD-10 (2000) coding in the main diagnosis and/or secondary diagnosis fields were included in the study. Means and standard deviations of continuous variables as well as the statistical significance of differences were estimated using variance analysis (ANOVA with a 95% confidence interval).

RESULTS: There were identified 3,421 drug-related adverse events, and a prevalence of 1.8 cases per 1,000 hospitalizations was estimated. Most cases occurred in males (64.5%) admitted in contracted (34.9%) and local public hospitals (23.1%) in the departments of psychiatry (51.4%) and internal medicine (45.2%), of them, 84.1% were discharged. Most of them were adverse drug reactions or drug poisoning, and there were significant difference (p<0.000) regarding age and length of stay between these categories. Patients having adverse events were younger (35.8 vs 40.5 years old) and stayed longer in hospital (26.5 vs 5.0 days).

CONCLUSIONS: The frequency of drug adverse events, although lower than those findings of international studies, is significant. National hospital admission database was considered useful in the study of drug-related events.

Keywords: Pharmaceutical preparations, adverse effects. Drug toxicity. Pharmacoepidemiology. Hospital Information Systems. National Health System (BR).

INTRODUÇÃO

As reações adversas associadas ao uso medicamentos têm sido sistematicamente investigadas há cerca de 40 anos.5 Desde então, fixaram-se conceitos e foram desenvolvidos e aplicados vários métodos e abordagens para identificá-las, quantificá-las e caracterizá-las. Com o tempo, o campo se diversificou, e os estudos passaram a focalizar grupos terapêuticos específicos, sub-grupos populacionais, ou determinado tipo de prestação médica. Com relação a esse último aspecto, os estudos se concentram nos pacientes internados, uma vez que, neles, as reações são mais graves, os registros mais acurados e o monitoramento factível.

O delineamento prospectivo tem fornecido informação relevante sobre a incidência de reações adversas em pacientes internados. Tanto em estudos isolados1,4,10 como em metanálises,11 as estimativas oscilam em torno de 2% a 7%. O caráter evitável das reações tem sido abordado em vários estudos, nos quais estimam-se 1,8 eventos adversos evitáveis por 100 pacientes hospitalizados, e 35,2% de reações evitáveis no total de reações ocorridas. A maioria dos medicamentos imputados pertence à classe dos cardiovasculares e dos psicoativos, e 56% dos erros ocorrem na fase de prescrição.9

As reações adversas podem aumentar de modo significativo o tempo de permanência hospitalar,4 ou conduzir ao óbito,6 daí a preocupação em identificá-las e conhecer os fatores a elas associados. Entre eles, destacam-se o número de fármacos usados,4,6 o número de doenças, o sexo6 e a idade.4

No Brasil, há poucos estudos sobre a freqüência de reações adversas aos medicamentos. Pfaffenbach et al16 (2002), com observação prospectiva e monitoramento intensivo, estimaram em 6,6% a proporção das internações ocasionadas por reações adversas, num hospital-escola. Carvalho-Filho et al3 (1998), por meio de revisão de prontuários, estimaram em 32% a proporção de complicações ocasionadas por medicamentos, no total de complicações iatrogênicas, em idosos internados num hospital universitário. Passarelli et al15 (2005) estimaram em 62% a proporção de idosos internados em hospital universitário apresentando reação adversa a medicamento.

Nos EUA e no Canadá, os bancos de dados computorizados têm sido empregados como fonte de informação em farmacoepidemiologia, mesmo quando têm finalidade administrativa, seja como ferramenta para auxiliar a gestão de serviços de saúde18 ou em sistemas de reembolso de ações médicas.2

O banco de dados hospitalares de abrangência nacional – Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) –, disponível pelo Datasus, parece ainda não ter sido explorado em estudos das reações adversas. O SIH-SUS foi utilizado no estudo para o ajuste de risco de taxas de mortalidade hospitalar12 e na avaliação da qualidade dos serviços.14 Alguns autores, estudando a confiabilidade dos dados,7,13,19 recomendam seu emprego em investigações sobre saúde e doença.

O propósito do presente estudo foi explorar o SIH-SUS como fonte de informação para identificar problemas relacionados aos medicamentos ocorridos durante a internação hospitalar, e estimar as suas freqüências e características. Entretanto, como se trata de um estudo descritivo e preliminar, optou-se por considerar o conjunto dos agravos provocados por medicamentos (APM), e não apenas as reações adversas.

MÉTODOS

O desenho do estudo é retrospectivo, e abrange as internações realizadas no Estado do Rio de Janeiro, entre 1999 e 2002, nos hospitais do Sistema Único de Saúde. A população do estudo foi constituída pelo universo completo das internações, exceto os atendimentos realizados em menores de 20 anos de idade, de ambos os sexos, e em obstetrícia, totalizando 1.898.676 internações no período. Tais internações ocorreram nos hospitais com atendimento pelo SUS,* * Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Assistência Médico-Sanitária 2002. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ams/cnv/namsarj.def [acesso em 7 nov 2004] sendo 180 privados conveniados e 124 públicos, correspondendo a 56,3% dos 540 hospitais do Estado do Rio de Janeiro.

Foram empregados como fonte de dados os CD-ROM do Movimento de Autorização de Internação Hospitalar do SUS que contém as Autorizações de Internações Hospitalares (AIH). Os dados fazem parte do SIH-SUS que são processados e divulgados, de forma agregada, por município e por mês, pelo Departamento de Informática do Datasus.

Os campos correspondentes à variável desfecho foram o "diagnóstico principal" e o "diagnóstico secundário". Também foram extraídas informações sobre o hospital, o paciente e a internação.

Foram considerados "casos" as internações que apresentavam, no diagnóstico principal e/ou no diagnóstico secundário, um dos códigos da categoria "Efeitos adversos de drogas, medicamentos e substâncias biológicas usadas com finalidade terapêutica", da 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Em função do objetivo de ampliar o estudo para os demais agravos provocados por medicamentos, foram incluídos os códigos correspondentes a: intoxicações e seqüelas de intoxicações; erros na prescrição ou na administração, diluição ou dosagem; lesões auto-provocadas intencionalmente; envenenamentos cuja intenção é indeterminada; envenenamentos acidentais; complicações conseqüentes à infusão, transfusão ou injeção terapêutica. O conjunto desses códigos recebeu o nome de agravos provocados por medicamentos (APM), e incluiu sinais, síndromes, alterações laboratoriais ou radiológicas, disfunções, alterações de comportamento, manifestações clínicas, ou erros de prescrição, dispensação, adesão ou monitoramento relacionados à exposição aos medicamentos. Além disso, foram selecionados casos de doenças (diabetes, flebite, enxaqueca, e outras), em cujo enunciado, na CID-10, figura a solicitação de código adicional de causa externa para identificar o fármaco responsável (Tabela 1).

Para identificar os códigos diagnósticos, realizou-se busca dos casos de interesse na CID-10, a partir dos seguintes critérios:

  1. códigos do Capítulo I ao Capítulo XIV, e do Capítulo XVIII, nos quais há menção explícita a medicamentos (patologia induzida por droga; devido à droga; devido a medicamentos e outras substâncias exógenas);

  2. códigos seguidos das frases "use código adicional de causa externa, Capítulo XX, se necessário, para identificar a droga, se induzido por drogas" ou "use código adicional de causa externa, Capítulo XX, se necessário, para identificar a droga";

  3. códigos de doenças/problemas extensamente associados ao uso de medicamentos (Síndrome de Reye);

  4. códigos do Capítulo XIX, que tratam da natureza da lesão: intoxicação por drogas, medicamentos e substâncias biológicas; complicações conseqüentes a infusão, transfusão ou injeção terapêutica. Foram também incluídos alguns códigos das categorias: outras complicações de cuidados médicos e cirúrgicos, não classificados em outra parte; seqüelas de intoxicação por drogas, medicamentos e substâncias biológicas;

  5. códigos do Capítulo XX, que tratam da causa da lesão: envenenamento (intoxicação) acidental por exposição a substâncias nocivas; lesões auto-provocadas intencionalmente; eventos (fatos) cuja intenção é indeterminada, exceto as categorias que incluem códigos referentes às drogas ilícitas e às vacinas, nos quais não é possível distingui-las dos medicamentos;

  6. códigos do Capítulo XX, causas externas de morbidade e mortalidade, na categoria "efeitos adversos de drogas, medicamentos e substâncias biológicas usadas com finalidades terapêuticas";

  7. códigos do Capítulo XX, causas externas de morbidade e mortalidade, na categoria "erros de dosagem durante a prestação de cuidados médicos e cirúrgicos", "uso de sangue incompatível em transfusão" e "uso de líquido errado em infusão".

Foram excluídos:

  1. códigos dos Capítulos XV, Capítulos XVI e Capítulos XVII, referentes à gravidez, parto e puerpério; às afecções originadas no período perinatal; e às malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas, independente de estarem relacionados às reações adversas. Da mesma forma foram excluídos os efeitos adversos por vacinas;

  2. códigos inespecíficos como "outros procedimentos médicos em reação anormal em paciente ou complicação tardia causados por outros procedimentos médicos, sem menção de acidente durante o procedimento";

  3. códigos nos quais não era possível separar os efeitos de medicamentos dos efeitos de dispositivos ou de imunobiológicos ("erro de dosagem na terapia por eletrochoque ou choque insulínico"; "medicamentos ou substâncias biológicas contaminados"; "outras anemias hemolíticas auto-imunes"; "anemia sideroblástica secundária ao uso de drogas e a toxinas").

  4. códigos inespecíficos, tais como "outros efeitos adversos não classificados em outra parte".

A extração de dados foi feita com o programa Tabwin, disponibilizado nos CD-ROM da AIH, durante o ano de 2004. Foram selecionadas todas as internações que apresentassem um dos códigos diagnósticos identificados como APM.

A unidade de análise foi a internação hospitalar. O banco de dados foi preparado levando-se em conta: a necessidade de considerar as AIH de longa permanência, e a criação de filtros para selecionar os casos que apresentassem um dos códigos de interesse no campo diagnóstico principal e/ou diagnóstico secundário. Todos os casos selecionados foram incluídos na análise, portanto não houve perda de informação por registros inadequados. A prevalência global de APM foi calculada dividindo o número de casos de APM pelo número total de pacientes internados no período. Para as variáveis contínuas estimou-se a média, e o desvio-padrão, sendo a significância estatística entre as diferenças testada por meio de análise de variância (ANOVA, p-valor com intervalo de confiança de 95%).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, com o parecer n. 06/05.

RESULTADOS

Entre as internações hospitalares de indivíduos com 20 anos ou mais de idade, de ambos os sexos, à exceção de casos obstétricos, no Estado do Rio de Janeiro, entre 1999 e 2002, houve 3.421 APM, o que leva a uma estimativa de 1,8 casos por 1.000 internações. A Figura apresenta os casos de APM, distribuídos segundo o ano de cobrança da AIH. Observa-se que o tipo mais comum foi "efeitos adversos", seguido de "intoxicações", sendo que os primeiros crescem ao longo do período analisado, tanto em números absolutos como em números relativos. As taxas de incidência cresceram de 1,4 em 1999 para 2,3 em 2002.


A Tabela 2 apresenta os casos de APM, distribuídos segundo variáveis selecionadas. A maioria dos casos ocorreu em homens (64,5%), nos hospitais contratados (34,9%) e nos municipais (23,1%), nos leitos de psiquiatria (51,4%) e de clínica médica (45,2%), e resultaram em alta (84,1%).

A Tabela 3 apresenta os APM mais comuns – efeitos adversos e intoxicações – distribuídos segundo sexo, natureza jurídica do hospital, especialidade e resultado da internação. Entre os homens predominam os efeitos adversos; entre as mulheres, a distribuição dos dois tipos de agravos é equilibrada. Os efeitos adversos se concentram nos hospitais contratados, nos federais, estaduais e universitários, sendo que entre os municipais e os filantrópicos a proporção de efeitos adversos e de intoxicações é similar. Na psiquiatria foram identificados apenas casos de efeitos adversos e nas demais especialidades, com valores notadamente maiores, predominam as intoxicações. Quase 70% das altas ocorreram nas internações devidas a efeitos adversos, e cerca de 30% delas nas intoxicações.

Na Tabela 4 observa-se que, com relação às intoxicações, os pacientes com efeitos adversos são mais jovens (35,8 vs 40,5 anos) e permanecem internados por mais tempo (26,5 vs 5,0 dias), sendo as diferenças significativas (p=0,000).

DISCUSSÃO

A prevalência de APM foi 1,8/1.000 internações. Pressupõe-se que todas as internações no denominador correspondam a pessoas sob risco, já que o uso de medicamentos durante a internação é generalizado. O valor da prevalência poderá ser corrigido com estudos sobre as internações que não são originadas SUS, mas sim da assistência por planos e seguros privados de saúde suplementar.

Mesmo considerando-se no presente estudo as marcantes diferenças de abordagem – entre as quais destacam-se a não validação dos diagnósticos e a inclusão das intoxicações – ressalta-se que as estimativas obtidas em outros países são cerca de 10 vezes superiores às obtidas por meio do SIH/SUS. Estudos prospectivos em hospitais do EUA e na França estimaram a incidência de reações adversas em 1,67, 6,5 e 4,7 por 100 internações.1,4,10 As diferenças podem ser atribuídas, em parte, à adoção de técnicas como monitoramento intensivo ou programa computacional para vigilância dos eventos adversos. O estímulo dos profissionais de saúde para o registro de eventos iatrogênicos é decisivo para a obtenção de dados válidos, pois o registro espontâneo pode captar apenas 5% dos casos.1 Esses problemas persistem mesmo em países com tradição no campo da farmacovigilância: na Noruega, entre 133 óbitos por reações adversas, poucos foram reconhecidos pelos médicos como associados aos medicamentos, e somente oito foram notificados às autoridades.7

Dadas as características do banco de dados, não foi possível distinguir os casos ocorridos durante a internação daqueles que a causaram, o que seria importante, pois os primeiros remetem à qualidade da atenção hospitalar, e os últimos à ambulatorial. O perfil dos casos e as oportunidades de prevenção se alteram conforme o âmbito da atenção considerado. Quadros como sangramento intracraniano, úlcera péptica, toxicidade por digitálico, lítio ou insulina, ou diarréia associada ao uso de antibióticos, levaram à internação evitável de idosos atendidos em ambulatório, e corresponderam a 42,2% do conjunto dos efeitos adversos.8

No presente estudo, os erros na terapêutica representaram 1,0 do total de APM, com apenas dois casos registrados no Estado do Rio de Janeiro, durante quatro anos. Esses valores expressam a escassa tradição de reconhecer e registrar enganos, erros ou omissões relacionadas à farmacoterapia. Entretanto, a quantificação e a caracterização dos erros, ou da condução inadequada da terapia, seriam importantes na elaboração de intervenções, algumas relativamente simples, se estiverem num contexto apropriado. Estudos internacionais sugerem que um dos erros mais freqüentes é o uso de abreviações e expressões, sendo um dos mais freqüentes a prescrição da insulina, confundindo-se a letra U (de unidade) com o zero.** ** Joint Comission on Accreditation of Healthcare Organizations. Medication errors related to potentially dangerous abbreviations. Sentinel Event Alert [periódico on-line]. 2001;(23):1-4. Disponível em http://www.jcaho.org/about+us/news+letters/sentinel+event+alert/sea_23.htm [acesso em 12 jan 2005] Passarelli et al15 (2005) observaram que um quarto dos internados recebeu prescrição inadequada para idosos. No Brasil, os estudos sobre reações adversas, que abordam os erros, concentram-se em populações idosas internadas em hospitais universitários.3,15

Além dos 3.421 casos de APM, foram identificados, entre cerca de dois milhões de internações, 50.253 casos possíveis de serem agravos por medicamentos, pois são quadros comuns em populações expostas e em não expostas aos medicamentos. São diagnósticos de gastrite hemorrágica aguda, flebite, doença hepática tóxica, e outros, compatíveis com o mecanismo de ação de fármacos muito usados, e estão categorizados na CID-10 como passíveis de menção à causa, no diagnóstico secundário. Ou seja, parte deles poderia ser de APM, identificáveis caso houvesse preenchimento do campo diagnóstico secundário, o que não ocorreu.

O princípio que norteou a seleção de códigos da CID-10 foi o de aumentar a especificidade e reduzir os falsos positivos. Assim, evitou-se selecionar os códigos que não permitissem diferenciar agravos associados ao uso de medicamentos daqueles associados ao uso das drogas ilícitas e das lícitas sem interesse (álcool e fumo). Nesse sentido, seria útil modificar-se o hábito de empregar a palavra "droga" para se referir aos medicamentos.

Como a AIH é um documento de faturamento da unidade hospitalar ao órgão financiador, seu emprego poderia comprometer a validade dos dados. Entretanto, há autores7,13,14,19 que consideram as informações do SIH/SUS adequadas à comparação do desempenho dos hospitais, e que vários campos produzem informação útil. Além disso, como os APM estão associados a procedimentos de custos variados, os possíveis erros ou fraudes não produziriam erros diferenciais. Por isso, acredita-se não ter havido tendências ou vieses importantes, pelo menos no que se refere à magnitude relativa dos diferentes tipos de agravos. Ainda assim, será preciso validar o diagnóstico dos casos, por meio da análise dos prontuários e dos registros das farmácias hospitalares, dos hemocentros e dos centros cirúrgicos dos hospitais.

A ausência de informação sobre o uso de medicamentos no SIH/SUS compromete a possibilidade de estudos de farmacovigilância a partir de bases de dados secundários. Ao contrário do que ocorre em países da Europa e nos EUA, e apesar da dimensão das internações do SUS – quase 12 milhões em 2003 – no Brasil, não há informações sobre o consumo de medicamentos em hospitais. A exceção consiste de algumas dezenas de substâncias registradas entre os procedimentos especiais. Trata-se de uma lacuna na informação sobre as hospitalizações nacionais que obscurece a possibilidade de análise crítica da farmacoterapia. O possível sub-registro dos casos está relacionado a fatores como falhas no ensino médico; ação pouco expressiva dos conselhos de classe na vigilância da qualidade da prescrição; e inércia dos pacientes e seus familiares na luta por direitos frente à iatrogenia.

Ainda assim, os resultados sugerem o uso do SIH/SUS como fonte de informação para o estudo dos APM, com os necessários aprimoramentos, quanto ao preenchimento da AIH, e com estudos adicionais de validação e das reações adversas ocorridas nas internações financiadas por planos de saúde ou pelo usuário. É preciso, sobretudo, ação concreta na gestão do SIH/SUS para incorporar registros sobre medicamentos.

O monitoramento sistemático dos bancos do Datasus pode se somar a duas iniciativas recentes no campo da farmacogilância no Rio de Janeiro: o desenvolvimento dos núcleos de farmacovigilância nos Hospitais Sentinela*** *** A rede de Hospitais Sentinela é um projeto desenvolvido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ampliar e sistematizar a vigilância sobre produtos de saúde, e conta, entre outros, com o Hospital Geral de Bonsucesso, ( http://www.hgb.rj.saude.gov.br/risco/sentinela.asp). A Unidade de Farmacovigilância/SVS/SES-RJ foi criada em 28/3/2005 e recebe notificação espontânea de eventos adversos ( www.saude.rj.gov.br/acoes/visa.shtml) e da Unidade de Farmacogilância da Secretaria de Estado.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Ruy Laurenti e à Profa. Dra. Maria Helena Prado de Mello Jorge, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, pela colaboração na definição dos códigos das doenças e pelo inestimável estímulo. Ao Sr. Raulino Sabino da Silva, bolsista da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz pelo auxílio na preparação dos bancos de dados.

Recebido: 10/8/2005

Revisado: 11/4/2006

Aprovado: 28/8/2006

Financiado parcialmente pelo Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Rio de Janeiro, projeto "Apoio à descentralização das ações de consolidação do Sistema Estadual de Vigilância Sanitária do Estado do Rio de Janeiro".

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    Suely Rozenfeld
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  • ***
    A rede de Hospitais Sentinela é um projeto desenvolvido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ampliar e sistematizar a vigilância sobre produtos de saúde, e conta, entre outros, com o Hospital Geral de Bonsucesso, (
    http://www.hgb.rj.saude.gov.br/risco/sentinela.asp). A Unidade de Farmacovigilância/SVS/SES-RJ foi criada em 28/3/2005 e recebe notificação espontânea de eventos adversos (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Aceito
      28 Ago 2006
    • Revisado
      11 Abr 2006
    • Recebido
      10 Ago 2005
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