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Qualidade de vida e saúde vocal de professores

Quality of life and vocal health of teachers

Resumos

OBJETIVO: Avaliar aspectos associados à qualidade de vida de professores e buscar relações com questões de saúde vocal. MÉTODOS: Foi estudada uma amostra de 128 professores de ensino médio de quatro escolas estaduais de Rio Claro, SP, em 2002. Foram aplicados os questionários World Health Organization Quality of Life/bref e Qualidade de Vida e Voz e calculados média e desvio-padrão para os escores do primeiro questionário e da questão de auto-avaliação vocal do questionário Qualidade de Vida e Voz. Utilizou-se o teste de Wilcoxon para comparar os gêneros; o de Kruskal-Wallis para as escolas; e o coeficiente de correlação de Spearman e teste t para verificar associação entre os domínios da qualidade de vida, a auto-avaliação vocal e idade, e número de períodos que o professor leciona. RESULTADOS: A maioria avaliou a voz como boa (42,2%) e o escore médio do questionário de avaliação de qualidade de vida foi 66, com maiores valores do domínio relações sociais e menores do meio ambiente. Os aspectos associados foram oportunidades de lazer, condições financeiras, ambiente de trabalho e acesso à informação. O número de períodos lecionados apresentou correlação positiva e significativa com a auto-avaliação vocal. Não houve diferença significativa entre os gêneros. Houve diferenças significativas no domínio físico, quando comparados os resultados das diferentes escolas. CONCLUSÕES: Apesar de razoavelmente satisfeitos com a voz e a qualidade de vida, os professores mostraram dificuldades na percepção do processo saúde-doença. Evidenciaram-se aspectos desfavorecidos da qualidade de vida e necessidades de saúde que podem ter implicações na voz e saúde vocal docente.

Promoção da saúde; Saúde ocupacional; Qualidade de vida; Educação; Saúde escolar; Voz


OBJECTIVE: To evaluate aspects of teachers' quality of life and describe associated factors to their vocal health. METHODS: A sample comprising 128 high school teachers from four state schools in the city of Rio Claro, Southeastern Brazil, was studied in 2002. The World Health Organization Quality of Life/bref and Voice-Related Quality of Life questionnaires were applied and there were calculated the averages, standard deviation values for the first questionnaire scores and the self-evaluation question of the Voice-Related Quality of Life. The Wilcoxon's test was used to compare teachers' genders; the Kruskal-Wallis's test was used to compare schools and Spearman's correlation coefficient and t-test were performed to assess the association between the domains of quality of life, the vocal self-evaluation question and age, and the number of working shifts by a teacher. RESULTS: Most teachers evaluated their voice as good (42.2%) and the mean score of the quality of life questionnaire was 66, with the highest scores in the domain of social relations, and the lowest ones in the environment domain. The most affected aspects were leisure opportunities, financial conditions, work environment and access to information. The number of hours worked by a teacher had a positive significant correlation with vocal self-evaluation. There were no significant differences between genders. There were significant differences in the physical domain when comparing schools. CONCLUSIONS: Although teachers showed to be reasonably satisfied with their vocal and life quality, they showed misperceptions of their health disorder process and evidenced neglected aspects of life quality and health needs that may compromise teachers' voice/vocal health.

Health promotion; Occupational health; Quality of life; Education; School health; Voice


ARTIGOS ORIGINAIS

Qualidade de vida e saúde vocal de professores

Quality of life and vocal health of teachers

Regina Zanella PenteadoI; Isabel Maria Teixeira Bicudo PereiraII

ICurso de Fonoaudiologia. Universidade Metodista de Piracicaba. Piracicaba, SP, Brasil

IIFaculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Regina Zanella Penteado Av. 41 n.209 ap.62 – Cidade Jardim 13501-190 Rio Claro, SP, Brasil E-mail rzpenteado@unimep.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar aspectos associados à qualidade de vida de professores e buscar relações com questões de saúde vocal.

MÉTODOS: Foi estudada uma amostra de 128 professores de ensino médio de quatro escolas estaduais de Rio Claro, SP, em 2002. Foram aplicados os questionários World Health Organization Quality of Life/bref e Qualidade de Vida e Voz e calculados média e desvio-padrão para os escores do primeiro questionário e da questão de auto-avaliação vocal do questionário Qualidade de Vida e Voz. Utilizou-se o teste de Wilcoxon para comparar os gêneros; o de Kruskal-Wallis para as escolas; e o coeficiente de correlação de Spearman e teste t para verificar associação entre os domínios da qualidade de vida, a auto-avaliação vocal e idade, e número de períodos que o professor leciona.

RESULTADOS: A maioria avaliou a voz como boa (42,2%) e o escore médio do questionário de avaliação de qualidade de vida foi 66, com maiores valores do domínio relações sociais e menores do meio ambiente. Os aspectos associados foram oportunidades de lazer, condições financeiras, ambiente de trabalho e acesso à informação. O número de períodos lecionados apresentou correlação positiva e significativa com a auto-avaliação vocal. Não houve diferença significativa entre os gêneros. Houve diferenças significativas no domínio físico, quando comparados os resultados das diferentes escolas.

CONCLUSÕES: Apesar de razoavelmente satisfeitos com a voz e a qualidade de vida, os professores mostraram dificuldades na percepção do processo saúde-doença. Evidenciaram-se aspectos desfavorecidos da qualidade de vida e necessidades de saúde que podem ter implicações na voz e saúde vocal docente.

Descritores: Promoção da saúde. Saúde ocupacional. Qualidade de vida. Educação. Saúde escolar. Voz.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate aspects of teachers' quality of life and describe associated factors to their vocal health.

METHODS: A sample comprising 128 high school teachers from four state schools in the city of Rio Claro, Southeastern Brazil, was studied in 2002. The World Health Organization Quality of Life/bref and Voice-Related Quality of Life questionnaires were applied and there were calculated the averages, standard deviation values for the first questionnaire scores and the self-evaluation question of the Voice-Related Quality of Life. The Wilcoxon's test was used to compare teachers' genders; the Kruskal-Wallis's test was used to compare schools and Spearman's correlation coefficient and t-test were performed to assess the association between the domains of quality of life, the vocal self-evaluation question and age, and the number of working shifts by a teacher.

RESULTS: Most teachers evaluated their voice as good (42.2%) and the mean score of the quality of life questionnaire was 66, with the highest scores in the domain of social relations, and the lowest ones in the environment domain. The most affected aspects were leisure opportunities, financial conditions, work environment and access to information. The number of hours worked by a teacher had a positive significant correlation with vocal self-evaluation. There were no significant differences between genders. There were significant differences in the physical domain when comparing schools.

CONCLUSIONS: Although teachers showed to be reasonably satisfied with their vocal and life quality, they showed misperceptions of their health disorder process and evidenced neglected aspects of life quality and health needs that may compromise teachers' voice/vocal health.

Keywords: Health promotion. Occupational health. Quality of life. Education. School health. Voice.

INTRODUÇÃO

A escola constitui um ambiente importante na configuração da realidade de vida do professor e dos aspectos relacionados às condições e organização do trabalho docente, os quais repercutem sobre os processos de saúde-doença10 As propostas de escolas saudáveis ou escolas promotoras de saúde14 são exemplos de esforços canalizados para a transformação da escola em um ambiente favorável à saúde da comunidade que a constitui. Contudo, estudo2 mostra que, na maioria delas, o professor é pouco lembrado como sujeito das ações promotoras de saúde, e pouco se sabe sobre as condições de saúde, de trabalho e da qualidade de vida docente.

Em contrapartida, observa-se que em determinadas áreas, como a fonoaudiologia, é crescente a preocupação com a saúde do docente, especialmente sua saúde vocal. São realizados investimentos significativos em pesquisas, publicações e eventos que reúnem profissionais da saúde, sindicalistas, educadores, pesquisadores, empresários, políticos, dentre outros segmentos da sociedade. Em todas essas iniciativas, o objetivo tem sido compreender o processo saúde–doença no docente a partir da integração de dados quantitativos e qualitativos, sob a visão integral do professor. O entendimento amplo de saúde é tido como referência e leva em conta as condições de trabalho e a qualidade de vida.4,6,7,9-11,15,16,18

A qualidade de vida tem sido apontada como uma categoria analítica central para promover abordagens integradoras e interdisciplinares. É compreendida por diversos autores8 como decorrente de uma construção subjetiva, multidimensional, composta por elementos positivos e negativos. Desse modo, amplia o espectro de análise dos processos envolvidos na perspectiva da ecologia humana e da investigação das conexões entre as múltiplas dimensões da relação entre saúde e trabalho.

O objetivo do presente artigo foi avaliar aspectos associados à qualidade de vida de professores, buscando relações com as questões de saúde vocal.

MÉTODOS

A pesquisa foi realizada com professores do ensino médio das quatro escolas públicas estaduais de Rio Claro, cidade de médio porte do interior do Estado de São Paulo, no ano de 2002. Na ocasião, estas eram as únicas escolas estaduais do município que funcionavam nos períodos diurno e noturno.

Essas escolas possuíam um total aproximado de 238 professores em situação de trabalho (74 professores na escola 1; 60 na escola 2; 82 na escola 3 e 22 na escola 4). A partir dessa população foi realizado cálculo da amostra, utilizando-se a amostragem estratificada proporcional,5 cada escola representada por um estrato. Considerou-se erro amostral de 0,06, com N=40 para os professores da escola 1, N=32 para os professores da escola 2, N=44 para os da escola 3 e N=12 para os da escola 4, totalizando 128 sujeitos.

Após contato inicial com a direção e coordenação pedagógica de cada escola, foi solicitado um horário para reunião com os professores e aplicação dos questionários. Nas quatro escolas a reunião ocorreu no horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC). Trata-se de reuniões semanais nas instituições de ensino públicas, com a participação da pesquisadora em diferentes ocasiões, para expor os objetivos, a finalidade e a proposta metodológica do estudo, e convidar os professores interessados a participar.

A escolha metodológica orientou-se no sentido de contemplar a subjetividade do professor como eixo primordial no levantamento dos dados; daí a opção por instrumentos disponíveis na literatura1,8,12 que permitissem aos sujeitos se auto-avaliar, a partir de suas percepções. Para tanto, foram utilizados os questionários World Health Organization Quality Of Life/Bref (WHOQOL/breve)8 e o Qualidade de Vida e Voz (QVV).1,12

O WHOQOL/breve é um questionário auto-aplicável, com 26 questões que envolvem aspectos diversos da vida cotidiana e abordam quatro domínios da qualidade de vida: físico, psicológico, meio ambiente e relações sociais. Para cada aspecto da qualidade de vida expresso no questionário WHOQOL/breve, o sujeito pode apresentar sua resposta por meio de escores que variam de um a cinco, sendo a condição pior no escore um e a melhor, no cinco. Os resultados dos domínios apresentam valores entre zero e cem, sendo piores os mais próximos de zero e melhores, os mais próximos de cem. Dessa forma, um sujeito que apresente valor igual a 50 para determinado domínio pode ser considerado mediano para esse domínio. O cálculo dos domínios padronizados do WHOQOL/breve segue as seguintes expressões:8

Foram calculados a média e o desvio-padrão para os escores padronizados dos domínios do protocolo WHOQOL/breve. A comparação entre os gêneros foi feita pelo teste de Wilcoxon. Para comparar os resultados por escola foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis.20 Para rejeitar a hipótese de igualdade (tanto entre gênero como entre escola) foi considerado nível mínimo de significância de 5%.

O protocolo QVV possui dez itens e a seguinte questão de auto-avaliação vocal: "Como você avalia a sua voz?", com cinco possibilidades de resposta: excelente, muito boa, boa, razoável e ruim, pontuada de um a cinco, sendo um para excelente e cinco, para ruim.

Pesquisa15 que aplicou o QVV em professores mostrou que a inter-relação das questões e problemáticas de qualidade de vida e voz é confirmada pela correlação entre a questão de auto-avaliação vocal e as demais questões. Assim, quanto pior a voz for avaliada na primeira, pior e mais negativo é o impacto da voz sobre a qualidade de vida do sujeito.

Consideraram-se as respostas à questão do QVV "Como você avalia a sua voz?", a partir do cálculo da média e desvio-padrão, realizado por gênero e por escola, utilizando também os testes de Wilcoxon para analisar a influência dos gêneros e o teste de Kruskal-Wallis para a comparação das escolas. O nível de significância adotado foi de 5%.

A associação entre os domínios da qualidade de vida, a questão de auto-avaliação vocal, idade, e número de períodos lecionados foram avaliadas por meio dos coeficientes de correlação de Spearman e utilizado o teste t, adotando-se nível de significância de 5%.

Todos os participantes foram informados de que a pesquisa não ofereceria nenhum tipo de risco, tendo sido assinado por todos o Termo de Consentimento Informado e Esclarecido. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

RESULTADOS

Durante a coleta de dados da pesquisa foram identificadas diferenças entre as escolas, expressas nas formas de manifestação dos alunos, nas condições físicas e estruturais dos estabelecimentos e na disposição dos espaços reservados para o corpo docente.

Escola 1 – Localizada em bairro afastado do centro, era a maior em espaço e estrutura física. Apresentava-se mal conservada, com iluminação precária, jardins internos descuidados, com plantas e galhos secos jogados sobre o gramado e a passarela de acesso aos prédios. O piso das salas estava desgastado, sem brilho, com tábuas soltas e buracos que possibilitavam tropeços. Havia vidraças quebradas e as paredes da escola estavam pichadas ou cobertas com desenhos realizados pelos alunos. Na sala dos professores, bastante ampla, havia uma lousa, uma grande mesa retangular rodeada por cadeiras, um sofá e armários. Não havia bebedouros nem bebidas, como café ou chá; também não havia plantas nem decoração que pudessem indicar qualquer cuidado com o ambiente, no sentido de torná-lo mais aconchegante. Além disso, no chão, bem ao centro, havia um grande buraco negro que deixava à mostra o contra-piso, todo queimado. O revestimento de tábuas daquele local foi consumido pelo fogo, ateado por alunos numa invasão ocorrida durante um final de semana, quando ali fizeram uma enorme fogueira com os mapas escolares. A impressão provocada foi, de fato, chocante, especialmente se consideradas as representações de violência, agressividade e desrespeito às quais a escolha do local e o próprio ato dos alunos remetem. Em frente ao portão de entrada de alunos e professores, havia uma viatura da polícia, com sinaleiro luminoso ligado e quatro policiais em seu interior, recurso que, segundo a direção da escola, vinha sendo constantemente requerido para coibir possíveis atos de violência.

Escola 2 – Localizada na região central, ocupava uma quadra, tendo recebido pintura nova nas áreas externa e interna, bem como a restauração da pintura original dos corredores, com afrescos que datam da década de 50. A entrada da escola estava decorada com trabalhos realizados pelos alunos. A sala dos professores era ampla e bem ventilada. As paredes tiveram sua pintura restaurada e há uma lousa grande em uma das paredes. A sala tinha piso de madeira e contava com uma grande mesa de madeira ao centro e várias cadeiras à sua volta. Havia escaninhos e armários para os professores guardarem seus pertences e uma mesa com água e café.

Escola 3 – Localizada em uma avenida bastante movimentada e ruidosa, ocupava uma quadra, com gramado externo e um pequeno jardim interno. Os professores se reuniam em uma sala pequena e abafada, com ventilação precária e muito sol. Logo à entrada, ao lado da porta, havia um galão de água e uma garrafa de café, com copos plásticos e de vidro, arrumados sobre uma bandeja atoalhada. Na parede, duas lousas e, ao fundo da sala, três armários de ferro, com portas individuais, destinados a acomodar os pertences dos professores. Havia três sofás e uma mesa de centro com jornais, revistas variadas e catálogos de propaganda de produtos diversos, que costumavam ser folheados pelos docentes enquanto conversavam. Havia duas grandes mesas com cadeiras, onde a maioria dos professores se acomodava durante as reuniões.

Escola 4 – Localizada próxima à região central, possuía na entrada uma sala de espera com sofás e mesas laterais, além de uma mesa decorada com trabalhos realizados pelos alunos. Nas paredes, diversos quadros e cartazes com fotos de eventos, passeios e atividades artístico-culturais realizadas pelos alunos e professores, cujos nomes eram referidos nas mensagens abaixo das fotos. A sala onde os professores se reuniam era pequena e pouco ventilada e continha duas mesas redondas com cadeiras, ao fundo uma pia, com vasos e plantas, e, lateralmente, uma lousa e painéis informativos.

As principais características da amostra foram: 69,5% eram do gênero feminino e 30,5% do masculino. A idade variou de 20 a 60 anos, com média de 39,6 anos, sendo as classes mais freqüentes de 30 a 39 anos (30,5%) e de 40 a 49 anos (29,7%). Quanto ao período de trabalho, a maioria (57%) lecionava em dois períodos; 32% em três períodos e 11% em apenas um.

Os sujeitos apresentaram escore médio de 66 pontos na avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-breve), tendo sido considerada pela maioria (65,6%) como "boa" e pela minoria (4,7%) "ruim" ou "muito ruim". Quanto à satisfação com a saúde, 60,2% disseram estar "satisfeitos", enquanto 14,9% consideravam-se "insatisfeitos" ou "muito insatisfeitos".

Em geral, as respostas para a questão de auto-avaliação da voz (QVV) indicaram satisfação com a qualidade vocal: 42,2% dos sujeitos consideravam a própria voz "boa", 15,6% "muito boa" e 3,1% "excelente", enquanto 32% a consideravam "razoável" e 7%,"ruim".

A média dos escores obtidos em cada domínio da qualidade de vida é apresentada na Tabela 1, onde é possível observar que a maior variação ocorreu no domínio físico e a menor, no domínio psicológico. O domínio de meio ambiente mostrou-se o mais prejudicado, enquanto o das relações sociais, com maior valor, apresentou-se como aspecto positivo da qualidade de vida do professor.

A Tabela 2 apresenta o cálculo da média e desvio-padrão para os escores padronizados dos domínios da qualidade de vida e da questão de auto-avaliação da voz, e a comparação entre os gêneros masculino e feminino, pelo teste de Wilcoxon. As diferenças das médias entre os gêneros não foram significativas (p>0,05) pelo teste de Wilcoxon, indicando não haver diferenças na qualidade de vida ou na auto-avaliação vocal entre homens e mulheres no grupo estudado.

A Tabela 3 mostra as médias e desvios-padrão dos domínios da qualidade de vida e da questão de auto-avaliação vocal, em função da escola na qual o professor trabalha e a comparação entre as escolas. O teste de Kruskal-Wallis indicou diferenças significativas entre as escolas somente no domínio físico (p=0,0139), sendo que a escola 1 obteve a menor média, seguida pelas escolas 3 e 2, nesta ordem, e com a maior média na escola 4.

A Tabela 4 apresenta os aspectos que se destacaram, tanto negativa como positivamente, cujos dados foram obtidos a partir da análise descritiva de cada uma das questões do WHOQOL/Breve. Os resultados dessa tabela indicam que os aspectos que mais afetaram positivamente o grupo de professores estudado relacionavam-se à subjetividade, à vida privada/doméstica/pessoal e a questões físicas. Por outro lado, os aspectos que mais o afetaram negativamente se relacionavam à vida profissional: precárias condições financeiras em razão dos baixos salários, desconforto no ambiente de trabalho devido às condições de organização, além de falta de oportunidade de lazer, diversão, informação e cultura.

A Tabela 5 apresenta os coeficientes de correlação de Spearman para o cruzamento dos resultados de idade, número de períodos lecionados e como o professor avalia sua própria voz, com os domínios da qualidade de vida. Sempre que a questão "Como avalia sua própria voz" esteve envolvida na correlação com as questões e domínios do WHOQOL/breve (exceto as questões 3, 4 e 26), houve uma re-interpretação da correlação positiva ou negativa, já que esta questão se encontra invertida em relação às demais. Assim, apresenta-se a correlação tal como ela se dá, porém ajusta-se a sua interpretação. Observa-se nessa tabela que as correlações entre idade e os domínios do WHOQOL/breve não foram significativas pelo teste t. O número de períodos trabalhados apresentou correlação positiva significativa com a auto-avaliação vocal e correlação negativa significativa com o domínio relações sociais. Esse domínio engloba as questões 20, 21 e 22, referentes às relações com familiares, amigos, colegas, alunos e funcionários e à vida sexual. As correlações com a questão de auto-avaliação vocal foram negativas e significativas em todas as situações, tendo sido moderadas com os domínios físico e meio ambiente, e fracas com os domínios psicológico e relações sociais.

DISCUSSÃO

O escore médio da qualidade de vida dos professores estudados foi 66, o que pode ser considerado regular, levando-se em conta que a escala de valores varia entre zero e cem. As diferenças entre os domínios (Tabela 1) apontam necessidades desses trabalhadores, que devem ser consideradas em propostas de atenção e promoção da saúde sob a perspectiva da integralidade que relaciona trabalho, saúde e qualidade de vida.10

O domínio de meio ambiente mostrou-se o mais prejudicado (Tabela 1), englobando os aspectos referentes à falta, insuficiência, inadequação ou insatisfação relacionados ao lazer, dinheiro, informações, ambiente de trabalho, serviços de saúde e meio de transporte. Tal domínio evidencia a desvalorização do professor que, em função da remuneração insuficiente às suas necessidades, vê reduzidas as suas possibilidades de investimento pessoal, social e profissional. A problemática da degradação salarial, da precariedade e desqualificação social do trabalho docente vem sendo apontada como relevante nos estudos17 voltados às questões de saúde e vida do professor.

Em relação às questões de condição e organização do trabalho, 54,7% dos professores consideraram o local de trabalho nada ou pouco saudável (Tabela 4), confirmando dados da literatura7,10,16 sobre as condições negativas de trabalho. Entre essas, citam-se: salas quentes, mal ventiladas, com presença de poeira, sujeira, pó de giz, ruído interno e externo, além de problemas na organização do trabalho, com relações sociais estressantes, permeadas por sentimentos negativos como agressividade, indisciplina, desrespeito e violência. Tais condições, adversas à saúde geral e vocal, predispõem o sujeito a irritações laríngeas, competição sonora e uso abusivo ou inadequado da voz, que ocasionam alterações vocais. Assim, concordando com alguns autores10 entende-se que as ações de promoção da saúde poderiam se configurar como espaços sociais para a tomada de consciência, reflexão, discussão e ação transformadora da realidade no tocante às condições e organização do trabalho, à escola como um ambiente saudável e à qualidade de vida.

O domínio relações sociais (satisfação com as relações pessoais, vida sexual e apoio de familiares, amigos e colegas de trabalho) apresentou-se como aspecto positivo da qualidade de vida (Tabela 1). A literatura21 destaca que fatores como: contar com rede de apoio social, senso de coesão de grupo, aceitação da própria aparência e atribuição de sentido à vida são importantes fatores de proteção contra os efeitos da carga mental e do estresse (Tabela 4). A voz é um dos principais recursos e instrumento de trabalho docente, além de importante forma de expressão, vinculação, comunicação intersubjetiva e importante elo de relação professor-aluno no processo ensino-aprendizagem.6,10,15 Portanto, a voz é relevante para o professor encontrar realização pessoal e profissional nas relações sociais. Na presente pesquisa, essa relevância da voz ficou evidenciada pela inter-relação entre as facetas do domínio das relações sociais e a voz do professor.

A maioria dos professores se mostrou satisfeita com a voz que possui (60,9% avaliaram a voz entre boa, muito boa ou excelente) sem diferenças entre os gêneros (Tabela 2), resultado condizente com estudos11 envolvendo professores de ensino fundamental e de ensino médio. A auto-avaliação vocal geralmente indica satisfação com a voz e merece reflexão, pois a literatura19 dispõe que, dentre os profissionais da voz falada, a categoria docente é a que apresenta maior prevalência de alterações vocais e disfonias. Além disso, estudos11 relatam a ocorrência de vozes alteradas e dificuldades ao falar em professores que as avaliam favoravelmente. Isso pode indicar complacência desses trabalhadores na auto-avaliação vocal e/ou tolerância para usar a voz disfônica, e tendência a considerar a alteração de voz "normal" no contexto da docência. Desse modo, os professores apresentam dificuldade em auto-avaliar sua voz e perceber alterações vocais.

Os professores da escola 1 obtiveram a menor média no domínio físico da qualidade de vida (Tabela 3), o que coincide com a precariedade das condições e organização do trabalho daquela escola, descrita no item Resultados. Dados da literatura3,7,10 indicam o impacto negativo de condições precárias no ambiente de trabalho em diversos aspectos do domínio físico, como a capacidade para o trabalho e atividades cotidianas, energia para a vida diária, necessidade de tratamento médico, dores no corpo e alterações no sono.

A variável idade (Tabela 5) não se mostrou importante para a qualidade de vida docente. Por outro lado, a quantidade de períodos lecionados mostrou-se relevante: quanto mais o professor trabalhava, pior era a qualidade de sua voz e as suas relações sociais. A literatura se apresenta discrepante a esse respeito, pois há estudos que negam18 e confirmam9 a relação entre carga horária de trabalho elevada e problemas de voz. Quando se trata de aumento do número de períodos de trabalho, pode-se pensar em sobrecarga de trabalho e nas implicações negativas desta na organização da vida privada e na qualidade das interações familiares, afetivas e sociais do professor, gerando sentimentos como culpa, descontentamento e frustração.3,7,16 Em alguns casos, desconfortos vocais como fadiga, cansaço, desgaste e perda da voz decorrentes do seu uso excessivo e inadequado na atividade docente podem levar o professor a diminuir esse uso em seu cotidiano, chegando a evitar eventos sociais ou preferir o silêncio em situações de interação familiar. Portanto, nas ações para promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida docente devem ser levadas em conta as demandas e condições de uso da voz, favorecendo a resistência vocal e o aprimoramento com maior rendimento e mínimo esforço, com vistas à saúde vocal.

As correlações entre auto-avaliação vocal e os domínios do WHOQOL/breve (Tabela 5) indicam que quanto pior a qualidade de vida do professor, pior sua auto-avaliação vocal, confirmando a hipótese da relação entre saúde vocal e qualidade de vida de professores, defendida por diversos autores.7,11,15

Em conclusão, apesar de os professores do ensino médio de Rio Claro (SP) se mostrarem razoavelmente satisfeitos com a qualidade de vida e com a voz que possuíam, o estudo apontou dificuldades na percepção do processo saúde–doença e aspectos associados ao trabalho, à qualidade de vida e à saúde que se encontram desfavorecidos e possivelmente relacionados a problemas com a saúde vocal. Esses fatores sinalizam demandas a serem consideradas no planejamento e na implementação de ações de promoção da saúde voltadas às comunidades estudadas.

Na perspectiva de se vislumbrar propostas de promoção da saúde nas escolas, sugerem-se ações norteadas pela integralidade, interdisciplinaridade e intersetorialidade. Essas ações devem ser pautadas por processos educativos de caráter processual que se configurem como espaços de reflexão, diálogo, discussão, troca de saberes e de construção partilhada do conhecimento e de construção coletiva de movimentos de transformação na sociedade. Uma vez ampliados os focos da ação fonoaudiológica, as oficinas e dos grupos de vivência de voz seriam um espaço social possível para as intervenções.

Recebido: 24/2/2006

Revisado: 11/9/2006

Aprovado: 25/10/2006

Artigo baseado na tese de doutorado de R Z Penteado, apresentada à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, em 2003.

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  • Correspondência | Correspondence:
    Regina Zanella Penteado
    Av. 41 n.209 ap.62 – Cidade Jardim
    13501-190 Rio Claro, SP, Brasil
    E-mail
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Revisado
      11 Set 2006
    • Recebido
      24 Fev 2006
    • Aceito
      25 Out 2006
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