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Invisibilidade do uso de drogas e a assistência de profissionais dos serviços de Aids

Resumos

OBJETIVO: Descrever a influência das concepções dos profissionais de saúde sobre o cuidado prestado a pacientes usuários de drogas vivendo com HIV/Aids. MÉTODOS: Estudo qualitativo baseado em entrevistas semi-estruturadas com 22 profissionais de diferentes categorias, pertencentes a dois serviços especializados em DST/Aids da rede municipal de São Paulo, em 2002. As entrevistas foram gravadas e submetidas à análise temática. RESULTADOS: Os profissionais relataram dificuldades em identificar usuários de drogas entre seus pacientes, indicando a invisibilidade da questão. Acham os usuários de drogas pacientes mais difíceis de tratar, por tumultuarem o serviço e/ou não aderirem ao tratamento. Embora reconheçam necessidades especiais dos pacientes usuários e que lidar com o uso de drogas seja importante, os profissionais de saúde acreditam que essas questões fogem de suas atribuições. Os profissionais mostraram limites pessoais e técnicos para o manejo desses casos, indicando sua falta de capacitação específica como importante. Assim, recomendam a criação de serviços especializados para esse atendimento, reconhecendo os serviços em que atuam como inadequados e, embora conhecessem o projeto de redução de danos, pouco participavam dele. CONCLUSÕES: Elementos técnicos, ideológicos e pessoais, tais como crenças, valores e dimensões afetivo-emocionais, mostraram-se relevantes para ampliar ou recusar vínculos mais específicos com o paciente usuário de drogas. As concepções sobre o uso de drogas podem interferir no desenvolvimento de uma assistência melhor e da eqüidade no cuidado em saúde.

Síndrome de imunodeficiência adquirida; Equipe de assistência ao paciente; Assistência ao paciente; Efeitos psicossociais da Doença; Preconceito; Serviços de saúde; Conhecimentos; Pesquisa qualitativa


OBJECTIVE: To describe the influence of conceptions of health professionals on the care given to HIV/AIDS patients using drugs. METHODS: Qualitative study based on semi-structured interviews with 22 professionals of different levels from two specialized STD/AIDS public services of the city of São Paulo was conducted in 2002. The interviews were recorded and submitted to a thematic analysis. RESULTS: Professionals reported difficulties in identifying drug users among their patients, indicating the invisibility of the issue. They find drug users more difficult to treat, because they disturb the service and do not comply with treatment. Although they acknowledge the special needs of users, and that it is important to deal with drug use, health professionals believe that these issues are not their responsibility. Professionals showed personal and technical limits in handling these cases, showing the importance of their lack of specific capacity building. Thus, they recommend the creation of specialized services for this care, recognizing their own services as inappropriate. Although they were aware of the harm reduction project, there was a little participation in it. CONCLUSIONS: Technical, ideological and personal elements such as beliefs, values and affective/emotional dimensions were relevant to enhance or refuse to develop more specific bonds with drug user patients. The conceptions on drug use may interfere in the development of a better care and equity in health care.

Acquired immunodeficiency syndrome; Patient care team; Patient care; Cost of illness; Prejudice; Health services; Health knowledge; Health knowledge; Qualitative research


ARTIGOS ORIGINAIS

Invisibilidade do uso de drogas e a assistência de profissionais dos serviços de Aids

Márcia de LimaI; Janete Aparecida da CostaI; Wagner dos Santos FigueiredoII; Lilia Blima SchraiberII

IServiço de Ambulatório Especializado DST/Aids – Santana. Secretaria Municipal da Saúde, São Paulo, SP, Brasil

IIDepartamento de Medicina Preventiva. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Lilia Blima Schraiber Departamento de Medicina Preventiva Faculdade de Medicina - USP Av, Dr. Arnaldo, 455 01246-000 São Paulo, SP, Brasil E-mail: liliabli@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever a influência das concepções dos profissionais de saúde sobre o cuidado prestado a pacientes usuários de drogas vivendo com HIV/Aids.

MÉTODOS: Estudo qualitativo baseado em entrevistas semi-estruturadas com 22 profissionais de diferentes categorias, pertencentes a dois serviços especializados em DST/Aids da rede municipal de São Paulo, em 2002. As entrevistas foram gravadas e submetidas à análise temática.

RESULTADOS: Os profissionais relataram dificuldades em identificar usuários de drogas entre seus pacientes, indicando a invisibilidade da questão. Acham os usuários de drogas pacientes mais difíceis de tratar, por tumultuarem o serviço e/ou não aderirem ao tratamento. Embora reconheçam necessidades especiais dos pacientes usuários e que lidar com o uso de drogas seja importante, os profissionais de saúde acreditam que essas questões fogem de suas atribuições. Os profissionais mostraram limites pessoais e técnicos para o manejo desses casos, indicando sua falta de capacitação específica como importante. Assim, recomendam a criação de serviços especializados para esse atendimento, reconhecendo os serviços em que atuam como inadequados e, embora conhecessem o projeto de redução de danos, pouco participavam dele.

CONCLUSÕES: Elementos técnicos, ideológicos e pessoais, tais como crenças, valores e dimensões afetivo-emocionais, mostraram-se relevantes para ampliar ou recusar vínculos mais específicos com o paciente usuário de drogas. As concepções sobre o uso de drogas podem interferir no desenvolvimento de uma assistência melhor e da eqüidade no cuidado em saúde.

Descritores: Síndrome de imunodeficiência adquirida. Equipe de assistência ao paciente. Assistência ao paciente. Efeitos psicossociais da Doença.Preconceito. Serviços de saúde, recursos humanos. Conhecimentos, atitudes e prática em saúde. Pesquisa qualitativa.

INTRODUÇÃO

O uso de drogas é um dos diversos desafios que tiveram que ser incorporados pelos profissionais de saúde que trabalham com pessoas vivendo com HIV/Aids.8 Entre 2001 e 2002, nos serviços especializados em DST/Aids do município de São Paulo foi implantado o Projeto de Redução de Danos (PRD), que visava diminuir a transmissão e reinfecção pelo HIV e pelo vírus da hepatite C entre os usuários de drogas injetáveis (UDI). Acreditava-se, então, que o uso de drogas estava sendo discutido no cotidiano dos atendimentos.

No entanto, alguns profissionais apresentavam queixas relacionadas aos pacientes usuários de drogas (UD). Estes eram vistos como os que produziam relações conflitantes com os profissionais e com o serviço, com impactos na produção de atendimentos bem-sucedidos.

Assim, é possível que possa existir hierarquização dos pacientes no cotidiano dos serviços, discriminando aqueles considerados "difíceis". Tal discriminação foi inspirada por estudos sobre a assistência a mulheres em situação de violência,15,16,18,19,1 1 Kiss LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP; 2004. em que os profissionais de saúde precisam lidar com um tema de natureza sociocultural, que consideram não pertencente ao campo da saúde. Esses profissionais referem-se ao tema como questão desagradável e problemática: atender à violência vivida seria como abrir a "caixa de pandora", portadora de desgraças e infortúnios humanos.18 Assim, eles se vêem na contingência de lidar com múltiplos agravos e sofrimentos decorrentes da violência, mas creditam as dificuldades dessa assistência como decorrentes das atitudes dessas mulheres. Estudos15,16 elaboraram a noção de "pacientes difíceis" do ponto de vista assistencial, adotada no presente trabalho. Tais pacientes representam situações desmotivadoras para os profissionais e são tidas por eles como produto de certas características da paciente: o caso "difícil" passa a ser uma "pessoa difícil".

De modo semelhante, o uso de drogas significa uma complexidade a mais na assistência. A analogia aqui é feita em termos da usual compreensão do uso de drogas como questão sociocultural, mais do que uma demanda própria à área da saúde, ainda que, tal qual a violência, tenha inúmeras repercussões nesse campo.

Para os profissionais, o uso de drogas, seja no manejo terapêutico, seja na adesão ao tratamento anti-retroviral, implica mudança considerável em seus trabalhos com a Aids, pois às dificuldades desta, conjugam-se outras especificidades do adoecimento decorrentes do uso de drogas.

Essa nova complexidade assistencial pode ser abordada por meio da análise das dimensões do processo de trabalho em saúde tradicionalmente estudadas: a técnico-científico e a organizacional.17 Tais dimensões tratam das normas diagnósticas e terapêuticas e das modalidades de estruturação da produção do cuidado nos serviços de saúde, o que deveria ser especificamente pensado para pacientes vivendo com Aids em uso de drogas. Contudo, destaca-se outra dimensão, pouco estudada e também presente no processo de trabalho da assistência à saúde. Trata-se da investigação da dimensão pessoal/moral, que com as outras duas compõe o agir profissional em seu cotidiano. Como um colóquio singular da técnica no trabalho em saúde, há um espaço importante na tomada de decisões clínico-assistenciais para a inscrição das crenças, valores e até dos preconceitos dos profissionais.11,13,2 2 Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: a interface entre trabalho e integração [tese de doutorado] Campinas: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; 1998. ,3 3 Ribeiro JM. Trabalho médico: ciência, arte e ação na conformação da técnica [tese de doutorado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz; 1995. ,4 4 Schraiber LB. Medicina tecnológica e prática profissional contemporânea: novos dilemas, outros desafios [tese de livre-docência]. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP; 1997. Isto ocorre, principalmente, quando há um vazio de definições nas outras duas dimensões. No presente estudo valorizou-se esta dimensão pessoal/moral, com base no entendimento de que a compreensão estereotipada em relação aos pacientes usuários de drogas, com sua conseqüente estigmatização, possa explicar o comportamento, reconhecido ou não, do profissional diante desses "pacientes difíceis".

Tal procedimento, se revelado, pode ser trabalhado em prol da garantia de cuidados ao paciente e não da sua exclusão. Essa forma de aproximação do agir profissional tem como propósito contribuir com a reflexão crítica a esse respeito, subsidiando propostas que possam evitar práticas discriminatórias, bem como recusas em reorientar a ação profissional à assistência de UD vivendo com Aids.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi compreender a possível influência das concepções, crenças e valores dos profissionais de saúde em relação ao uso de drogas em suas práticas assistenciais cotidianas em serviços especializados em DST/Aids.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi realizada em 2002 em duas unidades do setor público, um serviço ambulatorial especializado em DST/Aids e um Centro de Referência DST/Aids, doravante unidades 1 e 2. Elas foram selecionadas por apresentarem maior número de casos notificados de Aids, segundo a categoria de exposição uso de drogas injetáveis,5 5 Coordenação Municipal DST/AIDS. Município de São Paulo, 1º. Semestre/2002, dados preliminares. São Paulo; 2002 tendo seus profissionais mais contato e experiência no atendimento desses casos.

Foram convidados a participar do estudo profissionais de diferentes categorias, de nível médio e superior e com pelo menos um ano de trabalho no local, tempo mínimo de serviço que permitisse conformar trajetórias profissionais no atendimento da população usuária.

Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio de entrevista semi-estruturada, contendo ao final uma manifestação por escrito dos entrevistados de "conselhos a seus pares". Adotou-se metodologia utilizada em trabalho anterior14 com o objetivo de coletar e analisar depoimentos de profissionais acerca de seus cotidianos de trabalho, quanto a: gravação; transcrição e conferência de fidelidade das entrevistas; modo de condução das entrevistas e formas de análise. As entrevistas basearam-se em roteiros pré-definidos e pré-testados e tiveram duração média de uma hora. Essa metodologia foi escolhida por favorecer a expressão de crenças, valores, concepções e sentimentos em relação ao objeto do estudo.14,6 6 Nemes MIB, organizador. Aderência ao tratamento por anti-retrovirais em serviços públicos de saúde no Estado de São Paulo. Brasília: Ministério da Saúde; 2000.

O roteiro da entrevista constituiu-se dos itens: 1) descrição do trabalho de assistência, relatos de ações do cotidiano profissional desde o início da participação no serviço, caracterizando a trajetória profissional e sua percepção acerca das dificuldades e possibilidades assistenciais; 2) relação percebida entre adesão ao tratamento e uso de drogas; 3) experiências pessoais e/ou familiares com uso de drogas, bem como sua opinião, em geral, acerca desse uso como questão social e de saúde; 4) percepções e representações acerca do trabalho em saúde no contexto de sobreposição entre Aids/uso de drogas.

Para análise dos dados usou-se os seguintes quadros referenciais: processo de trabalho em saúde,7,11,13 estigma e discriminação,4,10 e invisibilidade de temas sociais ou culturais na saúde.15,16

O primeiro quadro referencial serviu de base para se discutir as interfaces entre os profissionais e seu trabalho, quanto à capacidade técnico-científica e à dimensão pessoal/moral. As referências sobre estigma e discriminação serviram para discutir as concepções acerca do uso de drogas e, no interior desta, a invisibilidade na assistência enquanto sua maior problemática, fundamentada em estudos sobre invisibilidades similares.15,16

A análise do material empírico foi temática e deu-se a partir da leitura de cada relato individual, dentro da técnica de impregnação, seguida da leitura transversal do conjunto dos depoimentos.14 Os achados foram tratados segundo quatro blocos temáticos: o trabalho com HIV/Aids; a percepção sobre os pacientes com HIV/Aids; o uso de drogas: concepções e valores; o trabalho com paciente HIV/Aids em uso de drogas. Estes dois últimos serão o alvo principal do artigo.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e foi garantido o sigilo e anonimato dos depoimentos.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os 22 profissionais entrevistados estavam há seis anos nos serviços, compondo-se em equipes de trabalho (Tabela).

A clientela atendida nos serviços estudados foi de 12,5% e 14,4%, respectivamente nas unidades 1 e 2, não apresentando como categoria de exposição ao HIV o uso de droga injetável. Assim, não foi possível estimar o uso de outras drogas entre seus usuários.

Quando questionados sobre o início do trabalho com Aids em comparação com a situação no momento da entrevista, os profissionais genericamente relataram que sentiam os serviços mais estruturados, com sistematização dos atendimentos, disponibilidade na terapia medicamentosa e capacitações para lidar com questões relacionadas ao HIV/Aids. Também em termos gerais apreciaram como bom o desempenho do serviço. As dificuldades referidas foram relacionadas a: área física, serviços de referência e contra-referência para algumas especialidades e adesão ao tratamento anti-retroviral.

Destacam-se, a seguir, depoimentos médicos, que expressaram de forma mais significativa os temas analisados.

Uso de drogas: concepções, valores e estereótipos

Em relação ao uso de drogas foram observadas concepções diferentes entre os entrevistados. Alguns profissionais afirmaram que o uso de drogas é sempre ruim, "a pior coisa do mundo", mas é referido como prática de escolha de cada um, ressaltando o prejuízo para o indivíduo. Outros o relacionaram à busca de prazeres, busca essa entendida como socialmente valorizada nos dias de hoje, remetendo a problemática do uso de drogas para o campo sociocultural.

Para alguns, o uso de drogas dever-se-ia a experiências pessoais e afetivas, como carência, desesperança, desestrutura familiar e vivência de violências. Para outros, devia-se a aspectos sociais estruturais, como a miséria, o desemprego e a falta de oportunidades. Poucos, porém, estabeleceram interfaces entre o pessoal e o social na experiência de vida dos usuários. Freqüentemente o uso de drogas foi visto como "doença", não o considerando de origem pessoal ou social.

Os profissionais relataram que as principais drogas utilizadas por seus pacientes foram álcool, maconha, cocaína aspirada e crack. Poucos referiram pacientes usuários de droga injetável.

A maioria dos entrevistados relatou não ter experiências pessoais com drogas, nem entre familiares ou amigos. Tanto estes, quanto os que revelaram ter tais experiências, referiram adotar a mesma conduta: orientar a interrupção do uso e indicar tratamento. Os profissionais relataram que os pacientes usuários de drogas, especialmente os usuários de álcool e crack são considerados os mais "difíceis". Segundo os resultados das entrevistas, isto se dá pela menor aderência ao tratamento antiretroviral e por esses pacientes apresentarem comportamentos indesejáveis: são indisciplinados, tumultuam e acarretam problemas aos serviços. Os pediatras também ressaltaram que os pacientes UD, como pais de clientes, são difíceis, pois ao abandonarem o seu tratamento, também interferem no tratamento de seus filhos expostos ao HIV.

"Eu acho que o que dá mais problemas mesmo são os dependentes de drogas, entendeu? Isto realmente acaba, eu pelo menos tenho tido uma boa parte dos abandonos do tratamento... eles não tem essa capacidade de fazer adesão". (Médica)

Perguntados pelos pacientes considerados mais "fáceis", os entrevistados referiram mulheres, em geral; todos os que aderem e que seguem orientações; e os que não dão trabalho no atendimento.

"... têm aquelas mulheres, as casadas que pegaram a doença através do marido... então elas se tratam direitinho....". (Auxiliar de enfermagem)

Trabalho com paciente HIV/Aids usuário de drogas

Foram grandes as dificuldades relatadas pelos profissionais de saúde para lidar com pacientes usuários de drogas. Alguns as justificaram pelo preconceito, referido às pessoas em geral, e pela dificuldade do próprio paciente em revelar.

"... não abordar muito essa coisa de droga... essa coisa de droga ainda tem muito preconceito, por mais que a gente ache que está liberal para estar orientando, falando a respeito do uso da coisa... mas ainda tem esse preconceito, essa barreira que tem entre o profissional e o usuário, ainda tem." (Auxiliar de enfermagem)

Alguns profissionais relataram não reconhecer UD entre seus pacientes e sentiam necessidade de se preservar acerca de tudo que envolve o uso de drogas. Ou seja, não perguntam e não se interessam. Outros acreditavam que quanto maior o vínculo com o paciente mais fácil é a revelação; mesmo assim, esta é sempre uma iniciativa do paciente.

"... às vezes depende muito da abertura e de como tá a consulta na hora... mas não é uma coisa muito rotineira de ficar abordando... quando a gente percebe que o paciente tá querendo falar alguma coisa, aí eu tenho que dar abertura, mas não é uma coisa que fico perguntando e questionando". (Médica)

Os profissionais referiram que pacientes UD não conseguem aderir adequadamente ao tratamento, mas sempre voltavam ao serviço. Quando questionados, alguns ficaram surpresos por nunca terem se perguntado porque esses pacientes retornavam ao serviço. A partir desta reflexão, a maioria acreditava que os pacientes procuravam atenção, apoio e escuta, pois muitas vezes viviam sozinhos, ou a família não os apoiava.

Não obstante a grande importância dada à adesão ao tratamento medicamentoso, alguns entrevistados lembraram que esse tratamento nem sempre é a maior demanda dos pacientes UD, indicando que talvez, por medo da morte, alguns pacientes retornavam ao serviço em busca de amor e carinho, enquanto que outros viriam atrás dos benefícios, dadas as dificuldades socioeconômicas. Assim, na opinião dos profissionais o serviço de saúde também seria visto como espaço social para convivência ou atenção à pobreza.

Os profissionais tiveram dificuldades em responder se atendiam às necessidades desses pacientes, pois perceberam essa complexidade no processo da entrevista. Mas, acreditavam que eram acolhedores, estabeleciam vínculo e estimulavam a adesão, embora esta fosse prejudicada por situações de miséria e pelas questões sociais.

Os profissionais também foram enfáticos ao afirmar que tratavam todos os pacientes de forma igual, sem distinção. Assim, percebiam-se agindo de modo igualitário. No entanto, reconheciam que parte das necessidades do paciente ficava descoberta.

"Eu acho assim, enquanto profissional médico, não interessa se a pessoa é prostituta, ou se ele é homossexual, se ele é travesti, aqui tem tudo isso..., são todos pacientes e você enquanto uma pessoa, um médico, um ser humano, você não pode questionar nada entendeu..." (Médica)

Assim, embora todos os entrevistados achassem que o uso de drogas compromete a adesão ao tratamento da Aids, isto não chegaria a ser um fator impeditivo. No entanto, de forma geral os profissionais reconheceram-se como pouco treinados e pouco informados acerca do uso de drogas e de sua relação com o tratamento da Aids.

"Eu acho que é uma limitação o nosso desconhecimento, eu me revelo absolutamente ignorante em relação a isso tá,... o uso de drogas concomitante com a Aids e com a medicação, o que acontece..., eu sei lá..." (Pediatra)

Quanto aos limites e possibilidades em lidar com drogas nos serviços, a maioria respondeu que, embora os UD fizesse parte da clientela, achavam que eles deveriam ser encaminhados para serviços específicos. Os UD não seriam de sua competência profissional.

Os profissionais referiram a sensação de impotência pela ausência de recursos para o encaminhamento do paciente e apontaram limites institucionais relacionados à falta de equipamentos e articulação com outros serviços para referência de exames e internações. Alguns alegaram limites pessoais, de ordem emocional, para lidar com o uso de drogas e referiram que não "tinham perfil" para atender UD. Embora não tivessem esclarecido exatamente qual seria este perfil, a princípio locavam-no em atributos pessoais e emocionais. As condições sociais dos pacientes foram consideradas aspectos importantes no que se refere às dificuldades no acompanhamento de suas necessidades.

O despreparo técnico em lidar com o uso de drogas, constituindo "fator angustiante e limitante", em suas atuações e para qualquer tipo de diálogo que se relacionasse ao uso de drogas foi apontado como limite profissional. Ainda que identificassem falha na formação para tratar UD, os entrevistados não mostraram interesse em se capacitar.

"... a droga é muito presente na vida do paciente, o segredo maior é isso... nós vamos ver, porque a gente não pode interferir, então a gente convive passivamente com isso... a gente não aborda porque a gente não pode fazer nada... a gente fica meio que alienado". (Enfermeira)

Dentre as possibilidades de melhoria do atendimento nos serviços, alguns pontuaram a criação de grupos de pacientes conduzidos por profissionais especializados; outros a melhoria das condições sociais do paciente, o que poderia resultar em melhor adesão ao tratamento; e a melhoria do acolhimento na unidade, ainda que isto devesse ser atribuição de outro profissional.

No âmbito externo aos serviços, os entrevistados referiram duas possibilidades: a necessidade de serviços de saúde especializados em atendimento de UD para encaminhamento dos pacientes em geral; criação de serviço específico para atendimento de UD vivendo com HIV/Aids. Os profissionais reconheceram os próprios serviços como inadequados para essa finalidade.

"... se a gente criasse um serviço de droga dentro do serviço de aids, seria uma dimensão tão absurda que a gente não absorveria, né?... teria que ter serviços especializados e num número muito bom... colocar todos esses dependentes dentro do serviço de aids seria perigoso, porque acho que teria que ter uma estrutura própria direcionada só para isso... eu acho que mais complexo do que lidar com o HIV é lidar com a droga". (Enfermeira)

Em relação ao PRD como política institucional para abordagem do uso de drogas, implantada nos serviços de Aids em 2001 e 2002, a maioria dos profissionais referiu saber da existência de "um projeto". Alguns achavam que a efetividade do programa era incipiente e outros consideravam que, naquele momento, havia um grande empenho para que esta atividade desse certo. Somente um dos entrevistados estava envolvido no programa. Os demais justificaram o não envolvimento por considerarem "não ter perfil", colocando que "alguém" deveria assumir, e não concebendo a atividade como rotina do trabalho de todos.

"... esse programa vem sendo desenvolvido por esse grupo, eu acho que eles devem estar atingindo os objetivos deles..." (Nutricionista)

A visão dos profissionais em relação ao PRD ficou bastante dividida, embora poucos conseguissem responder sobre o seu funcionamento na sua unidade. Muitos colocaram a questão como um "equívoco histórico", pois a "população de UDI não seria significativa na época para justificar a dimensão da proposta".

"... não sou totalmente favorável, eu acho que o momento já passou! A impressão que me dá é que esse momento que tinha que fazer esse trabalho já passou..." (Médica)

Recorrendo ao item do roteiro "conselhos que daria a seus pares", chamou a atenção o uso de termos que podem estigmatizar esses pacientes e receios no lidar com eles, ainda que alguns se dispusessem a oferecer escuta e acolhimento.

"Eu não tenho um conselho específico, mas o mais importante, é não ter medo, mas não se arriscar ao lidar com 'drogaditos'. Na dificuldade de lidar com eles, sempre dividir o atendimento com outro profissional. E se não conseguir, passar o caso para outro profissional mais capacitado". (Depoimento anônimo)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa permitiu detectar algumas concepções e valores dos profissionais em relação aos pacientes usuários de drogas nos serviços estudados. Os achados reiteraram resultados de estudos sobre a perspectiva de profissionais de saúde acerca do uso de drogas e a abordagem de pacientes de Aids especificamente.3,9,12 A abordagem dos profissionais de saúde sobre o uso de drogas registrada no presente estudo também guarda semelhanças com aquela sobre a violência contra as mulheres.18,19,1 1 Kiss LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP; 2004. Dado o pronunciado caráter sociocultural do uso de drogas e da violência contra as mulheres, os esforços por abordá-los como questão de saúde reiteram a percepção profissional de que tais temáticas não seriam do escopo dos profissionais de saúde. Ao afirmarem constantemente que os determinantes dessas situações seriam, ora de responsabilidade estritamente individual, ora produto da estrutura social, os profissionais expressam sentimentos e representações de que, no âmbito da saúde, pouco se pode fazer. O uso de droga, deste modo, torna-se questão de saúde apenas pelos agravos decorrentes, os quais deveriam ser tratados, independentemente do fato de serem ocasionados pelo uso de drogas.

O uso de drogas mostrou-se questão que trouxe tensões para o cuidado à saúde do paciente. A sobreposição das situações de uso de drogas com estar vivendo com HIV/Aids foi considerada uma das principais dificuldades no acompanhamento dos pacientes, trazendo o tema da incapacidade técnica do profissional, já que o uso de drogas foi apontado como situação específica e diversa da assistência às pessoas vivendo com HIV/Aids.

Foi ambivalente, portanto, a percepção dos entrevistados acerca do que fazer diante do fato de que os pacientes UD retornam constantemente aos serviços apesar de não aderentes ao tratamento, pois ao mesmo tempo reconhecem e recusam demandas especiais desses pacientes.

Os achados do presente estudo confirmam os de Castanheira et al7 7 Castanheira ERL, Capozzolo AA, Nemes MIB. Características tecnológicas do processo de trabalho em serviços de saúde selecionados. In: Nemes MIB, organizador. Avaliação da aderência ao tratamento por anti-retrovirais em usuários de ambulatórios do sistema público de assistência à AIDS no Estado de São Paulo. Brasília: Coordenação Nacional DST/AIDS. Ministério da Saúde; 2000. p. 133-69. (2000), que constataram a dificuldade dos profissionais em lidar com histórias de vida dos pacientes relacionadas ao abuso de drogas, que muitas vezes entravam em conflito com suas concepções e valores, levando ao distanciamento de suas relações com estes pacientes.

Nemes6 6 Nemes MIB, organizador. Aderência ao tratamento por anti-retrovirais em serviços públicos de saúde no Estado de São Paulo. Brasília: Ministério da Saúde; 2000. (2000) e outros autores1,2 mostraram que condições como: desemprego, situações de encarceramento, falta de moradia fixa, pouca experiência do médico no atendimento a esses casos, e a idade do UDI interferiam em seu tratamento, mais do que o próprio uso de drogas.

Os UD foram sempre, a priori, considerados pessoas "difíceis". A transfiguração de caso difícil em pessoa difícil,15 resulta no "mau paciente". Esta situação pode ser considerada como uma das vias ideológicas de construção do estereótipo de casos a serem recusados por princípio e independente das situações particulares e concretas, constituindo o típico mecanismo de dar atributos, que passam a definir indivíduos marginalizados. Exerce-se, desse modo, o poder de excluir indivíduos que apresentam "marcadores" desses atributos,4 como seria a situação de UD quanto a ser sempre uma pessoa difícil.

Constatou-se ainda fazer parte dessa construção ideológica atribuir apenas aos pacientes a dificuldade de falar sobre uso de drogas e não se reconhecer dificuldades por parte também dos profissionais. A representação de que o tema não deva ser de iniciativa dos profissionais reitera a invisibilidade dos UD nos serviços e os silêncios na relação profissionais-usuários. Tal qual em outros temas tão complexos e sensíveis, atribui-se a responsabilidade de explicitar o problema exclusivamente a seu portador.5

Os entrevistados remeteram a ausência de qualquer manejo dos casos, para a falta de competências técnicas. Se a incapacidade técnica em lidar com uso de drogas3,6 destacou-se como um dos principais limites para essa atuação do profissional, o desejo em capacitar-se apareceu ou de forma muito tímida, ou como parte das estratégias de melhoria geral dos atendimentos sem incluir o entrevistado. Portanto, se de um lado as possibilidades de melhor cuidado foram projetadas para realizações futuras e como competência de outrem, de outro lado, colocam em dúvida a capacitação dos profissionais já inseridos nos serviços enquanto medida eficaz de aprimoramento da assistência prestada.

O PRD apareceu como uma estratégia de lidar com a complexidade do tema, apresentando recursos para tal. Não obstante, foi sempre referido com estranhamento: muito importante, mas para outros atuarem.

O uso de drogas, através das questões de invisibilidade, silêncio, estereótipos e recusas de atuação, é possivelmente um tema que permite elucidar demandas não reveladas dos pacientes que dificilmente são tocadas no cotidiano dos atendimentos. Por isso permite também resgatar elementos fundamentais da eqüidade, entre eles a relevância de uma política e de propostas assistenciais que aprimorem o cuidado em saúde nestas situações.

Assim, discutir a sobreposição Aids/uso de drogas mostrou-se importante como reflexão crítica que oferece subsídios para outros estudos e propostas de melhoria da qualidade dos serviços especializados. O presente estudo mostrou a necessidade de repensar questões relativas aos direitos na assistência aos pacientes, pois evidenciou de que modo a cultura na saúde, bem como importantes aspectos do agir profissional, podem interferir na elaboração e consolidação de políticas de eqüidade assistencial.

Recebido: 8/8/2006

Revisado: 27/2/2007

Aprovado: 21/7/2007

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  • Correspondência | Correspondence:
    Lilia Blima Schraiber
    Departamento de Medicina Preventiva Faculdade de Medicina - USP
    Av, Dr. Arnaldo, 455
    01246-000 São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
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  • 3
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      21 Jul 2007
    • Revisado
      27 Fev 2007
    • Recebido
      08 Ago 2006
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